You're My Boomerang

Capítulo 4 - Ficha Limpa


Freddie Benson

A família de Camila é extremamente grande. Enquanto eu tenho apenas minha mãe, ela tem os pais, os irmãos, os tios, os primos e os avós. E além desse pessoal todo, ainda havia seus amigos e os meus amigos. Por isso, todo ano, em seu aniversário, a casa lotava.

O meu sogro é um cara durão, mas também, tendo sido delegado por 30 anos, não era para menos. E toda vez que ele aparece lá em casa, nós dois sempre engatamos numa conversa sem fim sobre política. Eu nem gosto do assunto, mas, para manter a paz e a ordem, eu sempre concordo com ele no que quer que seja.

E lá estava eu, ouvindo mais uma de suas histórias, quando, de repente, ouvi um grito agudo que transmitia emoção. Olhei para trás e vi Carly abraçada à Sam, que havia acabado de chegar. Eu mesmo havia me encarregado de dizer a Pietra, nossa empregada, que a deixasse entrar quando chegasse. Mas eu juro que não coloquei muita fé que ela viria. Por isso, quando a vi, fiquei com o coração na mão.

De repente, a figura de Camila se desenhou na minha frente.

—O que ela está fazendo aqui?

—Ela veio ver a Carly - tentei soar normalmente ao responder, mas eu sabia que havia feito uma grande burrada.

—Aqui em casa?

—Sim, ué. A Carly mora em Yakima e ela não tinha como ir lá, então…

—Pois, você vai agora mesmo até ela e vai mandá-la embora daqui.

—Camila…

—Ou você faz, ou eu faço.

Camila me fuzilou com o olhar por alguns segundos e depois se afastou novamente. Olhei para Bruce, meu sogro, e o vi me encarando. Se eu o conheço bem, ele está me reprovando mesmo sem saber toda a história. E essa é uma das coisas que mais me irrita: toda a família de Camila sempre a defende, mesmo quando ela está errada. E eu simplesmente não posso ser contra mais de 20 pessoas sem colocar em cheque o meu casamento.

Por isso, mesmo contrariado, me levantei e fui na direção de Carly e Sam. Ainda um pouco distante, eu percebi que a morena tinha o rosto banhado em lágrimas, enquanto a Puckett, apesar de não estar chorando, tinha um sorriso trêmulo nos lábios.

—Amiga, eu achei que… Freddie e eu achamos que… - Carly dizia, chorosa, quando me aproximei.

Então, coloquei uma mão no ombro de Carly, pois ela estava realmente muito emocionada, o que tornava mais difícil ainda a tarefa de pedir Sam para ir embora, e senti os olhos da Puckett sobre mim por um curto instante.

—Não precisa dizer - Sam disse de repente - Diga a ela que ela não sabe disfarçar muito bem.

Ergui as sobrancelhas. Então era isso? Sam havia percebido o incômodo de Camila?

—O quê? - Carly enxugou as lágrimas, olhando de Sam para mim - Como assim? Do que vocês estão falando?

—Da Camila - respondi.

—O que tem ela?

—Ela não quer que a Sam fique aqui - respondi e olhei de relance para a loira.

Vale ressaltar que Carly era bastante amiga de Camila, por isso, quando falei que ela não queria Sam ali, a morena se espantou:

—Mas como assim? Por quê?

—Porque ela não confia no taco dela. Apenas por isso - Sam respondeu e eu quis repreendê-la, afinal, era da minha esposa que estávamos falando, mas eu não consegui.

Tudo que pude dizer foi:

—De todas as formas, é melhor vocês duas conversarem lá fora. Só para evitar confusão.

Eu conhecia tanto Sam quanto Camila e eu sabia que, se não fosse mantida a distância necessária, ambas poderiam facilmente sair no tapa. Porque as duas são geniosas demais para serem humildes.

E as coisas estavam quase totalmente em paz, e teriam continuado assim, se eu não tivesse demorado demais para pedir Sam para ir embora. Pois, quando eu menos esperei, Camila apareceu com um sorriso no rosto que anunciava para mim e para qualquer outra pessoa que a conhecesse bem, que ela estava prestes a destilar algum veneno por aí. E não deu outra, pois ela parou ao meu lado e apoiou um braço no meu ombro e uma mão no meu peito para, depois, dizer num tom “brincalhão”:

—Só vai poder comer bolo quem tiver a ficha limpa.

A única que riu foi Sam, acredite. Mas seu riso cessou tão rápido quanto como quando começou e ela retrucou:

—E só vai poder comer também quem tiver dentes. Você, por exemplo, se não ficar na sua, vai perder os seus.

