Judy não se lembrava de quando chegara a casa. Nem de muita coisa desde que rompera a superfície e aspirara o ar carregado de fumaça. Na verdade, ela tentava não lembrar de nada. Tentava fazer tudo sem pensar. Mecanicamente. Como um robô. Robôs não tinham emoções.

Emoções doíam demais.

Depois de horas fazendo o mesmo percurso, ela finalmente aprendeu a distância exata da janela da sala até a porta do corredor. 20 passos. Como uma música.

Da janela ao corredor, vinte passos.

Durante todo o tempo em que estivera no apartamento, não tivera coragem para entrar no quarto que dividia com Nick. Se entrasse, nunca mais sairia. Ela não sabia o porquê de estar caminhando de um lado para o outro no apartamento. Não sabia por que não havia descido o rio e procurado por Nick.

Ela queria fazer isso. Queria encontra-lo. Queria ver seu rosto novamente. Mas tinha medo. Medo de que seus piores pesadelos estivessem certos. Medo de como reagiria ao ver a prova de que...

Não pense nisso.

Ela era uma covarde. Nunca fugira do perigo, e agora fugia como uma criança que fez uma travessura. Covarde.

No fim, por pura exaustão, Judy Hopps deixou-se deslizar lentamente até o chão, encostada na parede da sala. Ela havia se divertido tanto naquela sala, assistindo aos filmes bobos que ela gostava.

Mesmo contra a sua vontade, Judy se lembrou do dia em que Nick havia tentado convencê-la a assistir sua série favorita.

Era dia de folga, e o plano era assistir alguma coisa debaixo de um cobertor. Estivera chovendo aquela tarde.

— Ele é o Doutor. Só doutor. É um alienígena. – Nick dissera.

— Ah é? – Judy respondera – Então porque parece uma raposa?

— Ele é uma raposa agora. – Nick retrucara – mas antes disso, foi um coelho, um leão, um cavalo e muitos outros animais.

— Está achando que pode me obrigar a assistir me deixando curiosa? – Judy sorriu.

Nick apenas levantara a sobrancelha direita.

— Ninguém sabe o nome real dele, o porquê de ele passar tanto tempo na terra, ou sua participação na Guerra do tempo, a maior guerra do universo. – os dentes de Nick rebrilharam com o sorriso convencido que ele deu – E eu sei que posso te obrigar a assistir te deixando curiosa.

No fim ela aceitara. Como quase sempre acabava aceitando o que Nick falava.

Judy encarou a parede da sala fixamente enquanto a memória batia em seu peito com a força de um caminhão. Uma única lágrima quente passou entre seus cílios e escorreu por sua bochecha, pingando em seu colo.

Por que a vida tinha que ser desse jeito?

As coisas que mais nos divertiram em vida são aquelas que mais nos entristecem na morte.

Não chore. Judy apertou os lábios e fechou os punhos. Não podia chorar agora. Ela fechou os olhos com força, mas não conseguiu impedir algumas lágrimas de rolarem.

Depois que começaram, Judy não pôde pará-las. Elas tomaram conta de seu ser, e ela se viu incapaz de fazer outra coisa além de chorar e lembrar.

Lembrar de como ele sorria. Lembrar do quanto era esperto e divertido. Lembrar de quanto era bobo em alguns momentos. Lembrar de que nunca o veria novamente.

Judy pensou em quão patética parecia, ali, chorando desesperadamente. Ela sabia o que Nick diria disso. Ele diria... “ ah, esses coelhos. São tão emotivos...”. Faria uma piada com algo. Faria tudo ficar bem.

Mas Nick não estava ali. Nick nunca mais estaria ali.

Judy se permitiu fechar os olhos por um momento, ainda soluçando, e imaginou como seria a vida sem Nick Wilde.

Esse simples pensamento fez as lágrimas secarem. Era triste demais até para lágrimas.

A coelha não soube por quanto tempo esteve sentada ali, encarando a parede em choque. Ela havia sido treinada para identificar pessoas em estado de choque e acalmá-las. Mas ninguém nunca lhe disse como sair desse estado. Era assim que se encontrava. Em choque.

A completa escuridão na janela lentamente ficou cinza, e os contornos dos prédios ao redor começaram a aparecer. Ela simplesmente ficou ali enquanto o sol subia, lentamente encurtando as sombras no chão do apartamento. Não havia nada para fazer. Nem nada que pudesse ser feito.

Judy Hopps estava sem direção.

Até ouvir a música.

Era um cantarolar suave e levemente desafinado que vinha do corredor. De início, ela não prestou atenção à música, apenas ouviu a voz. A voz era um pouco anasalada, porém claramente masculina. Quando ouviu a letra, algo em seu peito estalou.

...What does the fox say?

A voz se aproximava.

...Ring ding ding ning gding gding…

Então estava na porta.

...What the fox say?

A porta se abriu.

— Rah pah pah pah pah pah paw... – Nick Wilde parou de cantar assim que entrou a viu o estado em que Judy se encontrava.

E sorriu.

Judy não perguntou como ele sobrevivera. Não perguntou nada, aliás. Apenas correu e o abraçou.

— Nick, eu pensei... – ela hesitou – eu pensei...

— Eu não me importo com o que você pensou – Nick disse – Você não vai se livrar de mim tão fácil.

Judy achava que suas lágrimas tinham acabado. Ela estava errada. Ao encostar-se no peito de Nick, ainda úmido pelo mergulho no rio, ela recomeçou a chorar.

Nick a abraçou mais forte, envolvendo-a com seus braços.

— Ah, esses coelhos... – Ele repetiu a frase como se fosse uma velha piada – são tão emotivos...