Judy não sentiu o carro bater na água. Talvez porque o carro estava de ponta cabeça. O teto do carro afundou rapidamente, e a água entrou por todas as janelas com a força de uma mangueira de bombeiro.

Ela soltou o cinto de segurança, caindo na água que subia, e colocou-se em pé. Nick estava preso a seu cinto, e a água rapidamente cobriu a sua cabeça. Judy teve que nadar para chegar ao banco de Nick. Ela mergulhou. A raposa se debatia, tentando em vão desafivelar o cinto. Nick tentava manter a boca fechada, mas a coelha podia ver as bolhas escapando entre seus lábios.

Judy nadou até o parceiro, tentando fazer gestos para acalmá-lo enquanto soltava o cinto. Ela encontrou o fecho que o prendia e abriu. A fivela de metal flutuou para longe, mas o cinto continuou prendendo Nick. Então ela tentou desesperadamente encontrar o que estava segurando a tira de tecido, antes que Nick perdesse muito ar.

Nick!

Judy parou de procurar e subiu á “superfície”, pressionando sua cabeça contra o banco para manter a boca acima do nível da água, e voltou a mergulhar. Nick estrava enroscado em seu cinto, e perdia mais ar a cada segundo.

Judy teve uma ideia. Ela nadou mais uma vez até o bolsão de ar, enchendo os pulmões o máximo que podia, e desceu novamente até onde Nick se encontrava. Fazendo todo o esforço que podia para permanecer parada, ela posicionou seus lábios sobre os de Nick e expulsou o ar de seus pulmões. Nick pareceu se acalmar. Então ela subiu novamente e repetiu o processo.

Para suprir o que Nick precisava, era necessário o dobro de ar que seus pequenos pulmões podiam reter. Apesar de tudo, estava funcionando. A raposa parou de se debater.

Mas era uma solução temporária. A água continuava a subir dentro do carro, e Judy voltou a procurar o que prendia o cinto. Ao subir para respirar, engoliu alguns goles de água. Logo não haveria mais ar ali dentro. Tentando aspirar mais um pouco, ela ficou na superfície por mais um segundo...

E viu. O cinto prendera no freio de mão, talvez enquanto Nick se abaixara para pegar a caixa atrás do banco.

Judy segurou o cinto, apoiando os pés no banco do passageiro e puxando com todas as suas forças, enquanto esticava as pernas, na tentativa de aumentar a força de tração do movimento, mas o atrito do cinto molhado contra o couro artificial que revestia do freio de mão, combinado ao peso de Nick pendurado no mesmo, tornava os seus esforços quase inúteis.

Quando percebeu, estava em baixo d’água novamente, rilhando os dentes com o esforço. Depois de alguns segundos de pânico mudo, assistindo as bolhas de ar que saíam de sua boca flutuarem, o cinto finalmente se moveu. Ele escorregou para fora da alavanca, puxando Judy para baixo por algum tempo.

Ela e Nick conseguiram chegar até o bolsão de ar cada vez menor. Apenas o focinho de Nick ultrapassava a linha d’água agora. Judy respirou fundo e mergulhou novamente. Nick foi logo atrás dela, nadando em direção à janela estilhaçada do carro. Judy passou pela abertura, saindo para o mundo de plantas e pequenos seres que habitavam o fundo do rio. Sentiu a correnteza imediatamente. Inconstante, porém forte.

Nick nadou para fora do carro, e os dois começaram a subir em direção à superfície. Só então notaram a fonte da luminosidade avermelhada que permitia que enxergassem um ao outro debaixo da água. A superfície do rio estava em chamas. Judy olhou desesperadamente para Nick. A gasolina que havia sido derramada agora queimava furiosamente sobre a água.

A raposa e a coelha começaram, tarde demais, a nadar para longe da mancha de chamas. Contra a correnteza, e sem parar pra respirar, tinham no máximo um minuto. Eles nadaram até praticamente esgotar a suas forças, por um tempo que pareceu para sempre. Mas a mancha laranja ainda estava sobre eles, lentamente se dividindo em focos menores que eram carregados pela correnteza.

Judy começou a sentir um aperto horrível na garganta. Ela e Nick continuaram nadando, porém a mancha não se moveu.

Só então olharam para a frente. O carro capotado estava ali, como se sorrisse para eles. Apesar de todo o seu esforço, eles haviam se movido para trás, em direção às corredeiras mortais. Judy começou a ansiar por oxigênio. Nadou com cada fiapo de energia que tinha na direção do carro, lentamente se aproximando de novo. Nick estava apenas um pouco para trás, também se esforçando muito para chegar até a carcaça de metal.

As bolhas que escapavam do interior do veículo flutuavam em sua direção, como se debochassem deles. Judy segurou-se em algo, uma parte da barra de metal na lateral do para-brisa, e olhou para Nick. Eles não iam conseguir. Não havia como sobreviver. Nick segurou-se na porta amassada do passageiro e olhou no fundo dos olhos da coelha.

De alguma forma, aquele olhar lhe transmitiu calma. Judy foi invadida por uma estranha paz. Ela olhou para os olhos verdes de Nick e se concentrou neles como se fossem a única coisa no mundo.

Então a porta se soltou.

Judy Apenas teve tempo de segurar a mão de Nick antes da porta atingi-lo. A estrutura de metal e plástico bateu no peito de Nick, expulsando uma parte do ar retido em seus pulmões. Nick teve que lutar para não inspirar.

A porta passou por ele, girando lentamente e sendo carregada pela correnteza.

Judy teria respirado fundo se pudesse. Essa foi por pou...

Então a borda amassada da porta prendeu-se ao tecido do macacão preto de Nick.

O peso que Judy segurava triplicou, e a mão de Nick escorregou alguns centímetros. A porta moveu-se mais um pouco, como uma vela captando vento, e puxando Nick mais algumas polegadas. Os dedos de Judy não suportavam mais segurar o metal do carro, mas ela apertou ainda mais.

Nick escorregou mais um pouco. Uma única bolha escapou de seus lábios.

Ele olhou para Judy com todo o amor do mundo.

E sorriu. Não estava com medo. Não se importava em morrer. Nada importava, se Judy vivesse. Ele sorriu por todos os momentos felizes que Já haviam passado juntos. Sorriu por cada mico que ele pagara, e cada caso que resolvera na companhia daquela coelha boba.

Judy soube o que ele iria fazer um segundo antes que fizesse. Mas um segundo antes era tarde demais.

O tempo não parou quando Nick Wilde soltou a sua mão.

Mas aquele momento foi congelado para sempre na sua memória.