VRAINS - O Mundo Conectado.

Capítulo um, parte um: O Evento "Duel Quest"


— Meu turno! Sacar!

Em uma televisão aleatória, num canal especializado em transmitir duelos profissionais ao vivo - o EDPN, Entertainment and Dueling Programming Network -, uma belíssima jovem, idolatrada em todo o território nacional, duelava contra um oponente não tão conhecido. O nome da duelista famosa era Beatrice, a "Sakura Azul". Ela possui um corpo esbelto, com proporções e medidas relativamente pequenas para a média brasileira e é um pouco alta, medindo seus um metro e setenta. É dona de cabelos azuis extremamente sedosos e muito bem cuidados, afinal ela é praticamente uma idol brasileira. A duelista tem aproximadamente dezoito anos e já ganhou rios de dinheiro, tanto com as premiações dos torneios que vence quanto com publicidade. O duelo era transmitido juntamente da trilha sonora do próprio Mundo Virtual que acompanhava a batalha.

— Ativo, da minha mão, o efeito da "Solista, a Cantora Melodiosa"! Quando apenas meu oponente controla um monstro, ela pode ser invocada especialmente da minha mão! — Beatrice colocava a carta no disco de duelo.

Imediatamente depois, uma linda criatura virtual surgia, com texturas praticamente reais. O vestido da moça era tão bonito quanto o que sua invocadora usava, mas com seus traços únicos, cores vibrantes e diversos acessórios, sendo o principal deles um enorme chapéu com uma espécie de asas douradas, que lembravam um pouco um capacete das Valquírias da mitologia nórdica.

— E, com a Solista, vem ela: "Canon, a Diva Melodiosa"! — A duelista exclamava enquanto seguia fazendo o seu combo. — Ela pode ser invocada especialmente, já que agora eu controlo uma "Melodiosa"...

Do lado de fora dessa batalha virtual, haviam dois comentaristas. Obviamente, na "sala de duelo" estavam apenas os duelistas e toda aquela cena estava sendo transmitida ao vivo, diretamente a partir do Mundo Virtual, com toda a edição e produção, além da equipe da emissora cobrindo o evento. Não só isso, como também era possível assistir essa partida por diversos telões na cidade, pois as partidas oficiais, principalmente do Campeonato Brasileiro de Yu-Gi-Oh!, são tão esperadas quanto a final do Brasileirão, de futebol.

— Oh! Olha lá! Olha lá! Lá estão elas, meus telespectadores! Vocês sabem o que isso significa, não é? — Dizia Leonel Castor, um dos comentaristas principais, que assume a função de narrador e eleva a empolgação do público com o duelo.

— Certamente ela está armando aquela Invocação-Link, Castor. Vai fazer aquele Link e, provavelmente, o oponente não vai ter como responder. Ele não tem cartas de armadilha ou magia setadas mas, talvez, ele tenha alguma handtrap. Vamos aguardar pra ver... — Complementava Marcos Beltor, comentarista auxiliar, que se focava mais na análise técnica dos duelos.

— Invocação-Link! Eu utilizo minhas queridas companheiras - Canon e Solista - como materiais e então eu trarei ela... Aquela que possui a mais harmoniosa voz! As mais graciosas investidas dos duelos! Apareça, "Harmonista do Florescer, a Compositora Melodiosa"! — Tudo o que Beatrice fazia era gracioso. A forma como ela colocava as cartas ou removia-as do disco de duelos era com uma delicadeza e finesse impressionante. Utilizando um par de luvas brancas, ela garantia que suas cartas permaneceriam sempre muito limpas e bem cuidadas, pegando-as com todo o cuidado, mas sem perder a velocidade e dinamismo dos movimentos. O vestido de Beatrice balançava quando a Harmoniosa aparecia em campo, esta que, por sua vez, provocava uma breve ventania com sua chegada, além de produzir uma melodia curta, mas contagiante, com sua voz, anunciando sua presença.

— Hah! Apenas um único monstro, com mil de ataque? O que acha que ele fará contra meu poderoso "Dragão Branco de Olhos Azuis"? — O duelista oponente, que realmente não era ninguém conhecido, comentava em cima da jogada da garota. Ele trajava um terno chique e tinha o cabelo muito bem cortado, mas seu rosto era completamente esquecível. Era uma das primeiras partidas das chaves do campeonato e, por isso, os duelistas mais famosos que costumam chegar às finais com frequência precisavam duelar contra os mais inexperientes.

— Efeito da Harmonista! Ela recebe mil pontos de ataque para cada monstro "Melodiosa" utilizado para invocá-la, apenas neste turno! Além disso: Posso banir, do meu cemitério, duas cartas “Melodiosa” e então destruir uma carta no campo! — Beatrice complementava sua jogada enquanto encarava fixamente seu oponente. Não apenas o Dragão, como o duelista. A garota sempre mantinha uma postura padrão, independente de contra quem estivesse duelando. Raramente alguém conseguia tirá-la do sério e ela sempre parecia ser alguém extremamente culta e ponderada.

