Nick nem precisava abrir os olhos para saber exatamente o que tinha à sua frente.

O relógio antigo com o par de bodes em cima prontos para bater o meio-dia. A fachada de pedra clara com uma porta rotatória de vidro com rebites dourados. As letras dos lados e o número acima da porta também eram dourados, sobre placas de granito negro. Nick se esforçou para lembrar do número. Depois de um tempo, ele veio.

6904.

Nick abriu os olhos. O Lemming Brothers Bank não havia mudado nada desde que deixara de ser um ótimo ponto de venda de patolés. A única coisa diferente eram os veículos pretos parados de qualquer jeito á frente do prédio e a fita de isolamento ao redor da calçada.

Nick e Judy desceram do carro da polícia, e por um momento Nick comparou-o com os veículos dos agentes.

Ele quase riu.

Havia um elefante parado ao lado da porta, com um uniforme preto sem brasoes.

Nick imagiou se tinham deixado ele pra fora por que ele não cabia na porta. O banco não tinha entradas para grandes animais.

— São os dois oficiais que o búfalo mandou? – o elefante se abaixou para ver melhor, e Nick não lhe deu tempo suficiente para começar a debochar.

— O que você acha? – ele sorriu ameaçadoramente.

O elefante roncou, achando graça. Olhou para os dois minúsculos oficiais e suprimiu uma gargalhada antes de entregar a eles os crachás que lhes permitiriam ultrapassar a área de isolamento.

Nick teve uma ideia irresistível, e ele não pôde deixar de realiza-la.

Começou a rir alto, dando as costas para o agente e batendo na coxa como se tivesse ouvido uma piada extremamente engraçada. Judy deu um sorriso maroto, desmontando totalmente a postura superior do elefante. Se aquele agente achava que tamanho era documento...

Ainda rindo, deram as costas à ele e entraram no banco. Nick nunca havia entrado no Lemming Brothers. seu interior era todo de mármore, com vários lustres dourados e pequenos balcões de atendimento feitos de madeira de lei. Era, com certeza, um banco de magnatas. Lembrava um pouco o interior do banco Gazellgotes, da série Harry Otter.

Um agente da ZIA, um lobo malhado, se aproximou e perguntou seus nomes, checando os crachás.

— Oficial Judy Hopps. – A coelha sempre ficava orgulhos do “oficial” antes do seu nome.

Nick não estendeu a pata, por que tinha certeza de que o outro não se importaria em apertá-la.

— Oficial Nick Wilde.

O outro teve a decência de manter a expressão vazia ao falar com eles.

— Sou o Agente O’Connwell. Vou leva-los até o responsável pelo caso, que convocou vocês.

Eles seguiram o lobo por vários corredores até uma minúscula porta de aço que dava na cintura de Nick.

— Esse foi o cofre assaltado, o nº 271. – o agente disse – o responsável pelo caso, o agente especial Savage, está na sala ao lado.

Nick estacou.

— Espere. Quem?

— Jack Savage*.

Nick olhou de esguelha para Judy, que ainda não havia feito a ligação. Mas logo faria.

— Espere, o Jack Savage? – O agente do caso dos navios?

— Sim – o lobo pareceu um pouco irritado ao virar-se para continuar.

Nick refez a sua postura arrogante, e cutucou Judy para que ela fizesse o mesmo, um sinal que eles haviam combinado algum tempo atrás.

— Eu não acho que é uma boa i... – Judy começou a falar, mas parou qundo o lobo abriu a porta para eles. Nick lançou lhe um olhar determinado, e ela rolou os olhos antes de estufar o peito. Havia melhorado muito sua atuação ultimamente.

Nick colocou um olhar desinteressado em seu rosto, e assim que parou diante do jaguar**, pôs as patas nos bolsos. Jack Savage era alto, com o pelo negro liso e terno preto impecável. Seus olhos eram dourados, com pontinhos verdes e minúsculos pontos prateados que pareciam líquidos.

Nick não focou muito tempo o olhar no jaguar. Ele olhou ao redor, entediado. Quando ele falou, Nick demorou um pouco para voltar a fita-lo.

— São casados? – Nick começou a desprezá-lo logo na primeira frase que ele disse – Achei que Bogo teria a decência de me mandar alguém que não fosse comprometido. Isso sempre atrapalha. Alguém pode usar sua amada raposa, – Jack apontou para Nick e depois para Judy – ou o coelho da sua vida como refém. Isso é um erro de principiante.

Nick e Judy sorriram de orelha a orelha, e a sobrancelha direita de Nick subiu até o alto da testa.

— Eu disse alguma coisa engraçada? – o agente literalmente rosnou.

— Não, não – Nick disse – É que ouvir alguém dizer isso é quase uma piada. Minha esposa foi sequestrada três vezes, uma vez junto com toda a sua família, me salvou de uma queda de centenas de metros de altura pendurada num cipó molhado, e levou um dardo tranquilizante capaz de derrubar dois elefantes.

— E eu e meu marido – Judy completou a fala de Nick olhando para as unhas – Já descarrilamos e explodimos um trem, explodimos um posto de gasolina e ele quase me devorou uma vez, sob efeito do soro das uivantes.

