– Alô?

– O-Olá – Gaguejei ao ouvir a voz do outro lado da linha, a voz da mãe de Masada Sensei.

Depois de Juyosei-san ter recolhido a cópia que tinha da chave eu não pude ficar de braços cruzados e ver a única coisa que me trazia algum conforto e proximidade de Masada Sensei ser levada para longe de mim. Eu voltei ao prédio no dia seguinte e implorei que me deixasse entrar lá mais uma vez, mas fui surpreendida com a notícia de que as coisas já haviam sido carregadas logo de manhã e estavam a caminho de Hokkaido¹. Então fiz a única coisa que estava ao meu alcance, implorei-lhe que me desse ao menos o telefone da mãe de Masada Sensei. A princípio ele não aceitou, mas acho que cedeu quando percebeu o tamanho de meu desespero.

– Quem está falando? – Perguntou a voz roca e cansada. Imagino quantos anos tem. Parece estar exalta, imagino se é por conta de sua idade aparentemente avançada ou se assim como eu a morte de seu filho a destruiu.

Masada Sensei havia decidido contar a sua família sobre mim apenas depois que eu terminasse meus estudos. Como estou no segundo ano teríamos de esperar mais um ano inteiro, mas ele não pareceu se importar. Fico imaginando a reação deles, se ficariam felizes ou se odiariam a ambos, eu e Masada Sensei. Confesso que a segunda opção sempre me pareceu mais realista.

– Er... A senhora não me conhece, m-mas eu conheci seu filho - Disse tentando reprimir a minha incontrolável vontade de chorar.

– Ah... sim, foi um choque para todos nós da família quando soubemos o que houve – Sua voz estava carregada de tristeza. Pela primeira vez pude perceber que não era a única que estava sofrendo com sua morte.

– E-Eu sinto muito por sua perda - Assim que lhe disse isso senti uma pontada de inveja. Ninguém havia me dito tais palavras. Me lembro bem que no dia em que acordei naquela bendita maca de hospital tudo o que recebi ao perguntar por seu nome foram olhares espantados e outros estreitos, julgando e tirando conclusões errôneas sobre Masada Sensei.

– Obrigada, mas se importaria de me dizer como o conheceu senhorita? - perguntou calmamente. Ela ainda deve estar confusa sobre o telefonema.

– A-Ah sinto muito. Me chamo Madotsuki eu sou... era uma das alunas de Masada Sensei.

– Obrigada pela consideração por nosso filho Madotsuki-san. Saber que seus alunos o gostavam dele nos deixa imensamente orgulhosos e felizes - Ela parecia um tanto triste, mesmo que se esforçasse para esconder - foi um prazer falar com a senhorita, mas se me der licença tenho que continuar os preparativos para... o funeral.

– Na verdade – A interrompi antes que pudesse desligar o telefone - Eu queria lhe perguntar uma coisa, foi por esse motivo que liguei.

– Sim?

– B-Bem alguns colegas de turma e eu fomos a casa de Masada Sensei para saber se... se o piano de armário que lhe pertencia iria ser jogado fora, pois queríamos muito que ele fosse para a escola, sabe é muito importante para nós e seria uma forma de nos recordarmos do Sensei - Senti um gosto amargo na boca por estar mentindo, mas eu não poderia dizer que é puro egoísmo meu para que eu pudesse ficar mais perto dele.

– A-Ah entendo – Ela pareceu surpresa com o pedido e de uma longa pausa antes de tornar a falar - Eu sinto muito Madotsuki-san, mas eu e meu marido decidimos que seria melhor se não nos prendêssemos a nada material que um dia foi dele.

– Então o estão jogando fora? - Meu coração parou por um instante.

– N-Não, nós estamos doando tudo. Sinto muito, mas eu seria incapaz de lhe dizer para onde ele será enviado, pois tudo que vai para a central de doação é distribuído aleatoriamente pelo país, não temos acesso a esse tipo de informação. Eu gostaria de ajudar, mas creio que não posso... Sinto muito – Senti as lágrimas descerem por meu rosto, a minha única chance acaba de se perder. Eu a tinha em minhas mãos e agora... voou pra longe incapaz de ser alcançada novamente.

– Obrigado – Falei em um sussurro e desliguei o telefone antes que ela pudesse dizer mais alguma coisa.

Deixei o braço que o sustentava pender na cama deixando o aparelho escorregar por meus dedos. Fiquei um tempo olhando atônita para a parede até que me rendi a tristeza e comecei a chorar descontroladamente. Meus soluços já estavam começando a se tornar comuns a meus ouvidos tendo em vista que tudo o que faço nos últimos tempos é chorar. Mas logo esses soluços foram encobertos pelo som do telefone tocando.

