Yu-Gi-OH! - Hollow Fighters

Vol. 1: "Pois muitos são chamados…"


OST: Tower of God Rachel

Samson despertou abruptamente após sentir o solavanco do ônibus. Seus olhos se entre abriram para encarar, a linda paisagem de montanhas florestadas que cercava a estrada, uma pena que o seu destino não era tão belo quanto as colinas verdejantes de Kosuge. Seu olhar se direcionou para baixo e viu suas mãos e pés presos por algemas prateadas que reluziam com a luz que entrava pela janela, e como se já não bastasse isso, haviam homens armados na frente do transporte que olhavam para ele e a todos os outros prisioneiros com olhos afiados e desconfiados.

— Bom dia, flor do dia.

— … – Samson olhou de soslaio para quem o chamou e cruzou seu olhar com um outro detento sentado no banco de trás, dava para enxergar uma figura alta, deveria ter um pouco mais de 1,90 quando em pé, extremamente robusto, tanto que ocupava sozinho o banco de trás. Os cabelos eram ralos de cor castanha e seus olhos tinham uma cor chocolate. O jovem nada respondeu, apenas voltou a olhar a paisagem através da janela.

— Então você é do caladão, ein? Entendo… Eu já vi esse tipo antes, na prisão juvenil tava cheio desses, todos frios e calculistas, eram um porre sabe.

— …

— Tá olhando o que? – O homem grande colou seu olhar na janela para olhar a mesma paisagem que deleitava os olhos de Samson – Aproveitando a sua última vista do lado de fora?

— …

— Ai tu é Tik Toker?

Certo. Essa pessoa definitivamente não bate muito bem.

— Todo cabeludinho desse jeito, deve fazer sucesso com as menininhas

— Você não vai calar a boca né?

— Olha só, ele fala – Respondeu o gigante com um sorriso vitorioso nos lábios.

— Por que você não vai encher o saco de outro?

— Pro seu azar somos os únicos sentados nos bancos de trás do ônibus, e eu acho que os guardas não vão nos deixar trocar de lugar

— Eles também não deveriam nos deixar conversar…

— Enquanto falarmos baixo acho que não tem problema – O homem grande relaxa o corpo sobre o banco, deixando a almofada velha gritar com uma espécie de rangido, seguido pelo assobio do ar deixando o estofado através de um furo no tecido – Mas eae, não respondeu minha pergunta, faz ou não sucesso com as menininhas?

— O que é que você quer, ein? – Perguntou Samson já indignado com o falatório do gorila.

— Matar o tédio, e não tem muito o que eu possa fazer aqui não é? Por sinal, me chamo Fukuda Aiji, e você?

— Eu não perguntei.

— Falta de educação faz parte do seu charme? As meninas de hoje em dia tem muito mal gosto, minha nossa.

Samson suspirou em descrença, não conseguia acreditar no seu próprio azar de mais uma vez ter de ficar junto de um tagarela como ele. Quando chegou no reformatório para passar pelos primeiros anos da sua pena, ele esperava um ambiente mais melancólico para acompanhar a sua frustração, mas só o que recebeu foi um bando de falastrões que nunca calava a boca. Imaginou que na prisão isso seria diferente, ledo engano jovem Samson, ledo engano.

— Por sinal, pela sua cara achou que você é mais novo do que eu, então aqui vai um conselho do seu senpai, corta esse cabelo ai cara, ou vão cortar pra você.

— Meu Deus. - Respondeu desacreditado – Vou dizer isso mais uma vez… Eu-não-perguntei!

— Ei vocês dois ai! Vão fechar a matraca ou eu vou ter que ir ai fechar pra vocês? – Gritou um dos guardas na frente do Ônibus.

Os dois quase imediatamente calaram a boca com o grito do policial, para a graça de Samson, contudo esse momento de silêncio muito provavelmente será o último até a chegada a Penitenciária de Kosuge. Kouda deitou sua cabeça na borda da janela e, apesar de não sentir mais sono, fechou os olhos

Não restava mais nada a Samson a não ser esperar… Aguardar para que os próximos anos passem diante de seus olhos.

Esperar.

Dormir.

Sonhar.

