You're My Boomerang

Capítulo 1 - Nuvem Negra


Sam Puckett

Tudo que eu sempre quis foi não ser como a minha mãe. Mas o que me faltou foi força de vontade para trilhar um caminho diferente. Quando ouvi do juiz a minha sentença, a primeira coisa que pensei foi que eu estava me tornando uma Pam.

Nunca conheci o meu pai. Tudo que sei é que ele foi um idiota, mas nem nisso eu sei se posso acreditar, porque foram palavras da minha mãe e ela é mentirosa. Exemplo de amor? Nunca tive nenhum. Tudo que sei sobre relacionamentos é o que eu vi dela: vários homens diferentes que nunca ficam e brigas que sempre terminam mal.

Hoje, eu penso que talvez a culpa do meu namoro com Freddie nunca ter dado certo foi minha. Eu não sabia amar, não sabia demonstrar o amor que eu sentia por dentro. A paixão sempre saía de mim como um tsunami, devastando tudo, machucando todos. Eu não conseguia controlar.

De certa forma, eu via no moreno a chance de mudar de vida, ser alguém totalmente diferente de quem minha mãe foi. Mas ao ver que ele estava com a vida feita, mulher e filhos, eu me dei conta de que, além de ter chegado tarde, ele fez com outra o que eu sempre quis que ele fizesse comigo.

E aí, a dor no peito se tornou quase insuportável. O choro subiu na garganta e eu quis levantar do meio-fio para sair correndo rumo ao nada. Mas, então, o sol que batia na minha cabeça, de repente, se escondeu atrás de alguma coisa. Olhei para cima e Freddie estava na minha frente, com o bebê nos braços.

—Sam?!

Eu levantei da calçada mais rápido do que achei que fosse possível e pisquei várias vezes, espantando as lágrimas. O Freddie estava mais alto do que eu; bem mais alto. Além de lindo.

Então ele tirou os óculos escuros, prendendo-os na camisa, enquanto o bebê me encarava com olhos tão pretos como jabuticaba, vendo minha desgraça.

—O que você… ? De onde você…? Como…? - Freddie gaguejou várias vezes, enquanto nenhuma palavra era capaz de sair pela minha boca.

Eu tinha medo da minha voz sair embargada e ele perceber. Além do mais, aquele bebê nos seus braços, segurando nele com total confiança, me inibiu.

De repente, fui traga de volta aos meus pensamentos por Freddie, que me chamou firmemente:

—Sam!

Olhei-o, sentindo como se estivéssemos flutuando no ar, dentro de uma bolha.

—Tudo bem? Você está pálida.

Depois dessas suas palavras, eu apenas senti como se estivesse em queda-livre. Tudo escureceu e eu caí.

***

Não sei quanto tempo fiquei desmaiada, mas quando acordei, senti uma dor na cabeça e logo percebi que não estava mais na rua, mas num quarto, que era bem grande por sinal. Então, quando abri melhor os olhos, custando me atentar à realidade, vi o mesmo bebê que Freddie carregava antes agora em pé ao lado da cama, onde eu estava, me encarando como se eu fosse um bicho. Aquele menininho tinha mesmo um par de olhos que mexia comigo.

Mas ele não era o único a estar no quarto. Quando ergui um pouco mais os olhos, vi a mesma menina que me atendeu parada à porta. Ao me ver, ela saiu correndo e, então, eu pude escutá-la gritando:

—Papai, a moça acordou!

Eu queria não ter sentido um descompasso no coração quando ouvi aquelas palavras, mas foi inevitável.

Então, me sentei sobre a cama o mais rápido possível e o menininho me seguiu com os olhos. No mesmo instante, a garota voltou ao quarto e veio na minha direção, perguntando:

—Como você se chama?

Encarei-a, ainda muda. De repente, eu me sentia como se estivesse naqueles pesadelos onde, por mais que você tente, não consegue falar uma só palavra.

—Você não fala? - A garota insistiu.

No mesmo instante, para minha sorte ou azar, o Freddie apareceu na porta. Ele parecia perdido; ou, talvez, a perdida fosse eu.

—Ollie, vai lá ajudar a sua mãe com o… - Ele pausou e a minha respiração também. - Com o sanduíche.

A garota não protestou e saiu saltitando, enquanto o menininho, que agora estava mais próximo de mim do que antes, continuou me encarando.

