9h:15m para o fim do prazo

Nick colou-se à parede sob a janela, com a respiração entrecortada. Judy estava escondida logo ao seu lado, aparentemente bem. Eles haviam atravessado o pequeno bosque de mais ou menos uns duzentos metros de comprimento no interior da propriedade de Lions, o que havia levado mais tempo do que o previsto por que eles tiveram que parar para trocar os cilindros.

Como todo o plano fora meio improvisado, já que o plano original era entrar pelos esgotos, tudo podia dar errado. Nick olhou desgostoso para a porta de vidro ao seu lado. Aquela porta não deveria existir. Parece que Lions não se incomoda mesmo em demolir prédios centenários, Nick pensou. A raposa não gostava muito de casas antigas cheias de coisas novas. Quebrava um pouco o encanto do fato de elas serem antigas. Ele cutucou Judy.

— E aí? – ele sussurrou.

— Parece fácil. – a coelha sussurrou de volta.

Haviam dois minúsculos sensores circulares, um em cada lado da porta. Nick sorriu ao ver a fechadura. Até um novato não acharia muita dificuldade em abri-la.

— Depois de toda aquela aparelhagem no jardim, - ele comentou com Judy - Talvez a casa não precise de muita segurança, a não ser que alguém entre de paraquedas.

A coelha não respondeu. Nick teve o cuidado de deixar a porta completamente imóvel enquanto trabalhava. Do outro lado do vidro, podia-se visualizar uma sala de estar com poltronas antigas e tapetes nas paredes. Nick não entendeu o motivo para alguém colocar uma porta ali.

Ele abriu a fechadura em alguns segundos. A porta deslizou para o lado pelos trilhos silenciosos. Os sensores não deram qualquer sinal de vida. Nick estendeu a mão para Judy, que lhe entregou um pequeno quadrado de metal preto fosco.

Pelo que Nick entendera, os sensores de movimento em geral não passavam de câmeras. Então, tudo o que você tinha de fazer era ser mais rápido do que a velocidade máxima que eles podiam captar. Como quando você tira uma foto de alguém pulando e ele some. Ele não desapareceu de fato. Apenas foi mais rápido do que a câmera.

Nick acionou um botão na pequena placa depois de posicioná-la no lugar certo. A placa se dividiu em duas e ergueu-se do chão, mais rápido do que uma bala. Nick nem chegou a perceber o movimento. Aparentemente, o sensor também não. Nick repetiu o processo em frente ao outro sensor, criando um caminho para entrarem, como no muro.

A sala era enorme. Não tinha uma forma definida, era meio quadrada e meio circular. Vários tapetes estavam pendurados nas paredes e dispostos no chão de madeira primorosamente encerado. Apesar de tudo isso, parecia não ser muito usada. Nick suspeitou que todas as salas seriam assim.

— 9h e 10min até o fim do prazo – Jack o apressou no comunicador.

Nick começou a suspeitar que nove horas seriam pouco para procurar o quer que fosse naquela mansão quilométrica. Eles começaram pelas paredes da sala. Atrás de qualquer tapete podia haver algo. Levaram vinte minutos para desistir e partirem para a sala seguinte.

A mesma coisa. Uma sala imensa com uma mesa imensa e cadeiras de todas as alturas. Decidiram pular essa de imediato. Eles subiram uma escada e entraram em uma sala que parecia ser um quarto de hóspedes tamanho elefante. Não acharam nada nesse também.

— Onde fica o escritório dele? – Nick pegou-se resmungando.

— O escritório? – Judy questionou – eu não sei mais nem onde fica a sala em que entramos!

Ela passou para a sala seguinte, tateando pelas paredes revestidas de madeira nobre Nick sorriu.

— O que você está procurando? – ele continuou andando como se procurasse algo mais importante pra fazer – uma alavanca escondida que leve até um sótão oculto com um sujeito em frente a um computador?