— O que?! Três mil pontos de ataque e ainda vai remover o meu dragão? Não pode ser! — O duelista do dragão começava a se desesperar, sua derrota era iminente. Ele olhava para a própria mão mas nada podia fazer. Quando a câmera da emissora passava próxima do rapaz, pegando um ângulo por trás dele, na intenção de mostrar a mão do jovem ao público, percebia-se que ele cometeu um erro fatal. Ele possuía um “Choro de Prata” na mão mas, mesmo sendo uma magia de Efeito Rápido, ele não podia ativá-la no turno do oponente caso ela não estivesse setada no turno anterior. Um erro de principiante.

Beatrice não teve pena de seu adversário. — Os turnos graciosos são os que mais aparecem vitoriosos. Harmonista, mostre ao oponente qual é o baralho mais gracioso! — Imediatamente depois, o monstro invocado pela duelista sequer saía do lugar. A Melodiosa atacava seu oponente com fortíssimas ondas sonoras, que produziam uma melodia bonita, no entanto tão potente que provocava vibrações e ventanias, fazendo vários pequenos cortes nas roupas do jovem. Ele era levemente empurrado para trás e sentia um grande desconforto. Seus pontos de vida eram reduzidos a zero e o duelo terminava.

Não apenas em diversas TVs espalhadas pelo mundo, como também em um enorme telão, dentro do Mundo Virtual, esse duelo estava sendo transmitido. Ali, no meio de uma enorme multidão, encontrava-se Carlos Amorim. Bem, na verdade, sua persona online, "K-Lin". Uma contração extrema do diminutivo do nome do rapaz. Ele é um garoto de dezesseis anos, estudante, que passa grande parte dos seus dias duelando, seja no jogo de computador “Yu-Gi-Oh!: Master Duel” ou no mais recém lançado, “Yu-Gi-Oh!: Mundo Virtual”. O segundo era um jogo completamente diferente de tudo que já havia sido visto no mundo. Era um título que possuía seu próprio console, um equipamento exclusivo para rodá-lo, afinal ele se conectava diretamente com o cérebro do usuário, fornecendo uma experiência sensorial extremamente realista.

Enquanto observava o duelo, Carlos ficava analisando as jogadas. Não demorou muito para que o jovem desdenhasse do desempenho do jogador que havia perdido. Pensava coisas como “Típico jogador querendo imitar o Seto Kaiba” ou “E não setou o choro? Chorou na pica!” e diversos outros pensamentos depreciativos. Também pensava que poderia ser ele ali mas que, para isso, teria que finalmente dar as caras como influenciador. “Não, eu não estou pronto.” ele retrucou a si mesmo.

“Tá legal. É hora de parar de jogar com esse deck de merda iniciante. Porra, eu tenho tantos decks bons nos mais diversos jogos de Yu-Gi-Oh! e tenho que ficar com essa porcaria aqui no VRAINS? Nem fodendo.” O garoto martelava com seus próprios botões. O primeiro passo que Carlos havia tomado era, inicialmente, avaliar suas opções para conseguir novas cartas. Obviamente, ele precisaria dos famosos Tokens de Duelo, a moeda corrente dentro do Mundo Virtual. Para isso, ele poderia fazer uma série de missões solo ou se arriscar com seu baralho de iniciante nas partidas de jogador contra jogador. Apesar de sua impulsividade, acabou escolhendo o modo supostamente mais seguro.

Havia diversas maneiras de se fazer dinheiro. As mais conhecidas eram: Partida de Aposta no Coliseu; Partida Ranqueada no Coliseu; Exploração de cartas para venda no mercado, de acordo com o valor; Missões de evento. Por ser um jogo ainda em lançamento, havia diversas missões disponíveis para que o jovem pudesse se aventurar e conseguir suas novas cartas para fortalecer ou até mesmo montar do zero um baralho mais competitivo. No Mundo Virtual, uma grande quantidade de cartas presentes nos outros jogos, como Master Duel, ainda não estão disponíveis. Muitos agradeceram pelo “Número 86” não ter entrado no jogo.

O jogo tocava uma bela música, mas que aos ouvidos dos consumidores mais ávidos da franquia, era bem conhecida e não tinha nada de especial. Realmente a Konami estava reciclando suas músicas de outros jogos para ambientação do Mundo Virtual. De toda forma, a ambientação sonora era bem feita. O vasto ambiente combinava com a trilha. Carlos estava no meio de uma enorme praça, com diversas árvores, no meio de uma cidade fictícia bastante tecnológica. Nos céus, era possível notar diversas "pranchas" especiais, que corriam em alta velocidade. Pareciam utilizar trilhas invisíveis, que surgiam quando as motos passavam por elas. Eram os "Speed Duels!", onde duelistas reduziam seus baralhos pela metade, duelavam em movimento e utilizavam habilidades especiais e exclusivas desta categoria para fazê-lo.

