Gabrielle esfregou os olhos e acolheu-se na cama. A aliança dourada reluzia em seu dedo.

Estava absorta em seus pensamentos quando viu uma mulher entrar silenciosamente em seu quarto.

— Ah, bom dia, senhora. – a mulher sorriu – O senhor Nicolas me pediu para atendê-la sempre que precisasse.

A moça abriu as janelas e Gabrielle contemplou um dia de chuva. Era inverno na França, a chuva e o frio tomavam conta de cada lugar da cidade, e, a cada sopro do vento, o corpo de Gabrielle se arrepiava.

— Me chamo Lea. – a menina reconheceu a mulher da noite passada; fora ela que lhe alertou sobre Alina. – Precisa de algo?

— Preciso de um banho. – Gabrielle pediu, com um sorriso. Seu corpo precisava de um banho e ela precisava apagar as lembranças.

Lea assentiu e Gabrielle questionou:

— Alina já acordou? – Lea assentiu para responder – Peça para que ela venha aqui.

A empregada assentiu novamente e foi chamar a pequena Alina. As duas chegaram rapidamente no quarto de Gabrielle e, enquanto Lea ia preparar o banho da patroa, Gabrielle e Alina conversavam.

— Mandou me chamar? – a menina perguntou.

— Venha aqui. – Gabrielle ignorou a dor que sentia e sentou-se direito na cama. – Tome café comigo.

A pequena Alina sorriu e correu para a cama.

Elas tomaram café da manhã juntas, brincando. À luz do dia, Gabrielle viu que Alina era a menina mais linda que ela já vira, e também a mais alanhada.

Seus cabelos eram de um loiro claro, iam até metade das costas, porém não tinham um corte definido. Ao contrário das meninas de sua idade, ela não tinha nenhuma vaidade, e tudo o que possuía, desde roupas à roupa de cama, era em tons de cinza. Ela usava um vestido sem modelo, cinza, com um comprimento até os joelhos.

Também não tinha modos bonitos para comer. Não se sujava, mas também não era do jeito que deveria. Também não sabia sentar nem se portar, mas sua companhia era maravilhosa.

— Não ligue para o Nicolas. – Alina disse ao terminar de comer. – Ele não gosta nem de si mesmo. Você vai adorar o Victor, ele é lindo, um amor! – sorriu sem jeito e limpou as mãozinhas no vestido. – Logo ele estará de volta, ele me prometeu que não demoraria.

Gabrielle não aguentou a curiosidade e resolveu perguntar:

— Não quero ser invasiva nem nada do tipo, eu gosto muito de você, de verdade. – ela começou e Alina riu. Há muito tempo ninguém, além de Victor, dizia que gostava dela. – Mas, você não gosta de se arrumar, de se pentear?

Embora tivesse passado 13 anos da sua vida longe de casa e da sua família, Gabrielle sempre viveu cercada de luxos. Tinha empregados à sua disposição e sempre teve uma criada para estar sempre ao seu lado. Também ganhava joias e presentes caros em datas especiais, além da gorda mesada que lhe era ofertada pela família toda semana. Quando queria comprar algo, o próprio Victor se encarregava de que as lojas mais caras de Paris trouxessem para Gabrielle tudo de novo que havia no mercado.

— Eu sei que não pareço uma menina, – ela puxou uma migalha do vestido com desgosto – mas é Victor quem cuida de mim. Ele que me ensinou a comer sem me lambuzar, mas ele não entende muito disso. Você deve ter tido uma vida de rainha! – Alina concluiu após analisar Gabrielle.

— Sempre tive tudo, não posso negar. – Gabrielle parou de falar e pensou em algo genial! – E se nós fizéssemos uma surpresa pro Victor?

Alina a olhou, confusa.

— Eu te compro roupas, te ensino a comer, falar, sentar, andar e até a bordar! – Gabrielle sugeriu e o sorriso de Alina foi se alargando cada vez mais. – Quando Victor voltar, você vai estar impecável.

— Você vai fazer isso por mim? – Alina perguntou com os olhos brilhando. Gabrielle assentiu. – Ah, obrigada... como é mesmo seu nome? – Perguntou, com a carinha confusa. Tinha acontecido tanta coisa que elas haviam esquecido de perguntar o nome uma da outra.

— Gabrielle.

— Obrigada, Gabrielle. Meu nome é Alina. – outra vez a menina sorriu e abraçou a moça em sua frente, que lhe acariciou os cabelos.

***

Gabrielle tomou um banho demorado na água quente. O quarto tinha um banheiro enorme, com uma banheira de porcelana branca, assim como tudo por ali.

Quando terminou, sentia-se limpa. Quando voltou para o quarto, quase morreu de susto:

— Pelo tempo que você demorou, deve ter gostado muito da banheira. – O rapaz sorriu de lado e avançou em sua direção, o que a fez recuar.

— Saia de perto de mim! – disse, fazendo Nicolas rir descontroladamente.

— Você ainda não entendeu, não é? – ele pegou seu rosto com uma mão, encarando seus olhos. – Eu vou tocar você quando eu bem entender, chérie. – ele sorriu ao ver Gabrielle grunhir de raiva. – Mas não foi por isso que eu estava lhe esperando.

— E era por quê? – Gabrielle questionava, afinal, pra que outro motivo aquele monstro iria querer ficar perto dela?

— Tem algumas regras que você precisa seguir. – ela levantou uma sobrancelha e ele continuou, ainda olhando em seus olhos. – Primeira: não saia de casa sozinha. Segunda, e a mais importante, o sótão dessa casa é estritamente proibido a qualquer pessoa. Você me chamou de monstro ontem, mas monstro eu vou virar se tiver alguma ideia que você foi até lá. Entendido? – ele a ameaçou com o olhar.

— O que há lá em cima? – ela tentou, mas, curiosa como era, perguntou sem conseguir controlar.

— Não interessa. – Nicolas respondeu simplesmente. – Nem meus irmãos vão lá e você não vai querer me desobedecer.

Gabrielle tomou uma nota mental de passar longe da escada do terceiro andar e assentiu. O gesto fez com que Nicolas se acalmasse.

— E terceiro – ele aproximou-se dela outra vez. – Se não quer que o que aconteceu ontem se repita, não desfile mais de toalha na minha frente, eu posso me descontrolar. – Gabrielle enrubesceu e Nicolas tocou seu pescoço.

O sorriso em seu rosto era debochado, mas a menina via o olhar dele incendiar de tamanho desejo quando a olhava, então ela voltou para o banheiro, deixando um Nicolas aos risos no quarto.

Depois de procurar no quarto inteiro, Gabrielle descobriu um guarda-roupa abarrotado das roupas mais lindas que já vira. Havia calças, shorts, saias, vestidos, blusas, casacos, bolsas... e tudo aquilo era presente de Nicolas.

Os dois jantaram em silêncio e, depois, foram para a sala de estar.

— Me leve ao shopping? – Gabrielle esperava ouvir um não, mas arriscou a pergunta.

— Para...? – ele não a olhava, era como se a pobre moça tivesse algum problema. Gabrielle não conseguia entender o rapaz.

— Preciso comprar algumas coisas. – ela disse e Nicolas ergueu os olhos, encarando-a – Eu posso pagar.

Gabrielle estava confusa demais, não entendia o porquê da expressão debochada que ele fazia.

— Você realmente acha que dinheiro é problema pra mim? – Nicolas continuava a encará-la.

— Não. – Gabrielle respondeu, enrubescendo.

— Pode ir.

Ela ficou surpresa por ele ter deixado, mas não conseguiu deixar de se sentir mal pela forma desinteressada com que ele a tratava.