13 anos depois...

Gabrielle se preparava para seu noivado numa manhã nublada de sábado. Os Marchand moravam em uma casa imperial, em uma área nobre de Paris. A cerimônia contaria com boa parte da mídia local e para muitas meninas seria a união do século, mas, para Gabrielle aquele seria apenas mais um dia no seu martírio de vida.

Tudo ia de mal a pior desde que colocou os pés naquela maldita casa. Era completamente infeliz desde então, sentia falta dos pais, que mal podiam visitá-la ou fazer uma ligação devido às restrições da família na qual morava; sentia falta também dos tios e dos avós.

Hoje, Gabrielle olhava-se no espelho e não reconhecia a mulher que via.

Os cabelos eram negros e eram o único traço que a menina tinha do avô materno. A cabeleira negra e os olhos claros faziam com que ela fosse admirada por todos os homens onde quer que fosse.

— Anda, princesa. – Uma das criadas a apressava, a única que ainda conseguia ser gentil com a pobre menina, já que todas as outras a tratavam como um cão.

Fazia pouco mais de dois anos que os pais de seu futuro noivo haviam morrido. Gabrielle viu um sopro de esperança ali, porém o irmão mais velho dos Marchand continuou a afirmar que, mesmo com a morte dos pais, o contrato assinado por Antônio ainda continuava valendo.

As pessoas que restaram carregando o nome da família eram apenas os três irmãos, todos homens e com casamentos arranjados.

Victor Marchand era o mais velho. Bonito, inteligente e apaixonado pela esposa, tinha Gabrielle como uma irmã mais nova. Todas as vezes em que esteve na mansão preocupava-se em saber como a menina estava.

Ao contrário de Victor, o irmão do meio, Louis Marchand não era o mais sociável. Sempre muito quieto, conversava pouco, e, segundo sua memória, Gabrielle podia contar nos dedos quantas vezes havia ouvido a voz dele.

O grande problema da garota, em si, não era esse. O fato era que, mesmo morando 13 anos na mesma casa que a família do seu noivo, ela nunca havia posto os olhos nele. Jamais. Por conta do colégio interno em que esteve durante a vida toda, e, durante as festas de fim de ano, ele sempre estava viajando.

— Eu não quero me casar, Ava. – A menina olhava tristonha para a empregada que tinha idade para ser sua mãe. – Eu nem sequer o conheço! Que tipo de casamento é esse?

— Vocês não se conhecem, mas terão muito tempo para isso.

— E se ele não gostar de mim?

— Gabrielle, - a mulher tinha um tom maternal que consolava a garota – olhe para você, meu anjo, é linda! Eu sei que ele jamais iria rejeitá-la.

— Você tenta me animar... – Gabrielle começou, mas foi interrompida por Andrea que acabara de entrar no quarto.

— A gentalha já está vestida? – Andrea era o pesadelo da pobre Gabrielle.

Prima dos meninos e morava com eles desde que seus pais a expulsaram de casa. Gabrielle jamais soube o motivo, aliás, isso nem era importante, não para ela, que queria distância mortal da moça de cabelos longos e carinha de anjo.

— Você nunca vai pertencer a essa família! Você não tem ideia de como meu primo é. Espero que ele te deteste. – Os olhos dela correram dos pés a cabeça de Gabrielle e um sorriso debochado brotou nos lábios dela. – E, olha, não será muito difícil. Olha pra você...

Ava se irritava perfeitamente com o jeito desdenhoso que Andrea tinha. Quase sempre conseguia fazer Gabrielle chorar profundamente, gostava de esfregar as coisas na sua cara.

— Nos deixe terminar. – Ava repreendeu Andrea.

— Claro. – ela respondeu como se não houvesse feito nada e saiu do quarto.

— Por que ela faz isso? – Gabrielle abraçou a mulher e escorou a cabeça em seu ombro.

— Eu não sei – Ava beijou os cabelos dela como uma forma de acalmá-la – mas não se preocupe com ela, você tem que ter o carinho apenas dele. Ela não importa.

— Como ele é? – Gabrielle sequer havia visto alguma foto do rapaz.

— Lembro-me dele só quando criança, mas já era um jovem bonito. Você sabe que a mãe dele não é a mesma de Victor e Louis, não é? – ela perguntou e Gabrielle assentiu. – Então, ele tem os traços da mãe, que é inglesa, e é, ao mesmo tempo, parecido com os outros irmãos. Só não garanto certeza porque não o vejo pequeno há anos.

— Tudo bem.

A única coisa que animava Gabrielle era seu vestido, um tomara-que-caia longo dourado, a saia volumosa, parecia uma princesa. Ela havia se empenhado nele, mas as palavras de Andrea martelavam em sua mente. Eram palavras duras, que lhe desejavam o mal.

Mas, hoje era seu noivado e, com a ajuda de Ava, ela vestiu-se, fez um penteado e se maquiou. Finalmente estava pronta e linda.

Gabrielle respirou fundo antes de sair do quarto e ouviu Ava murmurar um “boa sorte” pra ela. Então saiu e começou a descer as escadas e os olhares de todos se prendiam a ela.

