Nós estávamos distantes do inverno absoluto, mas ainda assim o vento gelado atravessava a cidade, espalhando neve e uivos por todos os lugares que conseguisse alcançar. Assim que saí da sessão de Arquivos Especiais da biblioteca oficial de Belobog, enrolei o velho cachecol ao redor do meu pescoço, deixando espaço suficiente apenas para que minha respiração pudesse escapar através das dobras do tecido.

Quando retornei para a cidade algumas semanas atrás, percebi que os anos que passei longe dela, nos campos nevados onde a pesquisa tomava forma, não foram suficientes para que eu pudesse passar despercebido pelas ruas. Como costumavam dizer, um forasteiro em Belobog sempre será um forasteiro, não importando quanto tempo tenha se passado. Tentei ignorar os olhares descontentes lançados em minha direção à medida que eu passava em frente a algumas lojas e casas, concentrando-me nos livros que eu mantinha em minhas mãos. Se eu conseguisse acelerar as traduções pendentes, em breve eu poderia escapar da cidade novamente. Com uma pitada de sorte, eu poderia inclusive conseguir uma expedição em outro planeta às custas da CPI.

Embora eu pudesse ignorar completamente a movimentação incomum dos guardas que treinavam na praça central da cidade, não posso dizer que a recíproca era verdadeira. Não levou muito tempo antes que eu percebesse o barulho de passos na neve atrás de mim, seguindo-me mesmo depois que eu havia mudado minha rota três ou quatro vezes seguidas.

"Eles vão começar a comentar se você mudar subitamente a rota de patrulha por causa de um estrangeiro, sabia?"

Parei meus passos. Tentei parecer suficientemente convincente para que ele parasse de me seguir, mas a verdade é que eu não fazia a menor ideia de como puxar assunto ou encará-lo depois de tanto tempo. Especialmente após descobrir que aquela criança prodígio havia se transformado no capitão da Guarda Crinalva.

Ele parou quando se deu conta de que eu também havia parado. Mesmo que eu não tivesse me virado de frente para ele, eu sabia exatamente como descrever o rapaz loiro parado a poucos metros de mim. A expressão dele ainda era a mesma: quieta, disciplinada e focada. O olhar que ele lançou em minha direção era afiado, o que o tornava difícil de ler para aqueles que não o conhecessem.

O silêncio durou minutos, que foram preenchidos pelo vento frio e pelas vozes das pessoas ao longe. Apertei os livros com um pouco mais de força entre os meus dedos e então puxei o ar para dentro dos pulmões.

"Já faz um bom tempo. Como você está?"

"Bem." Quando ele finalmente falou, seu tom era sério, monótono e indiferente. "E você?"

"Vou melhorar se você disser o motivo de ter me seguido. Por acaso eu quebrei alguma regra?"

"Não, você não fez nada de errado." A resposta foi clara e direta. "Só estou cumprindo minha obrigação de manter a cidade a salvo."

"Você sabe que eu não sou uma ameaça."

Olhei ao redor, aliviado ao perceber que ninguém parecia prestar atenção em nossa tentativa de conversa.

"A cidade está bem e eu também ficarei assim que minha pesquisa acabar e eu puder ir embora. Não voltei para causar problemas, pode acreditar."

"Então você continua com as pesquisas? Entendi... Qual é o tema desta vez?"

"A arquitetura das antigas construções e sua relação com os preceitos do culto de Qlipoth. Assim que as traduções forem concluídas, o Conselho deseja anexá-las aos arquivos dos aspectos estruturais que os outros pesquisadores do time desenvolveram e..."

No meio da fala, percebi que não havia propósito em continuar discutindo detalhes técnicos, especialmente quando o que mais me incomodava em tudo aquilo era a falta de um nome em específico na equipe.

"Teria sido ótimo se a Serval estivesse na equipe. Sinto falta dela."

Um traço de emoção ligeiramente distinto apareceu no rosto dele.

"Oh... Então você e Serval trabalharam juntos em algum momento do projeto?"

"Quem dera." Por fim, eu acabei baixando a guarda. "A única vez que trabalhamos juntos foi na época do colégio."

Após alguns instantes, finalmente me dei conta de algo. Levantei a sobrancelha e me virei para encarar Gepard pela primeira vez desde que nossa conversa havia começado. "Você não se lembra de mim, né?"

Quando ele finalmente pode me ver, ficou claro que ele havia me confundido com outra pessoa. Ele inclinou a cabeça para o lado, tentando identificar minha feição.

"Você... Você é o..."

"Cardielo. Estudamos juntos por uns... cinco anos?"

Os olhos do rapaz se arregalaram e ele pareceu surpreso ao se dar conta de quem eu era.

"Você?!" A voz de Gepard mudou do tom monótono e sério para um tom calmo e gentil.

"Sim, eu." Eu ri. "Você, por outro lado, não mudou quase nada... Exceto que agora é mais alto que eu."

As bochechas dele coraram levemente, como se ele não estivesse acostumado a ouvir isso. Quando ele sorriu, sua expressão se tornou mais amigável.

"Depois de tanto tempo, eu quase esqueci seu rosto."