Carly olhou para mim e eu devolvi seu olhar. Nós dois sabíamos que algo deveria ser feito IMEDIATAMENTE.

—Desculpa… Você tá falando comigo? É que eu tenho dificuldade para escutar marginais - Camila disse sem economizar no cinismo.

—Achei que sua real dificuldade fosse passar por um porta. O chifre não atrapalha?

Arregalei os olhos e logo senti o olhar de Camila sobre mim. Pronto! Agora ia sobrar para mim.

—Do que ela tá falando?

—De nada, Camila! - Exclamei, irritado. Olhei para Sam e ela ria cinicamente.

—É bom que seja nada mesmo, porque você sabe muito bem o que vai acontecer se você cogitar a ideia de se atracar com essa daí. Você nunca mais vai ver seus filhos!

—Como se filho segurasse homem - Sam murmurou para o nada, mas Camila escutou.

Outra vez, Carly e eu trocamos olhares. A gente precisava fazer alguma coisa, mas parecia que nenhum de nós dois tinha coragem.

—Olha só, querida! Fica na sua, tá bem? Se não quiser sair daqui algemada de novo.

—Sair algemada por que se eu não cometi crime nenhum?

—Não precisa de crime. Eu assino um papel e você apodrece numa prisão bem longe daqui.

—Okay - Carly, que era sempre mais sensata do que eu, interveio por fim, ficando entre as duas.

Eu devo confessar que, apesar de não temer nenhuma das duas separadamente, eu as temia juntas. Eu não queria que os meus filhos vissem a mãe deles apanhar, mas eu também não queria que Sam fosse presa outra vez. Mas diante daquela situação, eu não via nenhuma saída que não fosse o hospital para uma e a cadeia para outra. Por sorte, Carly sempre tinha uma carta na manga - ou pelo menos, eu torcia que ela tivesse uma naquele instante.

—Vamos nos acalmar, okay? Vamos nos acalmar. Sam, vamos lá para fora…

—É, Sam. Vai lá para fora - Camila repetiu com deboche.

Para quê? Eu não entendia porque essas duas tinham essa necessidade infantil de tornar as coisas ainda mais complicadas.

—Não fala comigo, sua garibalda! - Sam exclamou retrucando e apontou um dedo na cara de Camila.

—Se perdeu da Branca de Neve, foi, sua anãzinha?

Não eram os insultos em si que irritavam as duas. Eu tinha certeza que não. Mas, de todo jeito, não tive nem tempo de pensar em alguma coisa, porque, de repente, e eu não sei como, Sam driblou Carly e quando eu pensei que ela iria para cima de Camila, ela me agarrou pela camisa e grudou sua boca na minha.

Eu até fiquei sem ar, porque eu não esperava por aquilo. Logo, comecei a sentir uns empurrões que não conseguia discernir de onde estava vindo. Tudo que sei é que, de repente, senti um tranco para trás e aí a boca da Puckett desgrudou da minha. Olhei e Carly arrastava a loira para fora, enquanto Camila me segurava pelo braço e todos os convidados nos encaravam.

Eu estava fodido!

***

À noite, depois que Olivia e Andrew dormiram, a coisa pegou para o meu lado. As coisas com Camila eram assim: ela podia tardar, mas ela sempre vinha. E não é como se eu tirasse a razão de ela estar irritada. Claro que não! Ela tinha todo o direito de estar mordida. O maior problema é que ela nunca me deixa falar. A razão sobe para a cabeça dela e aí já era toda e qualquer conversa civilizada que poderíamos ter.

—Você vai me deixar falar? - questionei pela milésima vez naqueles dez minutos em que estávamos discutindo.

—Falar? Falar o que, Freddie? Que você ficou se achando o gostosão depois que aquela piranha te beijou?

—O quê!? - Exclamei/Perguntei incrédulo. - De onde você tirou que eu fiquei me achando o “gostosão”?

—Eu te conheço, Freddie! Essa sua cara de barata tonta não me engana.

Ergui os braços e passei minhas duas mãos pelo meu cabelo, revoltado.

—Camila, eu não pedi para ela me beijar. Ela fez isso porque quis e para provocar você. Eu que fui a vítima nessa merda se você parar para pensar um instante.

Okay. Talvez eu não deveria ter usado a palavra vítima com Camila, porque, como delegada, ela tem um conceito de vítima muito díspar. Me dei mal nessa e eu soube imediatamente depois de falar, pois Camila gargalhou e cruzou os braços, dizendo:

—Ah, claro! Vítima. Porque você deve ser aleijado para não ter empurrado aquela vagabunda.

