Pelo que Nick sabia, era impossível que o ar acabasse tão depressa em um espaço tão grande, mas ele se sentia sufocado.

O jaguar passou alguns segundos em silênio antes de Judy falar.

— Uma coisa não está batendo – ela disse.

— Só uma coisa? – Nick perguntou – então estamos com sorte.

Ela estava preocupada demais até para dar um soco nele. Ela ergueu um dedo.

— Primeiro: Porque algo tão importante estaria num cofre de banco? – ela ergueu outro dedo – Segundo: Por que uma conta de fachada no nome de um político? E terceiro: Por que os planos de construção estariam com o diretor do FZI? Deviam estar em algum bunker ou banco de dados protegido, como o do NZA. Não faz o menor sentido.

Nick respirou fundo, sentindo a gravata do uniforme apertar desconfortavelmente a sua garganta como uma pequena forca.

— É claro que tudo tem que ser sem pé nem cabeça. Não teria graça se fosse de outro jeito.

Jack Savage suspirou.

— Eu não estou autorizado a lhes dizer o que a arma é, e também não me disseram. A única coisa que eu sei é que a ZIA pegou esse caso, que devia ser do FZI, o que por si só já explica muita coisa. Quanto à conta de fachada, bem... Não é muito o modus operandi do FZI. Tudo parece bizarro.

Então Nick suspirou, afrouxando a gravata alguns milímetros, e disse:

— Bom... Sr Savage – ele colocou a s mãos nos bolsos, um gesto involuntário que lhe era característico – Por que nos contou tudo isso?

O agente pensou antes de abrir a porta.

— Por que eu confio em vocês.

A lufada de oxigênio que veio do lado de fora refrescou o ânimo de Nick.

— Bem, que tal pensarmos nisso enquanto almoçamos, Judy?

Judy lhe dirigiu um olhar surpreso.

— O que foi? – ele ergueu os ombros – Eu estou com fome!

***

A lanchonete predileta de Nick ficava ali perto. Depois de se despedirem do Agente Especial, com a promessa de sigilo absoluto, eles tiveram que se esquivar de alguns repórteres que já haviam cercado o local e estavam sendo completamente ignorados pelo elefante em frente à porta.

Eles levaram dez minutos para chegar à B-Roar, a lanchonete de um urso pardo parceiro de Nick. Era o lugar perfeito para um interrogatório seguido de um bom lanche.

Nick foi direto até a sua mesa de costume, que geralmente ficava vazia por se encontrar num canto afastado. Por algum motivo, o burburinho dos mamíferos conversando ao redor ficava bem mais baixo naquela mesa, o que a tornava um ótimo lugar para usar a caneta-gravador de Judy.

A atendente, uma jovem alce chamada Julia se aproximou e perguntou o que iriam querer. Nick pediu um X-tudo e batatas fritas. Judy se contentou com um X-salada. Eles pediram também duas Rat-Colas. Os refrigerantes chegaram primeiro, e Nick esperou Julia ir embora antes de começara a falar, colocando o canudo na garrafa.

— Então, você acha que o senador Miller tem algo a ver com isso?

Judy sentou-se mais perto de Nick no banco acolchoado.

— Ele obviamente sabe o que há dentro do próprio cofre. Por que alguém teria seu nome numa conta de banco usada por outra pessoa para guardar a arma mais poderosa já criada?

Nick sorriu enquanto abraçava os ombros de Judy despretensiosamente.

— Se alguém sequer me sugerisse isso, eu sairia correndo.

— Pelo nível de segurança do banco, é impossível que você use o cofre sem ser o titular da conta, mas...

A garçonete voltou com os seus pedidos. Nick parou de prestar atenção por um momento, mordendo seu lanche (que definitivamente era feito para animais maiores do que ele) e esperando Judy terminar de mastigar e voltar a falar.

De repente, ela teve uma ideia.

— Espere – ela disse – até agora só falamos da pessoa autorizada a abrir o cofre. Mas quem realmente é o dono do cofre?

Nick sempre se surpreendia com as linhas de pensamento da coelha. Ficou tão animado que a beijou.

Beijos eram outro tópico delicado em relacionamentos inter-espécies, principalmente entre presas e predadores. Geralmente davam muito errado (imagine duas bocas totalmente diferentes se beijando) e sempre atraíam olhares tortos.

