Wyrda

Nova realidade


Milena p.o.v

A garota acordou sem compreender onde estava, não possuía lembranças apenas alguns fragmentos destas. Lembrava-se do céu, de Knabben, e de sentir uma grande dor nas costas que espalhava-se por todo o corpo. Procurou Marfhir com sua mente e quando encontrou-o entretido com a caça, deixou-o.
Sentou-se na cama sentindo apenas um leve incomodo, a cavaleira então levou as mãos as costas, mas o ferimento havia se fechado, e no lugar dele havia apenas uma pequena cicatriz. Notou que em seus pés uma bandeja prateada apresentava-se cheia de frutas e pães, devorou com vontade, parecia que estava sem comer há semanas.
– Vejo que está acordada – Uma moça alta, com longos cabelos dourados presos em tranças adentrou o aposento, ela lhe parecia familiar, mas não se recordava dela, os olhos da cor do mel lembravam-na de George, mas ignorou tal fato. Pensou em Knabben.
– Estou sim, obrigada. Desculpe, mas meu... irmão, alto, cabelos e olhos negros, pele clara... uh – Milena atrapalhava-se para inventar uma desculpa. – Ele está bem? Onde ele está?
– Knabben, bem, ele está bem melhor, e sua localização é algo que devemos falar mais tarde, deixarei que termine de comer, minha jovem, separei roupas para você, tome um bom banho e vista-se, após isso venha me ver na biblioteca. – A moça sorriu gentil e encaminhou-se para fora do aposento.

Milena banhou-se enquanto terminava de alimentar-se, enquanto sentia a água morna por sua pele pensou em diversos assuntos, conformou-se com o casamento de Carlos, agora, apenas um velho amigo de infância, então, presumiu que Marfhir já deveria ter acabado a refeição e procurou-o novamente.
“Pequenina! Vejo que acordou! Como está se sentindo? Com fome? Vou avisar a... É, Sagy! Ele vai ai levar-lhe comida!”, Marfhir disse animado.
“Uma moça já me trouxe comida e me arrumou roupas limpas! Há algum tempo não tomo banho ou... Como ela curou meus ferimentos?”, perguntou confusa, ainda não sabia onde estava, ou com quem estava, mas despreocupou-se pois se estivesse em apuros a comida não seria tão boa, não teria recebido nenhum cuidado e Marfhir certamente já teria comido a todos.
“Nós estamos em Ellesméra! Knabben e eu a trouxemos quando desmaiou graças a um veneno-de-dor-lacinante! Fiquei preocupado quando sua mente abandonou a minha, mas eu não pude fazer muito, eu estava completamente sem forças.”, O tom de Marfhir entristeceu enquanto contava-lhe o que havia ocorrido desde que a menina ficara inconsciente graças a um veneno antigo.
“Onde está Knabben?”, perguntou Milena. “Ele ainda não veio me ver e não consigo achar a mente dele em lugar algum”
“Ele está.. por ai, oras, está em casa agora, certamente pode ter ido visitar sues pais ou coisa parecida, em breve ele estará de volta.”, Marfhir possuía um certo desconforto na voz, mas Milena ignorou aquilo.

Após um longo tempo de conversa, Milena pediu para que Marfhir fosse até a biblioteca do local, mesmo que apenas observasse da janela, recusava-se a ficar mais um segundo longe da companhia do dragão. O vestido de cor clara lhe serviu muito bem, seu tecido era macio, lembrava-lhe das roupas que usava quando menor. Calçou sandálias que pareciam feitas de ouro puro e então fitou seu reflexo na água.
–M-meu cabelo! O que... o que houve com ele? – A garota fitou assustada a coloração azul, retirou dos olhos a franja, suas sobrancelhas possuíam o mesmo tom forte. Desistiu de arrumar uma explicação e seguiu para fora do quarto. A moça era então uma elfa, certamente conseguiria responder-lhe logo após dar notícias de Knabben, ela estava preocupada.
O local era grande, entrou em vários quartos, mas um lhe chamou atenção pois encontrou Wyrda lá dentro junto a algumas roupas sujas de Knabben, todas rasgadas e manchadas. Tomou o cinto de couro pouco danificado do elfo e vestiu-o guardando ali, Wyrda, em seguida encaminhou-se para fora do local com uma péssima impressão.
“Como ela espera que eu encontre a biblioteca se eu jamais estive...”, a menina paralisou completamente ao ver na parede um retrato de duas crianças de mãos dadas. O garoto lembrava-lhe muito o irmão mais velho, George, a garotinha lembrava si mesma quando pequena. Não poderia ser, tentou ignorar aquilo procurando pela biblioteca que por fim encontrou no final de um grande corredor a direita do qual estava. Adentrou o local timidamente.

