You're My Boomerang

Capítulo 3 - Entre Grades


Sam Puckett

Eu não me lembro de muita coisa daquela noite em que, depois de encher a cara num bar, eu voltei para a frente da casa de Freddie e comecei a gritá-lo. Tudo que sei é que, em determinado momento da noite, eu acordei com o som de alguém me chamando. Então abri os olhos, sentindo-os pesados, e logo percebi que estava deitada sobre um banco duro dentro de uma cela.

Por um instante, eu quase me desesperei, achando que a minha liberdade havia sido apenas um sonho. Mas aí eu ergui o olhar e vi Freddie atrás da grade, do lado de fora. Quem dera se, nos 10 anos em que eu estive presa, eu pudesse ter tido aquela visão todas as manhãs ao acordar.

—Você está bem? - ele perguntou.

‘Bem’ eu não estava e já fazia um bom tempo, mas eu não tive humildade o suficiente para confessar. Por isso, respondi enquanto me sentava:

—Já estive melhor.

—Eu conversei com os policiais e eles disseram que te deixarão ir pela manhã. Segundo eles, foi apenas um caso simples de perturbação pública.

Ri por dentro sem acreditar naquela patacoada. Para quem já cumpriu 10 anos de prisão, 10 horas não é nada. Na verdade, olhando pelo lado “bom”, pelo menos eu havia arranjado um teto para me cobrir naquela noite.

—E o que você está fazendo aqui? - perguntei com indiferença.

—Eu vim ver se você estava bem…

—E desde quando você se importa?

Eu não sei porque sou assim. É simplesmente maior do que eu às vezes. É como se eu tivesse medo de deixá-lo se aproximar. Mas a pior parte era não saber se ele de fato queria se achegar a mim, ainda mais agora que uma grade nos separava.

—Sabe, você não mudou nada - ele começou a falar de repente. - Você continua essa pessoa que constrói muros em volta de si. E pra quê? Pra pagar de valentona? A gente não é mais adolescentes, Sam. Por que não para com isso?

—Porque eu sou assim, Freddie - respondi com uma ponta de irritação.

—Não, você não é assim. Isso daí é só um disfarce. Nós dois sabemos disso.

—Nós dois?

Levantei-me e fui em sua direção, impaciente. Então fiquei de frente para ele, apenas a grade nos separava.

—O que você sabe sobre mim, Benson? - questionei com raiva.

E quanto maior a minha raiva, maior a droga do meu amor por ele ficava.

Então, ele suspirou me olhando e respondeu:

—Eu sei tudo sobre você.

—Não, você não sabe - insisti.

—Sei. Sei, sim. Não pense que você mudou, porque você não mudou nada. A única diferença é que, agora, nós dois somos adultos e, justamente por isso, deveríamos agir como tais.

Desviei o olhar, incomodada. Apesar da grade que nos separava, ele estava suficientemente próximo de mim para me deixar sem norte. Mas o pior não era isso, e sim meus pensamentos que não paravam quietos um só segundo. Eu era a minha pior inimiga.

De repente, a voz de Freddie me fez olhá-lo novamente:

—O que você fez pra ficar 10 anos presa?

Senti um descompasso no coração. Como ele sabia?

—Como…

—A Camila é delegada - ele respondeu antes de eu perguntar.

Engoli seco, não por medo da Camila - não mesmo! - mas pelo fato de Freddie saber. Quero dizer, eu sinto tanta vergonha daquela merda, que ele era a última pessoa que eu gostaria que soubesse.

—Uma bobagem - murmurei em resposta.

—Uma bobagem te fez ficar presa por uma década?

—Talvez tenha sido uma bobagem grande - falei.

—E você não pode me contar o que foi? - Freddie perguntou.

—Para quê você quer saber? Não vai fazer a menor diferença na sua vida mesmo.

Eu e minha estúpida mania de empurrar Freddie para longe de mim com palavras mesmo quando eu o quero bem por perto.

—Na verdade, vai sim, porque… Há um tempo, eu recebi uma carta não assinada que veio de uma prisão… Foi você que escreveu?

Eu juro que naquele mesmo momento o chão sumiu por debaixo dos meus pés. Como eu pude me esquecer daquilo? Já fazia muitos anos mesmo. Foi bem no início da minha pena, quando eu não tinha muita certeza se conseguiria esperar 10 anos para dizê-lo o quanto eu o amava. E, pensando bem, talvez tenha sido antes de ele se mudar do Bushwell, já que ele recebeu a carta.

—Talvez tenha sido eu… Não me lembro! - respondi tentando soar o mais indiferente possível.

—Eu sempre achei que tinha sido você, mas como não estava assinada eu apenas fiquei criando teorias… Eu tenho a carta até hoje. Você escreveu uma coisa muito curiosa lá.

—O quê?

—Que me amava e que sentia saudades de mim.

Desviei o olhar e resmunguei para os ares e para Freddie:

—Não fui eu que escrevi essa carta, então.

Mais uma vez, lá estava eu criando barreiras.

—Eu duvido muito que não tenha sido você, porque a caligrafia é sua e os erros ortográficos também.

Ele riu baixo e depois continuou, enquanto eu encarava o nada:

—Foi bem na véspera do meu casamento com Camila… Eu tinha ido ao Bushwell para pegar o restante das minhas coisas e, então, minha mãe pediu para eu pegar as correspondências. Daí, coincidentemente, essa carta estava lá.

—Não fui eu que escrevi essa carta - repeti como se estivesse tentando convencer mais a mim do que a ele.