Mas... Quem se importa com isso?

Quando seus lábios se separaram, Judy estava vermelha como se fosse seu primeiro beijo. Ela olhou em volta antes de voltar a falar com Nick.

— Bem... O senador Miller é um novo rico, pelo que me lembro. Esses cofres geralmente pertencem a uma família de ricos há várias gerações. E num banco tão tradicional como o Lemming Brothers...

Nick sorria ao voltar a atenção ao seu lanche.

Judy deu uma mordida no seu X-salada, contente. Sempre que saía pra jantar ou almoçar com Nick, lembrava de alguns momentos na sua antiga escola em Bunnyborrow. Quando aprendera que os predadores comiam as presas no passado, ela sempre ficara a se perguntar o quê eles comiam agora.

Foi durante uma aula de ciências, no colegial, que ela finalmente descobrira.

O professor explicara algo sobre como a carne era rica em proteínas, a base da dieta dos predadores e pilar central do seu metabolismo.

— por isso – ele apontara um desenho que havia feito no quadro negro – é impossível simplesmente substituir a dieta por qualquer vegetal sem causar graves disfunções no organismo. Todos os predadores atualmente comem vegetais ricos em proteínas, como a soja.

Também fazem parte da dieta de um predador a berinjela, o milho, todos os tipos de tubérculos e...

— Judy! – Nick paralisou a mão na metade do caminho até a boca – você está bem?

— como?

A raposa riu ao largar o sanduíche na caixa.

— Ficou encarando o hambúrguer como se ele fosse as tripas de alguém – Nick brincou.

Judy recomeçou a comer. Tomou um longo gole da Rat-Cola antes de responder.

— Eu estava pensando – na verdade ela estava realmente imaginando como seria comer as tripas de alguém – o que a gente vai realmente fazer nesse caso.

Nick se ajeitou no banco, colocando a cauda para o outro lado.

— Eu também pensei nisso. É provável que nós tenhamos mais alguns dias de folga enquanto eles resolvem tudo e depois teremos que começar a pensar em um discurso.

— Nick1 – Judy fez uma careta.

— O quê foi? – ele disse – nunca vão nos aceitar como parte da investigação. Correriam o risco de dar alguma informação por acidente.

— Nick…

— ou poderíamos descobrir algo sozinhos...

— NICK!!!

Judy falou isso num tom levemente mais alto do que o normal, mas, por puro acaso (ou vai que foi pela lei de Murphy) sua fala coincidiu com um daqueles silêncios incômodos que acontecem de vez em quando no burburinho dos locais públicos.

Vários olhares voltaram-se para eles, e Judy corou ainda mais antes de falar.

— você não pode ser negligente assim!

— Não estou sendo negligente, Judy. Só não quero mofar numa prisão federal.

— Mas nós podemos ajudar a resolver o caso!

— Isso seria uma piada e tanto – Nick debochou – nós resolvendo o caso da ZIA e depois dizendo que foi falha nossa e eles resolveram. Eles não teriam salvo o dia afinal.

— Mas você não está curioso?

— Eu estou morrendo de curiosidade – Nick disse – mas não vou arriscar minha carreira por isso.

— Nem parece o mesmo Nick de hoje de manhã – Judy terminou o sanduíche.

Nick franziu as sobrancelhas.

— Não é uma questão de gostar ou não do emprego – ele pegou o que restava do lanche e engoliu – é uma questão de ter ou não opção.

Judy levantou-se de supetão.

— Tudo bem, então – ele deu a volta na mesa, fazendo questão de passar o mais longe possível dele, e o encarou nos olhos antes de ir embora.

— Eu vou resolver o caso, nem que seja sozinha.

— Judy! – Nick disse.

Mas ela já havia saído.

Nick pagou pelo almoço antes de correr atrás da coelha. Ir para a cadeia ou perder Judy?

Aquela pergunta nem fazia sentido.

— Judy, espere! – ele gritou enquanto corria Judy esboçou um pequeno sorriso quando ele a alcançou, quase à porta do carro – Eu estou dentro.

— E aquele papo de “mofar numa prisão federal”?

Nick pensou um pouco.

— Só se vive uma vez.

Os dois saltaram no carro e foram falar com Jack Savage.

Eles tinham um caso para resolver.