Acordei essa manhã sem vontade de levantar da cama, estava cansada, enjoada, com dores de cabeça e me sentindo uma completa e insignificante escória.

Eu estou preocupada com Masada Sensei, ele não liga já faz dois dias, e Poniko me disse que ele tem faltado à escola também, me pergunto se continua com raiva.

Eu não disse a Poniko o que estava havendo comigo, ou o motivo pelo qual também não tenho ido à escola, quando ela me questionou sobre isso apenas disse que estava bem, mas os médicos acharam melhor que eu ficasse em observação por um tempo. Não espero que essa mentira esconda a situação atual por muito tempo, sempre fui uma péssima mentirosa e a essa altura boatos já devem ter se espalhado pelos corredores da escola graças às caras-de-pássaro.

A última coisa que quero é voltar para aquele lugar, e ser cercada por olhares que me julgam constantemente, pessoas sussurrando meu nome entre os corredores, me fazendo querer chorar e me esconder no mais fundo dos buracos, como aconteceu depois que Monoko e Shitai se foram. Daquela vez Masada Sensei estava lá para me tirar da escuridão, mas agora... estou completamente sozinha.

“Um tempo sozinho”, me pergunto quanto tempo mais terei de esperar para poder tê-lo em meus braços novamente.

Levantei-me da cama de forma preguiçosa, me coloquei a frente do espelho, penteei meus cabelos e cuidadosamente os dividi, os prendendo em duas tranças. Ele está mais comprido, já nem me lembro mais a última vez que o cortei. Encarei meu reflexo no espelho e o examinei meticulosamente, minha aparência podia ser descrita como não mais do que desleixada.

Eu estou com uma cara horrível, parece até que eu não durmo há dias, o que chega a ser irônico já que isso é o que mais tenho feito nos últimos tempos. Meus olhos estão inchados e minha pele mais pálida que o normal, minhas mãos e pés estão inchados como se algo tivesse caído com força sobre eles. Examinei meu corpo com mais atenção, estou *ganhando peso graças ao bebê, sinto-me ficando mais *mole também. Isso me deixa de certa forma triste, mas tudo valerá a pena quando o tiver em meus braços.

Coloquei minha mão sobre minha barriga esperando sentir alguma coisa dessa vez, mas novamente não sinto nada. Em quanto rolava na cama antes de dormir noite passada me peguei pensando em como ele seria. Se seria alto e bonito como o sensei, ou se seria desengonçado como eu, se seus olhos seriam negros ou castanhos, assim como seus cabelos, se sua pele seria pálida como a neve, e se iria ter o mesmo sorriso gentil e reconfortante do pai.

Pensei em tudo, em como eu iria abraça-lo e enche-lo de beijos, em como eu iria deitar a seu lado na cama em quanto via seu peito subir e descer tranquilamente, e me perguntar com o que aquele bebezinho poderia estar sonhando.

Devo estar sendo muito boba agora, mas eu realmente o quero comigo.

Parei de pensar sobre isso e entre abri a porta de meu quarto, só o suficiente para verificar se meus pais estavam em casa. Não estavam.

Posso ir vê-lo, e perguntar o que está acontecendo, resolver isso tudo de uma vez por todas, mas sinto receio por algum motivo, tenho medo de sua possível reação, tenho medo que ele sequer queira me ver.

Uma coisa é certa, ficar aqui pensando sobre isso não está ajudando em nada.

[...]

Acabei por pegar um casaco qualquer e sair sem rumo pelas ruas para esclarecer minha mente, infelizmente não funcionou como esperado, continuo cercada pelos pensamentos inseguros sobre o Sensei. Já é a quarta pessoa com quem esbarro nas ruas por falta de atenção, talvez seja melhor parar.

Minha tentativa falha de sair de casa para tentar esquecer sobre o Sensei acabou me trazendo até o *píer. Eu nunca fui muito fã do mar, das vezes que fui à praia só consegui memorias ruins em conta de minha falta de habilidade em natação, mas nesse momento o mar não parece tão ruim assim. Por que, no meio de todo esse *labirinto em que me encontro no momento, ver algo como o mar me deixa um pouco mais tranquila. Ao contrário do restante das coisas que se deterioram e desaparecem, o mar nunca muda. O tempo passa, pessoas vêm, pessoas vão, as estações mudam e ele está sempre lá, no mesmo lugar, imenso e invariável.

Desci a pequena escada que ligava o píer à causada, ao lado dela havia uma maquina de vendas semelhante àquela ao lado do ginásio, corri meus dedos pelo metal sentindo um aperto no peito ao lembrar de Shitai-san, fiquei um pouco frustrada comigo mesma, com tantas coisas na cabeça eu ainda arranjava mais uma para me deixar deprimida. Coloquei algumas moedas na maquina e peguei um suco qualquer, comecei a andar lentamente ao longo do píer, tentando apenas me concentrar no som das gaivotas que pairavam sobre ele, e algumas outras que fuçavam uma das latas de lixo perto de um *homem que comia o que parecia ser algo vendido na máquina.