Judy não pareceu ter prestado atenção no comentário irônico. Ela bateu na parede com os nós dos dedos. Depois entrou na sala que havia acabado de deixar. Nick voltou, preparando uma piada sobre filmes de ação, e parou próximo à porta. Judy mexia em algo dentro de um móvel embutido na parede que parecia um closet.

— Ei, James Bond, o quê...

Então um painel oculto se abriu na parede ao lado de Nick.

Ah, só pode ser brincadeira, Nick pensou. Era totalmente impossível que algo tão clichê fosse ocorrer na vida real.

— O que você disse, Raposa? – Judy estava toda animada com sua descoberta.

— Claro, uma alavanca secreta dentro do armário, por que não?

Judy fez aquele sorriso de missão cumprida que só ela sabia dar.

— O quê vocês encontraram? – a voz de Jack trovejou em seus ouvidos.

— Um painel secreto num quarto de hóspedes – Judy respondeu – Tem uma tela e um teclado. Nove teclas.

— 99... – ela fez uns cálculos rápidos – são quase quatro milhões de combinações possíveis.

— Hey, cenourinha, aquela tinta fosforescente no seu bolso serve pra quê?

Judy fez uma careta para Nick. Ela havia esquecido da tinta.

Eles levaram alguns minutos para espalhar delicadamente o líquido sobre as teclas. Apenas duas delas brilharam, num tom levemente lilás, como a cor dos olhos de Judy misturada á luz das estrelas.

— 45? – Nick não se conformava – isso está fácil demais.

— Ah, mas pode ser 45454545, ou 54555554, ou 55544445545454545, ou qualquer número como esse.

— Olhe pra tela. Só tem espaço para dos números.

— E o sistema não permite erros.

— Dã! – Nick colocou a pata direita sobre a testa – Lions & Roars, a pistola calibre 45 mais vendida do mundo, 4 e 5, espaço pra dois números... preciso continuar?

— Espere, você não pode... - Jack começou a falar. Mas já era tarde. Nick já havia digitado.

Nada aconteceu.

— Isso foi um risco muito irresponsável, Wilde – Jack o reprovou.

— Ah, nós não vamos conseguir resolver um caso em nove horas sem correr alguns riscos irresponsáveis, Jack.

O agente ficou em silêncio depois disso.

— Mas não era pra algo acontecer? – Judy disse.

Naquele exato momento, o enorme armário girou sobre dobradiças invisíveis e revelou uma passagem secreta.

- Hey, Jack – Nick disse – com que frequência isso costuma acontecer com vocês da ZIA?

Judy rolou os olhos pela quarta vez seguida naquela noite.

— Você não tem jeito.

— E é por isso que você me ama. – uma pequena sensação estranha percorreu sua espinha. Nick olhou rapidamente ao redor, mas não havia ninguém.

— Então, - ele disse, com um perfeitamente disfarçado sorriso nervoso – Vamos entrar no laboratório do dr. No*, ou vamos esperar pra ver se ele sai de mãos pra cima?

Judy nem se deu o trabalho de rir. No fundo ela também estava preocupada.

— Se você topar, eu topo.

Nick deu um passo na direção da porta que conduzia ao corredor de concreto mal iluminado. Depois lembrou de uma velha piada.

— Nossa, mas que mal educado, coelhas primeiro – ele disse, colocando a mão sobre o ombro de Judy e a empurrando levemente á frente.

— Nah, raposas espertas primeiro – Judy escorregou sob o braço de Nick - Você é o Sr. visão noturna, esqueceu?

— Porquê você não é assim na frente das câmeras?

Judy sacou o celular e o ligou (Ela o mantinha desligado durante investigações desde um incidente envolvendo um ex-prefeito, que era um leão, um doutor bem contrariado, uma matilha de lobos, um vaso sanitário e uma cachoeira imensa).

— Para de enrolar. – ela ligou a lanterna do aparelho – Vamos logo.

Nick admirou seu rosto decidido por alguns milésimos de segundo.

— Você manda. – ele falou.

Juntos, eles entraram nas sombras da passagem, sem perceber o leopardo silenciosamente esperando nas trevas atrás deles.