São as únicas coisas que ele pode fazer a partir daqui.

Se arrepender… É a única coisa que ele pode fazer.

[...]

OST: Florence Adult Life

A rotina de um presidiário em Kosuge é relativamente fácil de ser seguida, com todos tendo direito a duas refeições diárias ao dia, pausa para banho de sol do lado de fora das celas, permissão para frequentar a biblioteca local ou a academia, sem contar a disponibilidade do banheiro para qualquer preso que quisesse banhar ou se aliviar. Tudo isso, óbvio, com muita vigia envolvida e horários cronometrados para que os guardas não pudessem perder nada de vista. Claro, eles também não se responsabilizam por qualquer confusão decorrente de desentendimentos entre presos, afinal eles possuem liberdade para discordar uns dos outros, sejam com palavras ou punhos. Desde que a integridade física de nenhum dos oficiais presentes seja comprometida não acontecerá nenhum problema.

De fato, a rotina em Kosuge é extremamente tranquila, mas esse tipo de existência não costuma agradar a todos. O contato com o lado de fora do regime, privando dos homens as necessidades mais básicas para qualquer ser humano moderno: Internet, televisão, cerveja, contato com o sexo oposto, sem contar que a comida do presídio nem dava para ser chamado de comida ao certo, eles tinham a obrigação apenas de servir o necessário para sobreviver, comida rica em nutrientes, mas isso não significava que deveria ser bom.

E entre todos os presidiários que viviam encarando a realidade e lidando com as consequências dos seus atos, havia um que sofria mais do que qualquer um desses. Um homem que uma vez viveu em prol de todos os prazeres carnais que a vida pode lhe oferecer, um homem que teve tudo tirado de si depois de um horrível acidente. Seu nome era Tsuguhiko Matsuyama. Você provavelmente não sabe quem é este pobre coitado que caminha pelo pátio com as mãos para trás e olhar baixo, mas muito provavelmente já ouviu seu nome saindo da boca de algum entusiasta de esportes — Principalmente Monstros de Duelo — e que tenha idade o suficiente para ser seu avô. Pode não parecer, mas este velho que anda sem parar com o sol fritando seu aeroporto de mosquito já foi um famoso duelista da velha guarda.

— A eles costumavam dizer: “Tsuguhiko, o Matador ataca novamente”, “Quem será sua próxima vítima”, “Será que existe alguém capaz o suficiente para enfrentar esta estrela em ascenção?” – Balbuciava o velho aos quatro ventos, imaginando que houvesse alguém prestando atenção em seus devaneios do passado – E agora olha onde eu estou… Preso aqui com um paspalho QUE NÃO SABE DIFERENCIAR UMA INVOCAÇÃO POR RITUAL E UMA FUSÃO!

Mais a frente do ex-duelista existiam dois detentos, sentados em uma mesa de rocha sólida e nelas marcadas as gravuras do que parecia ser um campo de Monstros de Duelo, e sobre ela estavam algumas cartas e dois decks posicionados de maneira desajeitada. Sim, assim como a prática de esportes como basquete e futebol é comum em Kosugue, isso não difere dos clássicos Monstros de Duelo, a sensação das últimas décadas. O jogo recebeu uma atenção notável desde os avanços tecnológicos feitos pelas Corporações Kaiba, em parceria com as Ilusões Industriais, para tornar o jogo ainda mais emocionante.

Hoje o jogo é de fato uma febre, todos conheciam, mas isso não significa que estes sabiam jogar.

Esse era o caso dos dois sujeitos ali posicionados para uma partida. O decorrer daquele embate era nada mais nada menos do que vergonhoso, e para Tsuguhiko que dedicou décadas da sua vida a este jogo, ver aqueles dois jogarem era a pior tortura que Kosuge poderia submeter a ele.

Dane-se a bebida!

Dane-se as mulheres!

Essas coisas são triviais, mas Monstros de Duelo é um estilo de vida, a razão de muitos para continuar seguindo suas ambições. E esse duelo não era nada mais nada menos do que um CRIME contra o jogo.