Andei até uma das beiradas do píer e me sentei entre duas vigas de madeira, balançando meus pés sobre a água, encostei minha testa na madeira e fechei meus olhos por um instante, sentindo o metal gelado na ponta de meus dedos, sentindo o vento contra meu rosto o fazendo ficar um pouco gelado, e ouvindo o som das pequenas ondas que se formavam chocando-se contra a madeira do píer. Por alguns instantes consegui esquecer de tudo e deixar minha mente limpa, mas fui desperta pela voz de alguém.

– Belo dia, não?

Abri meus olhos e procurei a fonte da voz. A alguns metros de mim havia um *senhor de idade, de estatura pequena e usando um chapéu vermelho, em suas mãos segurava uma vara de pescar simples e de aparência desgastada. Ele me encarava com um sorriso que fazia seus pequenos olhos desaparecerem entre as rugas de seu rosto marcado pela idade.

– S-sim, realmente muito bonito.

– Veio aqui apenas para apreciar o mar?

– A-algo do tipo – Segurei a lata com mais força, ouvindo o metal estalar – Precisava de um tempo para esquecer de algumas coisas.

– Ah entendo... Diga-me senhorita, parece estar um pouco abatida, gostaria de conversar sobre isso?

– N-Não muito... Só queria fugir de algumas coisas, fugir da bagunça em que me meti... desaparecer por um tempo.

Fez-se um silêncio por alguns segundos, preenchidos novamente apenas pelos sons da água e dos pássaros.

– Com certeza lugares como esse ajudam muito nesse tipo de coisa, mas se quer um conselho acho que fugir não é a melhor opção.

– Não, mas é a única que tenho no momento.

– Bem, às vezes é melhor enfrentarmos a situação ao invés de simplesmente fugir, ou podemos no arrepender depois.

As palavras daquele pescador me atingiram como as ondas que se chocavam na madeira abaixo de meus pés. Se eu não confrontar a situação, posso perder Masada Sensei para sempre... não quero perde-lo. Levantei-me rapidamente e comecei a correr pelo píer, gritei palavras de agradecimento ao pescador em quanto corria, subi as escadas e me dirigi até a estação de metrô mais próxima.

Eu quero vê-lo... não, eu preciso vê-lo!

[...]

Desci do trem apressadamente, subi as escadas com um pouco de dificuldade, a viajem havia me deixado um tanto zonza e enjoada, mas deixei isso de lado e segui em frente, precisava chegar a seu apartamento, precisamos discutir isso, nos dois vamos superar e passar por isso juntos, eu acredito nisso.

Andei pelas ruas sem me importar com as pessoas por quem passava, esbarrando e empurrado algumas delas com pressa. Avistei o pequeno prédio branco no quarteirão abaixo e acelerei meus passos. Atravessei as duas portas de vidro que me eram tão familiares, surpreendentemente sem hesitação. Apertei o botão do elevador mais de sete vezes, como se isso fosse fazê-lo descer mais rápido, quando o elevador finalmente chegou ao térreo eu já havia entrado antes mesmo que as portas se abrissem completamente.

Fiquei observando o visor acima das portas ansiosamente, implorando mentalmente que chegasse logo ao nono andar. Novamente quando o elevador parou eu sequer esperei que suas portas abrissem totalmente, saltei dele e corri até a porta branca com números dourados que conhecia tão bem.

Parei em frente a ela por um tempo, eu cheguei até aqui sem hesitação e confiante, mas agora que finalmente estou aqui parece que minha coragem se dissipou no ar. Respirei fundo três vezes, e cerrei meus punhos com força, sem pensar muito mais bati na porta.

– Masada-Sens...

Antes que pudesse terminar de falar a porta abriu-se lentamente com a força de minha batida, estava destrancada, por um momento meu coração desacelerou, Masada-Sensei nunca deixava a porta destrancada. Abri o restante da porta hesitantemente, estava tudo escuro, as cortinas todas fechadas, com apenas algumas frestas que permitiam que um pouco de luz entrasse.

Adentrei o apartamento, fechando a porta atrás de mim. Os sapatos do Sensei estavam jogados no hall de entrada de forma descuidada, as pilhas de livro que ficavam normalmente organizada agora estavam espalhadas pelo chão de forma desleixada, como se tivessem sido atiradas com raiva. Saltei por cima de alguns dos livros, havia alguns cacos de vidro entre eles também. O que aconteceu aqui?

