Gabrielle acordou com a brisa fria daquela manhã tocando sua pele. Nicolas já não estava ao seu lado. O tempo em Paris parecia mais com o de Moscou do que com o da própria cidade, de tão frio que estava ultimamente.

A menina tomou um bom banho quente, fez toda sua higiene e vestiu uma calça jeans e uma blusa de moletom, com uma bota de cano alto, porém, sem salto. Estava penteando os cabelos quando ouviu batidas na porta.

— Pode entrar, Lea! – Ela disse, sem dar atenção.

— Devo tentar outra hora, então... – Victor abriu um sorriso de orelha a orelha enquanto fechava a porta. O coração de Gabrielle deu um salto maior do que ela tinha imaginado que seria.

— VICTOR! – Gabrielle praticamente se jogou da penteadeira quando pulou para os braços do cunhado. Sentia-se protegida novamente.

Ele havia sentido falta dela, embora estivesse com Melissa. Sabia que era errado, ele amava a esposa – lógico que amava – mas Gabrielle mexia com a sua cabeça de um jeito diferente. Isso o preocupava.

Ele a rodopiou num abraço e sentiu as batidas do seu coração aumentarem de ritmo. Gabrielle depositou beijos em todo o rosto de Victor, fora de controle de tão feliz. Quando ele a colocou no chão não foi capaz de soltá-la, apenas de abraça-la mais forte. Não precisavam de palavras naquele momento.

— Me dê um bom, bom não, ótimo motivo para eu não te matar nesse exato momento. – Gabrielle fez uma cara de brava, mas não conseguiu prender o sorriso, o que fez Victor gargalhar.

— Eu tenho um presente? – Victor respondeu a pergunta dela com a cara mais inocente que conseguiu fazer.

— Está tentando me comprar? – Ela ergueu uma sobrancelha.

— Nunca. – Ele sorriu. – Mas foi um dos motivos de eu ter demorado.

Victor a colocou no colo e começou a descer as escadas. Gabrielle riu abraçada a ele.

— Posso saber que tipo de presente? – Perguntou curiosa. Victor imediatamente tapou os olhos dela. Sabia que Victor não lhe daria joias, feito Nicolas, não era tão extravagante.

- Gosta de cães? – Ele perguntou sem abrir os olhos dela. Gabrielle apenas assentiu.

Ela sentiu o cheiro de terra molhada e sabia que estavam no jardim. Victor abriu os olhos dela e ela abriu o maior dos sorrisos quando viu o pequeno Yorkshire dourado.

— Que tipo de pessoa dá um cachorro para outra? – Ela murmurou enquanto se aproximava do cachorrinho.

— Sou um tipo diferente. – Ele sorriu. – Quer dar uma volta?

— Se você me acompanhar, eu adoraria. – Gabrielle não conseguia tirar o sorriso do rosto. Victor segurou sua mão e os dois saíram andando pelo jardim enorme da mansão.

Ficaram lá por horas, até que a chuva resolveu começar a cair e suas roupas se tornaram pesadas demais para que continuassem a caminhar. Eles pararam debaixo de uma das enormes árvores que tinha por lá.

— Tome. – Victor tirou o suéter e o deu para Gabrielle vestir.

— Não está muito menos molhado que minha roupa e você vai ficar doente. – A moça tentou reclamar mas ele insistiu até que ela o pegasse.

— Acredite, não vou. – Victor deu um sorriso de canto. – Vamos embora.

— Debaixo dessa chuva? De jeito nenhum!

— Vai piorar. – Avisou. – É melhor que estejamos em casa quando isso acontecer.

Ela colocou o pequeno cachorrinho no colo e ele a puxou pela mão. Foram correndo e logo chegaram à mansão, dando apenas tempo de eles entrarem na varanda para a chuva aumentar.

Gabrielle e Victor não perceberam, mas alguém os observava da janela do segundo andar. Alguém que não estava nada satisfeito com aquela cena.

— Elena, Gabrielle te fala sobre Victor? – Louis perguntou quando Gabrielle e Victor subiam as escadas em meio à gargalhadas.

— Ela fala que eles são bons amigos, que ele a ajuda a lidar com Nicolas, por quê? – Elena abraçou o marido por trás.

— Nada demais. – Louis respondeu. – Só não tenho um bom pressentimento sobre isso.

***

Gabrielle se despediu de Victor e foi para o quarto se livrar de toda aquela roupa suja. Havia deixado o cachorrinho no galpão, então, depois de trocar de roupa foi direto para lá. A pequena coisa dourada pulou, feliz de ver a dona. Gabrielle pegou-o no colo e brincou com ele um pouco na varanda da mansão.

Victor avisou que o pequeno cachorro teria que ficar fora da casa, pois Alina tinha alergia ao pelo e Gabrielle concordou. Não queria ficar longe do bichinho, mas também não queria ver a menina doente o tempo inteiro.

— Ainda não tenho um nome pra você, bonitinho... – Gabrielle disse enquanto encarava o cachorro. – Que tal... Stirling? – O cachorro a olhou como se gostasse do nome e ela sorriu radiante, enquanto acariciava a cabeça dele. – Pois pronto, vai se chamar Stirling.

