─ Minha menina se move tanto, Aloah ─ seus olhos brilhavam.

─ Não quero estragar a alegria de vossa majestade, mas como sabe se é mesmo uma menina? E se por acaso for um homenzinho?

Sophia, deitada em sua cama, deslizou as mãos por sua enorme barriga.

─ As mães sentem essas coisas. Quando for mãe, vai saber como é.

A gestação estava em sua segunda estação ─ a gravidez fora descoberta no Outono. Agora o inverno que fora tão rigoroso estava começando a dar lugar ao sol. A Primavera não demoraria a chegar. O momento em que sua menina viria ao mundo se aproximava.

Aloah pegou uma escova de cabo de prata e pôs-se a escovar o longo cabelo castanho de sua rainha.

─ Papai, estou com medo!

O emaranhado de cabelos ruivos se agarrava ao pescoço do pequeno cavalo.

─ Você insistiu em aprender a montar, Rubra Rosa ─ apontou Serafim. ─ Eu lhe disse que essa não era uma atividade para mulheres.

─ Mas eu quero ─ choramingou a pequena.

O rei revirou os olhos e sorriu. O que ele não faria por sua filha?

Afinal, não era uma coisa tão de homem assim. Ela precisaria aprender a montar caso estivesse em perigo e sem ninguém por perto para defendê-la.

─ Se quiser montar um cavalo, não pode ter medo de fazê-lo. Se os animais sentem que você não está confiante, então eles também ficarão inseguros.

─ Mas estou com medo de cair!

─ Rubra Rosa, ser dominado pelo medo é uma escolha. Pode escolher recuar sempre que sentir medo, ou pode enfrentá-lo e seguir em frente com coragem.

O rei sorriu. Os enormes olhos verdes da menina estavam atentos a tudo que ele lhe dizia.

─ Agora diga: Não estou com medo.

─ Não estou com medo.

─ Você acredita nisso?

─ Sim!

─ Então faça como eu lhe ensinei. E mantenha os olhos abertos!

Rosa incitou o pônei a avançar, com a determinação típica de criança. E então ela conseguira cavalgar sozinha pela primeira vez.

─ Muito bem ─, gritou seu pai. ─ Agora pare!

A menina puxou as rédeas, e o animal parou.

─ Agora volte!

Rubra engoliu em seco, fez o pônei dar meia volta e trotou para seu pai. Ele a tirou da sela e envolveu-a em um abraço.

─ Minha pequena é tão inteligente e corajosa! Estou orgulhoso de você.

Rubra Rosa armou seu sorriso mais doce e beijou a face do rei.

─ Mamãe ─ gritou uma nuvem de cabelos ruivos entrou no quarto dos reis, ─ papai me ensinou a montar!

─ Que ótimo, meu amor ─ aprovou Sophia, fazendo carinho na cabeça da menina. ─ Onde está seu pai?

─ Foi caçar. Ele disse que volta para o jantar.

Houve uma batida na porta.

─ Entre!

O soldado entrou e fez uma profunda reverência.

─ Majestade.

─ Há algo errado?

─ Capturamos uma bruxa que insiste em lhe falar.

Uma energia estranha percorreu o corpo da rainha. A criança se mexeu em seu ventre.

Sophia semicerrou os olhos.

─ Onde está ela?

─ No calabouço, senhora.

─ Aloah, fique com Rubra Rosa ─ a ama tomou a menina nos braços. Levantando da cama, voltou-se para o guarda. ─ Você! Leve-me até o calabouço.

Mais cedo, naquele dia...

Isabella desarmou o acampamento ao meio da manhã. Faltava menos de meio dia de viagem para chegar ao vilarejo onde residia sua nova protetora. O dia estava menos frio que o anterior, o que significava que a primavera se aproximava. O coração da moça, no entanto, a cada dia perdia um pouco de calor.

Quando chegou a uma bifurcação viu que ao longe no caminho da esquerda, em sua direção, vinha uma pessoa puxando uma carroça, porém, devido aos casaco, capa e gorros, Isabella não podia dizer se era homem ou mulher. Quando a lenta figura caiu de cara neve e não parecia capaz de reerguer sozinha, Ella foi em seu socorro.

A mulher parecia ter entre 45 e 50 anos, suas roupas tinham tonalidades tristes e estavam sujas de algo semelhante a borralho.

─ Muito obrigada, menina. ─ agradeceu a senhora, com expressão profunda. ─ Por ter ajudado essa pobre estranha, lhe darei um de meus pertences ─ Isabella neste momento notara que a carroça estava cheia de quinquilharias e algumas trouxas. A mulher curvou-se sobre os objetos e tirou de lá um espelho de busto (que colocou no chão, apoiando-o contra a roda), uma lâmpada a óleo e uma bolsinha fechada por um cordão.

─ Pode escolher um dentre estes três artefatos. Mas não se deixe enganar: cada uma de suas decisões, por mais insignificantes que pareçam, definirá o seu destino.

