- Decidiu lembrar da amiga, é? - Valentine atendia em tom de deboche.

- Algo estranho aconteceu ontem a noite. Acho que só você pode me ajudar. Uma figura apareceu em minha janela. Avisou-me que eu teria apenas sete dias...

- Homem ou mulher? - de uma hora para outra, a amiga pareceu extremamente interessada no assunto e, até mesmo, assustada. A preocupação, talvez, fosse tão grande que transbordava para o outro lado da linha.

- Homem...

- Bonito?

- Valentine, estou falando sério. Invadiram a minha casa ontem a noite. Vim te pedir conselho e você não deixa de lado essas suas brincadeiras infantis! - Livia estressava-se.

- Eu também estou falando sério. Quero saber se o moço era atraente ou não, ora...

- Não era feio. Tinha uns olhos marcantes, impactantes. Pareciam ter força o bastante para me matar com um simples olhar. Era um pouco velho, deveria ter uns cinquenta anos... Se aproximou tão rapidamente de mim que... não pude evitar...

- Te estuprou?

- Não. Claro que não! Mas me fez desmaiar, com um simples toque.

- Pescoço?

- Como sabe?

- Vou até ai te ver. Não saia daí. Já chego. Sinto que precisa de mim. Beijinhos - Valentine desligou o telefone.

A amiga não demorou a chegar com seu jeito todo extravagante. O vestido escarlate colado junto ao corpo mostrava claramente o contorno de suas harmonicas curvas. Enquanto a voz imponente, conversava em altos tons e anunciava a própria chegada:

- LIVIA! Demorei muito? Espero que não... Adorei sua roupa. Olhe para mim. Deixe-me ver seu pescoço. - atropelava as palavras.

Valentine pensava numa velocidade tão espantosa que, por pouco, sua fala não era capaz de acompanhar seus pensamentos. Também não pensava duas vezes. Uma só estava lá de bom tamanho. Era espontânea como ninguém. Tinha tanta presença que sozinha já preenchia todo o ambiente. Livia, por outro lado, era um pouco mais precavida e tentava pensar duas, três, ou quatro vezes antes de excecutar uma ação. Algumas vezes, porém, o impulso a guiava e, cegamente, seguia seus instintos mais animalescos. Era um destes momentos.

Livia mostrava o pescoço, sem muito pensar. Valentine, por sua vez, analizava-o cuidadosamente. Observava a pequena marca de contorno marrom e enchimento vermelho onde um pequeno sinal da cruz se mostrava presente, em alto relevo. De tão minúsculo, era quase imperceptível, mas nenhum detalhe fugia dos olhos atentos da moça que, sem demora, passava os dedos sobre o ferimento e tomava notas mentais a respeito da textura áspera que, sem dúvida nenhuma, ajudava a distinguir este caso dos casos comuns.

- Livia... - a voz de Valentine lentamente sumia. De longe, era possível ouvir seu coração assustado, disparando em amplos lapsos de agitação.

- O que houve? - perguntava desconfiava.

- Melhor não nos vermos... até a semana que vem.

O olhar antes tão atento mostrava repleto de segredos, escondidos às sete chaves. O clima, naturalmente, ganhava ares de tensão e desconfiança. As moças se entreolhavam, eriçando os pelos do corpo, fortificando a visão do local, como se preparassem para atacar ou fugir. Os punhos fechados de Valentine mostravam que sua reação poderia ser mais breve do que se esperava. Mas, no fundo, ela tinha tanto medo quanto a amiga.

- Semana que vem vai ser tarde demais. Tine... Vamos, me diga o que está acontecendo. E diga logo. - Livia tentava voltar ao estado de humanidade de ambas.

- Não posso. - respondia à tentativa.

- O homem disse que posso morrer em sete dias. - assumia um tom de choro.

- Procure um médico. Ele deve saber evitar a sua morte. E se não puder, não vejo por quê eu poderia. - o tom frio era desproporcional à amizade.

A mulher de vestido escarlate se dirigiu à porta. A outra, manteve-se estática, observando a sua saída. O silêncio deixava que os passos ecoassem pelo chão de madeira. Em pouco tempo, Livia estava sozinha novamente.