— Judy – Nick sussurrou - Você tá me asfixiando.

A coelha relaxou um pouco o aperto, mas permaneceu pendurada ao pescoço de Nick, até que ele cansou da posição desconfortável em que se encontrava e a ergueu no colo. Manteve gloriosamente Judy em seus braços por três segundos. Então a derrubou no chão quando seus braços exaustos esticaram-se em um espasmo.

As patas de Judy ainda estavam ao redor do seu pescoço, e por isso ele caiu junto com ela. Apesar da pancada, o tapete da sala de repente pareceu um ótimo lugar para simplesmente se enrolar e dormir...

Judy levantou e sacudiu Nick.

— Você ainda me deve uma explicação. – ela balançou o braço dele novamente – Por isso, nada de dormir! Há! Dormir no tapete da sala, que vergonha, oficial Wilde!

Nick resmungou e obrigou o corpo dolorido a se levantar. Aqueles poucos segundos desde que chegara haviam transformado completamente o humor da coelha. Ela segurou o seu braço com carinho.

— Que tal você tomar um bom banho enquanto eu preparo a janta, digo, o café da manhã? – ela disse – E depois você me conta como sobreviveu.

— Sim senhora! Entendido senhora! – Nick fez posição de sentido e bateu continência.

Judy resolveu entrar na brincadeira.

— Dispensado, oficial Wilde. – ela riu – só volte aqui devidamente apresentável.

Nick, ainda sorrindo, deu-lhe um pequeno beijo na testa e foi tomar o seu banho. Ele fechou os olhos e inspirou profundamente ao sentir a água quente cair sobre o seu corpo. O calor penetrou profundamente em sua carne, relaxando seus músculos e atenuando a dor. Alguns cortes que ele havia feito arderam quando ele os lavou, porém mesmo assim, Nick quase dormiu duas vezes.

Seus movimentos estavam lentos e seus membros pareciam grossos e pesados. Ele lavou com paciência o seu pelo, deixando-o macio e sedoso, uma de suas poucas vaidades.

Não importa o quanto estivesse cansado, Nicholas Wilde nunca descuidava de sua pelagem vermelho-acastanhada. Ele secou o corpo e vestiu uma roupa confortável, saindo do banheiro com a toalha enrolada no pescoço.

O banho lhe deu um novo ânimo, lavando a exaustão. O único resquício de cansaço que sobrou foi uma sensação incômoda concentrada atrás de seus olhos. Depois de pendurar a toalha, ele foi até a cozinha, onde Judy esperava atrás do balcão.

Era estranho tomar o café da manhã depois de ter passado a noite praticamente em claro (afinal, as horas que passara desmaiado não contavam). Nick sentou-se ao lado de Judy e lembrou-se do café da manhã do dia anterior. Antes de toda aquela loucura começar. Isso foi ontem? Aquele desjejum mais cedo do que o normal parecia ter acontecido a vários anos atrás.

Nick olhou para o relógio na parede da cozinha ( os ponteiros e números eram rodeados por cenouras) e se surpreendeu.

Eram seis e meia. A mesma hora do desjejum do dia anterior.

Nick desejou que toda aquela história fosse um sonho. Desejou que aquele ainda fosse o seu dia de folga sem preocupações.

— Saudade do tempo em que eu tomava café às nove.

Judy sorriu com o comentário aparentemente despreocupado. Ela ainda vestia o traje preto levemente úmido que usara durante toda anoite anterior. Era a única coisa que comprovava a realidade.

— Está melhor? – Ela perguntou. Apesar do sorriso, o cansaço era visível em seus olhos.

— Estou. – Ele disse – Mas você não.

Judy franziu o cenho.

— Eu estou bem!

— Não, não está. Você precisa de um bom banho e umas vinte boas noites de sono.

— Falou o sujeito que caiu das corredeiras preso à porta de um carro.

— Engraçado você dizer isso, porque foi justamente a porta que salvou a minha vida.

— Sério?

— Eu tinha certeza que ia morrer. Perdi todo o ar quando bati em alguma coisa no fundo. Então a correnteza ficou mais forte e... Bem, acho que aí o rio ficou mais raso. A porta prendeu em algo, e a minha cabeça ficou pra fora da água.

Demorou bastante, mas eu consegui ficar em pé. A porta tinha ficado presa em uma grande pedra na margem do rio. Agora que eu estava em pé, Consegui soltar a minha calça da porta. Caí três vezes, mas consegui escalar a pedra enorme onde aorta estava presa, e dali acabei direto no mato, do lado de lá, a margem mais distante.

Passei bastante tempo naquela mata, e fui sair perto do distrito florestal. Por muito pouco não topei com um agente que estava vasculhando a margem do rio, e acabei tendo que me esconder por quase duas horas numa fábrica abandonada. Quando finalmente pude sair, vim para cá por um atalho, e tenho certeza que ninguém me seguiu, mas logo que descobrirem que não estamos mortos, aqui vai ser o primeiro lugar onde vão procurar.

Judy pareceu ficar consternada com o que Nick disse.

— Eu nem tinha pensado nisso.

— Eu sempre soube que sou incrível. Mas fazer Judy Hopps esquecer que tem um monte de agentes atrás dela, um título de terrorista e um prêmio internacional pela sua cabeça? – Nick bufou – Você realmente me ama muito, né?

Judy bateu no braço dele.

— Convencido.

— O próximo alvo são as casas de nossos pais. – Nick disse – A casa da minha mãe nem existe mais, então amanhã provavelmente vão ter agentes interrogando Bonnie e Stu.

Judy pôs a mão no queixo.

— Mas existem milhares de bons esconderijos ao redor da fazenda. – ela disse – pelo menos pra gente sumir por uns dois dias antes de achar um melhor.

— Mas e seus pais?

— É só não falar nada pra eles. Duvido que qualquer polígrafo possa descobrir algo que o interrogado não sabe.

— Mas... – Nick desistiu de contestar e se concentrou na comida. Judy, enquanto ele tomava banho, havia feito mais panquecas de cenoura (que estavam incríveis, como sempre). Pela primeira vez, deixara a louça por lavar.

— Que tal você tomar um bom banho enquanto eu lavo a louça? – Nick terminou de come e levou o prato até a pia. – Depois a gente planeja a fuga.

— Eu sempre soube que sou incrível, mas fazer Nick Wilde lavar a louça sem reclamar nenhuma vez? – ela inclinou a cabeça e sorriu - Você realmente me ama muito, né?

Nick piscou para ela.

— Convencida.

Judy lhe deu um beijo.

— Sempre, Senhor Wil...

Passos altos foram ouvidos no corredor. Judy piscou, ainda com a frase presa na garganta. O prato ensaboado que Nick segurava escorregou e caiu no piso, estilhaçando com um ruído alto.

Então a porta foi violentamente escancarada, batendo na parede e derrubando o relógio e alguns quadros.

E os agentes invadiram o apartamento.