Isabella mordeu a língua para não rir. Jamais acreditara em destino ─ que dirá que objetos tão comuns ─ seriam capazes de interferir em sua vida. A lâmpada parecia de ouro, mas não tinha como ter certeza disso. A bolsa não lhe interessava. Mas aquele espelho... era lindo. Fazia algum tempo que Ella não via sua própria imagem, e esquecia que tinha um lindo rosto corado e belos cabelos loiros.

─ Vou levar o espelho ─ declarou, ainda fitando seu reflexo. Mas quando se abaixou para erguê-lo do chão, a mulher agarrou seu pulso e numa voz profunda, disse:

─ Sua beleza é a única coisa que lhe resta. Por ela você cairá, e por ela se levantará, mais alto do que alguém jamais esteve. De sacrifício em sacrifício, a última lâmina pairará sobre sua cabeça.

Isabella estava pasma.

─ Sacrifício?

─ O assassinato de um parente será o início da agonia. Vingança e poder, aquele que oprime será sobrepujado por quem sofre a opressão. Ébano, neve e sangue selarão seu destino.

Assim que a senhora soltou o pulso da garota, ouviram-se sons de cascos e gritos de "A bruxa está ali!", "Peguem a bruxa!", vindos da estrada da esquerda.

Por um momento pensou que estivessem atrás dela, mas então se deu conta de que a mulher acabara de fazer uma profecia sobre ela. Só uma bruxa seria capaz de ver o futuro.

Ella sabia que deveria devolver o espelho, mas não conseguia largá-lo.

─ Essa bruxa machucou você? ─, indagou um dos cavaleiros, que acabara de desmontar seu animal.

─ Na-não...

─ O espelho é seu?

Isabella confirmou com a cabeça.

─ Certo. Então continue seu caminho e deixe-nos cuidar disso.

A garota baixou a cabeça e avançou na estrada em linha reta, ousando olhar para trás algumas vezes. Os guardas bateram na vidente, amarraram seus pulsos e tornozelos, jogaram-na sobre um cavalo como se fosse uma trouxa de roupas e voltaram pelo caminho de onde vieram.

Agora essa mesma bruxa estava no calabouço e pedia para ver a rainha. Sophia não sabia exatamente por que estava atendendo ao pedido de uma mulher vil, que se deitava com Satanás. Talvez fosse a curiosidade ─ nunca antes um prisioneiro havia solicitado sua presença e, dada a ausência de Serafim, não havia ninguém que pudesse impedi-la de cometer tal loucura.

Chegando a cela, Sophia dispensou o guarda e aproximou-se cautelosamente da porta.

─ Esperava que não viesse, Majestade ─ disse uma voz na escuridão. ─ Imagino que está curiosa para saber o que quero.

Não havendo resposta, a prisioneira saiu do escuro e aproximou-se da porta. Hematomas lhe enfeitavam o rosto, seus cabelos castanhos claro estavam desgrenhados, e suas roupas, imundas.

─ Porém, maior do que sua curiosidade é o desejo de se fazer importante. Prometeram-te um reino para governar quando se casasse, mas é sempre frustrada por todos, porque seu marido é o rei, e eles jamais cumpririam leis de uma mulher.

Sophia engoliu em seco.

─ O que você quer? ─ sua voz saiu trêmula.

─ Quero lhe dar uma mensagem.

A bruxa agarrou-lhe o pulso através das barras e proclamou com voz profunda:

─ Seu desejo foi atendido. Terás uma filha com a pele branca como a neve, e sua vida será árdua como o inverno; terá os cabelos escuros como o ébano, e seu caráter será tão nobre quanto essa madeira; seus lábios serão vermelhos como sangue, e sua ascensão se dará por ele.

─ Conte-me mais ─ exigiu a rainha.

─ O seu sonho será realizado pelas mãos de suas filhas. Sua morte será a queda do reino ─ então soltou a monarca. ─ Isso é tudo o que posso dizer.

─ Não! Precisa me dizer tudo! Eu tenho que evitar essas desgraças!

─ Ninguém pode fugir do seu destino.

A rainha foi tomada pela maior fúria que já sentira em seus 26 anos. Escrava dos sentimentos gritou:

─ Guarda!

O homem chegou o mais rápido que pode e fez uma breve reverência.

─ Sim, majestade?

─ O julgamento não será mais necessário ─ declarou, com fria calma. ─ Essa mulher acaba de dizer coisas sobre o futuro, tentando me tentar. Queime-a numa pira imediatamente.

─ Como desejar, majestade.

Quando o guarda saiu arrastando a bruxa de mão atadas, esta repetiu:

─ Ninguém pode fugir de seu destino.

Seu detentor de lhe um soco, e os sons de seus passos ecoaram pelo calabouço.

"Ninguém pode fugir do destino?", pensou Sophia. "É o que veremos. Não vou deixar que minha família e meu reino caiam em mãos erradas."

Caminhando lentamente, dirigiu-se para fora das masmorras. Sabia exatamente o que precisava fazer.