Estou deitada na minha cama sentindo meus olhos fechando-se lentamente contra minha vontade estes estavam inchados e cansados, quase tanto quanto eu, mas não queria dormir e como poderia?

Recebi um telefonema há algumas horas, era de Yuki-san. Ela me disse que Monoko e Shitai não resistiram e faleceram no hospital. Ao pensar nisso meu estomago embrulha e as lágrimas caem deliberadamente junto aos meus gritos de tristeza, eles ecoam pela casa, estou sozinha... Novamente.

Ainda sinto os dedos gélidos de Monoko em minha bochecha, a sensação é quase tão torturante quanto lembrar de seus sorrisos mesmo estando daquela maneira, mesmo sentindo suas vidas se esvaindo de seus corpos eles estavam sorrindo pra mim. Isso é muito cruel.

Sentei-me ao pé da cama, encostei minha cabeça entre os joelhos e me encolhi ao máximo que consegui implorando que o tempo voltasse. Voltasse e fizesse com que eu nunca tivesse ajudado Shitai-san, fizesse com que eu nunca tenha aceitado ser amiga deles, fizesse com que eu nunca tenha levantado no ginásio, fizesse com que eu nunca os tivesse conhecido... Fizesse com que continuassem vivos.

Acabei por cair no sono na posição em que estava.

[...]

Acordei assustada, pisquei algumas vezes tentando assimilar onde estava. Estou no chão do meu quarto encostada à cama, mas por quê?

Ah é, me lembrei.

Levantei lentamente sentindo minhas juntas estralarem em conta de eu ter dormido de mal jeito, olhei para o relógio estava marcado 14:34, perdi a aula. Acho que mesmo se eu tivesse acordado normalmente eu apenas ficaria deitada na cama o dia todo, eu não aguentaria andar por aqueles corredores sozinha com toda a escola falando sobre o que aconteceu, não aguentaria ver os vasos de flores sobre as carteiras de Shitai e Monoko ao passar por sua sala, não aguentaria ver os alunos chorando por eles muito menos aguentaria ouvir os professores falando dessa terrível perda, e acima de tudo não aguentaria suas ausências.

Fui até a cozinha, pegar um copo d’agua, olhei para a porta de entrada e senti uma pontada no meu coração, lembrei-me da voz de Monoko todos os dias brincando e gritando ali enquanto me aprontava para a escola. Comecei a soluçar e a sentir meu nariz escorrendo, não aguentei, caí de joelhos deixando o copo que estava em minha mão entornar e derrubar todo o líquido pelo chão.

Eu preciso sair de casa.

Coloquei um casaco, peguei minha *bicicleta, meu *guarda-chuva e saí sem rumo pelas ruas, eu não sei para onde estou indo e não quero saber, só quero esquecer, esquecer tudo o que acontecera como se fosse um sonho ruim.

[...]

Eu pedalei e pedalei sem me importar com as pessoas que estavam na calçada, eu quero apenas seguir em frente sem interferências, fugir o mais rápido que puder. Só parei de pedalar quando meus pulmões estavam queimando quase não conseguindo respirar mais, olhei ao redor e entrei em choque quando percebi onde eu havia chegado. Eu estava em um cemitério, e não qualquer cemitério era aqui que Monoko e Shitai foram enterrados pela manhã, droga! Por que eu vim até aqui? Por quê justo aqui?

Desci de minha bicicleta, fiquei olhando para o céu por um tempo, suas nuvens escurar denunciavam o que eu já previa. Eu deveria dar meia volta e ir para casa, mas se eu voltar só vou ficar mais deprimida.

Olhei para as lápides e senti meus olhos ficarem marejados. Eu deveria ir até lá, mas meus pés não se movem, minhas pernas estão tremendo tanto que se eu der um passo tenho certeza de que cairei e não serei mais capaz de levantar.

Voltei a encarar a coloração cinza do céu quando senti uma gota em minha bochecha, a princípio pensei que fosse só mais uma de minhas lágrimas, mas então mais e mais delas começaram a cair, continuei parada sentindo meu corpo ser completamente molhado. Depois de um tempo abri meu guarda-chuva e dei alguns passos com dificuldade até perto das lápides, andei por elas vendo muitos nomes de pessoas aleatórias a procura das lápides certas. Chegando mais ao fim do cemitério encontrei o que procurava, estavam lado a lado, com centenas de flores a sua volta e homenagens provavelmente de pessoas da escola e familiares.