— Tsuguhiko-san poderia ficar quieto por um segundo? Estamos tentando nos concentrar aqui – Disse um dos prisioneiros, um homem que estava no caminho para a meia idade, não chegava a ser velho de fato, mas já era possível ver pés de galinha em seu rosto e fios de cabelo branco surgirem em meio aos cachos negros.

— É tá acabando com nosso tesão! Logo agora que eu já estava com o Tashiro-chan na palma da minha mão – Comentou o adversário de Tashiro, um detento mais novo, não devia ter mais do que 30 anos de idade. Era um homem de cabelo de fogo, raso, com falhas bem evidentes partindo do couro cabeludo e nas entradas da cabeça. Um sinal de que a idade para este estava chegando mais cedo do que para seu velho amigo.

— Quantas vezes eu já te disse para não me chamar disso, Kawata! Ou eu vou ter de te fazer engolir as minhas meias de novo? – Respondeu o mais velho, batendo ambos os punhos na mesa em fúria – E faça logo essa maldita jogada, não aguento mais ver você enrolando!

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┃➲ Tashiro, Shion: 4000 P.V.

┃➲ Kawata, Otoya: 4000 P.V.

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2° Turno:

Kawata, Otoya

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「Mão de Kawata, Otoya: 6 cartas」

— Hehehe… Não se apressa um artista quando ele está prestes a criar a obra de arte da sua vida… – Respondeu Kawata com um sorriso sorrateiro por trás das 6 cartas que ele tinha em mãos, depois olhou de soslaio para o campo do adversário onde havia uma carta baixada e um monstro em modo de ataque, se a leitura dos Katakanas estiver correta o nome da criatura deveria ser lido como Chakra.

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┃➲ Chakra

┃➲ Dark

┃➲ Level 7

┃➲ Fiend/Ritual

┃➲ ATK/2450 DEF/2000

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‘ — Beleza! Eu faço a invocação normal do meu Gogiga Gagagigo! – Diz Kawata colocando a carta na mesa.

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┃➲ Gogiga Gagagigo

┃➲ Water

┃➲ Level 8

┃➲ Reptile/Normal

┃➲ ATK/2950 DEF/2800

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— Ah merda, ele é mais forte que meu Chakra!

— Ele não pode ser invocado seu imbecil!

— Hum? — O detento mais jovem olha incrédulo para o velho homem — Ué porque não?

— É um monstro de nível oito, ele só pode ser invocado se você tributar dois monstros!

— Ah sério? UFA — Respondeu Tashiro limpando o suor frio de sua testa com as costas da mão.

— O que, sério? Tsc… Não seja por isso então — O mais jovem devolveu o monstro do campo, então pegou outras duas cartas na mão e as colocou no campo — Eu invoco o 7 Colored Fish e a minha Aqua Snake!

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┃➲ 7 Colored Fish

┃➲ Water

┃➲ Level 4

┃➲ Fish/Normal

┃➲ ATK/1800 DEF/800

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┃➲ Aqua Snake

┃➲ Water

┃➲ Level

┃➲ Aqua/Normal

┃➲ ATK/1050 DEF/900

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— D-dois monstros de uma vez? — Respondeu Tashiro com genuína surpresa — Então você…

— Isso mesmo, venha Gogiga— Ai!

Dessa vez o que interrompeu a jogada de Otoya não foram as palavras ásperas de Tsuguhiko, mas sim suas mãos calejadas e enrugadas.

— Pra que isso seu velho broxa?

— Pelo amor de Deus, quantas vezes eu tenho que dizer? APENAS UMA INVOCAÇÃO NORMAL POR TURNO SEU IMBECIL! — Gritou a plenos pulmões.

— Ah qual é, para de encher o saco e deixa a gente jogar… Você só tá atrapalhando — Esbravejou o jovem de cabelos ralos.

— Na verdade eu aprecio muito a presença do Tsuguhiko-san aqui conosco…

— Você diz isso por ter um monstro foda no campo, mas até agora tava levando bronca dele igual a um otário! — Retrucou.

— Ei vocês três! — Interrompendo aquela discussão, uma voz ríspida e grossa se aproximou dos três detentos. Era um homem de tamanho médio fardado com um uniforme de oficial da lei, quase uma caricatura de tão genérico — O intervalo terminou, deixem as cartas onde estão e voltem para as suas celas.

