– Pronto podemos ir – dizia eu colocando a mochila em meu ombro esquerdo.

Monoko estava recostada na parede ao lado da porta de minha casa. Seus olhos fixos no nada denunciavam sua completa falta de atenção aos acontecimentos a sua volta.

– Monoko você está bem? – perguntei encostando em seu ombro levemente.

Ela pareceu se surpreender com meu toque e em um movimento rápido virou-se para mim. Ela piscou algumas vezes tentando assimilar o que acabara de acontecer como se não soubesse mais onde estava ou o que estava fazendo.

– Mado-chan? – disse ela em tom baixo, acho que ela até mesmo havia se esquecido de minha presença ali – Qual o problema?

– Perguntei se você está bem.

– A-ah sim estou. Vamos? – Ela puxou sua mochila que estava suspensa em seus braços na altura dos joelhos e colocou-a no ombro.

Monoko anda estranha de uns tempos para cá, desde o dia em que foi chamada à sala do conselho ela parece estar sempre distante imersa em pensamentos. Shitai-san e eu perguntamos a ela o que estava acontecendo, mas como esperado ela apenas nos disse que não havia nada fora do comum sorrindo forçadamente e trocando de assunto. Imagino se isso tem alguma relação com sua irmã mais velha, Monoe.

Shitai-san me falou vagamente sobre o relacionamento dessas duas. Aparentemente Monoe e Monoko não se dão nada bem em casa, Shitai me disse que não é como se elas estivessem sempre em conflito, pois elas mal interagem uma com a outra. Ele não quis se prolongar muito no assunto, ele aparenta ficar desconfortável quando se trata de Monoe, suas sobrancelhas ficam franzidas de um modo que não sei dizer se são de raiva ou preocupação, talvez os dois.

Nunca parei para pensar muito na irmã de Monoko depois de nosso primeiro encontro. Quando forço minha memória a lembrar daquele dia as memórias que me vem não são lá muito agradáveis! Eu sinto a tensão do ar, minha garganta seca e a sensação da saliva a percorrendo, minha mão dormente em conta de Monoko e os olhos marcantes de Monoe me fitando. Sim seus olhos são o que mais me lembro, não são como os de sua irmã mais nova, os olhos de Monoko esbanjam e emanam vivacidade, mas os dela não, apesar de serem semelhantes aos de Monoko eu não consigo enxergar naquele negro profundo qualquer centelha de vida, seus olhos frígidos pareciam invadir minha mente e me davam a sensação de estar despencando de um abismo. Eu não conseguia ver nada através deles, nada além de um vazio.

– Mado-chan? – Saí de meus pensamentos vendo uma baixinha à minha frente estalando os dedos tentando me fazer voltar a realidade – Você está ouvindo?

– N-não, sinto muito – Balancei minha cabeça fazendo-me voltar ao planeta terra – O que disse?

– Poxa – disse ela em um bufo – Eu perguntei se você vai a minha festa de aniversário?

É mesmo seu aniversário está chegando, assim como o momento de efetuar a minha operação cupido, Juntar Shitai e Monoko! Só não sei exatamente como farei isso.

– A-ah sim pode contar comigo.

– Ótimo falei com Yuki-san e ela deixará que fiquemos na escola para comemorar - Explicou saltitando ao meu redor como sempre fazia.

– Na escola? Por que não fazemos em sua casa? – O sorriso da alva desapareceu. Droga me esqueci de Monoe - D-desculpa, não deveria ter perguntado.

– Não, está tudo bem. Além do mais eu quero comemorar com Yuki-san e com Sora - Disse ela dando um leve sorriso novamente.

– Sora?

– O gato! Shitai-san e eu decidimos chama-lo assim – Explicou ela.

– Como sabe que ele estará lá?

– É meu aniversário é claro que ele estará lá – Eu não tenho tanta certeza disso.

[...]

Chegamos ao colégio, mas disse a Monoko que iria me encontrar com Poniko antes de ir para a sala – o que é mentira – assim pude me separar dela. Eu fui até a máquina de bebidas perto do ginásio onde Shitai-san costuma ficar antes da aula. Vi ele sentado no mesmo banco girando uma bola de basquete em seu dedo.

– Bom dia – Cumprimentei-o sentando ao seu lado.

– Ah Mado! Bom dia - Retribuiu parando de brincar com a bola e colocando-a em seu colo.

– O Dia está chegando – Disse pegando a bola de basquete. Comecei a bater meus dedos nela, vendo a face de Shitai-san não se alterar, não disse nada, apenas concordou com a cabeça e continuou a olhar para o céu cinza e frio da manhã de inverno.

O silêncio permaneceu por alguns segundos, até que ouvi um suspiro, direcionei minha atenção a ele e pude ver a fumaça quente que saia de seus lábios.