Estava bem barulhento. Os jogadores ao redor, a maioria recém cadastrado, interagiam entre si. Nos arredores, havia diversos locais acessíveis, lojas de cartas, lojas de acessórios e afins. Na região norte, um imenso coliseu, onde, provavelmente, aconteciam os principais duelos da região. Logo acima de uma enorme logo escrita “Coliseu”, um telão. O mesmo que transmitia o duelo de Beatrice contra o duelista desconhecido.

Ao sul, a entrada da cidade, era onde localizavam-se "Os quarteirões". Os jogadores com maiores quantidades de recursos poderiam alugar um local para si, o qual poderia ser uma loja ou mesmo uma residência. Era a entrada da cidade, basicamente.

Ao leste, entradas triangulares que davam até um gigantesco portão adornado. Representava a entrada para as localizações dos eventos. Diversos deles ocorriam em tempo real. Era, inclusive, possível visualizar uma imensa torre ao fundo. Indo para aquela direção, os jogadores seriam capazes de explorar o mundo em busca de cartas raras, as quais poderiam ser encontrados em dungeons, florestas, desertos, obtidos de duelos contra NPCs especiais ou mesmo roubadas de outros jogadores em zonas do mundo onde os jogadores desafiados eram obrigados a aceitar o duelo (no maior estilo Albion Online).

E, por fim, oeste: lojas, muitas delas. Estabelecimentos comerciais diversos, desde oficiais até criados pelos próprios jogadores, onde novas cartas poderiam ser obtidas. Haviam até mesmo cartas NFT, assim como as melodiosas de Beatrice. Somente ela as possuía. O Mundo Virtual é completamente diferente de qualquer outra "economia" de jogos online de Yu-Gi-Oh!, possuindo uma dificuldade elevada em conseguir novas cópias de cartas, requerendo um certo trabalho duro para ter sucesso... Ou gastar muito dinheiro.

A primeira coisa que K-lin fez, depois de assistir aquele duelo, foi tentar procurar algum meio de transmitir sua experiência de jogo. Afinal, como criador de conteúdo, tanto ao vivo quanto pré-gravado, ele precisa estar sempre com uma forma de gravar seus momentos. Ao visitar as diversas lojas daquela praça central, descobriu que havia duas formas: A primeira, com Drones de Duelo, que captavam imagens aéreas ou de qualquer ângulo que o controlador desejasse. A segunda, extremamente mais barata, uma simples câmera, que podia ser acoplada no peito ou na testa, permitindo apenas a captura de um ângulo em "primeira pessoa". Além da facilitação em adquirir uma dessas (era de graça), o jovem Carlos não queria mesmo mostrar seu rosto. Não que fosse fazer alguma diferença, já que os avatares dos jogadores podem ter a aparência que desejarem e certamente o rapaz construiu um personagem bastante diferente de si mesmo... Talvez.

Depois de configurar tudo, era hora de ficar online! Pela primeira vez o garoto estaria transmitindo sua experiência dentro do Mundo Virtual, naquela plataforma de streaming roxa. O título da transmissão era bem peculiar: "FARMANDO PRA CARALHO PRA ME LIVRAR DESSA PORCARIA, CHEGA MAIS MEU NOBRE", enquanto a categoria se configurava apenas como "Link VRAINS". Os seguidores mais fiéis, que recebiam as notificações e não perdiam uma única transmissão, já começavam a chegar. K-lin já podia a ler as primeiras mensagens no chat.

"@Razor1337: Salve K-lin!
@metiemtu: livezada de vrains? botei fé!
@Batima333: É o Klinas vapo"

Assumindo uma parte da personalidade que costuma estar sempre oculta quando Carlos socializa pessoalmente, ele começa a se soltar um pouco e recepcionar as pessoas que estão começando a assistir a transmissão. — Fala, rapaziadinha! Chega junto que hoje a gente vai botar pra foder aqui, vamo farmar até dizer chega. — Ao mesmo tempo em que dizia isso, iniciava um dos eventos: "The Duel Quest!". Era um dos únicos que podia ser acessado diretamente pela interface virtual do jogo, sem a necessidade de se deslocar até um ponto específico da "Cidade VRAINS".

Assim que deu início, o ambiente ao seu redor se desmaterializava em pequeníssimos fragmentos. Ele, no entanto, sentia como se ainda houvesse um chão, mesmo que, visualmente, fosse apenas um limbo escuro. Na frente do rapaz, uma mensagem bem grande, com uma fonte característica.