Os presos nem ousaram protestar, apenas soltaram um suspiro em uníssono, se levantaram dos assentos e deixaram o pátio acompanhados pelos oficiais que os escoltaram para suas respectivas celas. O caminho pelos corredores do presídio era um tanto mórbido, apenas o som ecoante dos seus passos os acompanham nessa caminhada. Quando passaram por outras celas nenhum preso disse mais nada, os guardas eram silenciosos como estátuas.

Por fim os três sujeitos param em frente a uma cela, um dos guardas abre a porta deixando que Tsuguhiko e Tashiro entrem, enquanto o outro guarda escolta o jovem Otoya para sua própria cela. Assim que entrou, Tsuguhiko desmontou na cama debaixo do beliche velho, que gritou com um rangido assim que o corpo corcunda do ex-duelista descansou sobre o colchão mofado.

O sono dos prisioneiros era cronometrado em Kosuge, o que era fatal para o corpo velho daquele sujeito caduco, e para piorar ele ainda teria que voltar a sua rotina de trabalho braçal antes de poder dormir novamente, então ele gostava de apreciar esses momentos entre troca de horários para descansar. Ele até faria isso no intervalo, seria melhor para sua cabeça do que ver incompetentes destruírem o jogo que ele tanto amava, mas não era permitido a permanência nas camas durante o horário de atividade, de acordo com os guardas as pausas serviam para os prisioneiros fazerem “atividades recreativas” e tomar “banho de sol”.

— Aff… Parece que o dia não acaba — Diz Tashiro olhando por entre a pequena janela do quarto, vendo que o sol ainda estava alto no céu — Ter que trabalhar lá fora com esse sol é uma desgraça.

— De fato, mas ao menos não me deixam fora de forma — Comentou o ex-duelista.

— “Em forma”? Você tá velho Tsuguhiko-san, velhos não ficam “em forma”.

— Olha quem fala!

— Eu tenho apenas 48 anos, você já tá quase na casa dos 70 — Comentou com uma risada frouxa.

— E pretendo viver ainda mais do que você, seu merda! — Gritou na cama frustrado — Em alguns meses eu vou estar fora daqui, enquanto você vai continuar mofando nesse lugar!

OST: Fullmetal Daemon Muramasa Grief

A discussão e o deboche entre os dois colegas de dormitório é praticamente uma rotina. Um dia em Kosuge para Tsuguhiko não é um dia enquanto Tashiro não abrir a boca para soltar abobrinhas, e querendo ou não o velho homem já havia chegado num ponto em que ele até mesmo estranhava quando o amigo não soltava alguma zombaria envolvendo seu nome, mas querendo ou não era apenas isso que ele tinha naquele lugar.

Acordar, tomar café, trabalhar no campo, intervalo, mais trabalho, jantar, faxina nos dormitórios e por fim o toque de recolher. Uma rotina simples de se cumprir para qualquer um, o que prendia os residentes de Kosuge a mediocridade e mesmice, claro que de vez em quando existia alguma mudança mínima na rotina ou eventos especiais, mas nada muito distante do padrão.

Era irônico pensar que o castigo de pessoas disfuncionais na sociedade era ser forçado a viver uma vida “digna” de qualquer trabalhador de meio período. Acordar, comer, trabalhar, comer e dormir. Ser útil de alguma forma para a sociedade a fim de compensar pelos seus erros não parece ser o pior tipo de punição para um homem, mas para o ex-duelista isso era pior que o inferno. Mesmo que ele já estivesse acostumado, toda vez que olhava para trás ele sentia dor, dor por ter todo o seu trabalho de uma vida ter sido reduzido a isso por conta de uma maldita garrafa de Sake barato.

“Eu não aguento mais”

Era o que ele pensava todas as noites antes de ir dormir, contando os dias para o fim do seu castigo interminável. Desejava todos os dias para que algo acontecesse… Não precisava ser muito significativo, só precisava ser alguma coisa. Qualquer coisa.

Pelo amor de Deus, qualquer coisa!

— Eita carne nova! — Disse uma voz vinda do corredor, de fora da cela dos dois homens de idade avançada.

