O aconchegante apartamento ainda nem havia recebido seus primeiros raios de sol quando o despertador tocou. O quarto pequeno que continha apenas a cama de casal, dois bidês, uma cômoda e um guarda-roupa foi inundado com o som, e algo um tanto estranho aconteceu.

No centro exato da cama de casal, havia uma raposa completamente enrolada em cobertores. O predador de pelos laranja- avermelhados não pareceu reagir ou som estridente do despertador. Porém, um movimento pôde ser notado dentro do casulo de cobertores onde a raposa se encontrava.

Os cobertores foram lentamente postos de lado, e uma coelha saiu do meio deles. A raposa permaneceu imóvel enquanto a pequena presa escapava de seu abraço quente e atravessava a cama para desligar o despertador.

Judy não conseguia compreender como Nick conseguia continuar dormindo com aquele barulho irritante ao seu lado. Se dependesse de Nick, nem todos os despertadores do mundo seriam capazes de impedir que se atrasasse pro trabalho. Judy se preparou para acordar a raposa antes de lembrar que dia era aquele.

Pela milionésima vez seguida, Judy queria ter se lembrado de desligar o despertador em dias de folga.

Sabendo que não iria mais conseguir dormir, mesmo que quisesse, Judy desceu da cama, deixando Nick dormir mais um pouco. Preparou o café, pondo em prática as aulas de culinária que havia recebido de Nick ao preparar panquecas. Assim que pôs tudo sobre a bancada da cozinha, Judy teve uma ideia irresistível. Ela correu até o quarto, tirando seu pijama (que consistia em uma camiseta de Nick, que ela havia roubado há alguns meses e lhe batia nos joelhos) e colocando o uniforme da polícia.

Ela havia posto esse uniforme tantas vezes que ficou pronta em menos de um minuto. Então ela foi até o relógio ao lado da cama e ajustou a hora. Sorriu ao acender as luzes do quarto.

— Nick, acorda! – ela disse, bem alto – estamos atrasados!

A raposa gemeu e virou-se para o outro lado. Judy se perguntou se ele lembrava que era dia de folga. Decidiu continuar mesmo assim. Subiu na cama e sacudiu o ombro de Nick, fazendo-o abrir os olhos, desesperado.

— Acorda! É a terceira vez que eu estou te chamando! Nós estamos atrasados!

Nick virou-se para o relógio, ainda sonolento. E pulou da cama no momento em que viu as horas.

— Nove e meia? – Nick procurou suas calças, correndo pelo quarto enquanto abotoava sua camisa – por que você não me chamou antes?

Judy começou a rir, deixando a raposa confusa. Ele parou no meio do ato de por as calças, com uma expressão tão confusa e assustada que Judy não conseguiu parar de rir.

— Te peguei... – ela disse, entre gargalhadas - ... Raposa... Boba.

Nick rapidamente entendeu o que acontecera. Ele juntou a s sobrancelhas numa cara medonha de raiva. Qualquer um teria medo de uma expressão como essa, mas não Judy Hopps. ela continuou rindo.

Nick suavizou o rosto e sentou-se na cama. Então deve ter se lembrado de que era dia de folga.

— Isso foi imperdoável, Judy. – ele disse, num tom muito sério.

— Isso foi pra você aprender a desligar o despertador nos dias de folga.

— Foi um crime inafiançável. – Nick continuava sentado, inclinando-se levemente na direção dos travesseiros.

— Ah, e qual é a minha sentença, Meritíssimo?

— Fuzilamento!

A raposa fez um movimento brusco, agarrando um travesseiro e o jogando na direção da coelha. Judy até tentou desviar, mas o travesseiro era quase do seu tamanho. Atingiu seu tronco em cheio, derrubando-a.

— Hey! – ela disse, antes de levantar e jogar o travesseiro de volta. Nick o recebeu certeiro no rosto, deixando-se cair sobre a cama.

A guerra parecia iminente, mas Nick deixou por isso mesmo. Ele trocou o uniforme por uma roupa confortável, e Judy olhou desconfiada antes de fazer o mesmo.

Nick farejou o ar.

— Você fez panquecas? – ele perguntou.

Judy respondeu que sim, e ele Finalmente sorriu.

— Acho que vou ter que reduzir sua pena por isso.