"CARREGANDO...

Duel Quest é uma masmorra que deve ser explorada ao máximo que puder. A cada cinco andares, você duelará contra alguém do seu nível. Você recebe Tokens de Duelo a cada vitória.

Para prosseguir nos andares da torre, basta decifrar o enigma contido no altar. No décimo andar, você encontrará um chefão. Lembrando: armadilhas presentes da dungeon podem lhe "matar", obrigando-o a reiniciar seu progresso. Duelos a partir do vigésimo quinto andar trazem perdas reais.

Todos os enigmas respondidos erroneamente irão lhe obrigar a realizar uma missão, que lhe transportará para uma região aleatória.

Aviso: não recomendado para pessoas sensíveis à imagens de maior intensidade luminosa."

Dado tempo o suficiente para que o jogador pudesse ler, a aventura se iniciava. A trilha sonora se alterava, agora dando um ar bastante sombrio ao ambiente. O lugar era bem macabro, lembrando um pouco os típicos cenários de esgoto na maioria dos jogos de aventura. Paredes feitas de blocos grandes de pedra, bastante úmidos e pouca iluminação, apenas o suficiente pra que o jogador consiga se guiar. Os tons das poucas luzes predominavam em verde, fazendo até mesmo parecer que era algum tipo de magia que iluminava o local.

— E já começa assim? Bom, espero que valha a pena. Já tô na fissura pra farmar mais cartas. Quando eu tiver um deck pica, vocês vão me ver enfrentando a Beatrice, podem anotar. — O streamer era bem confiante em suas palavras. Dizia como se fosse algo extremamente fácil derrotar uma campeã brasileira de duelos. Enquanto interagia com seu público, seguia caminhando pelos estreitos caminhos daquela suposta torre. Ao final de um corredor, havia uma escada pequena, com apenas cinco degraus. No topo, um altar. Os espectadores respondiam aos comentários. Apenas alguns eram percebidos por Carlos, que já tinha algumas dificuldades em ler o chat normalmente por não conseguir focar no jogo e na transmissão ao mesmo tempo. Além disso, hoje estava relativamente movimentado, pros padrões do canal, por conta do Mundo Virtual ser um lançamento extremamente aguardado. Aproximadamente quatrocentas pessoas estavam assistindo.

"@ZedãoMataVayne: ata que vai vencer a melodiosa kkkkkkkkkkkkkkkk brinca mt
@Nicolas13: kkkkkkkkkkk ó os papo torto do cara
@[MOD]SerenaMeiker: Boa noite, pessoal!"

A partir do momento que a usuária, que tinha privilégios de moderador no chat da transmissão, se manifestava, todo mundo até mesmo parava de prestar atenção na live pra cumprimentar a moça. Diversos comentários marcando o nome de usuário dela, todos respondendo o "boa noite" e sendo bem educados. Obviamente K-lin não deixou essa passar.

— Parem de ficar gadando a Serena, seus virgens. Hoje o ban tá liberado, viu, Serena? Quem falar merda aí pode meter o cacete. — Tudo era dito em tom de brincadeira. As transmissões de Carlos são repletas de humor - do mais baixo nível - e os próprios espectadores tiram muito sarro do jovem, tudo num ambiente amigável de brincadeira. Obviamente, alguns passam do limite, mas estes são rapidamente "eliminados".

Então as missões tiveram prosseguimento. A princípio eram enigmas muito simples. O jogador tinha uma informação talhada no altar de pedra e precisava responder ao que ela se referia. "The Forbidden One"; "The Tormentor"; "The Sky Dragon"; "The Winged Dragon" e diversas outras cartas clássicas eram as respostas para estes supostos enigmas. A torre possuía mais de cem andares, então era compreensível que os primeiros fossem tão simples. Durante o percurso do primeiro ao quinto andar, Carlos havia errado uma questão por ter pensado demais e achado que havia alguma pegadinha. Com o erro da questão, ele foi redirecionado a um ambiente totalmente diferente daquela masmorra. Agora era uma floresta verdejante, com muitas árvores e copas imensas que impediam parcialmente a iluminação. Os espectadores não perdiam tempo em tirar onda com o streamer.

"@BlackLotus22: kkkkkkkk mai eh uma mula memo
@Briankomeketo: que jumento kkkkk
@duelinksplayer: mt burro kkkkkkkkk n é possível K-lin, pq q se acha q seria isso? Nada a ve lek kkkkkkk
@shino1234: ta aí, a parte mais legal desse evento! Nunca me senti tão bem ambientado em um mundo assim."