Por ser próxima ao pequeno vilarejo de mesmo nome, Kosuge não era uma penitenciária muito movimentada. Seus métodos de correção relativamente pacíficos faziam com que apenas criminosos de penas mais leves iriam parar ali, então pelo menos era um lugar livre de sujeitos REALMENTE perigosos, mas por algum motivo isso fazia com que “carne nova” fosse relativamente rara.

Não é como se isso fosse mudar qualquer coisa na rotina deles, na verdade, eram apenas mais um…

Apenas mais um…

Tsuguhiko, assim como qualquer homem entediado louco para matar sua curiosidade quanto a novidade, levantou-se do beliche e se dirigiu até as grades da cela para poder ver os novos internos. Ele passou a cabeça entre as barras o máximo que afim de olhar melhor, já que seus velhos olhos não funcionavam mais como antigamente, e com isso ele viu o grupo novo cruzar o corredor a passos lentos acompanhados por guardas de todos os lados.

Existiu uma época em que Tsuguhiko Matsuyama podia ver muito mais do que seus olhos conseguiam enxergar, afinal para um duelista é necessário muito mais do que um bom baralho e pensamento rápido, um bom duelista é capaz de perceber coisas que uma pessoa comum nunca seria capaz. Excitação, nervosismo, saber quais as jogadas que seu oponente realizará. Contudo esta habilidade começou a morrer junto da idade do velho homem, já fazia anos que ele se sentia cego apesar de sua visão ainda não ter ficado totalmente embaçada, porém naquele momento Tsuguhiko Matsuyama pode enxergar melhor do que qualquer guarda ou presidiário presente naquele corredor. Uma sombra vinha aumentando a partir do início do seu início, dava passos pesados como os de um elefante e bufava como um touro raivoso.

Homens normais teriam visto apenas humanos vestidos com roupas listradas e com olhares mortos andando por aquele corredor, mas o ex-duelista viu algo a mais. Andando entre aqueles coitados, emanando uma aura gigantesca, Tsuguhiko viu uma joia rara passar diante de seus olhos caídos.

Não era loucura, era real… Ele viu… Ele definitivamente viu-

— Um monstro…

[...]

OST: Florence – Crash

Não importa se era no reformatório ou na prisão, parece que a infantilidade era algo que reinava nesse tipo de lugar, mesmo que fossem adultos atrás dessas grades. A única diferença entre pré-adolescentes e homens de meia idade era a falta de cabelo em suas cabeças e a experiência de vida evidenciada em seu linguajar “culto”, Samson nunca ouviu tanta variedade em xingamentos como ouviu naquela sua curta passagem pelo corredor.

O jovem tinha ciência de que receberia aqueles tipos de comentários, afinal sua aparência chama bastante atenção. Kouda teve de lutar muito para mudar o seu estilo, trabalhou seu corpo como ninguém durante sua trajetória na prisão juvenil, deixou os pelos faciais crescerem o máximo que conseguiu (infelizmente não tinha hormônios o suficiente no seu corpo), lhe proporcionando uma barba rala, contudo nada poderia ser feito quanto ao seu rosto fino e seus cabelos, quer dizer: Ele até podia cortar os cabelos, mas sua mãe sempre gostou deles longos, então eles ficariam longos independente da opinião de qualquer um.

Samson já havia passado por tudo isso antes. Da burocracia dos federais, a revista, a zombaria com sua persona, nada disso lhe surpreendia. E finalmente depois de uma longa fileira de ofensas ele estava dentro de seu quarto. A cela fechou atrás de si com um barulho alto de correias de aço.

E como se as vaias já não fossem incômodas o suficiente.

— É, pelo visto é o destino, gracinha - Comentou Fukuda com um sorriso de orelha a orelha.

— É, pelo visto Deus me odeia mesmo — Balbuciou o moreno enquanto ia até a escada ao lado do velho beliche — A cama de cima é minha, não quero ter de testar minha sorte contra você.

— Fica tranquilo, cabeludo, minha pena já é grande o suficiente, não tô a fim de estender meu tempo aqui por esmagar meu colega de quarto — O gorila jogou seu corpo contra a cama velha que rangeu em resposta. Como se gritasse de dor — Por sinal, já que somos colegas de quarto, acho que uma apresentação vai bem, não? Eu já te disse meu nome, mas você não me disse o seu.

