You're My Boomerang

Capítulo 2 - Sentimentos Opostos


Sam Puckett

Eu sonhei com esse momento de uma maneira diferente, mas eu confesso que, talvez, eu tenha me iludido demais. Imaginei diversas vezes meu reencontro com Freddie num estilo romanesco. De fato, os segredos do nosso pensamento são uma dádiva, mas também uma desgraça. Pois, sendo eu conhecida pela minha suposta frieza, ninguém pode me apontar um dedo por causa dos meus devaneios românticos com o Benson; por outro lado, a menos que eu expresse isso, ele nunca saberá o quanto eu queria estar no lugar dessa tal Camila.

Era para ser eu com aquela aliança no dedo. Aquelas duas crianças, que despertavam o pior e o melhor de mim, poderiam ter olhos azuis e serem os frutos do amor que eu nunca tive coragem de confessar. Poderia ser eu a deitar ao lado de Freddie todas as noites e dizer a ele o quanto eu o amo. Mas eu não sou valente o suficiente.

Um exército inteiro não me desperta tanto medo quanto o amor que sinto pelo Benson. Eu pularia de um carro em movimento sem a menor hesitação, mas não faria o mesmo para dizer um “Eu te amo” em voz alta. Covardia minha.

Por isso, decidi deixar aquela casa para trás e sair por aí, perambulando. De repente, a única certeza que tive era que eu seria como minha mãe.

***

Saí do banheiro, depois de ter ficado quase cinco minutos pensando lá dentro, e quase me perdi no caminho até a cozinha, aquela casa era enorme. Ao alcançá-la, encontrei Freddie e Camila parados e mudos. Eles me olharam ao mesmo tempo e, no mesmo instante, as palavras saíram quase que sem o meu controle:

—Eu vou indo nessa.

Eles se entreolharam e Freddie se levantou, vindo na minha direção.

—Será que a gente pode conversar um minutinho? - ele perguntou, passando por mim, e nem me deu tempo de responder.

Olhei de relance para Camila e, logo em seguida, segui o Benson até o andar debaixo, onde antes eu estava, para, então, entrar no que pareceu ser um escritório.

—Pode sentar aí - Freddie disse rodeando a mesa e se sentando do outro lado.

Eu olhei em volta e me sentei, desconfiada. Havia livros para todos os lados e dois curiosos troféus sobre uma estante. Num canto, uma filmadora sobre um tripé, que me fez lembrar dos velhos tempos.

De repente, Freddie me tirou dos meus pensamentos, dizendo:

—Você não veio de avião, né? E nem perdeu a sua mala.

Engoli seco.

—Na verdade… - comecei a dizer, mas ele me interrompeu para continuar:

—Tem alguma coisa que você está escondendo?

Claro que tinha. Ninguém sai por aí exibindo sua ficha criminal como se fosse um diploma de Harvard. Ainda mais quando se tem uma enorme vergonha de quem você mesmo se tornou. Mas eu não tive coragem de dizer nem uma só dessas palavras; antigamente, eu costumava ser mais atrevida. Hoje, não mais. Ao contrário disso, parti para a defensiva:

—Por quê?

—Porque eu acho que você está escondendo alguma coisa.

Na prisão, você tem que aprender a controlar os seus impulsos; do contrário, sair de lá vai se transformar em apenas uma utopia. Eu confesso que tive algumas explosões de raiva lá dentro. No início, me envolvi em muitas brigas, porque não suportava os olhares tortos. Mas, depois, da pior maneira, fui aprendendo que de nada adiantava quebrar alguns narizes se, no instante seguinte, eu era devolvida à cela.

Porém, assim que aquelas palavras saíram da boca de Freddie, eu senti um ímpeto e, quando vi, já tinha falado:

—Essa é a única coisa que você tem para falar com uma pessoa que você não vê há 12 anos?

—Quando essa pessoa aparece na minha casa do nada, sim.

Putz! Como aquelas palavras me deram ódio. Dez anos presa, imaginando esse momento, para, em questão de segundos, tudo se diluir diante dos meus olhos.

—Que filho da puta você é! - exclamei um sorriso nervoso no rosto.

—Como você quer que eu te ajude se você…

—Em algum momento eu te pedi ajuda, Benson? - interrompi.

Eu queria voar no pescoço dele, mas também queria beijá-lo. Não sei que feitiço é esse que ele me lança que me faz sentir sentimentos opostos.

—Só porque tá bem de vida agora, - continuei - você acha que precisa ficar bancando a Madre Tereza?

Ele abriu os dois braços e disse:

—Posso saber porque você está me atacando desse jeito? Tudo que eu fiz foi te perguntar se…

—Não, Freddie! - respondi, o interrompendo. - Eu não vim de avião e não tenho nenhuma mala extraviada. Pronto! Satisfeito?

