Sam Puckett

Eu não me lembrava do quanto Seattle era bonita na época de Natal. Ou, talvez, eu só esteja sendo nostálgica. Não sei. Realmente, não sei. Pois passei tantos anos dentro de um cubículo, vendo o sol através de grades e costurando para uma empresa, com algemas nos meus tornozelos, que eu já nem sei mais o que é poder andar na rua.

Dez anos, esse foi o tempo que passei na prisão de segurança máxima na Califórnia. O castigo mais longo que já recebi. As detenções na Ridgeway não foram nada perto disso, mas eu só me dei conta depois de muito refletir. Tudo que eu não fiz em 18 anos da minha vida, ou seja, pensar nas consequências dos meus atos, eu fiz nesse período em que estive privada de toda e qualquer liberdade.

Mas eu mereci. Sim, estou ciente disso. Pois foi minha decisão ter me juntado com certos gangsters em Los Angeles e foi por livre e espontânea vontade que eu aceitei assaltar um banco com eles. E é como dizem: o Diabo ajuda a fazer, mas não ajuda a esconder.

Eu escapei por um triz, os outros três envolvidos pegaram prisão perpétua por terem matado alguns reféns e funcionários. Os meus pecados foram ter escapado com o dinheiro, atirado contra o carro da polícia, falsificado documento e ter mentido para a delegada. Se valeu a pena? Nem um só segundo.

Se eu pudesse voltar no tempo, para quando Carly foi embora, eu certamente teria escolhido nunca ter ido embora de Seattle. Era preferível ter permanecido em casa e confessar para o Freddie que eu o amo. Quem sabe assim, hoje, eu não estaria melhor?

Mas eu fui tola e fiz más escolhas. E agora, como uma criança que volta arrependida, eu retorno para Seattle, para onde tudo começou. Na esperança de começar de novo e fazer certo dessa vez.

Eu havia juntado uma grana enquanto estava na prisão, trabalhando para uma fábrica de tecidos. Pois meu plano, desde o primeiro momento que coloquei os pés na cadeia, foi sair dali e voltar para Seattle para reencontrar Freddie e dizer a ele tudo, absolutamente tudo que nunca tive coragem de falar. Por isso, assim que fui solta, no mesmo dia, uma sexta-feira de manhã, comprei uma passagem de ônibus e embarquei para Washington.

Quando te libertam de uma prisão, você não tem muita coisa para levar consigo, além da falta de dignidade e uma muda de roupa, que geralmente é aquela com a qual você chegou. No meu caso, isso era tudo que eu tinha: vergonha e duas blusas; além do meu dinheiro guardado sob sete chaves dentro do meu sutiã.

Não dá para mentir. Eu tinha sim, medo de chegar a Seattle e descobrir que Freddie não estava mais lá. Afinal, já faz 12 anos que não nos vemos e, conhecendo-o bem, eu tenho certeza de que ele está bem de vida; ao contrário de mim. Além disso, era inegável o meu temor quanto à não conseguir um emprego por lá e acabar como uma mendiga ou algo do tipo. Era um salto no escuro e eu sempre soube. Mas para quem nunca tomou decisões certas, tudo que resta é isso: a incerteza.

***

Eu sabia que ir ao Bushwell era quase uma estupidez. Com toda certeza ninguém mais viveria ali depois de 12 anos, mas, para a minha surpresa, encontrei um rosto familiar: Lewbert. Ele não tinha mais aquela verruga no rosto e parecia menos louco do que antes. Na verdade, ele até parecia um porteiro normal, que não se lembrou de mim a princípio.

—Olá, Lewbert! - eu cheguei no balcão e o cumprimentei, tentando esconder minha vergonha atrás do sorriso forçado que abri.

Ele, que mexia no celular, ergueu a cabeça e me olhou, deixando claro pelo olhar que não sabia quem eu era.

—Pois não?

—Sou eu. A Sam. Não lembra de mim?

Lewbert pareceu pensar. Então, eu tentei ajudá-lo:

—Amiga da Carly, do Freddie… Do iCarly. Não lembra?

—Ah! - ele exclamou, apesar de parecer que ele ainda não se lembrava totalmente.

—Lembrou?

—Acho que sim.

Olhei para sua mão esquerda e vi uma aliança. Era inacreditável. Lewbert casado? Eu me perguntava quem havia sido a louca. Apesar de que, agora, ele até parece um homem decente.

—Hã… - continuei, constrangida - Sabe se o Freddie ainda mora aqui?