Então, Freddie deu alguns passos para frente, entrando, e perguntou, hesitante:

—Você… Hã… - Ele pigarreou. - Você está melhor?

Eu não sabia o que estava me impedindo de falar. Por mais que eu tentasse, nem uma palavra sequer saía pela minha boca. Eu estava muda de decepção.

—Você… - Freddie continuou, enquanto eu olhava o nada. - Você desmaiou lá na calçada e… A Mily… Ela… Ela tá preparando um sanduíche ali… Se você quiser…

De repente, eu levantei, como se aquele fosse o meu sim, e Freddie veio e pegou o menininho, que seguia me encarando.

—É por aqui - ele disse, indo na direção de uma escada.

Foram alguns degraus, que, apesar de curtos, foram como uma montanha para mim. Ele subiu na minha frente, num silêncio que parecia condenar a minha alma, e, quando alcançamos o outro andar, talvez o segundo ou terceiro - não dava para saber, a casa era grande demais -, eu vi a mesma mulher de antes, picando o que pareceu ser um tomate.

Deus, eu quis sumir naquele momento!

—Sam, essa é a Camila, minha… Minha esposa.

Esposa. Caramba! Como isso doeu. Imagina ver o amor da sua vida casado com outra. E o pior é que ela era bonita, alta e sorridente. Meu estômago revirou de tristeza e, então, eu quis vomitar.

—Olá!

A tal Camila limpou as mãos num pano e veio na minha direção, estendendo uma mão amigavelmente, enquanto eu me perguntava se ela estava confusa com a minha desorientação de minutos atrás, quando toquei a campainha e senti meu mundo cair ao vê-la.

—E esses são Andrew e Olivia - Freddie disse sem esperar que minha mão desgrudasse da de Camila.

Então, um clima constrangedor, que eu mesma havia causado, tomou conta do ar, até que os tais sanduíches ficaram prontos. Nesse meio tempo, eu só quis morrer. Eles eram a porra de uma família feliz e eu apenas uma nuvem negra que vem trazendo tempestade.

***

Eu havia chegado a Seattle na manhã daquele mesmo sábado e, desde então, não tinha comido nada. A última refeição que fiz foi apenas um café com uma rosquinha. Talvez essa tenha sido a razão do meu desmaio. Por isso, depois de comer aquele sanduíche me senti até mais viva, mas ainda com um pingo de morbidez. Pois Freddie estava sentado de frente para mim, na mesa, batendo os dedos ritmicamente sobre o vidro, deixando sua aliança exposta.

Era uma morte lenta e dolorosa vê-lo lindo, mas casado.

De repente, depois de eu ter tomado o último gole do suco de laranja que acompanhava o sanduíche, ouvi a voz de Camila, que estava sentada ao lado de Freddie. Ela dizia:

—Você parecia perdida mais cedo quando tocou a campainha.

Ergui o olhar e olhei de relance para Freddie. Eu ainda estava perdida, mas ela não precisava saber.

—Eu achei que tinha errado de casa - respondi tentando não soar hesitante.

—E você se sente bem? Porque você desmaiou.

Outra vez, olhei de relance para Freddie e não evitei me perguntar o porquê de ele não falar nada. Até parecia que a Camila era do meu passado e ele não. Tudo que ele fazia era ficar olhando para Olivia e Andrew que estavam brincando, sentados no tapete em frente à televisão, a alguns passos de distância.

—É que eu não tinha comido nada ainda - respondi.

Camila ergueu as sobrancelhas e eu decidi continuar, para ver se Freddie se atentava:

—Eu cheguei de Los Angeles hoje e estava procurando um lugar barato pra ficar, porque…

Fiz uma pausa, para pensar numa mentira para dizer, e, no mesmo instante, Freddie voltou seu olhar para mim, retardando os meus pensamentos.

—Eu perdi minha mala - menti - e lá tinha boa parte do meu dinheiro.

—Ah, não é bom colocar dinheiro em mala - Camila disse num tom sábio. Não era difícil imaginar a razão pela qual o Freddie se casou com ela.

—Pois é, mas eu não tinha outra bolsa - falei uma verdade.

—Entendi. Mas de todo jeito você pode recuperar a mala. Não se preocupe. É só você ligar para o aeroporto e contar a situação.

Quanto mais Camila falava, mais certeza eu tinha de que a única infeliz e desgraçada que havia ali era eu, que inventava mentiras para acobertar a porcaria de um erro do passado.