—Tá bom, Camila! Talvez, ‘vítima’ não seja a melhor palavra, mas o que eu quero dizer é que eu não esperava por aquilo e fiquei sem reação. Porra! Será que você não entende?

—Não, não entendo! Você entenderia se fosse o Jack?

Meu sangue ferveu. Aquela era uma velha história.

—Claro que não! - Exclamei.

—Então, por que eu sou obrigada a entender que você é a vítima indefesa nessa história?

—Primeiro, eu não estou pedindo para você entender que eu sou uma vítima indefesa, só estou te pedindo para entender que eu também fui pego de surpresa pelo que aconteceu. Segundo, não venha comparar o Jack à Sam…

—E por que não?

—Porque você trabalha com o Jack e ele já disse com todas as palavras que é a fim de você. Quanto à Sam, eu não a vejo há 12 anos…

—E esse tempo foi suficiente para apagar essa paixãozinha que você sente por ela?

—Sentia, Camila. Sentia.

—Ah, então você confessa?

—Confesso que sentia. Passado.

Ela riu e me deu as costas. Eu não entendo, quando minto, ela briga, se falo a verdade ela também briga. O jeito é ficar calado mesmo.

—Vai dar uma volta, Freddie. Vai ver se encontra aquela vagabunda.

—Como assim? Você está me mandando embora da minha própria casa?

—Sua casa vírgula. Nossa casa!

Bufei diante daquilo e, por fim, saí. Não dava para negar que, no fundo, eu estava com raiva da Puckett. Quero dizer, ela só pensa nela? Eu tenho dois filhos, pô! Mas talvez minha maior raiva fosse contra Camila. Às vezes, penso que ela é pior do que Sam.

Eu e essa minha mania de gostar de mulher geniosa.

***

Eu não posso dizer que não planejei ir parar num bar naquela noite, porque a verdade é que eu peguei um Uber justamente por isso. Não que eu pretendesse me embebedar, mas eu não queria ser tachado de irresponsável por ir ao bar de carro.

Mas uma coisa, sim, eu posso dizer: eu não pretendia, e nem imaginava, encontrar Carly e… Sam. Depois daquele fatídico episódio mais cedo, não vi nenhuma das duas mais e, por isso, deduzi que tivessem ido para Yakima.

—Ué! Você aqui? - Carly perguntou quando me viu.

O motivo de seu espanto, eu imagino, era porque, desde que me casei com Camila, bar é um dos últimos lugares para onde eu vou.

—Pois é. Esfriando a cabeça - respondi apoiando as mãos nas costas da cadeira onde Sam estava sentada.

Então, vendo que eu estava atrás dela, a loira pendeu a cabeça para trás, encostando na minha barriga, e sorriu bêbada. Naquele mesmo instante, eu soube que deveria ir embora. Aquilo não ia prestar, eu tive certeza, mas como bom inconsequente, que às vezes sou, eu permaneci.

—A Garibalda te expulsou de casa? - Sam perguntou me fazendo sentir seu hálito de álcool.

—Camila. O nome dela é Camila, Sam.

A Puckett riu e virou um copo na boca; pela cor do líquido, aquilo deveria ser vodca. Olhei para Carly e ela apenas me olhou de volta com um olhar que eu não via há muito tempo; um olhar que dizia: “não deixe as coisas que a Sam diz subir para a sua cabeça”. Caramba! Eu não me lembrava daquele olhar até que o vi de novo.

—Camila, Garibalda… Dá na mesma! - Sam continuou quando eu achei que ela já tinha parado -A propósito…

Ela pendeu a cabeça para trás de novo e me olhou, perguntando:

—Você usou algum tamanco no seu casamento para conseguir alcançar a boca dela?

—Cala a boca, Puckett! - Falei irritado e me sentei do outro lado da mesa, ao lado de Carly.

—Ela é mais alta do que você, é ridículo - Sam continuou.

—Ela não é mais alta do que eu, nós somos do mesmo tamanho…

—Não, vocês não são. Acontece que você fica esticando o pescoço para tentar ficar da mesma altura, mas… Tcs! Tcs! Você é mais baixo do que ela.

Aquilo fez meu sangue ferver. Eu já estava suficientemente irritado com Camila e agora vinha Sam bêbada fazer piadinhas sobre minha altura. Por sorte, Carly interveio no momento certo:

—Sam, você não estava dizendo, agora há pouco, que queria ir ao banheiro?