– Sensei? Está tudo bem? – Ao passar pela porta chutei alguma coisa acidentalmente, abaixei-me para pega-la, forcei minha visão e com a pouca luz que vinha da janela pude ver que se tratava de uma garrafa de bebida alcoólica vazia.

Meu coração acelerou subitamente, soltei a garrafa e analisei o cômodo melhor. Assim como o hall de entrada, as fileiras de livros estavam espalhadas pelo chão e cobertas com mais cacos de vidro, havia alguns dos cd’s e louças espalhadas por todo canto, até mesmo o piano que o Sensei tanto adora está sujo e com várias coisas por cima. Parecia que um furacão havia passado por aqui.

Olhei para a porta trancada do quarto, ele só podia estar lá. Sentindo meus batimentos cardíacos em minhas têmporas e corri desesperada até a porta, atravessando a cozinha como um raio. Abri minha boca para chama-lo assim que meus dedos tocaram o metal frio do trinco, mas engasguei-me com minhas palavras ao notar algo que não notei antes: Uma presença, fraca e sombria no canto da sala. Dentre incontáveis garrafas semelhantes àquela que tinha em mãos a pouco, bem ao lado da pia, de aparência desleixada e cabeça baixa, estava Masada Sensei.

O aperto em meu peito se desfez, dando espaço a um novo sentimento, de vazio. Fiquei extática abrindo e fechando minha boca incontáveis vezes, mas sem que saísse um som sequer. Por um instante parece que me esqueci de como respirar. Isso não pode estar acontecendo, não é? Voltei a sentir minha pulsação e voltei a respirar normalmente, dei um passo à frente, então dois, logo estava correndo exasperada em sua direção.

– S-sensei? Masada Sensei, o que aconteceu? – Ajoelhei-me de forma descuidada a sua frente e coloquei minhas mãos sobre seus ombros, mas ele continuou a fitar o chão. Deslizei minhas mãos por seus longos braços em direção a suas mãos, tocando em algo gelado que segurava em sua mão direita, mais uma garrafa vazia. Meu desespero parece ter me engolido por inteiro naquele momento.

– Sensei, por favor, olhe para mim – Meus olhos já estavam cobertos por lágrimas, toquei seu rosto gentilmente e levantei seu queixo fazendo com que nossos olhares se encontrassem. Se foi... o olhar cheio de vida que conhecia se foi, o que encarava no momento eram mortas orbes negras de um estranho.

O tempo pareceu parar, não conseguia me mover, falar, respirar ou qualquer coisa do tipo. A imagem decadente a minha frente me deixou extática e sem reação.

Por favor, alguém me acorde desse pesadelo.

– Mado-chan? – Despertei de meu terror ao ouvir a voz roca e enfraquecida de Masada Sensei.

– S-sim s-sou eu sensei – Apertei com mais força sua mão. Mesmo que ele tenha chamado por meu nome ainda assim os olhos que me encaram machucam como vidro, continuam frios e emanando intenso desalento, mesmo comigo estando a sua frente isso não muda. Posso ouvir meu coração se rachando novamente, e as lágrimas caem em cascatas – S-Sensei, Sensei, por favor, acorde.

Ele não respondeu só continuou a me encarar com aquele olhar desolador que fazia com que as rachaduras se aprofundassem e se estendessem cada vez mais, estou a ponto de me quebrar em pedaços novamente.

– Vá para casa – Atingi meu limite e me parti. Soltei sua mão e fiquei extática – Não a quero aqui.

Balbuciei dezenas de sons mudos, mas a única coisa que proferi foram gemidos e tantas lágrimas que mal conseguia ver um palmo a minha frente. Então ele me odeia mesmo... não pode ser, tem que ser mentira, por que se não for, prefiro morrer.

– S-Sensei... Por quê? Por favor, diga que está brincando, por favor – O segurei pelos ombros e cravei minhas unhas no tecido fino de sua camisa. Vi o olhar de Masada Sensei se alterar pela primeira vez, parecia com raiva, mas com algo a mais, algo como tristeza. Não tive mais tanto tempo para ler sua expressão, Masada Sensei me pegou pelos ombros e me empurrou para longe. Também não tive tempo para ficar chocada, pois ao cair acabei cortando minha mão nos vários cacos de vidro que estavam espalhados pelo chão.

Estou assustada, mas mais que isso, surpresa. Masada Sensei estava a minha frente, com uma expressão de sofrimento e talvez... culpa, seu braço estava esticado em minha direção, mas hesitante. E não tenho certeza, mas acho que vejo resquícios de lágrimas em seus olhos.

Masada Sensei se levantou apoiando-se na parede, ele parecia exausto, ele me ajudou a levantar, da forma gentil e costumeira que conhecia, mas ainda assim continuava assustada, esse é um lado do Sensei que eu nunca tinha visto e não esperava ver.