– Obrigada Mado - Disse o mais alto, fiquei um tanto surpresa, isso era a última coisa que eu imaginava sair de seus lábios agora - Você tem se esforçado tanto para me ajudar, eu deveria compensa-la de alguma forma.

Um riso debochado brotou no fundo de minha garganta, mas tentei conte-lo.

– Você poderia me ensinar a jogar basquete - Claro que eu estava brincando ao dizer isso, nós dois sabemos que se eu tentasse alguém acabaria sem um olho.

– Acho que você já tem experiências ruins de mais com esse esporte não acha!? - Disse ele debochadamente.

– Ainda não entendo como você me acertou com uma bola, se sequer somos da mesma turma – Disse eu brincando com a bola passando-a de uma mão para outra.

– Eu queria matar aula, e a turma de vocês ia jogar meu esporte favorito, vi isso como uma oportunidade de me misturar e fugir da aula de cálculo. E por minha sorte a pouca inteligência e falta de interesse do treinador só me favoreceram nisso - Explicou ele orgulhosos como se aquilo tivesse algum mérito.

– E quem acabou se dando mal nessa história toda fui eu.

– Claro que não! Assim que Monoko soube do ocorrido ela se encarregou de me dar uma tremenda bronca e uns tapas também. Sem contar que ela me obrigou a ir a enfermaria com ela para esperar você acordar - Agora as coisas fazem mais sentido – Mas vendo pelo lado positivo, eu conheci uma amiga fantástica em conta disso – Exclamou passando seu braço envolta de mim me puxando para mais perto de si.

Meu rosto enrubesceu, nunca fui tão próxima de um garoto quanto agora, na verdade nunca fui tão próxima a NINGUÉM quanto agora. Em meio aquele meio abraço de Shitai-san tive a sensação de estar sendo observada novamente.

Deve ser minha imaginação.

[...]

– MONOKO-SAN FELIZ ANIVERSÁRIO!!! - Exclamávamos soltando serpentinas e confetes em cima da alva.

– Obriga pessoal – Monoko estava mais alegre do que o normal, seu aniversário finalmente havia chegado.

Estávamos em uma sala de aula aleatória do colégio, como era domingo, não havia alunos em lugar algum, havíamos arrumado a sala com serpentinas, balões e uma mesa farta de comida. Estavam presentes Shitai-san com Sora aninhado em seus braços dormindo tranquilamente, Yuki-san que estava com um lindo vestido azul e alguns veteranos do clube de basquete com quem Monoko sempre estava conversando. Não havia muita gente era apenas uma festa com as pessoas “mais importantes” na vida de Monoko segundo a própria.

Fico um tanto sem jeito de pensar que alguém como eu possa ser uma das pessoas “mais importantes” da vida de alguém. Eu nunca estive em uma festa de aniversário antes, como meus pais quase nunca podiam estar em casa no dia do meu aniversário eu não via razão em comemora-lo sozinha.

– Vamos repartir o bolo, estou morrendo de fome - Exclamava um dos veteranos.

– Ai ai, fazer o que vamos comer então - Monoko pegou a faca e repartiu o bolo que não era muito grande mas era suficiente para que todos comecem. Obviamente o primeiro pedaço foi para Shitai-san, o segundo foi para mim.

Depois que comemos, os veteranos sugeriram irmos à quadra para uma partida de basquete, é incrível como eles só conseguem pensar nisso. Monoko apesar de tudo gostou da ideia e ficou empolgada.

Já lá os veteranos formaram dois times, convidaram Shitai-san para jogar, mas o ele recusou a oferta. Ele estava quieto, parecia pensativo, vi que em suas mãos ele segurava uma caixa, era a caixa da loja em que eu fui com ele no outro dia. Me aproximei dele e o cutuquei com o cotovelo.

– Acho que deveria ir falar com ela agora – Disse mantendo meus olhos focados na bola alaranjada que percorria o campo a nossa frente.

– C-certo – Apensar de ele ter dito isso, seus pés não se mexiam parecia até que ele estava colado à madeira.

– Precisa de ajuda? – Perguntei.

– S-sim, por favor – Dei um tapa de leve em suas costas, ele conseguiu mover seus pés pelo menos. Agora só faltava ir até Monoko – Obrigada Mado! Por tudo – Ele me abraçou rapidamente e foi ao encontro da Alva.

Eu os observava atentamente, Shitai estava nervoso coçava atrás da nuca o tempo todo. Monoko parecia tranquila, mas tem alguma coisa que eu não sei descrever em seu olhar.

Os dois saíram do ginásio esperei que um tempo e os segui, eu queria ver como isso iria acabar.