Haviam tantos livros que Milena pensou que poderia ficar ali para sempre se resolvesse ler todos. No final do aposento, sentada sob uma pequena mesinha estava a elfa, Milena aproximou-se e tocou-lhe suavemente o ombro direito, a elfa virou-se com um sorriso doce nos lábios.
– Sente-se. Creio que eu saiba seu nome, mas você não saiba o meu, chamo-me Delfin – A elfa pediu-lhe e Milena obedeceu, dando a volta na pequena mesa e sentando-se em um banco confortável feito de um material transparente, o mesmo que havia visto nas paredes. O que era aquilo?, resolveu que perguntaria a ela mais tarde. – Atra esterní ono theldurin
– Mor'ranr lífa unin hjarta onr – Respondeu a menina, perguntando-se se não era ela quem deveria ter começado o cumprimento. Sua pronuncia da língua antiga havia melhorado muito desde a última vez, lembrou-se de quando usou-a com Knabben e sorriu levemente.
– Un du evarínya ono varda – A elfa respondeu-lhe – Agora vamos começar, minha querida, quero saber de toda a sua história até aqui, mas creio que não me contará com todos os detalhes se eu não ganhar sua confiança, coisa que almejo muito. Posso dizer-lhe então que sou uma elfa bem velha, e como você, fui uma cavaleira, não lutei contra muitas forças do mal, mas como não fui tão bem preparada, acabei por perder a batalha na primeira vez que fui necessária, é chamada de Grande Batalha, ocorreu há mais ou menos um século, quando algo apoderou-se de um dos nossos feiticeiros mais habilidosos, mais tarde descobrimos que não foi apenas um “algo” e sim vários, poderoso demais para ser apenas um Espectro, a mistura de um elfo com várias almas malignas nos fez recuar, ele era poderoso demais, e ele confundiu nossas mentes, matou nossos dragões, e fomos obrigados a nos esconder pensando em como o derrotaremos agora. Mas nossas esperanças estavam esgotadas até você surgir. Apenas nós, elfos não seremos suficiente, precisamos de anões, humanos e temo que até mesmo Urgals. Vivemos em paz por muitos anos mas logo que os Varden, antigos rebeldes que iam contra o rei Galbatorix se dissiparam, achando que seu serviço jamais seria necessário novamente o mal surgiu, e nós caímos, a paz sumiu e este elfo, chamado Tanael, assumiu tudo, guiado pelo mal, nós tentamos e tentamos, até unimos forças com os humanos, mas foi um fracasso. Agora que está aqui, creio que possa lutar contra Tanael, unindo a nós, elfos, anões e humanos.
– Ele é um Espectro, não seria necessário apenas perfurar o coração dele? Vocês são elfos! – Milena parecia indignada, elfos sempre lhe pareceram tão poderosos e cuidadosos que aquela noticia abalou-a.
– Já o fizemos, mas de nada foi necessário. – O olhar da elfa entristeceu. – E o fiz. E isso custou meu dragão. Só me restou isso.

A elfa mostrou a jovem um objeto de tom laranja metálico que exalava um brilho forte, ele que antes estava embalado por uma grande toalha de tom vermelho agora era passado para as mãos da cavaleira. Milena reconheceu então.
– I-isso é o Eldunarí do seu dragão? – A elfa sorriu surpresa ao ver que a garota conhecia o objeto. – Qual era o nome dele?
– Como pode saber sobre os Eldunarí? – Perguntou ela.
– Quando era menor, costumava ler sobre dragões com meu irmão mais velho, George, acabei descobrindo pouco da língua antiga e muita coisa sobre dragões. Sei o valor disso, sei que sua dor não é pela perda total dele, e sim por ele estar exilado a um espaço minúsculo privado de liberdade.
–Foi instruída com livros ou pergaminhos sobre magia? – A elfa notou que um grande passo no treinamento da jovem havia sido dado. A garota de apenas quinze anos era mais do que ela esperava.
– Sei apenas o que Knabben me ensinou – Então a cavaleira lembrou-se do elfo. – Perdoe-me, mas, não tive noticias de Knabben ainda.