—Por que mentiu a princípio, então?

—A boca é minha, Freddie. Se eu quiser dizer que eu vim voando numa vassoura, eu digo. Você não tem nada a ver com isso.

Freddie riu, inflamando ainda mais a minha raiva, que, sem motivo aparente, só ia crescendo. E, então, ele perguntou:

—Por que me procurou?

—Eu não te procurei - menti.

Eu o procurei sim por todos esses últimos dez anos. Mas ali, diante dele, a covardia me bateu.

—Ah, não? Então você caiu aqui sem querer?

Ri com escárnio. Não dava para acreditar em tudo que eu estava escutando.

—Por que não diz logo que não está feliz em me ver? - questionei por fim.

—Porque não é verdade.

Ergui as sobrancelhas.

—Então você ficou feliz em me ver? - perguntei, desafiante.

—Como qualquer um ficaria - ele respondeu com uma tranquilidade que me arrancou um outro riso de escárnio.

—Como qualquer um ficaria - repeti. - Valeu. Valeu mesmo!

—Não torne as coisas mais difíceis, Sam.

—Não tornar as coisas mais difíceis?! - quase saltei da cadeira. - Você não sabe como tem sido a minha vida nesses últimos doze anos.

Freddie ficou me encarando por alguns segundos, enquanto eu o encarava de volta e pensava no quão estúpida eu fui em querer voltar à Seattle. Mas, de repente, ele respirou fundo e desviou o olhar, dizendo:

—Na verdade, eu sei.

Minhas pernas gelaram.

—Por isso eu perguntei se você não estava escondendo nada. Não é sobre a mala. Tem muito mais coisas, né?

—Eu não sei do que você está falando - menti pra ele e pra mim.

—Sam, tudo vai ser mais fácil se você…

—Por que eu tenho que ficar te contando sobre a minha vida? - perguntei interrompendo.

Aquela era uma estratégia de defesa, mas o que mais eu poderia fazer? Eu tinha vergonha do meu passado e ainda não estava pronta para falar sobre ele.

—Eu não cheguei aqui perguntando sobre o que você fez ou deixou de fazer nos últimos anos - conclui.

—Tudo bem se você não quiser falar, ué! Ninguém tá te obrigando - Freddie retrucou e eu me levantei.

Eu estava farta, queria ir embora. Ele não parecia ser o mesmo e eu estava decepcionada com minha própria ingenuidade.

—Quer saber de uma coisa? Tchau pra você. Foi um erro mesmo ter dado as caras por aqui.

Caminhei até a porta do escritório e voltei para o Benson, que continuou sentado.

—Onde é a saída dessa porra? - Perguntei no meu limite.

—À direita.

Isso foi tudo que ele falou antes de eu ir embora. Não sei porque, mas, no fundo, eu esperei que ele protestasse ou viesse atrás de mim. Porém nada aconteceu. Eu saí da casa e fui embora sem nenhum sinal de reação dele.

Freddie Benson

À noite, eu perdi completamente o sono. O fato de Sam ainda ser capaz de me manter acordado me assustava. Depois de tantos anos, eu realmente achava que ela já não tinha grandes efeitos sobre mim, mas eu estava errado. Além disso, foi assustador e, ao mesmo tempo, surpreendente me dar conta de que, mesmo que bem lá no fundo, eu ainda pensava nela. Afinal, às vezes, a gente joga lá para trás, para o subconsciente, aquilo que não queremos enfrentar por enquanto.

Eu sempre a amei, eu sempre a quis, mas ela nunca me deixou entrar em seu coração. De uma forma estranha, ela sempre preferiu manter os sentimentos para si e eu nunca entendi. Ela me disse um “eu te amo” apenas uma vez e depois, quando terminamos, acabou com minha reputação. Mas, ainda assim, uma vez ou outra, quando esbarrávamos na fraqueza e trocávamos alguns beijos, ela nunca me explicou a razão de me pintar tão mal diante dos outros.

Então, depois que ela foi embora e eu tive tempo de sobra para pensar, cheguei à conclusão de que ela não era a pessoa certa para mim. Ela era como uma droga, eu pensava, viciante e destrutiva. Mas meu ato falho foi não tirá-la da mente, mas jogá-la para “sala escura” da alma: o subconsciente.

Segui com minha vida. Conheci uma nova pessoa que, de certa forma, eu confesso, é a junção de Carly e Sam. Uma vez, uma psicóloga quis me convencer de que eu estava aplicando um golpe contra a minha própria mente, procurando em uma pessoa as qualidades que antes admirava em duas garotas diferentes: a sensatez de Carly e o espírito livre de Sam. Eu não acho, apesar de concordar que Camila tem um pouco das duas. E se eu a amo? Sim, sem dúvida.

