You can't save me

Simples Lágrimas...


Oi, eu sou Spencer Metsynker e... pois é, acho que estou aqui para contar minha história. Sinceramente? Eu lamento ter que contar isso a você, sério. Bem... Por onde devo começar?...

Ah, já sei!

Há 3 anos, minha mãe deixou a mim, minha irmã e meu pai. É, ela morreu. A partir daí, meu pai mergulhou numa depressão sem limites, mas, antes de continuar, é importante dizer que a minha mãe foi a única mulher da sua vida. Ela e meu pai eram artistas. Meu pai era ator, e minha mãe, musicista. De treze anos pra cá construíram fortuna e praticamente um império no munda das artes, ao qual eu e minha irmã vivíamos conectadas.

Enfim, depois que a minha mãe se foi, meu pai passou a procurar refúgio nos jogos, bebidas e etc. Confesso que cometi o erro de fingir que não era comigo, fazer de conta que não era minha responsabilidade, quando era SIM!

Chegava em casa sem querer falar com mais ninguém, só correr pra tocar o piano de cauda que tínhamos na sala de estar... Ah, como eu amava aquele piano... Foi numa dessas noites que eu fui impedida de mergulhar nas notas por Kátia, minha irmã mais nova. Ela, com lágrimas descendo descontroladamente por sua face, me disse a notícia que mudaria totalmente nossas vidas:

—O papai morreu! Encontraram o corpo dele na rua...

A partir daí não ouvi mais nada. Era como se o meu corpo não pudesse me obedecer, não quisesse.

Só o que fiz foi jogar minha bolsa Prada no chão com raiva, correr pro meu quarto, trancar a porta e chorar convulsivamente a noite toda. Eu só não sabia, que os problemas estavam apenas começando...

Eu e Kátia passamos os dois anos seguintes vendendo tudo o que nossa família possuía para tentar quitar as dívidas do meu pai no jogo... Será que ele sabia que tinha se metido com gente tão perigosa?

Temendo por nossas vidas, após vender as nossas duas últimas propriedades, usei o dinheiro para sairmos da França, onde já não era mais lugar para nós.

Agora, estamos num voo indo para San Fransókio apenas com nossas roupas do corpo. Não temos onde dormir, e revelar quem somos a qualquer um, pode representar um grande perigo.

Olho para o banco ao meu lado e vejo Kátia, que apesar de tentar não mostrar, percebo que está apavorada. Quando papai e mamãe começaram a ganhar dinheiro de verdade, ela tinha apenas 2 anos de idade, não tem lembranças nítidas de como é ser pobre.

—Hey -digo pra ela e aperto sua mão -, vai ficar tudo bem, acredite.

Ela responde com um sorriso fraco. Tenho que admitir que nunca fui uma irmã muito presente para Kátia. Por mais que não concordasse com o consentimento de papai em deixar que ela saia com a filha de sei-lá-quem, e frequentar certos lugares, eu raramente chegava a falar com ela sobre tais assuntos, e de repente sou a única responsável por sua segurança e qualidade de vida. Ela não sabe, mas é muito mais assustador pra mim do que pra ela.

Chegamos ao aeroporto de San Fransókio. Agora pelo menos, me sinto feliz por termos vendido as botas da Chanel e os saltos Prada. Certamente teremos de andar muito pra chegar a um lugar, no mínimo "habitável".

~~~

—Spencer, eu não aguento mais, estou com fome e já estamos andando há horas.

Olho para Kátia preocupada. Não achei que seu cansaço fosse me causar essa... aflição...? Observei meu relógio e, realmente já estávamos caminhando havia quatro horas! Olhei ao redor. Estávamos em um beco escuro onde poderíamos passar a noite. Segurei o braço de Kátia para fazê-la entrar no corredor estreito comigo. Me sentei em um pneu e estendi a mão, oferecendo a ela um caixote como assento.

Ela me olhou de um jeito estranho por um tempo, como se eu estivesse fazendo algo absurdo. Pensando bem, nossa atual situação era absurda! Enfim ela aceitou.

—Eu sei que não estamos no melhor momento de nossas vidas, Kátia... Mas veja, a situação poderia ser bem pior que isso!

—Tem razão -Ela diz, me surpreendendo com o tom otimista de sua voz -Podia estar chovendo...

Naquele exato instante, no céu escuro das 20:00hs da noite, roncou uma trovoada. 0,5 segundo depois, estávamos as duas sentadas debaixo da chuva fria caída do céu antipático de San Fransókio.

Kátia soluçou três vezes antes de começar a chorar desesperadamente. Era compreensível. A situação era desesperadora.

Tentei segurar a minha vontade de chorar enquanto a ouvia desmanchar em lágrimas todo o seu pavor: mamãe já havia nos deixado, logo em seguida foi papai, ver tudo o que tinha ser tirado de você, a hipótese de que suas amigas talvez nunca mais quisessem olhar para sua cara, e ter que crescer sozinha, num lugar estranho e sem amigos.

Simplesmente esperei que ela se acalmasse. Jamais pediria a ela que parasse de chorar.

—As pessoas pobres como nós duas quase nunca têm dinheiro... -Falei, quando findou seu choro -Sabe de quê elas vivem?

—Do quê? -Perguntou, ainda com a voz embargada.

—Esperança! Assim como eu, vai ter que aprender na marra! -sorri.

Kátia sorriu também. Ainda sob a chuva, ela sentou-se ao meu lado buscando conforto pra dormir.

Quando o sono já estava quase me levando, ouvi algo passar incrivelmente rápido na rua ao nosso lado. Cheguei a ver uma luz, mas não me dei o trabalho de levantar. O que realmente importava, estava dormindo ao meu lado.