Eles saíram do colégio e foram se afastando em direção ao bosque, a calçada onde estavam andando estava escorregadia em conta do gelo, a rua estava escura, era final de tarde e o céu de inverno e a densa neblina que cobria as ruas não ajudava nada, os postes ainda não tinham ligado, estava difícil de enxergar as coisas ao meu redor mesmo assim fui me locomovendo discretamente por entre as árvores seguindo-os pelo trajeto que faziam.

De repente Shitai-san parou e Monoko também, eles começaram a conversar, eu não estava perto o bastante para ouvir qualquer coisa então decidi me aproximar, tomando cuidado para que eles não me vissem eu cheguei o mais perto que consegui. Só ouvia sussurros e palavras inestendíveis, eu via Shitai-san coçar sua nuca sem parar, ele devia estar extremamente nervoso e vermelho agora. A conversa parecia normal, mas alguma coisa estava errada, eu via nos olhos de Monoko que alguma coisa estava muito ruim. De repente ouvi um berro, veio da boca de Monoko.

– ELA TE CONTOU NÃO FOI!? - Gritava Monoko, acho que ela estava se referindo a mim.

– M-monoko se acalme - pude ouvir agora a voz de Shitai-san se elevar para competir com a mais baixa.

– E VOCÊ ESTÁ AQUI PARA ME REJEITAR NÃO É?! – Continuou ela, droga está tudo saindo errado.

– Monoko me escuta – pedia o acastanhado tentando segurar o pulso de Monoko, porém ela não permitia.

– NÃO! EU NÃO QUERO OUVIR, EU NÃO QUERO OUVIR! – Pude ver seus olhos se encherem de lágrimas e seu nariz ficar vermelho. Isso é ruim muito ruim – VOCÊ VAI ME DIZER QUE AMA ELA! NÃO A MIM... EU NÃO QUERO OUVIR NADA. EU NÃO QUERO ODIA-LOS!!!

– Não é nada diss- Shitai tentou explicar, mas ela o interrompeu novamente.

– NÃO MINTA, EU VI VOCÊS JUNTOS NO DIA EM QUE FUI AO CONSELHO, E NO SHOPPING E NO DIA EM QUE ELA DISSE QUE IRIA ENCONTRAR PONIKO ANTES DA AULA - Então Monoko viu tudo, estávamos realmente sendo observados. Mas não é o que está pensando, não é o que você está pensando! - ELA MENTIU PRA MIM!

Monoko saiu correndo para o outro lado da rua, mas Shitai-san a parou antes que ela chegasse ao outro lado, ele estava a segurando pelos ombros, em quanto ela tentava se soltar em meio às lágrimas. Eu saí de trás das arvores e fiquei à beira da calçada.

– Monoko-san, por favor, pare! – Falei o mais alto que pude, mas não cheguei a gritar isso só a deixaria mais nervosa.

– Mado-chan? - Ela olhou pra mim atônita, acho que estava confusa do por que eu estar ali. Shitai-san não se virou continuou a fitar a alva – Por favor, Mado-chan não me faça te odiar, eu não quero te odiar nem você nem ao Shitai - Disse ela em meio a soluços - Então, por favor, me deixem ir eu não quero ficar no caminho de voc-.

Monoko foi interrompida por um beijo vindo de Shitai-san, tanto eu quanto Monoko ficamos surpresas, Shitai-san parou de pressionar seus lábios nos dela e secou algumas das lágrimas que caíam em seu rosto pálido.

– Já chega – ele disse em tom baixo, mas consegui ouvi-lo - Monoko eu não amo a Mado. Eu amo você!

Monoko entrou em choque, ficou encarando Shitai-san por um bom tempo, eu permiti que um sorriso meu escapasse juntos de poucas lágrimas, que até então só percebi estarem caindo ao sentir seu gosto salvado em minha boca.

Vi Através da neblina Monoko se agarrar a Shitai e começar a chorar mais do que já havia chorado. Esfreguei meus olhos molhados com a manga do casaco, assim que os abri eu vi alguma coisa vermelha, esfreguei-os novamente pensando que deveria ser uma irritação por eu estar chorando, mas nada acontece. Continuava lá, um ponto vermelho que não consigo distinguir muito bem em conta da neblina.

Aperto meus olhos para ver se consigo identificar, aquilo parece um... *Semáforo.

Ouso uma buzina alta e grave extremamente perto, ao olhar para o lado vejo um caminhão em alta velocidade, ele está a poucos metros de distancia de Monoko e Shitai-san, eu tento gritar seus nomes, mas não sei dizer se a minha voz está saindo.

– MONOKO!!! – Grita Shitai-san segurando-a mais forte do que antes...

...Mas era muito tarde.