Poderia ser a mãe do Sensei? Será que ela tinha reconsiderado a idea de doar o piano? Peguei rapidamente o telefone em minhas mãos sentindo meu coração acelerar em conta da ansiedade.

– Alô?

– Mado-chan? – Essa não era a voz da senhora com quem falava a pouco, mas eu reconheço essa voz muito bem – Graças a Deus, eu estou tentando falar com você a semanas, onde esteve?

– Poniko-san?

– Quem mais seria? – Respondeu ela brincalhona – Você está bem? O que houve com sua voz? Estava chorando? – Perguntou a loira preocupada.

– Eu estou bem, sinto muito por não contata-la antes - Havia me esquecido completamente da minha vida fora desse quarto, fora do apartamento de Masada Sensei.

– É claro que não está! Ouvi que você estava naquele terrível acidente junto com... Masada Sensei. Todos ficamos arrasados ao ouvir sobre o que aconteceu com ele – Poniko falava de uma forma dura e fria, mas parece estar tão triste quanto a mãe de Masada Sensei.

– P-Poniko-san - Voltei a sentir os soluços brotando no fundo de minha garganta e as lágrimas voltando, deixando eu olhos marejados. Eu não aguento mais, eu tenho que falar com alguém eu preciso que alguém, pelo menos uma vez me conforte de tudo isso - E-Eu estava com ele, e-eu o vi morrer em meus braços Poniko... f-foi horrível – Minhas palavras saiam confusas entre os fortes soluços. Eu apertava tanto do telefone que os nós de meus dedos ficaram brancos.

Ela não disse nada, parecia em choque, tudo o que fiquei ouvindo foram meus próprios gemidos ecoando do outro lado da linha.

– I-Isso é horrível Mado-chan – Ela voltou a falar, ainda de uma forma dura e fria. Devo tê-la assustado dizendo tudo isso assim, de uma hora para outra – Mas o que importa é que você está bem não é mesmo?

Apenas fiz um pequeno ruído concordando, mas uma longa pausa se fez sem que nenhuma de nós duas dissesse nada.

– Né Mado-chan... Se importa se eu te fizer uma pergunta?

– N-Não, o que foi Poniko-san?

– Você e o Masada Sensei... tinham alguma coisa?

Senti o ar falta a meus pulmões. O que eu digo? Será que posso finalmente confiar em alguém e dizer logo tudo o que aconteceu? Não sei quanto tempo fiquei calada apenas ouvindo minha pulsação em meus ouvidos, mas de alguma forma eu consegui criar coragem e dizer logo de uma vez o que estava preso em minha garganta a tempos.

– S-sim – Minha voz vacilou um pouco quando disse, mas eu continuei, tinha que continuar – E-Eu e Masada Sensei tínhamos um relacionamento já a um tempo e... ele me pediu em casamento no dia do acidente.

Senti as lágrimas aumentarem com a lembrança, mas continuei falando sem parar para pensar por um instante se o que estava fazendo era certo ou não.

– E... Eu estava esperando um bebê... um filho dele, mas eu o perdi... no mesmo dia em que perdi Masada Sensei.

Não houve resposta por muito tempo, comecei a entrar em pânico, e se ela me odiasse por isso? Preciso que alguém tome minhas mãos e diga que vai ficar tudo bem, que está do meu lado e que o pesadelo já passou. Monoko, Shitai... queria que estivessem aqui.

– Mado-chan... Eu sinto muito por ouvir tudo isso, nem posso imaginar como deve estar se sentindo agora... Eu quero te ajudar, quero mesmo.

– Acho que não a nada que possa se fazer agora Poniko-san.

– Eu sei que não há como voltar no tempo e evitar que tudo aconteça, mas por favor me deixe ao menos conforta-la, você precisa disso.

– Obrigado Poniko-san - Pela primeira vez em tempos pude esboçar um sorriso ao ouvir que terei alguém a meu lado novamente. Alguém a quem recorrer.

– Por favor volte a escola amanhã - Pediu a loira ainda com uma voz contida e calma.

– E-Eu... Tudo bem eu voltarei amanhã.

– Ótimo, nos vemos amanhã então Mado-chan e, por favor, não chore mais.

– Certo.

– Bons sonhos Mado-chan.

– Obrigado Poniko.

Ela desligou o telefone, coloquei o aparelho no gancho da escrivaninha e levantei-me sentindo-me um pouco mais animada. Separei meu uniforme e escrevi em meu diário mais uma vez, mas dessa vez sem molhar as folhas com lágrimas de tristeza, e sim de alegria. Deitei-me em minha cama e beijei o anel em meu dedo com um pequeno sorriso.

Amanhã é um novo começo.