— Vamos logo com isso! – o Javali gritou, comandando os operários que empilhavam caixas em uma plataforma de madeira.

A umidade começara a atingir um grau insuportável, e como o sol quase nunca aparecia entre as árvores naquela maldita selva, o condutor estava tremendo de frio.

Os dois carregadores derrubaram uma das caixas, fazendo o condutor esbravejar novamente.

— Mais cuidado com isso! – ele gritou tão alto que pôde ser ouvido de todo o cais aéreo – Cada coisa que quebrar eu vou mandar descontar do salário dos dois!

Um raro raio de sol penetrou na gigantesca abóbada verde e refletiu em milhões de gotículas de água suspensas no ar, criando um pequeno arco-íris. O javali nem prestou atenção, desviando o olhar dos trabalhadores lá embaixo e voltando-se para inspecionar o processo de regulagem de pressão do dirigível, preparando tudo para testar os motores.

Uma sirene alta tocou, indicando as horas. Como se não acreditasse, o javali olhou n relógio em seu pulso. Eram quinze para as sete. Ele saiu da cabine pisando duro.

— TERMINEM LOGO DE CARREGAR ESSA DROGA, OU EU VÃO TER QUE FAZER HORA EXTRA POR UMA SEMANA PRA COBRIR O BURACO QUE EU VOU ABRIR NO SALÁRIO DE VOCÊS!

Depois de exaustivos minutos e mais alguns ataques de histeria do condutor, as caixas finalmente foram carregadas e presas com sucessivas amarras em uma série de cabos de sustentação.

— Todos á bordo imediatamente! – ele gritou – temos que chegar à ponte antes das sete, ou vamos ter que esperar a hora do rush passar.

O capitão nem esperou os operários terminarem de subir a escada de cordas até a cabine antes de virar-lhes as costas e seguir em direção ao manche.

Vai ser um longo dia, pensou, enquanto dava a partida nos motores e lentamente se distanciava do cais suspenso.

Ele nem imaginava o quanto.

***

— AAAAAAAAAA... – o grito foi interrompido pelo som de um corpo colidindo com vários sacos de lixo. Judy olhou para a janela, de onde os agentes não tardariam a sair, e apressou Nick.

— Vamos, Nick! ela disse, antes do raposo levantar lentamente e sair da enorme lixeira quadrada, arrancando uma lata de molho de tomate que ficara presa em sua camisa.

Os dois começaram a correr até o estacionamento, procurando sinais do hacker.

— Sério, Judy – Nick fez uma exclamação de dor ao retirar a lata, cuja borda afiada havia cortado a sua pele. – eu juro que eu voto a favor daquela lei que multa quem não recicla.

Judy sorriu, lembrando-se de uma discussão que eles haviam tido sobre esse assunto há pouco tempo.

— Eu avisei. –ela disse. Então um movimento chamou sua atenção. – Ali! Ele está ali!

O guaxinim corria pela rua em direção a um carro estacionado próximo à esquina. Nick e Judy pularam a mureta e entraram no estacionamento do prédio vizinho, procurando na fileira indicada. Um Jaguar* preto modificado destrancou-se a um toque de Judy na chave. Nick sorriu.

— Alguma coisa mais clichê? – ele disse – ou é só isso?

Judy abriu a porta e se surpreendeu. O banco do motorista era adaptado para o tamanho de um coelho.

— Como...

— Judy, depois a gente pergunta! – Nick sentou-se e afivelou o cinto (olhando para a tira de tecido com desconfiança depois do ocorrido no rio) – Ele está fugindo!

Judy sentou-se e ligou o motor, que, literalmente, rugiu à vida. Ela acelerou para fora do estacionamento, e olhou em volta. O guaxinim havia entrado no carro e o veículo preto começou a virara a esquina. Judy fez uma curva brusca e se aproximou dele, e no mesmo instante os carros do FZI apareceram, pretos com suas luxes azuis e vermelhas discretas, e Judy se perguntou se o carro que ela dirigia também tinha uma dessas.

Seria engraçado de ver, um carro do FZI perseguindo outro carro do FZI e sendo perseguido por um comboio de carros do FZI.

Afinal, quem estava perseguindo quem?

O guaxinim virou à esquerda, entrando numa via rápida, e começou a costurar entre os carros, rapidamente chegando ao limite do campo visual da coelha. Então ela respirou fundo. E pisou no acelerador. Vamos ver o quanto corre, ela pensou.

Ela entrou na avenida, passando entre um carro com uma família de porcos e uma van dirigida por um bode, tão perto que quase perdeu um espelho, e atingiu 190 km/h. O guaxinim havia acabado de ultrapassar um sedan prateado a trezentos metros de onde Judy se encontrava. Os carros do FZI, um comboio de rovers, sedans e SUV’s, ficava lentamente para trás. Judy ultrapassou um ônibus e acelerou por um pequeno trecho de pista livre, chegando aos 210km/h e aproximando-se do enorme utilitário preto do hacker. Judy sorriu, imaginando a cara de Nick, ao passar a centímetros de outro carro e emparelhar com o guaxinim. O roedor relanceou o olhar para o carro que o perseguia, e em seguida, fez uma curva brusca, desaparecendo atrás de um caminhão.

Judy estava tão concentrada no outro carro que quase bateu. Teve que fazer uma guinada brusca, riscando a imaculada pintura do carro no para-choque traseiro do caminhão, e acabou no lado oposto ao do guaxinim, com o caminhão impedindo que ela avistasse o mamífero em fuga. A coelha acelerou e transpôs o veículo carregado, esperando encontrar o guaxinim assim que chegasse à frente do caminhão.

Mas ele não estava mais lá.

Nick e Judy se desesperaram por um instante, a mais de duzentos quilômetros por hora, procurando loucamente entre as pistas, mas aquela era a faixa mais à direita, a última faixa da rodovia, destinada aos veículos lentos.

Para sair dali, só quebrando a mureta ou...

— Ali! – Nick apontou. Quase novecentos metros atrás, o guaxinim havia pego uma saída, que Judy não havia notado por causa do caminhão. – Ele está indo pro Distrito Florestal!

Judy não pensou duas vezes. Puxou o freio de mão e girou o volante o máximo que pôde. O caminhão que ela acabara de ultrapassar esteve praticamente a ponto de esmagar o utilitário de luxo antes deste derrapar para o acostamento, batendo a traseira na mureta de proteção.

Judy não esperou o carro parar de girar, e pisou no acelerador, chegando ao desvio em alguns segundos. Ela derrubou uma pilha de tonéis de água e acertou outra mureta antes de endireitar o veículo e seguir na direção do fugitivo. A pista que haviam pego estava vazia, o que tornava a perseguição mais fácil. Judy havia acabado de atingir 300 por hora e chegar a cem metros do hacker quando ouviu o som.

— Temos companhia – Nick disse.

— Parem o veículo e rendam-se, ou seremos obrigados a abrir fogo! – uma voz trovejou de um megafone em algum lugar acima deles.

Judy só teve tempo de encontrar o olhar desesperado de Nick antes dos três helicópteros assumirem formação de ataque, e milhões de balas começarem a voar.