Minhas pernas já trêmulas não resistiram assim ajoelhando-se entre aqueles blocos de cimento. Ao pensar um instante sobre isso lembro-me do que aconteceu naquele dia, lembro-me da sensação do sangue pelos meus joelhos e começo a chorar, eu podia sentir a terra entre meus dedos de tanto que a apertei, cravei minhas unhas em um ato de frustração e tristeza sentindo o solo úmido sob elas.

– Me desculpem! Me desculpem! – Desculpava-me entre soluços. Limpei as lágrimas de meu rosto com a palma de minhas mãos, sentia minhas bochechas ficarem sujas de terra, mas eu não me importo mais. A chuva começara a engrossar, peguei meu guarda-chuva e levantei-me dando alguns passos em falso em conta da lama.

Quero sair daqui.

Saí do cemitério e fui até minha bicicleta, eu não conseguiria pedalar e me proteger da chuva ao mesmo tempo, fechei meu guarda-chuva e o coloquei na pequena cesta de metal afrente dos guidões. Senti meu corpo ficar mais pesado pelas gotas que caiam severamente sobre mim, eu me sentei e pus os pés nos pedais, mas meu corpo recusava-se a se mover. Que ser patético eu sou! Não tenho sequer forças pra sair do lugar! Desci da bicicleta e comecei empurra-la, eu comecei a caminhar lentamente pelas ruas, novamente sem um destino certo. O frio e a chuva não me incomodavam apenas os ignoro e continuo a andar.

– Madotsuki-san? – De quem é essa voz? Soa familiar, quem está me chamando? - Madotsuki-san o que está fazendo aí?

Olhei para trás e só pude ver duas luzes fortes, coloquei minha mão sobre meus olhos para tentar enxergar melhor. Um carro, mas quem é que está nele? Uma figura alta começou a se aproximar, por alguma razão eu não estava com medo apenas esperei que chegasse perto o suficiente para que eu pudesse ver quem era.

– Madotsuki-san o que está fazendo nesse temporal? – Uma figura alta se agachou a minha frente segurando meu ombro gentilmente, Masada-sensei.

– Sensei? – Ele pegou seu casaco e colocou sobre mim – O que faz aqui?

– Eu é que te pergunto isso - Disse ele com um olhar preocupado - Vamos entre no carro.

[...]

Eu via as gotas de chuva escorrendo pela janela no carro, estava com o corpo parcialmente virado de costas para Masada-sensei, ainda tinha seu casaco sobre meus ombros.

– O que estava fazendo sozinha na rua no meio da chuva? – Perguntou o mais velho. Seu tom era severo como uma bronca, mas eu podia sentir um traço de preocupação em sua voz.

– Eu não queria ficar em casa sozinha – Respondi sem tirar os olhos da janela.

– E pensou que andar sem rumo pelas ruas no meio de uma tempestade era uma boa opção pra isso? – Eu não respondi. Ele suspirou e ficamos um tempo em silêncio,

– Eu fui ao cemitério – Cortei o silêncio com minhas palavras secas – Não intencionalmente, mas fiquei um tempo lá.

Ele não respondeu apenas continuou a dirigir, o silêncio voltou a reinar entre nós permanecendo o trajeto todo até que chegamos a um prédio não muito grande, ele entrou no estacionamento, saiu do carro e abriu minha porta estendeu-me a mão para que eu saísse também.

– Onde estamos? – Indaguei.

– Você disse que não queria ficar em casa sozinha, e eu não posso deixar que vage pelas ruas é perigoso – Respondeu-me o moreno com um doce sorriso – E além do mais você está encharcada, pode ficar doente.

Senti o sangue subir pelas bochechas segurei sua mão e saí do carro o segui até o elevador logo em seguida. Não prestei atenção em que andar paramos, mas não parecia ser muito alto pelo tempo que passamos dentro do elevador, paramos em frente a uma porta branca com números dourados pendurados nela.

– Por favor, entre! – Ele abriu a porta para mim, olhei para o hall de entrada e pude ver que não havia muita coisa além de uma janela à esquerda e algumas pilhas de livros espalhadas pelo chão.

– C-com licença – Deixei mus sapatos molhados junto aos dele e segui para dentro do apartamento. Não era muito grande, mas era encantador havia uma pequena mesa com duas cadeiras, muitos livros espalhados e um piano de armário¹ encostado à parede. Era calmo e aconchegante me sinto segura aqui.

– Espere um momento vou buscar uma *toalha e roupas secas para você - Masada-sensei se retirou na sala e foi a outro cômodo, aproveitei para explorar mais o ambiente.

