Nick sentiu a areia gelada sob seus pés. Ele apreciou a sensação. Os aquecedores enormes do outro lado da praça Saara ainda estavam em fase noturna, por isso estava frio. Judy sentou-se no topo da duna, com os olhos fixos na praia à frente. E Nick sentou-se ao seu lado, estendendo o olhar até o horizonte.

À sua direita, os trilhos elevados do trem seguiam numa curva elegante até as duas ilhas no centro da grande baía. À sua esquerda, as praias faziam um grande arco, dando a impressão de que faziam parte de um terreno maior, mas Nick sabia que era só ilusão. Zootopia era uma ilha.

Mais à diante, quase na linha do horizonte, do outro lado da imensa massa de água, as montanhas cobertas de verde formavam uma espécie de cálice.

O negrume do céu estava lentamente se tornando azul, e várias nuvens apareceram, coloridas em tons de rosa e alaranjado. Nick parou de prestar atenção no horizonte quando Judy se remexeu ao seu lado.

Ela abraçou o próprio corpo, e Nick viu que seus braços e seu rosto estavam arrepiados. Ela deu um pequeno sorriso quando disse:

— Está frio, não acha?

Nick cruzou os braços.

— Por quê será que eu sempre digo a você pra trazer um casaco e você nunca traz?

Judy apenas olhou para ele com os olhos suplicantes. Nick cedeu.

— Tá bom, - ele disse – vem cá, Hopps.

Judy sentou-se em seu colo, apoiando a cabeça em seu peito. Nick a enolveu em um abraço apertado, transmitindo-lhe calor.

Judy suspirou.

— Quem precisa de casaco?

— Eu não disse que o passeio ia ser muito romântico?

Judy deu um soco no peito de Nick.

— Raposa boba.

Nick simplesmente olhou para o infinito. O céu ficou mais claro, e a escuridão foi diminuindo gradualmente. Nick pôde divisar com clareza quando o disco dourado começou a subir, imerso no centro do “cálice” que as montanhas formavam. A água começou a refletir o sol criando uma das cenas mais lindas que Nick já vira.

Judy tirou uma foto no exato momento em que o trem passou, trazendo em seu interior mais mamíferos do mundo todo. O trem foi-se e eles permaneceram ali, observando a paisagem mudar. As ondas chocando-se com a areia. A brisa fresca contrastando com o calor que começava a subir.

Não havia como o momento ser melhor.

— Sabe, Judy – Nick disse – Eu até gosto do trabalho e tal, mas eu curtia mais momentos como esse quando vendia patoles.

Judy riu, se afastando do peito de Nick para encará-lo.

— Ah, então você preferia a vida de criminoso?

— Não é bem isso, é que... – Nick não tinha muita certeza do porquê estava falando aquilo, mas não conseguiu parar. – Eu não consigo me acostumar com esse ritmo. Parece que temos um caso atrás do outro, sempre correndo. É como se todo mundo dependesse de nós...

Judy se assustou com o desabafo. Nick não costumava falar muito sobre si mesmo, até para ela. A coelha pensou um pouco, olhando nos olhos verdes de Nick.

— É por isso que temos que aproveitar bem esses pequenos momentos, certo?

Nick não pareceu ter prestado muita atenção ao que ela havia dito, mas o tom dele quando continuou era mais divertido:

— Todos parecem viver em torno do trabalho. Como no "Zootopian dream” – ele abriu os braços, como se visualizasse um cartaz. – eu acho que a vida é mais do que trabalhar. Veja você, por exemplo: seu maior sonho era se tornar policial. Um trabalho. Até sonhamos com o trabalho. Agora que conseguiu, qual é o seu próximo sonho?

— Bem... – Judy ainda estava surpresa com a repentina reflexão sobre futuro com Nick. Resolveu provoca-lo. Ela cutucou-o nas costelas – ter uma família, talvez...

De repente, Judy se deu conta do que quase dissera. Esse era um dos tópicos delicados sobre o casamento entre espécies diferentes.

Filhos.

Era biologicamente impossível espécies diferentes terem filhos juntas. Ela ficou muda.