Os olhos claros da menina varreram a sala com o olhar até que encontraram um rosto diferente no pé da escada, lhe esperando com uma expressão intrigada.

Sim, ele era lindo, e, diferente de seus irmãos, tinha os cabelos claros.

— Está linda. – disse quando ela chegou perto. – Tenho algo para você. – o rapaz misterioso disse enquanto tirava uma caixinha de paletó.

Quando ele abriu a caixinha, Gabrielle se espantou: era um colar, o mais lindo colar que ela já vira; Nicolas parecia saber o que ela iria vestir já que o colar combinava perfeitamente como o vestido que ela usava. Era uma gargantilha delicada, com pequenos cristais. Ele lhe afastou os cabelos gentilmente e colocou a gargantilha nela.

— Nem sei como agradecer... – murmurou, tocando o colar.

— Nem precisa. – Nicolas tocou o rosto dela em um gesto possessivo.

Então ele a beijou.

Ela sentiu seus lábios sendo oprimidos pelos deles. Sua boca tinha um gosto agradável e um leve gosto de vinho. Já ele estava perdido quando sentiu ela lhe abraçar, timidamente, pela cintura. Os lábios dela eram tão doces, tão macios que lhe lembrava tanto... Serena.

Ele, de modo gentil, afastou Gabrielle, encerrando o beijo. Só dai Gabrielle veio perceber que os convidados aplaudiam os dois. Para ela, nada daquilo serviu, queria seus pais e eles não estavam ali.

Nicolas estava absorto em seus pensamentos e todos eles se reservavam em um nome: Serena. Quando Gabrielle o encarou, seu maxilar estava contraído e, seu olhar, frio. No restante da festa, ele quase não se aproximou dela, o que deixou Gabrielle confusa e magoada. Confusa por não saber o que tinha feito de errado, magoada pelo fato dos pais não estarem ali.

— Gabrielle? É você? – era Elena. Ela e Gabrielle haviam frequentado o mesmo colégio interno. Hoje ela era mulher de Louis e, eles haviam acabado de voltar da lua de mel.

— Elena! – a menina abraçou a amiga depois de um longo tempo. Elena tinha uma cor afogueada no rosto, os cabelos eram do mesmo vermelho maravilhoso de sempre. Ela usava um vestido luxuoso, cor de esmeralda assim como as joias em seu colar.

— Estou feliz por você! Finalmente vamos morar juntas de novo. – Elena se lembrou do tempo em que ela e a amiga dividiam o quarto no colégio interno. Assim como Gabrielle, Elena pagava o preço de um casamento prometido.

— Você mora com ele então, diga-me, como ele é? – Gabrielle perguntou, tímida.

— Bem... – ela mediu as palavras – Nicolas... – ela encarou a amiga, temerosa – Nicolas é fechado, frio na maior parte do tempo. Não faz muito tempo que ele chegou de viagem, mas, desde então, passa quase o dia todo sozinho no escritório. Não é bem humorado, nem sensível. – Ela olhou com cuidado os olhos tristes de Gabrielle – Mas, veja, eu estava apavorada por Louis e ele me trata como uma princesa. – sorriu.

— Elena? – Louis perguntou, entrando na sala. – Ah, Elena, como eu te procurei. – Então ela sorriu.

Havia um brilho diferente no olhar de Louis quando ele olhava para Elena. Havia afeição, carinho... era amor. Gabrielle viu esse olhar no dela também; então percebeu que a amiga e Louis formavam um belo casal. Ele, com suas feições perfeitas e tranquilas, e Elena, espalhafatosa, animada, pulsante. Eles combinavam.

Gabrielle se entristeceu. Não conseguia se imaginar ao lado de Nicolas, mal o conhecia e já tinha certeza absoluta de que nunca seriam um casal feliz.

— Senhora? – era uma das empregadas da mansão – O senhor Nicolas está lhe procurando.

Gabrielle assentiu e saiu pelo salão, procurando Nicolas. Encontrou-o em uma sala, olhando fixamente para a lareira.

— Me disseram que você estava me procurando. – Disse, após tomar fôlego, fechando a porta da sala para impedir o barulho que vinha de fora.

— Estava. – Nicolas disse sem se mover, como se Gabrielle não fosse digna de atenção. – Onde quer passar a lua de mel? – Perguntou, mexendo no fogo com uma espátula.

Gabrielle estremeceu com a possibilidade.

Lua de mel lembrava noite de núpcias. Noite de núpcias lembrava... ela arregalou os olhos, dando, instintivamente, um passo para trás.

— Em lugar nenhum. – ela engoliu em seco antes de responder.

— Como “em lugar nenhum”? – Nicolas virou-se para ela.

— Esse casamento vai ser mesmo uma farsa. – ela juntou o máximo de compostura que tinha. – Então eu não quero lua de mel. – Gabrielle ergueu os olhos e encarou os olhos claros de Nicolas.

— Ficaremos em casa, então. – Ele riu forçadamente. – Mas, que fique claro que, isso não muda nada. – Nicolas aproximou-se dela e tocou sua bochecha com os polegares, fazendo-a prender a respiração e recuar. – Será minha mulher, Gabrielle, e eu digo isso em todos os sentidos.