—Não.

Fiquei surpresa ao perceber que do Freddie ele se lembrava bem.

—Ele se mudou há quase seis anos - Lewbert concluiu.

Então perdi um pouco do ar e perguntei com uma urgência que eu nunca havia sentido, torcendo para que ele ainda estivesse na cidade, pois me custaria muito ter que pagar outra passagem.

—Mas ele continua em Seattle?

—Sim, sim.

Respirei aliviada, ainda intrigada com todo aquele conhecimento que Lewbert tinha com relação a Freddie.

—Onde ele mora? Sabe me dizer? - perguntei.

Lewbert, então, arrancou um pedaço de uma folha da agenda que estava sobre a bancada e anotou rapidamente o endereço. E quando me entregou o papel, disse:

—Você vai precisar pegar um Uber ou um táxi até lá.

Olhei para o papel e li o endereço de um lugar que, mesmo tendo vivido em Seattle por quase 18 anos, nunca havia ouvido falar.

—Tá - murmurei, imersa em meus pensamentos. - Valeu.

—Disponha!

Em seguida, saí do Bushwell intrigada com a mudança de Lewbert e o novo endereço do Freddie. E, então, peguei um táxi na rua. Eu sequer sabia ainda onde iria dormir, se é que meu dinheiro alcançaria para pagar algum hotel, mas, naquele momento, minha prioridade era outra.

***

O táxi me deixou em frente a um casarão, que eu fiquei encarando por quase cinco minutos antes de tomar coragem e ir tocar a campainha. No fundo, eu mal podia acreditar que aquela casa era de Freddie. Quero dizer, claro que ele estaria melhor do que eu, mas eu nunca imaginei que estaria TÃO bem assim. A BMW estacionada do lado de fora da garagem jogava na minha cara todas as minhas decisões erradas, me fazendo sentir como se eu fosse menos do que uma formiga.

Demoraram a vir atender a porta, ou, talvez, fosse só a minha ansiedade. De todas as formas, não valeu a espera, pois todo e qualquer ânimo que havia em mim foi embora no mesmo instante em que uma menininha morena abriu a porta. Céus! Eu perdi o fôlego e senti minha cabeça rodar. Não havia maneiras de ter dúvida, ela era filha do Freddie, e foi essa certeza que me fez ver toda a minha esperança evaporar como água na chapa.

—Oi, moça! - A garota disse sorrindo de lado como o Benson e eu quis morrer.

Então, enquanto eu estava emudecida pela surpresa e decepção, ouvi uma voz feminina vir lá de dentro, perguntando:

—Quem é, Ollie?

—É uma moça loira.

—Uma…

De repente, a figura de uma mulher alta, morena e sorridente se desenhou na porta e eu balancei a cabeça, espantando a fumaça dos meus olhos.

—Pois não? - Disse a mulher num pijama de seda rosa.

—Eu… Desculpa… Foi engano.

Em seguida, só senti meu corpo indo para trás, até que alcancei a escada e a desci praticamente correndo. É verdade que os meus olhos arderam e eu quase chorei, mas mais verdadeiro ainda é a dor no peito que eu senti. Uma facada teria doído menos. Todos esses anos na prisão me ensinaram que a pior dor é aquela que vem de dentro. E que coisa horrível! Minha visão quase escureceu quando alcancei a rua e eu precisei sentar na calçada para recuperar as minhas forças.

Eu fui ingênua em pensar que o encontraria só, esperando por mim, pensando em mim como eu pensei nele. Afinal, eu fui embora sem dizer ‘tchau’. A última vez que nos vimos foi quando demos aquele abraço coletivo em Carly. Depois daquilo, tudo só ficou na memória.

E agora? - Eu me perguntava sentada no meio-fio. - O que eu faria? Iria embora? Ficaria ali? Voltaria para a vida que eu prometi abandonar?

Não houve nem tempo de eu responder as minhas próprias perguntas. Pois, de repente, um carro preto dobrou a esquina e parou ao lado da BMW, do outro lado da rua, e quem saiu de lá de dentro, com óculos escuros e com o meu coração na mão, foi ele: o moreno pateta, a quem um dia eu amei e ainda amo.

Mas, então, ele rodeou o carro e abriu a porta de trás, de onde tirou um menininho, tão moreno quanto ele e quanto àquela garota que vi lá em cima.

Freddie Benson, o amor da minha vida, está casado e tem dois filhos. De fato, a prisão não parece ter sido o único castigo para mim.