Mas, se a pergunta for se estou confuso depois da repentina aparição de Sam, eu não hesitaria em responder positivamente também. Apesar de parecer imbecilidade da minha parte. Afinal, um homem casado há 8 anos, com dois filhos, não deveria se sentir tão abalado com a volta de uma pessoa como a Sam. Porém, sim. Ela fez isso comigo.

No entanto, o pior ainda estava por vir e eu logo me dei conta quando, por estar acordado, no meio da noite, comecei a ouvir gritos vindo do lado de fora da casa. A princípio, não era possível entender nada do que estava sendo dito aos berros, mas, então, eu comecei a entender e logo tirei um pulo da cama. Então, fui até a janela e olhei para baixo, para a rua, e o que vi quase me fez cair para trás: era Sam, totalmente bêbada, chorando e gritando o meu nome. Por sorte (se posso chamar assim), desde um incidente de trabalho que aconteceu recentemente, Camila toma remédios para dormir e não acorda até que seja de manhã.

Então, vesti um casaco e desci praticamente correndo. Eu tinha que calar a Puckett o quanto antes. Mas, ao alcançar a rua, percebi que seria muito mais difícil do que eu imaginava. Agora, mais próximo dela, ficou evidente que Sam estava totalmente fora de si.

—Sam… Sam… - eu a chamei algumas vezes tentando manter meu tom de voz baixo.

Ela não havia me percebido ali até que a chamei. Ao me ver, por um instante, ela parou de gritar meu nome e eu pude respirar aliviado. Mas eu fui ingênuo ao pensar que a situação estava resolvida, pois, de repente, ela veio correndo na minha direção e simplesmente voou em cima de mim, me derrubando no chão e me enchendo de socos.

Anos atrás, eu certamente teria apanhado feito um condenado, mas, agora, apesar de ela continuar forte para caramba, eu também tinha minha cota de força. Mas quando eu consegui segurá-la, de maneira a não receber seus socos mais, ela se pôs a debater enquanto gritava como se estivesse sentindo alguma dor.

Então, quando uma viatura apareceu misteriosamente, percebi que já estava quase na esquina da rua, pois havia rolado com Sam pelo menos uns 30 metros. Foi preciso três policiais para tirarem a Puckett de cima de mim e estava tudo certo, até que eu os vi algemando-a.

—Ei! O que vocês estão fazendo?

Corri na direção deles e tentei impedi-los de algemar Sam. Ela já estava mais calma, por isso parecia exagero prendê-la daquela forma. Mas nenhum deles fez caso do que eu estava falando. Ao invés disso, meteram-na dentro da viatura e foram embora.

Então, quando voltei para casa e encontrei Camila sentada no sofá, na sala, tudo fez sentido.

—Foi você que chamou a polícia? - perguntei com uma ponta de raiva que eu não sabia de onde havia vindo.

—Fiz errado? - ela devolveu com uma outra pergunta abusando de um tom debochado.

—Não precisava disso, né, Camila? Eu tinha tudo sob controle.

Caminhei até a cozinha para pegar um pouco de água e ela veio atrás de mim.

—Não me pareceu que era você no controle da situação. O seu cabelo está cheio de grama inclusive.

Passei uma mão pelo meu cabelo compulsivamente e vi os pedacinhos de grama caindo.

—Está bem, eu confesso, talvez eu não estivesse 100% no controle da situação, mas também não era preciso que você chamasse os policiais para levá-la algemada.

—Então o que você queria que eu fizesse? Que eu ficasse da janela apenas observando uma louca atracada ao meu marido?

—A Sam não é louca, Camila! - retruquei e deixei o copo, onde havia tomado minha água, sobre a pia.

—Tem razão! Ela não é louca. Ela é sem noção mesmo.

Eu sei que eu não deveria levar aquilo para o lado pessoal e também sei que não faria nem um pouco bem para o meu próprio casamento defender Sam a aquela altura do campeonato. Mas eu estava tão irritado com o fato daqueles policiais terem algemado a Puckett, que eu sequer me dei conta quando as palavras saíram pela minha boca:

—A Sam é minha amiga, Camila! Minha amiga. Então, mais respeito, está bem?

Quando eu estava a caminho da porta da frente outra vez, ouvi Camila rir e depois ela perguntou:

—Sua amiga? Desde quando você tem amigas?

—Desde sempre! - respondi, áspero, e peguei a chave do meu carro, saindo de casa logo em seguida.

Ao longe, eu escutei Camila me questionando onde eu iria, mas eu não respondi.

Novamente, repito: eu sei que, de certa forma, aquela não era a melhor maneira de lidar com a situação, porém já não era eu agindo, mas sim a raiva em meu lugar.