Nick sorriu mais ainda com essa frase. Não custava mentir um pouquinho.

— A questão é – a raposa continuou, encarando Jack Savage com um brilho sarcástico nos olhos – que essa é a nossa vida. Um caso atrás do outro. É bem divertido, mas depois de um tempo fica chato, já que Judy e eu não temos filhos.

Só então Jack Savage entendeu.

Sua expressão de surpresa ficou em seu rosto apenas alguns décimos de segundo, mas Nick e Judy notaram. Jack ficou desnorteado por alguns segundos antes de continuar.

— Creio que já me conhecem, então... Quais são seus nomes?

— Judy Hopps.

— Nick Wilde.

Ao contrário do outro agente, jack estendeu a pata a eles, e eles apertaram.

— Então... – Nick odiava rodeios – Por que resolveu envolver dois tiras comuns nesse caso?

Jack parecia apreciar o tom deslavado de Nick.

— Por causa da mídia.

— Como?

— Geralmente, nós da ZIA agimos em sigilo, mas esse caso em particular exigiu ação imediata, e acabou vazando. Por isso...

Nick não deixou Savage terminar. Ele havia entendido.

— Então vocês querem dois porta-vozes conhecidos do povo. Dois bodes expiatórios pra fazer parecer que o erro foi nosso e vocês estão aqui pra salvar o dia.

Jack sorriu.

— Exatamente.

Nick deu de ombros.

— Viu só, Judy? – ele ignorou totalmente o agente especial ao seu lado – Eu disse que não era uma boa ideia. A gente perdeu nosso merecido dia de folga pra isso?

— Nick! – Judy parecia envergonhada.

Nick não pôde acreditar. Mas se acalmou, e em seguida resolveu testar a gravidade da situação.

— O que tinha no cofre? – ele perguntou, já esperando o silêncio como resposta.

Mas, aparentemente, Jack Savage estava tentando ser camarada. Ele fez uma cara de enterro.

— Se revelarem essas informações a qualquer um, serão condenados à prisão perpétua em um presídio federal ou pior.

Nick bufou. Ele e Judy rolaram os olhos quase simultaneamente.

— OK – Judy foi a primeiro a falar.

— Tranquilo – Nick disse – na segunda vez que nos encontramos, Judy me fez uma oferta parecida.

Jack não parecia entender o modo como eles falavam de coisas tão sérias. Ele entrou no corredor e os conduziu para dentro do cofre, abaixando-se para passar pela porta claustrofóbica. Aliás, tudo no interior do cofre era claustrofóbico. As paredes de aço eram baças, não deixando que a reflexão tornasse o espaço visualmente maior.

Os três ficaram em pé dentro do cofre vazio. Jack tinha a cabeça curvada para baixo, não porque falava com eles, mas por causa da altura do teto.

— A fechadura tem uma base de doze códigos com dez caracteres entre símbolos e alfanuméricos. Existem cerca de vinte mil combinações possíveis para cada caractere.

Nick tentou calcular as possibilidades, para ver as probabilidades de alguém decodificar as senhas. Parou qundo jack recomeçou a falar, sem ter conseguido calcular nada.

— As probabilidades são de 2400000 para um. Mesmo que você tivesse um aparelho capaz de calcular as senhas, o sistema só permite dois erros. Se você digitar a senha incorretamente duas vezes, o sistema trava e só poderá ser acessado pelo titular da conta, através de uma segunda série de senhas e de um sistema de reconhecimento biométrico, o que extingue a possibilidade do uso de softwares de decodificação.

Judy parou para pensar em tudo aquilo.

— O que nos leva à pensar – jack disse – que...

— Que o assaltante já sabia as senhas, - Judy exclamou – o que quer dizer que o titular da conta e outros que saibam as senhas são suspeitos, ou foram espionados, ou foram coagidos a dar essa informação.

— Correto. – Jack disse – o problema é que o titular da conta é o senador Miller.

— Não parece um problema para mim – Nick falou – não é difícil espionar um político, muito menos coagi-lo.

Jack sorriu diante da demonstração de lógica simples do policial. Então olhou ao redor e fechou a porta do cofre, trancando-os do lado de dentro e separando-os completamente de quaisquer ouvidos curiosos. O cofre tinha uma fechadura interna, mas não tinha nenhum sistema de circulação de ar. Eles tinham alguns minutos isolados do mundo antes que o oxigênio acabasse.

— Se descobrirem que lhes contei isso, eu vou acabar preso por alta traição. – Jack respirou fundo – é uma conta de fachada. Miller não tem nada a ver com isso. A Conta pertence, na verdade, ao Diretor do FZI.

Nick conteve-se para não gritar.

— O quê!?

— E isso não é o pior. O conteúdo do cofre... – O agente encarou os dois com a expressão mais séria que Nick já havia visto.

Ele apoiou-se na parede mais distante da porta, abaixando-se para falar com o raposo e a coelha. A tensão no ar era tão sólida que poderia ser cortada com uma faca.

— O cofre continha os planos para a construção da arma mais destrutiva já idealizada em toda a história da terra.