—Agora não importa mais.

Estranhamente, aquelas suas palavras me abateram.

—Mas, na época, foi - ele continuou - Sei lá! Me deixou meio encucado. Você foi muito específica, por isso eu sempre achei que foi você, porque… Tem muita coisa lá que só nós dois sabíamos.

—Tipo o quê?

Eu não sei se deveria ter perguntado.

—Tipo como quando eu te levei naquele parque que tem perto da Ridgeway e nós dois ficamos lá… Até tarde… Abraçados e… Você sabe. Eu nunca contei isso para ninguém e eu acho que você também não. No máximo, a Carly deve saber.

Ergui as sobrancelhas, transtornada com as lembranças, e menti:

—Eu não me lembro disso.

Era óbvio que eu me lembrava, pois, naquela mesma noite, ele tocou minha intimidade por cima do jeans, o que foi um presságio do que estava por vir: nossa primeira vez, que aconteceu no apartamento da mãe dele, alguns dias depois.

Mas, como sempre, eu precisava ficar por cima e me fazer de durona.

—Eu me lembrava, por isso fiquei confuso ao ler.

—E que outras coisas dizia a carta?

Novamente: eu não sei se deveria ter perguntado.

—Eu precisaria ler de novo para lembrar, mas são coisas assim. Você também disse que suportaria minha mãe se fosse para ficar comigo…

—Mas agora não importa mais, né? - repeti suas palavras, o interrompendo.

—Não.

—Então, por que está trazendo isso à tona agora?

—Eu só queria ter a certeza que foi você que escreveu. A Carly também acha que foi.

—Talvez tenha sido eu, mas eu não penso daquela forma mais.

—Compreensível.

Nós dois nos entreolhamos, mas, quase ao mesmo tempo, desviamos nossos olhares um do outro. E então, um silêncio reinou por alguns segundos.

De repente, Freddie rompeu o silêncio outra vez, dizendo:

—Eu estou feliz que você voltou, Sam. De verdade. Apesar das nossas diferenças, eu sempre quis seu bem. E eu confesso que, depois de tantos anos sem notícias, Carly e eu já estávamos pensando no pior.

—Você saberia se eu tivesse morrido, porque você seria o primeiro a ter o pé puxado por mim - brinquei sem saber de onde havia vindo aquele senso de humor repentino.

Freddie sorriu e, por alguns segundos, eu viajei naquele sorriso que continuava torto e charmoso. Puta merda! Eu me sentia tão estúpida por não ter o sobrenome Benson no meu nome agora. Mas mais estúpida ainda eu me senti quando percebi as palavras saírem sem querer pela minha boca:

—Mas eu não poderia morrer antes de te ver de novo.

Freddie fechou o sorriso e me encarou, enquanto eu, ao me dar conta da merda que havia dito, pigarrei e me afastei da grade. E só não fui muito longe porque, de repente, o Benson me segurou pelo punho, me fazendo voltar para a mesma posição.

—Eu estou ciente, tá? - ele disse ainda segurando meu punho.

—Ciente do quê?

—Ciente do motivo pelo qual você voltou. Quero dizer, parte de mim está ciente e a outra apenas quer se manter distante.

Ele fez uma pausa e então, eu pude sentir um de seus dedos acariciando minha mão.

—Mas as coisas mudaram, Sam, e você sabe disso…

—Você não precisa me dizer isso - falei e olhei para a aliança que estava na mesma mão com a qual ele me segurava.

Eu sempre adorei o fato de ele ser canhoto e nem sei porquê.

—Pois é. Mas eu quero que você saiba que eu posso continuar sendo seu amigo. Qualquer coisa que…

—Eu não quero ser sua amiga, Freddie - falei o interrompendo - A última coisa que eu quero ser, é sua amiga. Se eu não posso ser outra coisa além disso, eu também não quero ser a droga de uma amiga.

Puxei meu braço e me desvencilhei de sua mão.

—Eu tenho minha família agora - ele disse.

—Eu sei. E eu simplesmente odeio saber disso.

Nos encaramos por um tempo pequeno, até que nós dois ouvimos o toque do seu celular. Então, ele tirou o aparelho de dentro do bolso da calça e, antes que ele pudesse atender, de relance, eu li na tela “Amor” e atrás uma foto de Camila. Argh! Aquilo me deixou com um misto de nojo, raiva e tristeza.

—O que foi, Camila? - ele atendeu assim, meio grosso, o que me deixou com uma ponta de felicidade - Não… Não… Eu sei… Tá, tá! Eu já… Uhum! Eu já tô indo… Tá bom! Tchau.

Ele finalizou a ligação e guardou o celular no bolso novamente. A essa altura, eu já havia me afastado da grade e estava sentada sobre o mesmo banco onde estava deitada ainda há pouco.

—Eu preciso ir - ele disse.

—Precisa mesmo? - perguntei sem esconder minhas intenções por um instante.

—Infelizmente.

Sua resposta me surpreendeu, e ele continuou:

—Passa lá em casa amanhã. A Carly vai estar lá.

—Acha uma boa ideia?

—Acho sim.

Dei de ombros e, depois, ele acenou se afastando.

—Tchau, Puckett.

—Tchau, Nerd.

Ele se deteve e me olhou, sorrindo. Então, eu sorri de volta e depois ele seguiu para fora da delegacia, e eu fiquei ali: presa aos meus pensamentos.

Maldito nerd lindo dos infernos!