Na frente dele, surgiu uma criatura. Uma bolota de pelos, com dois olhos bem grandes, sem nariz, sem boca, com dois bracinhos e duas perninhas, todos com pequenas garras. Também possuía um par de asas. Não era apenas um Kuriboh e sim um Kuriboh Alado. A floresta ao redor, apesar de parecer grande, possuía espaços abertos bem definidos. Encontrar o Kuriboh parecia difícil em um primeiro momento, entretanto, quando K-lin olhava para as árvores, percebia as asas da criatura transparecendo. Levava cerca de vinte segundos para encontrar. "O pai é foda demais, caralho" ele pensou. O chat estava bem empolgado com a velocidade que o influenciador havia encontrado, visto que o jogo havia dado três minutos inteiros para essa busca. O foco do rapaz era tanto que até mesmo passou a deixar de ler as mensagens que recebia, por um tempo.

Depois de ser teleportado de volta ao altar onde havia errado o enigma, dessa vez K-lin respondeu corretamente. O enigma incorreto era o quarto. Já o quinto foi respondido de imediato, pois era bem fácil de identificar a resposta. Com o acerto, agora era a hora de ser desafiado para um duelo, contra alguém de mesmo ranque. Eram as regras do jogo, afinal.

Toda a visão ficou branca, praticamente cegando a todos, tanto o jogador que transmitia quanto seus espectadores. Aos poucos, o ambiente foi tomando outra forma, agora uma floresta. Diferente da anterior, esta era bem mais escura e um pouco sombria. Parecia estar de noite, também. Enquanto a outra floresta era mais fechada, dificultando a caça ao Kuriboh, esta era mais aberta, com clareiras bem definidas. Ao olhar para o céu, se confirmava que estava de noite. Uma grande lua avermelhada brilhava, pendurada num véu escurecido e adornada com diversas estrelas ao redor. Era bem bonito.

Carlos havia sido transportado até uma espécie de arena natural, com um gramado alto, cobrindo metade das canelas. De frente para ele, um outro garoto, seu adversário. Era levemente mais alto, com um porte físico padrão, cabelos loiro escuro e olhos esverdeados. Tinha um fenótipo bem padrão de um Carioca: pele um pouco escura pelo sol, rosto quadrado e um biotipo tendendo mais pro ectomorfo.

Uma música diferente começava a tocar. Ela tinha todo um clima próprio, que fazia parecer que aquele duelo seria pelas vidas dos duelistas. Na verdade, era apenas um duelo amistoso, com o prêmio de passar para o andar seguinte. Mas a música tema certamente combinava com o ambiente. Enquanto observava o lugar, o oponente de Carlos acenava, já se preparando para o duelo.

— Então você é meu adversário? Haha! Ótimo. Enfim, vou duelar! — Posicionava seu disco de duelo. Eram forçados a começar. — Assim que eu gosto! Sem enrolação!

— Fala, parceiro. — O streamer cumprimentava de volta, além de adicionar uma provocação. — Pronto pra levar uma sova? Pois pode me chamar de padeiro!

Enquanto ambos trocavam palavras, uma moeda gigante era lançada ao ar no meio do campo de duelo, gerenciada pela própria engine do jogo. Ela caía ao chão e fazia-o tremer, por conta de seu tamanho e peso. Em seguida, ela se erguia, ficando com o lado dourado apontado para Carlos e o lado preto apontado para seu oponente. Isso significaria que K-lin iria ser o primeiro a jogar.

Ambos os olharam um para o outro e proferiram ao mesmo tempo.

"Duelo!"

— Beleza! Vou começar ativando uma carta mágica: "Regras antigas"! — Ao ativar a magia, um enorme pergaminho flutuava sobre o campo, em seguida entrando em combustão. As chamas se direcionavam para o céu, enquanto a carta utilizada era colocada dentro do espaço apropriado no disco de duelo, que seria o Cemitério. — Ela me permite fazer a invocação especial de um monstro de nível cinco ou mais da minha mão. E eu escolho... O Escudo do Milênio, em modo de defesa! — Assim que ele colocava a carta no disco de duelo, um grande escudo se materializava. Adornado com um olho egípcio em sua parte frontal e algumas gemas incrustadas no topo, o monstro fincava-se na terra, pronto para defender seu invocador.

— Além disso, vou fazer uma invocação normal. Apareça, "Cavaleiro-Gema Safira"! — Imediatamente após ser invocado, o cavaleiro colocava uma das mãos no próprio peito, como se fizesse uma saudação militar, enquanto encarava seu oponente. Estava em modo de ataque, mas não tinha nenhuma arma em mãos, então apenas fazia flutuar algumas gemas ao redor de suas mãos.

