— Vamos lá, Bruce. – A operária disse calmamente pelo rádio. – você conhece o regulamento.

O javali bufou pela enésima vez desde que acordara, enquanto olhava o elogio de pulso.

— São 6:57! – ele disse – tenho até as 07:30min pra entregar isso ou vou perder meu bônus! E não me venha falar do regulamento! Aqueles idiotas do CATAZ não param de me ligar o tempo todo.

O Conselho Ambiental de Transportes Aéreos de Zootopia, apelidado de CAT – AZ pelos pilotos de toda a cidade, passara os últimos meses importunando Bruce. O seu dirigível era o único de todo o distrito florestal que ainda utilizava Hidrogênio ao invés de Hélio, o que logo seria completamente contra a lei, e era por isso que Bruce precisava fazer tantas entregas. Estava juntando dinheiro para um dirigível novo.

— O CAT – AZ? – perguntou ela pelo rádio – por quê?

— longa história. – ele disse – e vai ficar ainda mais longa se você não abrir essa ponte pra mim, então por favor, Cláudia, aperte logo esse botão!

— Primeiro: não é um botão. Segundo: os protocolos de segurança exigem um intervalo de cinco minutos entre a ativação das barras de segurança e o levantamento da ponte, você sabe disso.

— A rua está vazia, Cláudia, pelo amor de Deus! – Bruce exclamou pelo rádio – em cinco minutos eu tenho que estar sobre a avenida das faias ou vou perder o prazo! Quebre esse galho pra mim, por favor!

Alguns segundos se passaram. Então Cláudia suspirou.

— Ok – ela disse, digitando alguns comandos no teclado à sua frente. Os dois lados da ponte levadiça começaram a subir lentamente.

Bruce comemorou em silêncio, mal sabendo que aquela atitude iria lhe custar muito mais do que uma entrega perdida.

— Fico te devendo essa. – ele falou pelo rádio, olhando para a cabine de controle da ponte, que ficava ao lado da pista a uns quinhentos metros de distância.

— Jantar na B-Roar. Às 8. Sábado. E eu vou cobrar!

O javali desligou o rádio e virou-se para os empregados, que estavam organizando a lista de entregas.

— Não vamos esperar a ponte abrir toda, chefe?

O javali teve vontade de gritar, mas pela primeira vez naquele dia, conteve-se.

— Prepare os motores. – ele disse – Vamos passar assim que der.

***

Judy deu graças aos céus quando a chuva começou. O guaxinim não era louco o suficiente para se arriscar a mais de 250 por hora na chuva, o que favorecia muito a mamíferos perseguidores que não tivessem essas limitações. Como Judy.

As balas abriam enormes buracos no asfalto ao redor do carro enquanto Judy passava dos 280, derrapando tanto em uma curva que fez Nick grudar na janela. O jaguar preto estava aguantando bem a corrida, e a cada segundo se aproximava mais do carro do hacker.

— E se ele tiver um notebook com um modem? – Nick falou, depois de uma curva particularmente intensa – E se tiver conexão via satélite? Pode ser tarde demais pra pegá-lo antes que envie os planos!

Judy sacudiu a cabeça. Foco. Precisava de foco.

— Pegar o cara primeiro. – ela disse – Discutir depois.

— E os helicópteros lá em cima? – ele gritou, no exato momento em que uma dezena de balas estragava o lindo assento traseiro do jaguar, fazendo vários furos no teto. – eles não vão parar de atirar só por que...

Então as balas pararam de chover ao redor do veículo. Nick ficou sem palavras por alguns segundos, antes de olhar para trás, enfiando a cabeça pelo vidro quebrado. Os dois helicópteros estavam parados , impossibilitados de avançar pela barreira verde de árvores que cercava a avenida.

— Graças aos fundadores de Zootopia por essa floresta! – Nick disse, quando os helicópteros começaram a dar a volta, procurando uma brecha para continuar a perseguição. Um deles tentou descer até quase tocar a rua, mas as pás da aeronave quase atingiram os postes de iluminação. Um problema a menos.

Assim que pensou isso, Nick viu a ponte começar a levantar.

Pouco menos de um quilómetro à frente, uma das milhares de pontes levadiças do distrito florestal começou a abrir-se para dar passagem à um dirigível vermelho. E o guaxinim estava indo direto pra lá. Nick esqueceu qualquer preocupação com a velocidade.

— Pisa fundo, Judy! – ele berrou – se ele passar a ponte, nós o perdemos!

O carro do hacker derrapou, lutando para achar tração no asfalto molhado, e acelerou rumo à ponte que se levantava, espirrando nuvens de água para todos os lados.

Ele passou pela guarita onde Cláudia se encontrava, provocando uma exclamação de pavor. E, usando a ponte que se erguia como rampa, lançou-se no ar, em direção ao outro lado. Judy acelerou ainda mais, chegando ao início do trecho de estrada.

E o mundo entrou em câmera lenta. Cada gota caía sobre a estrada e se dividia em milhares outras, milhões de vezes mais lentamente que a batida de um coração. Nick ao lado de Judy, abriu a boca o máximo que podia, tão lentamente que Judy pôde ver cada dente brilhar. Foi ao olhar de volta para a estrada, que Judy percebeu que iria bater.

Ainda mais lentamente que todo o resto, cilindros brilhantes de metal subiram do chão, formando uma barreira de segurança. A barreira que deveria ter impedido o guaxinim.

— JUUDYYYYY!!!!!! A voz de Nick quase não pôde ser ouvida, como se estivesse longe, apesar de estar logo ao lado.

E ela tomou a decisão.

Judy girou o volante, jogando o carro na calçada e passando com uma minúscula folga entre as barras de segurança e um dos postes de iluminação. Com poucos metros de distância para acelerar, Judy pisou o mais fundo que conseguiu. O sedã de luxo deu um tranco forte, enquanto aproximava da dobra no asfalto, à cada segundo mais inclinada.

— O que você tá fazendo? – Nick gritou – Cenourinha!

Judy nem deu sinal de que havia ouvido.

— Carro não voa, Judy, carro não voa! – Nick gritou*.

A coelha nem chegou a sentir as rodas trocarem de piso, perdendo velocidade e raspando o para choque traseiro no asfalto.

Não sentiu o frio na boca do estômago, como Nick.

Não sentiu nada até o impacto.

Nessa nesga de instante, Judy se perguntou, pela primeira vez, como ela deixara de notar algo tão óbvio.

Naquele milissegundo, ela se perguntou como fora burra o suficiente para não ver.

Não ver o dirigível vermelho do tamanho de uma casa flutuando bem á sua frente.

De tudo o que ela achou que poderia pensar na hora da sua morte, Judy conseguiu se surpreender.

Não acredito que vou morrer por pura idiotice, ela pensou.

E o carro atingiu o dirigível, pouco antes da explosão sacudir o ar.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.