Aproximei-me de uma das pilhas de livros e os analisei, a maioria eram de poesias e música, o coloquei novamente em seu lugar e fui em direção ao piano, em cima dele havia um tocador de discos com alguns vinis empilhados. Também havia um tocador de CD com alguns deles ao seu lado, eu não reconhecia nenhum dos artistas nas capas. Passei meus dedos pelas teclas do piano e pressionei algumas delas ouvindo suas notas ressoarem pelo apartamento.

– Gosta de piano? - Olhei para a porta e vi Masada sensei recostado na moldura da porta² com uma toalha e uma muda de roupas.

– S-sim, eu acho seu som muito bonito – Respondi desviando meu olhar para meus dedos que se mantinham sobre as teclas. Ouvi o som de seus passos se aproximando, e senti algo ser colocado sobre minha cabeça – Eu posso tocar uma música pra você, mas antes vá se secar e colocar roupas secas – Disse ele segurando a toalha que havia colocado em mim.

Fui ao banheiro e fiz oque ele pedira, desfiz minhas tranças e deixei meu cabelo solto, é estranho me ver assim no espelho já que sempre estou com elas, lavei meu rosto para tirar os resquícios de terra que ficaram na minha bochecha embora a chuva já tenha limpado a maior parte. Eu estou usando uma camisa do Sensei que fica extremamente grande em mim, ao pensar nisso já sinto minhas bochechas queimarem.

Voltei para a sala e encontrei Masada sensei colocando duas xícaras sobre a mesa branca no centro dela. Havia fumaça saindo delas, deve ser chá.

– A-ah vejo que voltou - O mais alto olhou pra mim e pude notar que seu rosto pálido agora apresentava um rubor, eu não deveria estar diferente – Quer chá?

– S-sim – Sentei-me a sua frente na mesa e peguei a xícara em mãos, senti meus dedos esquentarem ao encostar na porcelana, o cheiro estava agradável, tudo ali estava. Percebi que havia um livro na mesa que não estava ali antes – O que é esse livro?

– Ah é um livro de poesias – Respondeu ele depois de tomar um gole de chá, um sorriso gentil brotou em sua face, devo estar parecendo um tomate no momento - Quer ouvir uma?

– A-ah, c-claro! – Respondi, definitivamente eu ESTOU parecendo um tomate no momento. Ele começou a recitar um poema que sinceramente não prestei muita atenção, eu estava mais atenta a sua expressão relaxada e serena de quando pronunciava cada palavra. Eu estava envolvida apenas nos sons que ele emitia como uma sinfonia, eu soltei um riso curto fazendo-o me olhar um tanto confuso.

– O-oque foi?- Perguntou ele.

– Masada-sensei fala de uma forma difícil, parece até uma língua alienígena - tomei um gole do chá e voltei a encara-lo com um sorriso bobo.

– Haha então é isso? Bom eu posso te ensinar essa “língua alienígena” se quiser - Disse ele se levantado da mesa em seguida – Mas por hora por que não ouve uma música? Estou te devendo uma não é mesmo!?

Ele se sentou no banco afrente do piano e eu o segui sentando a seu lado, ele posicionou seus dedos sobre as teclas e começou a tocar uma melodia calma e esplendorosa sua face mostrou-se novamente serena. À medida que as notas ecoavam pela sala memórias vinham em minha mente, recordações de Shitai, Monoko e eu. Memórias felizes que estavam quebrando meu coração, eu via seus sorrisos, as brigas, os abraços e as risadas deles dois, eu via tudo. Senti minhas bochechas ficarem molhadas e comecei a soluçar.

– Ma-Madotsuki-san você está bem? O quê aconteceu? - Masada-sensei parou de tocar e colocou suas mãos sobre meus ombros com um olhar preocupado.

– É... É tudo minha culpa – Comecei a falar entre os soluços – É minha culpa o que aconteceu com Monoko e Shitai, é tudo minha culpa.

– Não Madotsuki-san não é sua culpa – Ele limpou algumas de minhas lágrimas com o polegar gentilmente e me trouxe para perto de seu peito em um abraço, eu poderia ter ficado surpresa ou envergonhada, mas eu estava muito nervosa para reparar em uma coisa dessas no momento - O que aconteceu não foi sua culpa, foi um acidente não é culpa de ninguém.

Eu não conseguia parar de soluçar e gritar em desespero, eu só sentia a mão de Masada-sensei pelo meu cabelo e continuava a chorar ao lembrar-me de Monoko e Shitai.

Aos poucos fui me acalmando, mas os soluços insistiam em não cessar.

– Vai ficar tudo bem, vai ficar tudo bem - Com essas palavras gentis de reconforto vindas do mais alto e a sensação de seus longos dedos passando entre os fios de meu cabelo acabei por cai no sono ouvindo os batimentos suaves do coração do Sensei.