— Mas isto não é tudo! Agora, do meu deck adicional... Invocação-Link! Mostre-se, "LANforrinco"! — Tanto o Escudo do Milênio quanto o Cavaleiro-Gema eram encobertos por uma aura vermelha, que aos poucos os desmaterializava. Aproximadamente a dois metros de altura, um enorme quadrado com setas apontando para todas as direções aparecia. As auras avermelhadas dos monstros usados como material partiam diretamente para duas das setas: a do canto inferior esquerdo e direito. Em seguida, a partir do centro deste quadrado que lembrava uma espécie de portal, surgia um dragão cibernético alado. Branco, pequeno e com apenas duas asas, sem patas.

— Além disso, ativo minha carta de magia: "Sucessão do Legado Mundial"! Ela me permite escolher um monstro no cemitério e invocá-lo pra uma zona onde um monstro Link meu aponte. Então, de volta, o "Escudo do Milênio", em modo de defesa! — Novamente, da mesma forma que antes, o escudo se materializava na frente de Carlos, fincando-se ao chão, como se fosse uma parede impenetrável.

— Agora, uma ultima carta da mão: "Perdição Silenciosa"! Posso escolher um monstro Normal do meu cemitério e também colocá-lo em campo, mas esse não pode atacar. Não que isso importe, ele tem zero de ataque mesmo! Então, volte à vida, Cavaleiro-Gema Safira! — Uma mão gigante surgia dos céus e o braço de Carlos era puxado para cima, involuntariamente. A partir do disco de duelo, a mão mágica puxava o Cavaleiro-Gema do dispositivo e o colocava em campo novamente, esvaecendo em seguida em diversos pedacinhos.

— Por ultimo, antes de encerrar minha jogada! Invocação-Link! Dessa vez, usarei meu próprio Link como material, além do Cavaleiro-Gema! Então, venha a mim! "Sabre Gaia, a Sombra Relâmpago"! — Assim como anteriormente, os materiais se dissiparam e se reuniram no gigantesco símbolo no ar, apontando para a direita, a esquerda e abaixo. Este símbolo estava um pouco mais baixo dessa vez e completamente virado na direção do oponente. Depois que a invocação estava completa, saía do portal um cavaleiro cibernético montado em um cavalo de metal. Ambos esbanjavam diversas luzes em seus corpos, principalmente na lança do cavaleiro. A chegada foi triunfante, com o cavaleiro dando um salto para fora do portal e depois parando em sua respectiva posição no campo. Por fim, apontava a lança para o oponente.

— Sua vez, parceiro! — K-lin estava muito confiante com seu combo. Havia invocado um monstro com uma defesa extremamente alta e ainda possuía uma forma de atacar o oponente. Precisou gastar muitos recursos da mão inicial, mas não se pode culpá-lo: O baralho é horrível mesmo.

O primeiro turno se encerrava. Dava-se início ao turno do oponente, que estava até que espantado com o primeiro turno que havia acabado de acontecer. Não era muito comum um combo com um baralho de iniciante. Os baralhos de iniciantes geralmente são apenas monstros normais, algumas magias de suporte e uma ou outra armadilha. O jogo não permite o jogador começar com um baralho muito bom, a menos que pague por ele.

Com o disco de duelos em mãos, o oponente arregalava os olhos. — Deu um jeito de encaixar link? — Apertava os dentes. Dava um passo para trás, e, em seguida, ao acompanhar todos os seus movimentos, respirava fundo e sorria novamente. Batia palmas. — impressionante! Parece ter um deck inicial bastante poderoso. Foram movimentos graciosos. Usar as "Regras Antigas" foi uma ótima ideia. Mas bem, vamos ver como posso contra-atacar! Sacar! — Ele puxava uma carta de seu baralho. Sorria. — Seto um monstro e coloco duas cartas viradas para baixo! — Permanecia confiante, enquanto apertava as sobrancelhas. — Pode jogar. Ataque com tudo que puder!

Carlos havia gastado todas as cartas da mão inicial naquele combo anterior. Seu oponente ainda tinha três cartas na mão. Agora o rapaz precisaria contar com ótimos topdecks para poder manter a pressão no campo.

— Sacar! — Ele puxava uma carta do baralho. Era uma armadilha "Tufão". Não haveria muito o que fazer com ela, então o rapaz apenas decidiu atacar. — Acha que não vou atacar só porque tem duas cartas setadas? Eu sou o cara mais impulsivo que conheço! Não tenho medo disso! Vamos, Gaia! Ataque esse monstro virado pra baixo! — E o cavaleiro investiu contra a carta. Ao virar-se para cima, era apenas um "Dragão de Fogo da Terra Negra". O réptil alado foi perfurado pela lança do cavaleiro, enquanto encobria o próprio corpo com suas asas. Nenhum dano foi causado ao duelista. Carlos colocou aquele Tufão virado pra baixo e encerrou sua jogada.