Judy não deixou essa passar. Ela deu um sorriso maroto.

— Mas eu já não tinha sido fuzilada?

Nick, que estava indo até a cozinha, voltou para o quarto e encarou Judy com uma expressão divertida.

— Ah, mas quem disse que era só isso? – ele chegou mais perto – eu tinha um castigo bem pior em mente.

Judy não conseguiu parar de rir enquanto Nick a pegava no colo, levando-a até a cozinha e a “torturando” com cócegas. A coelha conseguiu se libertar dos braços do raposo, saltando sobre seus ombros e depois até o outro lado da bancada, onde ficavam as cadeiras. Nick deu a volta na bancada e sentou-se ao lado de Judy, servindo-se de uma pilha imensa de panquecas.

Judy pegou um pedaço de bolo de cenoura e algumas panquecas de cenoura. Nick nunca gostou muito de cenoura, até que Judy resolvera provar que era capaz de fazer quase tudo usando cenouras, como pizza (massa espetacular, molho... nem tanto), sorvete (sim isso existe, e é tão ruim quanto parece), lasanha (Nick era só elogios, até descobrir o que Judy tinha posto no recheio), e um monte de outros pratos.

Judy havia pego o gosto pela cozinha, e Nick só tinha a agradecer. Agora ela quase nunca queimava o arroz. Quase.

— Então – Nick tinha o hábito terrível de falar com a boca cheia – o que vamos fazer hoje?

Judy terminou de mastigar e engolir antes de responder.

— Eu ia te perguntar a mesma coisa.

Nick estava sem ideias pra qualquer passeio ou programa, e ficar em casa estava fora de questão, mas ainda era cedo.

— Que horas são? – ele perguntou para Judy.

— Seis horas.

— O quê? Seis da manhã? é sério isso?

Judy apenas deu de ombros.

— O despertador toca às 5:30. Que horas você achou que fossem?

— Ah, eu não sei, talvez umas 7:30?

— São só duas horas de diferença. – Judy zombou – é que a caipira aqui gosta de acordar com as galinhas.

Nick deixou essa afirmação pairar no ar, se concentrando em pensar em algo pra fazer.

— Talvez se nós saíssemos pra correr? – ele fez uma fraca tentativa de parecer empolgado - é a única coisa que eu consigo pensar pra fazer tão cedo.

Judy rechaçou a ideia de imediato.

— Vamos ficar parecendo um daqueles casais bregas dos anos 80!

Nick não deixou de sorrir ao levar seu prato até a pia e começar a lavá-lo. Ele e Judy haviam feito um acordo nos primeiros meses de casamento: pratos lavados assim que se terminasse de comer, cama arrumada assim que se levantassem. Esse acordo era mais um puxão de orelha em Nick, já que Judy era organizada por natureza, e ele estava cumprindo o acordo religiosamente.

O que o fez lembrar que ainda não havia arrumado a cama. E imediatamente teve uma imensa vontade de se jogar nela de novo.

Judy estava guardando o leite de volta na geladeira.

— Nem pense nisso! – ela disse, lendo seus pensamentos de novo.

— Mas...

Judy limpou a bancada e trouxe seu prato para lavar. Nick considerou terminar o seu prato e deixa-la lavar o seu próprio, mas ele não era cruel assim.

— Talvez a gente possa viajar pra algum lugar. – ela disse – como...

— Ah, é? E com que dinheiro?

Judy odiava quando Nick tinha razão. E ele parecia ter razão muitas vezes.

— E se a gente fosse ver o sol nascer na praça saara? Tipo, de frente pra baía?

Nick achou uma excelente ideia.

— Nossa, estou impressionado. Parece muito romântico.

Judy não suportou e deu um soco muito romântico nele.

— Temos que ir logo, antes que o sol nasça, por isso, termine isso logo enquanto eu arrumo a cama.

Nick já havia terminado quando ela terminou de falar, por isso secou as mãos e a ajudou a arrumar a cama (que era enorme para ela). Eles saíram preparados pra passar o dia fora. Não tinham grandes planos, e decidiriam o que fazer depois pelo caminho.

Estavam tão entretidos trocando comentários irônicos que nem perceberam quando o leopardo saiu do carro, começando a segui-los do outro lado da rua deserta.