O choro veio prontamente aos olhos da mulher. O rosto molhado era fruto de uma angústia e de um desconforto jamais sentidos. Tinha, nos lábios, o gosto da morte iminente. Nos olhos, o mesmo desamparo de uma criança abandonada pelos entes mais queridos. Nas mãos, aquele tato áspero do próprio pescoço. Na mente, as oração de uma mulher descrente em religião.

A solidão fazia se perderem todas as suas possibilidades de vida. O silêncio corrompia seus pensamentos. Deveria ser o mesmo silêncio mórbito e eterno que teria em breve... Silêncio desgraçado. Como alguém poderia descansar em paz assim? O desespero lhe vinha. A porta quebrava o silêncio, rugia ao longe, anunciando a chegada de alguém à casa.

A menina correu para o quarto. Trancou-se e ficou a se observar junto ao espelho. O relógio, ao lado dele, tick-takeava as horas próximas ao encontro marcado. Livia, enfim, respirava fundo. Com a certeza única de que Heitor conseguiria acalma-la novamente. Egoistamente, pedia baixinho que ele estivesse junto a ela durante a anunciada morte, queria leva-lo consigo. Balançava, então, a cabeça, como se pudesse afastar as ideias bizarras com movimentação, assim como se faz com moscas.

Obviamente, não funcionava.Tapeava o próprio rosto, obrigando-se a concentrar-se no encontro com o namorado. Sorria forçadamente para o reflexo no espelho. Ele deveria acreditar que estava bem. Pegou, então, um pouco de base, de pó, de batom, de blush... Disfarçava seus sentimentos de angústia com maquiagem. Aumentava os olhos inchados com lápis, coloria a face pálida.

Logo estava calma, distraída pela própria imagem. O reflexo do espelho, sem qualquer dúvida, estava certo de sua forjada melhora psicológica.

Em pouco tempo, renovara a alma. Era outra mulher. Não tinha mais as preocupações bizarras que perseguiam a sua vida desde a noite anteior. Preocupava-se apenas com o que era deveras fundamental. Nada de pensar em morte, em ferimentos, em sangue, em demônios...Pensava em seu vestido azul, em como retocaria a sua maquiagem e em que sapato usaria. Passara quase duas horas trancada no quarto, observando-se no espelho e se ajeitando. Afinal de contas, essas eram as verdadeiras importâncias do momento.

Estava tão ansiosa quanto uma garotinha em seu primeiro encontro. Certamente, não era o primeiro. Mas talvez fosse o último... e como sabem, o fim e o começo estão sempre ligados. As emoções são sempre as mesmas. Há os mesmos sorrisos, as mesmas lágrimas...A mesma boca mordendo mesmo rabo da mesma cobra, renovando o mesmo ciclo infinito das velhas lendas...

O rosto perfumado era, sem dúvida nenhuma, novo. Ganhara ares de madame muito chique e, talvez, um pouco supérfila. Nesse pouco tempo estava pronta e já arrumada.

Calçava um sapato de cinquenta minutos e se dirigia às beiradas do telefone, esperando que um toque anunciasse o começo da noite com a maravilhosa chegada de seu tão esperado amado para buscá-la ao encontro dos sonhos e todo esse blablablá dos contos de fadas. O toque soou como badalada dos sinos que acompanham o início de cada festança religiosa.