O oponente ainda sem nome estava com uma maré de azar. Na verdade, o baralho dele não permitia grandes jogadas e era praticamente impossível de responder ao campo inicial que o streamer havia montado. Na virada do turno, durante a Draw Phase, Carlos havia sacado mais um "Escudo do Milênio". Ainda não era possível fazer algo com isso. Então apenas destruiu o monstro setado do oponente e passou a jogada.

O duelo permaneceu alguns turnos assim, com o duelista oponente sendo obrigado apenas a colocar monstros virados pra baixo. Ele ainda tinha uma esperança, mas precisaria dar muita sorte de sacar seu único "Dragão Branco de Olhos Azuis".

"Dai Inesperado" era a próxima carta puxada do baralho de K-lin. Ele também não poderia fazer nada com isso, de momento. Atacou, manteve o campo limpo, mas não tinha números para continuar seu ataque, contando apenas com a força de Gaia.

No turno seguinte, o oponente colocou mais um dragão virado pra baixo. Seu baralho era inteiramente feito de dragões e magias ou armadilhas para dar suporte. Ele tinha um "Senhor dos Dragões" na mão, além de uma "A Flauta para a Invocação dos Dragões", mas de nada adiantaria sem seu Olhos Azuis. Os monstros dragão do duelista eram fracos demais em poder de ataque para lidar tanto com Gaia, quanto com o Escudo. Ele apenas poderia contar com seu dragão prateado.

— Talvez seja tarde demais pra você tentar buscar alguma coisa, parceiro. — K-lin provocava, mas também constatava um fato. — Ativo, novamente, minha carta mágica: "Regras Antigas"! E eu invoco... O "Escudo do Milênio"!

— Um segundo?! — O garoto loiro sorria de forma entortada. — Você fabrica essas cartas, por um acaso?!

— Vamos dizer que eu tive um pouquinho de sorte nos meus primeiros packs, hehe. — E o de cabelos negros dava uma piscadela. — Passo meu turno, camarada!

Agora a vantagem, que já estava pendendo para o lado do streamer, se mostrava ainda maior para ele. Não apenas contava com um monstro de dois mil e seiscentos de ataque, como também contava com uma dupla de monstros com três mil de defesa. Era um campo extremamente forte, ofensiva e defensivamente.

A carta tão esperada pelo domador de dragões não havia aparecido. Ele sabia que estava perto de alguma derradeira derrota, mas ainda não sabia ao certo como iria perder. Sua jogada padrão: setar um monstro e passar o turno. Ele não podia fazer nada além disso.

Ambos os jogadores estavam com seus oito mil pontos de vida. A batalha estava perdurando um pouco mais do que o esperado, principalmente quando se pensa no padrão de duelo de jogos como "Master Duel", que tende a acabar logo nos primeiros turnos. No Mundo Virtual era tudo diferente. Os novatos só podiam ter monstros que batem ou que defendem. Efeitos? Isso não existe. Os jogadores precisam procurar e conquistar suas cartas com efeitos.

K-lin havia sacado uma "Coroada do Cálice Mundial". Se tudo fosse de acordo com os planos, eventualmente ele teria seu abate. — Eu seto este monstro. — E a carta aparecia no campo, virada pra baixo, com o característico redemoinho de fogo estampado. — Batalha! Ataque novamente o monstro dele, Gaia!

Diversos dragões já haviam sido destruídos. "Dragão Filhote"; "Dragão do Brilho"; "Dragão Alado, Guardião da Fortaleza #2"... O oponente começava a ficar sem recursos, mas conseguia sobreviver da forma que fosse possível. Ele preparava sua jogada. Tudo na expectativa de poder virar o jogo com o Dragão Branco.

— Quero ver quantas dessas você vai ter antes de começar a perder seus pontos de vida. — K-lin provocava, sabendo que o oponente estava encurralado e apenas podia ficar sacrificando monstros pra não perder a partida de imediato.

— Hehe... Muitas! Ativo minha carta mágica... "Montanha"! — E uma das coisas mais emocionantes acontecia, para quem nunca tinha visto algo assim em um jogo: Todo o campo era alterado visualmente. Todas aquelas árvores caíam, espatifando em milhares de pedacinhos. O gramado dava lugar a um chão de pedra. Não apenas isso, como ambos os jogadores eram empurrados pro alto. Muito alto. Agora estavam praticamente em meio às nuvens daquele céu noturno. Abaixo de seus pés, uma enorme montanha havia surgido.

— Uau! Isso foi... Irado! — O rapaz que era o jogador daquele turno respirava fundo e sorria alegremente. — Seto um monstro e passo! Ainda tenho oito mil pontos de vida!