—Eu já corri atrás disso - menti outra vez. - Eles disseram que, quando encontrarem a mala, vão me avisar.

Não sei se fui convincente com essa desculpa esfarrapada, mas quando olhei para Freddie de relance, ele me fitava como se soubesse que eu estava mentindo. E, talvez, ele até soubesse, porque, se ele ainda me conhece, ele sabe quando eu minto.

Então, de repente, senti uma mão na minha perna. Olhei para baixo e vi que Andrew, que estava mais para um mini Freddie, me estendia o controle da televisão.

Eu nunca fui muito boa com criança, nem sei se um dia eu quis uma, mas ao ver aquela criatura tão pequena, sabendo que era um pedaço de Freddie, eu tive sentimentos mistos. Então, o meio sorriso que se desenhou forçadamente em meu rosto durou apenas enquanto eu pegava o controle da mãozinha de Andrew, que saiu quase correndo logo em seguida.

No mesmo instante, Camila se levantou e foi atrás de Andrew, falando:

—Deixe a mamãe ver uma coisa aqui, Andy.

Ela o parou e puxou a calça dele. Eu também tinha sentido um "aroma" diferente quando ele se aproximou.

—Licença, Sam. Vou só trocar a fralda dele e já volto - Camila disse passando por mim e, então, desceu.

Ela me irritava, pois parecia tão confiante.

Olhei para Freddie e o entreguei o controle da TV, que ele apanhou sem cerimônias para perguntar logo em seguida:

—Como achou minha casa?

Engoli seco.

Eu não queria deixar tão na cara que eu retornei por ele e, agora, estava decepcionada. Afinal, saí de Los Angeles com tanta coragem para chegar a Seattle e levar uma rasteira do destino.

Então, dei de ombros e respondi tentando soar o mais despretensiosa possível:

—Fui ao Bushwell, para ver se encontrava alguém conhecido, e o Lewbert me falou que você tinha mudado.

Freddie ergueu as sobrancelhas. Ele continuava o mesmo, mas com certos detalhes a mais que o deixava irresistível.

Então, vendo o seu silêncio e aproveitando a ausência de Camila, falei mais, deixando as palavras fluírem livremente:

—Achei estranho que ele quase não se lembrou de mim, mas de você ele pareceu saber bastante.

—É que…

Freddie brincou com o controle da TV, como se estivesse escolhendo as palavras. E prosseguiu:

—É que ele e a minha mãe… Se casaram.

Outra vez, meu coração se descompassou e eu senti um vazio que nem era para sentir. Até a Marissa estava com alguém e eu não. De repente, tudo que me restou foi rir, mesmo que de desespero.

—Quem diria? - murmurei.

—É. Já faz uns cinco anos.

Dessa vez, quem ergueu as sobrancelhas foi eu, enquanto mil e uma coisas passavam pela minha cabeça, inclusive a ideia de que teria sido melhor ter ficado em Los Angeles.

Mas, então, Freddie falou mais:

—A Carly voltou, sabia?

Aquela foi a primeira notícia realmente boa que recebi em doze anos. De repente, pareceu que havia esperança.

—Já faz dois anos.

—E onde ela tá? - perguntei, ansiosa.

—Ela tá morando em Yakima.

Desanimei-me imediatamente. Claro, estava bom demais para ser verdade. Eu mal tinha dinheiro para pagar um lanche, muito menos uma passagem até Yakima.

—Ela vai vir aqui amanhã - Freddie continuou, trazendo uma nova esperança. - Para o aniversário da Mily.

—Então vocês continuam amigos - conclui em voz alta sem conseguir evitar.

Freddie mexeu a cabeça, como se concordasse, e, depois, disse:

—Ela não vai acreditar quando ver você.

Não expressei nenhum sentimento diante daquelas palavras, embora, por dentro, eu estivesse explodindo. Claro que eu queria ver a Shay. Eu ainda a tinha como minha melhor amiga. Além do mais, talvez, ela fosse a única a conseguir me dar uma razão para continuar em Seattle.

Enquanto isso...

Geral

No andar debaixo, enquanto trocava a fralda do pequeno Andrew, Camila, que era uma delegada que estava fazendo seu nome aos poucos, ligou para um contato na Califórnia, dizendo sem rodeios:

—George, puxa o registro de uma mulher chamada "Samantha Puckett".

Camila não gostava da desinformação. Como delegada, queria saber de tudo.