— Vê? – Nick disse – estamos tão focados em salvar a cidade vez após vez que nem sabemos o que queremos. Não prestamos mais atenção aos problemas que realmente importam.

Judy deixou o silêncio tomar conta enquanto abraçava Nick novamente. Ela não tinha nada a dizer.

Eles ficaram ali, encostados um no outro aproveitando a paisagem, sem dar a mínima para o tempo. Permaneceram ali até a areia começar a ficar desconfortavelmente quente. Só então levantaram, e Nick olhou para o relógio. 10:56. Ele olhou assustado para Judy. Eles haviam passado a manhã toda ali, sem fazer absolutamente nada.

E não estavam nem aí.

Nick e Judy saíram da praça Saara a pé (não tinham nada pra fazer), e caminharam sem rumo pela savana central, uma das coisas que eles mais gostavam de fazer. todos achavam estranho que eles gostassem de simplesmente andar, conversar e olhar em volta. Nada interessante. Nenhum programa específico.

Mas eles amavam ver o movimento, a diversidade e o colorido da cidade. nunca era cansativo observar as diferenças. Era próximo à hora do almoço quando Nick e Judy sentiram seus celulares vibrarem quase ao mesmo tempo.

Eles tiraram o celular do bolso e sorriram ao ver que haviam feito o mesmo movimento juntos. Depois checaram o celular. Ambos haviam recebido a mesma mensagem de Garramansa.

Falar com chefe Bogo agora. Assalto.

- Garramansa.

Nick encarou Judy. Judy encarou Nick.

— Eu não disse? Parece que todo mundo depende da gente.

Judy pensou um pouco.

— Temos que ir lá, não temos?

— Não temos que fazer nada, é nosso dia de folga.

— mas o chefe Bogo...

Judy não precisou terminar de falar. O celular dela tocou antes disso. Ao ver quem era, Nick começou a ficar realmente preocupado.

— O chefe Bogo ligando pra você? – ele disse enquanto ela atendia.

— Hopps. – a voz do búfalo soava contrariada.

— Sim, chefe?

— Eu sinto muito interromper o dia de folga de vocês, mas é que temos um problema aqui.

Judy respirou fundo antes de perguntar. Que tipo de problema pode ser grande o suficiente pra fazer o chefe Bogo ligar pra mim?

— Que problema?

— Houve um assalto ao Lemming Brother’s Bank ontem à noite.

— Isso não é...

— Me deixe terminar, Hopps! eu também não achei que era muita coisa, mas parece que os federais discordam. A ZIA* apareceu e cercou o prédio. os peritos deles estão atrás de provas e mandaram um representante falar comigo.

— A ZIA? Mas...

— Um agente da ZIA vai continuar as investigações, disseram que é segurança nacional. – Judy pôde ouvir o chefe bufar do outro lado da linha – estamos fora do caso, mas ele me pediu pra ceder meus dois melhores oficiais. Pra auxiliar nas investigações.

Judy demorou alguns segundos pra entender o que Bogo havia dito.

— Espere, os oficiais somos nós?

— Meus melhores oficiais. Vocês estão no quadro de funcionário do mês há tanto tempo que a moldura chegou a criar teias de aranha. Quem vocês acharam que eu ia mandar?

Nick podia não ouvir tão bem quanto Judy, mas ele pareceu contrariado.

— Qualquer um! – ele disse, baixo demais para ser ouvido por Bogo – somos federais, agora?

— Espero que não cometam a idiotice de não aceitar, ouviram? É uma honra e vai fazer muito bem para as suas carreiras.

Bogo falava no tom de sempre, mas Judy notou inveja em sua voz. Ela respirou fundo.

— O que tinha no cofre?

Assim que ela falou isso, teve vontade de ter engolido as palavras de volta.

— Confidencial. Não me disseram.

— Como assim, não disseram? – Judy questionou – você é chefe do departamento há... eu nem sei quanto tempo! Eles não podem negar informação assim!

Bogo ficou alguns segundos em silêncio antes de responder.

— Hopps, a ordem de sigilo veio do próprio diretor da ZIA.