— Heh, veremos por quanto tempo, meu chapa. — O jogador de cabelos escuros disse, quase com um sorriso assustador por ter visto a carta que sacou. "Eu sei que ele tem muitas cartas armadilha ainda em campo, mas eu não consigo resistir de meter aquele combão gostoso." o rapaz pensava. Então, ele fazia algo que parecia ser absurdo. — Eu mudo todos os meus Escudos do Milênio para o Modo de Ataque! Também faço uma Invocação por Virar, revelando minha belíssima "Coroada pelo Cálice Mundial"!

— Heh? Por que faria algo assim? Tá maluco? Olha a defesa absurda dele! — O oponente respondia, sem entender nada. Dava um passo para trás. Erguia sua sobrancelha. — Está tão desesperado assim?

— Eu? Não... Mas você vai ficar... Hahaha! — Uma risada extremamente confiante e até um pouco debochada. — Eu ativo minha carta mágica: "Escudo e Espada"! O ataque e a defesa de todos os monstros virados pra cima foram invertidos!

— Essa carta! — O sorriso otimista do loiro não desaparecia. Entretanto, era evidente a felicidade desaparecendo de seu rosto, de maneira gradual. — Impressionante. Então você tem um combo como esse! Heh... — Arregalava os olhos e engolia em seco, aguardando pelo pior.

— Vamos, meus escudos! Tornem-se minha espada! Gaia, destrua esse monstro. Escudos, ataquem em seguida! Coroada, dê o golpe fatal, mas seja gentil! — K-lin dava diversos comandos para seus quatro monstros em campo. Outrora eram apenas monstros com potenciais defensivos imensos, agora se tornaram tratores e iriam atropelar seu oponente. Dois monstros com três mil de ataque. Um monstro com dois mil e cem. E, além de tudo, o monstro que estava na Zona Adicional, com dois mil e seiscentos. Mesmo com um monstro defendendo o oponente, era possível acabar com seus pontos de vida apenas neste turno.

Assim que a fase de batalha era chamada, a trilha sonora mudava. Então a derradeira fase final daquele duelo começava. A princípio, Gaia avançava contra o monstro dele, cavalgando em seu cavalo cibernético. A carta se virava, revelando ser apenas um "Dragão Vivendo na Caverna". Ele estava praticamente dormindo e era perfurado pelo golpe, sendo estilhaçado em pedaços de "vidro" digitais. Em seguida, os escudos descravavam-se do chão. Ambos avançavam ao mesmo tempo, dando o que um guerreiro medieval chamaria de escudada. Os olhos adornados dos escudos se chocavam contra o corpo do garoto, que era jogado pra trás com força, duas vezes. Ele estava de joelhos.

— Heh... — O adversário se levantava. Espreguiçava-se, e, sorridente, encarava o jogador que estava prestes a vencer. — Vai ser difícil me acostumar com essa sensação... — Suspirava, permanecendo com um sorriso no rosto. Observava o campo, sabendo que receberia o próximo ataque. — Quem estou querendo enganar? Este jogo acabou... Mas antes que você acabe comigo... Posso saber qual o seu nick? O meu é Ryan.

— Claro. Me procura na roxinha também, esse duelo foi streamado pra... — Carlos dava uma pausa pra olhar o contador de espectadores. — Oitocentas pessoas! — Deu uma piscadela pra ele em seguida. — O nome é "K-Lin". A letra "K", um traço e depois Lin. L-i-n. Tipo Lindo, mas só Lin mesmo.

Arregalava os olhos e dava mais um passo para trás. — O quê?! V-V-Você é streamer?! — Quase tropeçava. — Woah, woah! Argh... — Recuperava o equilíbrio. — Então passei vergonha pra umas oitocentas pessoas? — Colocava a mão atrás da cabeça, dando uma risada desconcertada. Fechava os olhos, desferindo um sorriso entortado. — Oi, chat... — Acenava. — Mas bem, não tenho preconceito com streamers!

— Valeu pelo duelo, Ryan, você parece ser gente fina... Mas isso não significa que vou pegar leve com você... Coroada, finaliza ele! — Então a garota, com seu cajado, conjurava uma magia de vento. Como Carlos havia pedido, ela estava "pegando leve", usando uma magia que não o machucaria muito, apenas o suficiente pra arrancar seus pontos de vida finais.

— Aargh! — Sentia o desconforto de ser atacado pela rajada de vento, até o momento em que tinha seus pontos de vida zerado. Os arredores começavam a se esbranquiçar e, enquanto todo aquele cenário se despedaçava, K-lin escutava as últimas palavras do rapaz, o qual desaparecia posteriormente. — Vou ver seu canal! Aproveita e me adiciona também!

Em letras garrafais, com a fonte característica do Mundo Virtual, era anunciada a vitória do influenciador.

"YOU WIN!"