11h:30m para o fim do prazo.

Quando eles entraram na “base de operações”, eles estavam preparados para olhares tortos. Xingamentos e ameaças, talvez. Com certeza estavam preparados para um pandemônio. Mas não para aquele silêncio arrebatador. Assim que entraram na sala (que vinha a ser o porão de uma casa cujos donos haviam viajado), os sete mamíferos lá dentro esperavam em pé, lado a lado, encarando-os.

Embora Nick soubesse que Judy estava nervosa, ela estava escondendo isso muito bem enquanto ele pensava na velocidade da luz. O quê eles esperam de nós? Ele pensou. Com certeza nos subestimam, mas estão presos a nós dois, então o quê esperam? Esperam que quebremos. Que falhemos, não. O mudo depende de mim e da Judy, mas... Ah.

Eles esperavam que ele dissesse algo.

A sua postura arrogante usual não havia falhado até agora, nem deveria. O grupo de analistas e agentes era misto. Haviam dois lobos, o que exigia uma atitude forte e dominante da parte dele. Havia um guaxinim, o que era um desastre. Eles eram tão afiados quanto raposas, só não tinham uma reputação tão ruim. Havia um cavalo encostado na parede dos fundos, o que Nick não gostou muito. Cavalos eram muito ofendidos.

Por sorte, ou talvez não, o resto do grupo era composto por um leão e duas hienas. Nick fez os cálculos e escolheu as palavras certas antes mesmo de a porta- alçapão voltar a se fechar sobre sua cabeça.

— Já conseguiram as plantas e a localização? – ele disse, ignorando qualquer cumprimento ou apresentação. Caminhou determinado até o centro da sala com uma arrogância tão grande que fazia seu peito doer. Não sabia que efeito essa frase faria, mas sabia que, com certeza, não era o que eles esperavam. Regra número sete do Nick Wilde. Surpreenda, ou será surpreendido.

O guaxinim sorriu, com a expressão de quem havia entendido. O restante do grupo ficou paralisado por um instante, sem reação, até que Jack os chamou de volta à realidade.

— e então, conseguiram? Ele disse.

Um dos lobos se pronunciou, ainda em posição de sentido.

— Sim, senhor.

— Mostre pra nós – Jack Savage comandou – e o restante, o que estão esperando? Ao trabalho, vamos! Temos uma segurança pesada pra driblar e um Hacker pra encontrar, e vocês ficam aí parados?

O grupo se espalhou pela sala, que estava, agora Nick percebera, cheia de equipamentos de última geração. Dando uma olhada ao redor, ele notou que o guaxinim era o especialista em tecnologia, o cavalo e uma das hienas eram analistas, o outro lobo era programador (ou parecia), e o leão e a outra hiena pareciam agentes de campo ou peritos em equipamento (leia-se armamento).

O lobo guiou os dois até uma mesa improvisada e leu algumas informações na tela do computador que estava sobre ela.

— Lions está em uma conferência em Ducktown. – ele disse – sobre seus novos rifles automáticos. E é uma ironia e tanto.

— Ele está lá mesmo? – Jack questionou.

— Ele fez o check-in no melhor hotel da cidade ontem, às 3 da tarde. Aparentemente, continua lá. Conseguimos acesso às câmeras do saguão do hotel, e ele aparece nas imagens.

— Ok – Nick disse – pelo menos, não vamos topar com ele fumando um cachimbo na sala de estar. E a planta?

O lobo olhou de relance para Savage, que lhe endereçou um olhar raivoso. Nick entendeu a conversa entre os dois. O lobo não estava gostando da ideia de receber ordens de um policial comum. E Jack Savage não estava nem aí pra isso.

O canino voltou ao computador.

— Essa é a planta geral da casa, que foi feita há mais de cem anos. Não foi possível achar plantas das possíveis reformas feitas depois da construção original.

A casa tinha três pavimentos, com um grande subterrâneo e salas imensas.

— Muita coisa mudou em cem anos. – Nick disse – Há cem anos, não existiam sensores de calor. E o mapa da segurança?

— Não foi possível comprovar, mas nós montamos um mapa com os equipamentos e a sua provável localização.

— Provável?

— Está mais pra quase certa.

Nick ergueu as sobrancelhas, acenando com a cabeça.

— Ah, entendi.

***

10h:12m para o fim do prazo.