Acho que a morena percebeu que eu estava a ponto de explodir. Felizmente, e curiosamente, a Puckett se levantou sem rodeios e caminhou trocando as pernas na direção dos fundos do bar. Então, quando achei que teria um segundo de silêncio, Carly começou a falar:

—Eu estou preocupada com a Sam. A ficha dela ainda não caiu e quando cair…

—Ela vai ficar bem, Carly - falei tentando dar aquele assunto por encerrado o mais rápido possível.

—Bem? Você acha mesmo?

—É a Puckett, Carly.

—E o que isso significa?

De repente, Carly se irritou com minhas palavras e eu percebi, mas eu também estava nervoso; ou seja, eu não conseguia evitar despejar toda minha raiva sobre Sam.

—Significa que ela sempre dá um jeito - respondi, indiferente.

—E você acha que é assim tão fácil “dar um jeito” em 10 anos de prisão?

—Não é como se eu fosse o culpado, né? Foi ela que escolheu ser presa.

—Não estou dizendo que a culpa é sua, Freddie. Estou apenas dizendo que eu estou preocupada com o que pode acontecer quando a ficha dela cair.

—Ficha de quê?

—Ela ficou 10 anos presa, Freddie! Tem noção de quantas coisas ela perdeu?

—Por culpa dela - respondi.

Eu sei que posso estar soando como um idiota agora, mas o que eu poderia fazer? A culpa não era mesmo minha. E eu não conseguia entender porque Carly estava agindo como se a Puckett fosse um anjo.

—Ninguém está isentando ela da culpa, Freddie - a morena continuou - Mas já parou para pensar quão terrível seria se você tivesse perdido 10 anos da sua vida por causa de uma má escolha? Olha quanta coisa você fez durante os últimos 10 anos. Você construiu uma família, abriu sua própria empresa, se formou na faculdade, viajou, viu seus filhos nascerem… Mas e a Sam? Ela esteve presa esse tempo todo, Freddie, e, pior, sem receber visita nenhuma. Se coloque no lugar dela por um…

—Me colocar no lugar dela?! - perguntei, perplexo, e ri.

Eu estava concordando com as palavras de Carly até o momento que ela me pediu para me colocar no lugar da Puckett.

—Anos de convivência e ela nunca se colocou no meu lugar. Agora, por causa de uma idiotice dela, você quer que eu me coloque no lugar dela? Desculpe, Carly, mas não vai rolar. Se fosse por você, eu até me colocaria, mas, por ela, não. Olha o que ela já fez com a minha vida em menos de 24 horas…

—Agir igual a ela não vai te tornar melhor, Freddie. Se ela não sabe se colocar no seu lugar, faça diferente e mostre que você, sim, sabe se colocar no lugar dela.

—E o que eu ganho com isso?

—Nada.

—Então?

—E desde quando você faz as coisas apenas se for ganhar algo em troca?

Suspirei e me ajeitei na cadeira, incomodado. Depois, respondi:

—Quando se trata da Sam, eu tenho que ganhar algo em troca, porque, senão, não vale a pena.

Carly riu de repente, mas eu sabia que seu riso não era porque achou algo engraçado, senão porque ela estava irritada comigo. Mas, novamente: o que eu poderia fazer?

—Sabe, Freddie, eu não estou te conhecendo - Carly disse depois de alguns segundos.

—Agora o irreconhecível sou eu?

—Sim, porque o Freddie dos últimos 12 anos que eu conheço não é esse Freddie vingativo que está aqui na minha frente agora.

—É claro que eu vou ser vingativo, Carly. Ela apareceu na minha casa do nada, brigou comigo quando eu quis saber a razão da aparição repentina dela; depois, apareceu bêbada na frente da minha casa, gritando meu nome para todo mundo ouvir, sem pensar no fato de que eu tenho uma esposa e dois filhos; e como se já não bastasse, só para foder com a minha vida, me agarra e me dá um beijo na boca na frente da minha esposa. Depois disso tudo, como você espera que eu reaja?

Carly não respondeu minha pergunta, mas, de todas formas, eu não estava esperando uma resposta, porque eu sabia que ela estava dividida entre defender a Puckett e pensar racionalmente. Afinal, as duas coisas ao mesmo tempo é impossível, pois não existe lógica em defender a Sam.

Mas então, quando eu menos esperei, ela disse enquanto se levantava:

—Vou ver porque a Sam ainda não voltou do banheiro.

Assenti e a morena se afastou, me deixando ali, sozinho com meus pensamentos.