Vejo seus corpos serem arremessados em uma velocidade inacreditável, o caminhão derrapa um pouco na pista, mas mesmo assim não para. Continua a correr até que ele desaparece na neblina novamente. Meus olhos estão arregalados e minhas pernas tremulas, sinto como se fosse desmaiar a qualquer momento. Consigo mover meus pés com dificuldade, mal sinto o chão sob mim. Corro o mais rápido que posso em direção aonde seus corpos caíram. O que vejo me fez ter vontade de vomitar, Shitai-san estava deitado sobre uma poça de sangue, e Monoko estava a poucos centímetros ao seu lado com ossos expostos, não consigo aguentar e caio de joelhos entre eles.

Como isso aconteceu? Como chegamos a isso de uma hora para outra? Tudo aconteceu tão rapidamente que eu não consigo digerir tudo, sinto-me flutuando como se estivesse em um sonho lúcido, isso é minha culpa é tudo minha culpa. Eu comecei a chorar e a soluçar incessantemente, dizendo em voz alta que a culpa era toda minha. Até que ouso um tossido, Shitai-san ainda estava consciente, vi o sangue sair de sua boca e entrei em desespero.

– N-não chore Mado - Disse ele em um sussurro quase inaudível - Não é sua culpa.

– N-não fale você não pode falar tem que ficar quieto. Eu vou ligar pra uma ambulância e tudo vai ficar bem - Eu disse isso, mas não sei se estou apenas tentando enganar a mim mesma com essa afirmação.

– Está tudo bem - continuou ele - Já não há mais tempo para mim.

– Não diga isso!!! Não diga isso, por favor - senti as lágrimas quentes escorrerem por meu rosto e minha voz sair gaguejada.

– Mado-chan! – Essa não é mais a voz de Shitai-san, olho para Monoko e vejo que ela tem seus olhos meio abertos, e que seu rosto antes branco agora se encontrava em um tom carmesim.

– M-monoko! – segurei sua mão imediatamente, ela estava fria como uma pedra - Não fale você também, vocês tem que ficar quietos até que a ambulância chegue.

– Desculpa Mado-chan - Ela continuou a falar, em tom tão baixo quanto Shitai ignorando o que eu havia dito - Desculpa por gritar com você, que péssima amiga eu sou – Ela deixou escapar um sorriso em meio às lágrimas - Parece que acabei fazendo você chorar, sinto muito.

– Não, não é! Você é a minha melhor amiga - coloquei sua mão sobre minha bochecha sentindo-a ficar cada vez mais fria - É minha culpa, se eu não tivesse interferido vocês não estariam assim - Eu não conseguia evitar que minha voz saísse tremula e embebedada.

– Você foi uma grande amiga fazendo isso – Shitai-san continuou falando, e o sangue de seus lábios continuava a cair no chão.

– Shitai-san, Monoko, por favor, parem de falar - Eu implorava, eles estavam piorando suas situações, era torturante ver aquilo.

– Mado você pode me fazer um favor? – perguntou Shitai-san - pegue a caixa que está no bolso do meu casaco.

Eu não questionei, apenas peguei o embrulho com cuidado para não machuca-lo ainda mais. O embrulho estava destruído em conta do impacto, mas ao abrir vi lá o anel que Shitai-san havia escolhido para dar de presente à Monoko hoje.

– Pode coloca-lo no dedo de Monoko? – Continuou ele.

Eu coloquei a mão gélida de Monoko sobre meu joelho e encaixei o anel como ele havia pedido. Algumas de minhas lágrimas caíram sobre a mão de Monoko, embora eu saiba que talvez ela não seja mais capaz senti-las.

– Feliz aniversário Monoko – Disse Shitai deixando que algumas lágrimas caíssem de seus olhos se misturando ao sangue no asfalto, os olhos de Monoko se contraíram mais ainda em conta da grande quantidade de lágrimas que brotaram em suas orbes negras, que agora estavam quase sem vida.

– Você aceita sair comigo? – Perguntou Shitai-san sorrindo. Monoko continuou a chorar com dificuldade de respirar, notei que em sua barriga havia um caco de vidro fincado. Isso é demais para mim, é cruel de mais de ver.

– Sim – respondeu a alva - Eu te amo Zumbi idiota – Senti a voz de Monoko falhar mais que das outras vezes, ela estava ficando mais fraca.

– Eu também te amo assombração – Respondeu Shitai-san com uma voz tão fraca quanto a de Monoko, os dois fecharam seus olhos ficando assim inconscientes. Depois de um tempo gritando e chorando incessantemente liguei para Yuki-san, ela chamou uma ambulância e veio correndo me ajudar.

Estava tudo tão confuso na minha cabeça, tudo aconteceu tão rápido, eu não consigo voltar à realidade mesmo que eu queira. Shitai e Monoko estão na emergência em estado de risco e é tudo minha culpa...

...É tudo minha culpa.