– Você deve ir para casa – Ele disse secamente.

– Mas, Masa...

– NÃO! - Me interrompeu com um grito, e vi seu semblante raivoso tornar-se melancólico e culpado novamente – Você deve ir.

Ele me puxou de leve pelo braço até a porta, eu estava submersa e sem reação, não sabia o que fazer, mas eu tenho que fazer alguma coisa. Eu vim aqui em busca de respostas, não vou simplesmente ser enxotada sem sequer uma explicação.

– MASADA SENSEI! – Puxei meu braço com força, ele pareceu surpreso e deprimido ao mesmo tempo com minha reação, fechei a porta de entrada com força – Me escute!

– Não há nada a ser discutido – Respondeu desviando o olhar – Apenas vá para casa, por favor.

– Não! Eu não vou a lugar nenhum até você olhar nos meus olhos e escutar o que tenho a dizer.

– Mado-chan, eu lhe imploro, apenas saia.

– Não, por que não quer discutir isso? Eu por um acaso fiz alguma coisa errada? Fiz algo que não deveria para me tratar dessa maneira em meio a tudo isso?

– Não é isso, apenas... vá para casa.

– Por quê? Por que não me quer aqui? É por que me odeia? É por que estraguei sua vida?

– JÁ DISSE QUE NÃO É ISSO – Masada Sensei socou a parede fazendo um barulho oco e alto, me assustei com sua reação e fiquei com o corpo tenso, todas as palavras de indignação morreram em minha boca naquele momento – Não... Diga essas coisas, por favor, não diga essas coisas.

Ele abaixou seu braço e pois as mãos no rosto, pela primeira vez vi um sentimento palpável em sua face, um sentimento de dor e intensa agonia, a torrente de lágrimas que saia de seus olhos não parava. Encolhido daquela maneira e com a tristeza eminente em sua face, foi a primeira vez que senti como se ele fosse menor que eu.

– E-Eu não quero você perto de mim... não quero te machucar de novo, tudo o que fiz foi isso, eu machuquei a pessoa que eu mais amo, que tipo de monstro eu sou? – Disse ele entre soluços. Mas ele está errado, ele não é nada disso.

– Masada Sensei – Me aproximei mais dele – Você está enganado, você não é um monstro, você nunca fez nada para me machucar e...

– Sua mão é a prova – Me interrompeu. Olhei para a mão que havia cortado nos cacos de vidro, ainda estava sangrando bastante, mas isso foi um acidente, Masada Sensei nunca me machucaria de propósito – Se ficar perto de mim, só vai se machucar mais ainda.

– Você está enganado nada disso foi intencional, você nunca fez nada para me machucar, nunca...

– E o bebê? – Me interrompeu novamente. As palavras fugiram tão rápido quanto vieram – A culpa é minha, graças a mim sua vida está arruinada agora. É tudo minha culpa, me desculpa, me desculpe Mado-chan, me desculpe...

Ele continuou a chorar, e eu continuei extática a sua frente. Todo esse tempo eu estava assustada por causa do bebê, sem saber o que fazer e perdida sem achar uma saída, mas esqueci de que talvez Masada Sensei também pudesse estar assustado e tão perdido quanto eu.

Eu sou mesmo idiota...

Aproximei-me dele e o abracei com toda a força, ele pareceu ficar surpreso, mas eu não me importo, não quero solta-lo, não quero solta-lo nunca mais. Depois de alguns segundos ele retribuiu meu abraço, e me apertou em seus braços com tanta intensidade quanto eu o havia feito. Eu estava muito feliz de tê-lo em meus braços novamente, tão feliz que poderia morrer.

– Por favor, não diga tais coisas novamente – Sussurrei enroscando meus dedos em seus cabelos negros – Você não estragou minha vida, eu amo esse bebê do fundo do meu coração, e não poderia odiá-lo por isso, jamais.

Não houveram mais palavras, só fiquei abraçada daquela maneira ouvindo os poucos soluços que persistiram de Masada Sensei.

[...]

Saí do banho depois de ter limpado todo o apartamento com Masada Sensei. Enfaixei minha mão direita com algumas ataduras do kit de primeiros socorros que havia no banheiro. Masada Sensei estava dormindo profundamente na cama, seu cabelo molhado estava todo espalhado sobre sua face serena. Parece que ele não tem dormido bem há tempos.

Fiquei ajoelhada ao pé da cama o observando, não queria ir embora, mas tenho que estar em casa quando meus pais chegarem. Levantei-me um tanto relutante e dei um beijo leve na testa de Masada Sensei, peguei meu casaco e apaguei todas as luzes.

Fechei a porta de entrada olhando mais uma vez para Masada Sensei, deixando escapar um leve sorriso, ao pensar que finalmente esta tudo bem, que finalmente o tenho de volta.