Porém a alegria do animal – e de Gabrielle – não durou muito, já que Stirling começou a latir loucamente quando alguém se aproximou.

— Que cachorro mais covarde. – Nicolas disse enquanto se aproximava, fazendo Gabrielle se assustar.

— Calma, Stirling. – Ela colocou o cão no colo e o acariciou. Pareceu acalmá-lo. – Não há problema algum com ele. – Encarou o marido.

— Não me lembro de ter lhe comprado um cão. – Nicolas observou o pequeno cão dourado no colo da esposa.

— Victor me deu de presente. – Gabrielle disse, distraída, e não percebeu o olhar faiscante que saía dos olhos de Nicolas quando ela disse aquilo.

— Vai devolvê-lo. Hoje. – Ele se aproximou, ficando cara a cara com Gabrielle. – Pode escolher qualquer outro cachorro que será seu, mas este não.

Stirling começou a latir alto, deixando Nicolas cada vez mais furioso. Gabrielle encarou o marido:

— Não vou devolver coisa alguma. – Disse, séria. – Se acalma, Stirling.

— É minha mulher, Gabrielle. Me deve obediência. – Ele a lembrou.

— E irei obedecer, quando houver motivo para tal. – Empinou o nariz quando disse isso.

— E isso não é motivo suficiente? – Nicolas estava furioso.

— Por favor, Nicolas, foi um presente! E eu adorei, não vou devolver.

— Vai me obedecer. – O olhar de Nicolas se tornou seco. – E se eu disser que quero transar aqui, nesse mesmo lugar, agora, vai me obedecer? – Um sorriso frio brotou de seus lábios.

Gabrielle sentiu um choque em seu corpo. Começou a ficar assustada enquanto Nicolas se divertia com o terror dos seus olhos enquanto fingia abrir o casaco que usava.

— O quê? – Ela sussurrou, encarou o chão da varanda duro e frio. Eles estavam sozinhos ali e ninguém chegaria para atrapalhar. Ninguém tinha coragem de se meter nas brigas dos dois.

— Disse que me obedeceria. Essa é minha vontade. – Um sorriso triunfante continuava presente nos lábios de Nicolas.

— Pare com isso! – Gabrielle disse, aterrorizada, quando ele a deitou no chão, tirando a camisa. Nicolas adorava tortura-la.

— Sabe, sempre foi uma fantasia minha. – Ele disse enquanto ia pra cima dela. – Está corando, Gabrielle?

— Pervertido! – A menina o empurrou, o rosto vermelho de vergonha e de ódio do marido.

Nicolas começou a rir descontroladamente daquela cena. Gabrielle era tão ingênua.

Gabrielle se aproveitou da situação para fugir, enquanto tentava ignorar o riso dele.

— Volte aqui! – Nicolas chamou, debochado. – Nem comecei ainda, qual o seu problema? – E voltou a rir.

— Você pode ir parando com isso ou vou quebrar sua cabeça em pedacinhos. – Gabrielle ameaçou.

— Estou tremendo de medo, Gabrielle. – Ele fingiu estar tremendo. – Acredite em mim, se eu quisesse você aqui, você seria minha.

Isso irritou Gabrielle profundamente. Quem ele pensava que era? Quem ele pensava que ela era?

— Tenho pena de você, Nicolas. – Ela suspirou amargamente.

— Pena? Não vejo o por que. – Ele disse enquanto se sentava. Gabrielle detestava que ele fosse tão lindo fisicamente, detestava que seu corpo fosse tão maravilhosamente esculpido, detestava principalmente o fato dele não mostrar quem era por trás de toda aquela máscara que utilizava. – Eu sou bilionário, respeitado em todo o mundo, minha esposa arranca suspiros onde vai – ele varreu o corpo dela com os olhos, o que a fez ficar vermelha – sou saudável, tenho tudo do bom e do melhor... não vejo o que me falta. – Analisou.

— Não tem amor. – Gabrielle viu o sorriso do marido desmontar. – É, Nicolas... Amor não pode ser comprado com dinheiro ou joias bonitas. Você nunca sentiu amor ou amizade por ninguém, isso me dá pena. – Ela disse friamente. – Esse é o seu problema. Falta de amor. Eu tentei amar você, mas você faz disso uma tarefa impossível. Você nunca sentiu, não sabe como é.

— Você não sabe o que diz. – Nicolas murmurou entre dentes e Gabrielle percebeu que havia perfurado a armadura dele.

— Pense nisso. Amor.— Ela foi se afastando, mas deu meia volta antes de ir. – E fique longe do meu cachorro. – Avisou e voltou a entrar na mansão, com Stirling no colo e toda a dignidade que lhe restava.

Nicolas continuou lá com a expressão séria, observando a esposa se afastar. Ela havia tocado em uma parte que ele jurara trancar para sempre. Seu corpo inteiro estava inundado por uma dor que há muito tempo não sentia.