Era Judy quem dirigia o esportivo preto que a ZIA havia cedido, com os faróis apagados. Nick apenas se divertia com a postura dela ao volante: ombros para cima, orelhas para trás, sobrancelhas apertadas no centro. Exatamente como um filhote brincando de dirigir.

— O que foi? – ela notou o olhar prolongado de Nick – Por quê tá me olhando desse jeito?

— O que foi, não posso?

Judy não disse nada.

— Na verdade – Nick continuou – estava só reparando... esse uniforme preto te cai bem.

Era verdade. Nick não costumava reparar em coisas assim, geralmente estava preocupado com os pequenos detalhes que usava para analisar os mamíferos ao redor, mas Judy ficava muito bonita de uniforme.

— Ah, você também está ótimo de preto – a coelha olhou para ele por um momento antes de desviar uma pedra na trilha estreita – combina com você.

— Nah, eu preferia aquela minha camisa verde com estampa havaiana.

— Aquilo ainda existe?

— O que foi? – Nick fez sua melhor cara de pau – Seria uma ótima camuflagem.

— De noite?

Nick calou-se. Eles vestiam roupas pretas confortáveis cheias de bolsos, com um coldre e uma pistola cada um.

— Estive pensando – dessa vez Judy não olhou para ele enquanto falava.

Nick se retesou. “estive pensando” eram palavras de alerta pra qualquer marido.

— Em quê?

— Em nós.

— Como assim?

Judy virou bruscamente, e o carro deu uma leve derrapada no chão de terra coberto de folhas. Ela diminuiu a velocidade.

— Eu e você, sabe – ela parecia confusa – desde que você me fez aquela pergunta de manhã, eu fiquei com isso na cabeça.

— Isso o quê? – Nick estava um pouco nervoso, mas sabia que era melhor se fazer de trouxa e deixa-la falar.

— nós não parecemos muito com um casal, parecemos? Quer dizer, somos casados, moramos na mesma casa e tudo o mais, mas... – era isso mesmo que preocupava Judy? Nick não podia acreditar. Cadê a Judy que não se preocupava com o que os outros diziam?— Parecemos mais dois velhos amigos, ou algo assim.

A raposa não falou nada até Judy continuar.

— Eu te conto meus problemas, você me conta os seus, a gente resolve uns casos por aí, anda de patas dadas nos dias de folga, nos conhecemos tão bem e... Mesmo assim...

— Hey, cenourinha, olha pra mim.

Judy, que estivera encarando o volante, olhou timidamente para ele.

— Somos casados, não somos?

Judy não respondeu.

— Não somos? – ele insistiu.

— Sim.

— Então qual é o problema? – Nick falou – precisamos parecer casados para estarmos casados? Não. É uma questão de preconceito.

— Eu estava falando sério, Nick.

— Eu também. – ele sorriu. – Eu amo você, Judy. Não importa se parecemos um casal ou não. Somos um casal, e os outros tem que lidar com isso, certo?

Judy não respondeu. Apenas o beijou. Nick se afastou depois de alguns momentos, respirando profundamente.

— Hey – ele disse – Só temos doze horas.

— Odeio prazos – Judy resmungou antes de abrir a porta do carro.

— Eu também.

Eles saíram do carro.

— E aí, Sr. visão noturna – Judy falou para Nick enquanto ia até a porta traseira e começava a separar o equipamento – Quantos alvos?

Nick olhou ao redor. Sua visão era realmente melhor do que a de Judy no escuro, mas nem ele conseguia ver muito longe entre as árvores que os cercavam. À direita, apenas a floresta densa. À esquerda, o rio. À frente e atrás, uma trilha quase invisível de pneus de carro. Provavelmente de algum adolescente que queria um lugar mais reservado pra levar a namorada.

O plano original era entrar pelos esgotos, o único lugar sem câmeras, mas eles haviam descoberto que além de Rico, Lions também era ecologicamente correto. Tinha sua própria miniestação de tratamento de esgoto, o que impedia a entrada deles.

Depois de falar com Jack, eles decidiram entrar pelo lado direito da propriedade, que dava para a área de preservação de matas ciliares. Nick postou-se ao lado de Judy e começou a ajuda-la. Pegou sua pistola e pôs no coldre, ajustando-o na cintura.

Judy ajustou o seu próprio com uma faixa transversal sobre a coxa direita. Nick sorriu ao compará-la com Iara Craft*. Ele encheu o compartimento de munição com cápsulas tranquilizantes. Ficara intrigado ao ver que eram as mesmas que Doug usara par sequestrar Judy algum tempo atrás. Ao que parece, Judy também notara.