— Tsc… Tá que seja — Samson não pode evitar de suspirar profundamente. Ele não queria ter de fazer amizades em um lugar como esse, mas ele passaria os próximos anos na companhia daquela pessoa, seria bom manter um bom convívio com ele — Eu me chamo Samson, Kouda Samson.

— “Samson”, você não tem cara de estrangeiro… Mestiço por acaso?

— Parte de pai… E você, de que parte da savana africana você veio?

— Olha só, ele tem senso de humor! Estou impressionado hehehe — Fukuda riu de maneira contida — Mas não sou de nenhuma savana, eu sou de Kyoto mesmo, cara.

— De Kyoto é…

— Pois é, a vida lá era muito boa, sinto saudades da minha rapaziada, mas e você… É de onde?

— Acho que já teve informação o suficiente, tá querendo saber demais — Balbuciou Samson.

— Ah pára, eu te falei onde eu vivia, você tem que ser justo! – Protestou Fukuda – E daqui a pouco a gente vai ter que pegar no batente, aqueles caras lá fora parecem bem barra pesada, eu não posso proteger você se não souber se tu é gente fina ou não.

— Você? Me proteger? — Samson se levantou da cama e olhou para Fukuda deitado no colchão de baixo.

— É ué, somos colegas de quarto agora, somos literalmente família! Hahaha

— Sai pra lá com esse papo de filme ruim… E eu não preciso da sua ajuda pra me virar!

— Cai na real colega… Olha lá fora, somos novatos por aqui, alvos fáceis — Fukuda se virou na cama para poder encarar Samson nos olhos, desde que chegaram o rapaz nunca havia demonstrado algum tom de seriedade em sua fala, pelo menos até agora — A prisão não é igual ao reformatório, meu chapa, acredite.

— Mesmo assim, se eu de fato for alvo da prisão inteira, o que ter apenas você do meu lado me ajudaria? Da mesma forma que você tem o dobro do meu tamanho, o que me ter por perto te ajudaria?

— Bem simples na real, fazer amigos nesse tipo de lugar é uma bosta e apanhar sozinho é uma merda. Se é pra sermos alvos, pelo menos vamos apanhar juntos.

— Que droga de lógica é essa?

— A lógica de um homem que vive pela confusão. Estar com amigos em momentos difíceis é muito mais bonito do que estar sozinho, não concorda?

Essas palavras fisgaram Samson de forma sorrateira.

— He, para um brutamontes gorducho você é bom com as palavras.

— Não que o cu tenha qualquer coisa a ver com as calças, mas vou aceitar isso como um elogio - Fukuda riu e então estendeu sua mão grossa na direção do moreno — Mas eae, que tal?

— Eu já aviso que eu não vou te agradecer, e muito menos me arriscar.

— Eu não tô te pedindo pra levar uma faca por mim, eu também não seria louco de fazer essa merda, só não quero ser saco de pancadas sozinho.

— Hehehe, então que seja — Então sem mais nada a dizer, Samson apertou a mão do homem, que mais parecia com a palma de um gorila. Seus dedos eram como salsichas e praticamente cobriram por inteiro a punho do moreno.

— Então trato feito, graci-

— Fim do descanso! Prisioneiros apostos! — Um guarda parou do lado de fora da cela com um molho de chaves na mão.

Samson e Fukuda suspiraram em uníssono ao ter de encarar a dura realidade de que eles ainda tinham um dia inteiro pela frente, e um bem cansativo por sinal, mas o lado bom pelo menos é que talvez o trabalho em Kosuge não se torne tão pesado. Fukuda havia achado alguém para pegar coisas no chão e dar um alívio a suas costas, enquanto Samson encontrou um brutamontes no qual poderia contar para aliviar sua carga. Não era o tipo de relacionamento ideal, mas pelo menos era alguma coisa e para ambos que já passaram por poucas e boas, eles acreditavam que isso deveria ser o suficiente por hora.

Aquele seria um longo dia.

Semana.

Ano.