— Belas memórias que essas cápsulas me trazem – ela disse – Minha mãe ri disso até hoje.

Nick ligou o pequeno aparelho sob o banco traseiro do veículo e pôs o pequeno transmissor sem fio na sua orelha. Imediatamente a voz de Jack pôde ser ouvida.

— Chegaram ao local?

— Chegamos. Tudo certo.

Judy pôs seu próprio transmissor na orelha.

— Faltam 10 horas para o fim do prazo – Jack disse – se apressem.

— Copiado – Judy respondeu. Ela pegou um pequeno tubo de plástico e colocou num dos muitos bolsos do colete do traje preto.

Nick pegou a caixa de plástico e a colocou no bolso. Respirou fundo.

— Lembrem- se: só usem a caixa se nada mais der certo – Jack disse – ela vai funcionar, mas vai cortar a nossa comunicação com vocês também.

— já entendemos – Nick rolou os olhos e fechou a porta do utilitário preto.

— E então, querida— ele sorriu com a própria piada – Vamos?

Judy também rolou os olhos e seguiu em direção à floresta, com os raios da lua delineando sua silhueta e depois sumindo nas sombras. Nick lembrou-se de um filme de terror que assistira uma vez, sobre um tigre psicopata que caçava presas na floresta e as comia. Viu-se pensando na ironia de tudo aquilo. Ele caminhava silenciosamente atrás de Judy, quase como se a caçasse.

Sacudiu a cabeça. Que droga de pensamento, Nick. Sinceramente. Ele apressou o passo, silenciosamente colocando-se próximo de Judy.

— Ali – Judy apontou, depois de dez ou vinte minutos de caminhada difícil pelo mato.

O muro de Lions se erguia a cerca de cem metros de distância. Eles caminharam até lá. Nick procurou pelos sensores, e tentou escalar o muro exatamente sob um deles. Não alcançou nem a metade antes das heras desgrudarem do muro e ela cair.

Judy pigarreou. Nick colocou a coelha em seus ombros, de onde ela pulou até a borda do muro. Ele lhe jogou um pequeno grampo que parecia de metal. Ela quase o derrubou, mas conseguiu pegá-lo a tempo, quase passando em frente ao sensor.

Nick e Judy respiraram fundo. Nada aconteceu. Judy agiu conforme as instruções que recebera, colocando o grampo nos cabos sob o sensor. Ele apitou uma vez, e depois uma luz vermelha piscou. Um já foi, Judy pensou. Eles repetiram o processo com o sensor ao lado, criando uma brecha no muro por onde podiam passar sem ativar os alarmes.

Nick jogou sua mochila para Judy, que perdeu o equilíbrio e quase caiu com o peso do equipamento em seu interior. Ela endereçou um olhar fulminante à Nick, que fez um gesto pedindo desculpas. Ela bufou e jogou para ele a corda que havia dentro da mochila.

— Tudo certo? – era Jack.

— Passamos pelos sensores de movimento. – Nick disse enquanto prendia o gancho à ponta da corda leve e resistente. – estamos verificando os de calor.

— Entendido.

Nick jogou o gancho e testou a firmeza da corda antes de escalar. Quando chegou ao topo do muro ao lado de Judy, ele enrolou a corda de novo.

— 9h e 45min até o fim do prazo. – Jack falava ao seu ouvido novamente.

— Achei que o grande Jack Savage fosse à prova de nervosismo – Nick comentou – mas até os agentes ficam nervosos de vez em quando, né?

Jack não respondeu.

Nick checou os sensores de calor no chão. Eles teriam que ser rápidos. A Zia até tinha roupas especiais pra driblá-los, mas não tinha nenhuma no tamanho de Judy, por isso Nick havia decidido arriscar. Ele tirou o cilindro de metal gelado da mochila, e fez um mapa mental do caminho a percorrer.

O nitrogênio se agitou dentro do recipiente quando Nick pulou para dentro da casa. Ele acionou o gatilho do cilindro, expulsando o gás gelado sobre a grama entre as árvores. Judy pulou atrás dele e fez o mesmo com o próprio cilindro, criando uma minúscula lâmina de gelo sobre as folhas da grama.

Ambos correram em direção à casa, espalhando o frio ao seu redor, e torcendo pra que nenhuma câmera estivesse apontada na sua direção.