Delfin suspirou e fitou a cavaleira a sua frente.
– Ele partiu, Milena, três dias após chegarem ele acordou e disse-me que iria partir. – A cabeça da cavaleira deu voltas, naquele instante ela queria chorar, não acreditava, não poderia ser verdade, ele a abandonou depois de tudo, apenas a deixou ali, sozinha, e com pessoas que mal conhecia. – Mas entenda, ele o fez com a melhor das intenções, minha querida.
– Boas intenções? E qual seriam? Poupar-me, aposto, tudo porque ele é um elfo e eu uma humana! – A garota cobriu o rosto com as mãos, não poderia crer naquilo. As lágrimas preencheram seus olhos e logo escorreram por suas bochechas, Delfin aproximou-se da mesma e afagou seus cabelos.
– Você é uma cavaleira de dragão, minha querida, tem suas responsabilidades, e como chegou aqui, terá de iniciar seu treinamento, um romance agora apenas atrapalharia tudo. O tempo passa depressa, nem vai notar de tão ocupada que acabará ficando – A elfa então sentou-se ao lado da jovem erguendo seu rosto de modo com que fosse obrigada a fitá-la – Ontem mesmo você era uma menina de Therinsford, agora está aqui, em Ellesméra, e é uma cavaleira de dragão, amanhã, talvez, ele já esteja aqui. Agora venha, vamos comer, presumo que já é tarde. Amanhã então, iniciaremos suas tarefas.

A cavaleira seguiu a elfa, durante o jantar, Delfin ensinou a Milena novas palavras na língua antiga, meios de como se formular uma frase ou canções, como havia feito para curá-la, instruiu-a sobre venenos, e como identificá-los, ainda antes de dormir entregou a menina alguns pergaminhos pedindo para que lesse-os.

Quando despediram-se com um sutil “boa noite”, Milena deitou-se em sua cama, mas não conseguia dormir, sua cabeça vagava para longe e ela não conseguia simplesmente adormecer. Quando seus pensamentos a atormentaram demais, usou uma Erisdar, lanterna sem chama usada pelos elfos para iluminar o quarto o suficiente para ler parte dos pergaminhos.

Quando acabou, era tarde, mas ainda não tinha vontade de dormir, resolveu explorar os arredores do local, a cama era macia e quente, mas não era confortável, de algum modo.

A brisa noturna carregava um aroma agradável combinado ao som dos grilos. Conforto preencheu seu coração quando o cheiro de Knabben invadiu suas narinas, vindo da capa que havia pegado no quarto em que certamente ele tinha ficado. Sorriu ao lembrar-se dos bons momentos, arrependeu-se por um momento de ter ido atrás de Carlos e arrependeu-se ainda mais de tê-lo preocupado tanto. Agora ele havia partido para algum lugar desconhecido, ela nem mesmo poderia partir atrás, uma mês já se passara desde que chegou ali, então, ele já estaria longe demais para que pudesse achá-lo, espancá-lo e só então o perguntar por quê.
– O que faz uma moça, tão tarde da noite caminhando por aqui? – Um jovem magricela e pouco mais alto que a cavaleira surgiu de trás de uma grande árvore. O mesmo usava roupas simples, mas mesmo assim parecia elegante, seus cabelos grisalhos caiam em cascatas e ramos de oliveira enfeitavam-no, seus olhos eram da cor dos galhos da grande árvore.
– Eu queria apenas...- Milena corou suavemente, não sabia o que responder, não poderia falar que queria explorar o local, também não poderia falar que fora abandonada, não estava mal a ponto de queixar-se para desconhecidos.
– Não me deve explicações – O elfo gargalhou – mas se quiser companhia, poderá contar comigo! Pela sua carinha e sua mente distante, vejo que está certamente muito chateada, sou um bom ouvinte.

Milena então abriu-se, revelando apenas que Carlos, quem prometera esperá-la estava noivo e quando mais precisava de Knabben ele a abandonou ali, com desconhecidos. Depois revelou pequenas informações sobre seus pais, ele a ouviu atentamente, até que por fim, as estrelas desapareceram pouco a pouco conforme o céu ia clareando e o azul tão escuro tornou-se cada vez mais fraco e alaranjado, até que os primeiros raios de sol surgiram e Milena então revelou ao elfo que precisava voltar, o mesmo assentiu e guiou-a novamente para a casa de Delfin, e logo partiu para longe.

Quando Milena entrou não havia movimento algum na casa, então ela retornou ao seu quarto para banhar-se. Quando terminou seguiu para sala onde Delfin a esperava para que comessem algo antes de iniciar o treinamento.

Quando acabaram de comer, Delfin seguiu com a cavaleira para a biblioteca, onde pegou o Eldunarí e colocou-o em uma bolsa de couro.
– Você não será a única a receber treinamento por aqui. – E com um sorriso gentil nos lábios partiu para fora do local enquanto Milena a seguia.

...

Milena já havia perdido noção do tempo, estava sempre tão cansada eu nem prestava atenção nos detalhes, nas horas, em absolutamente nada. Outro dia, seu amigo elfo a havia visitado as escondidas, acabaram por tornar-se bons amigos, ela queixava-se para ele do árduo treinamento que recebia, mas jamais revelou que era uma cavaleira.

Com o tempo, suas habilidades com espada melhoraram completamente, ela era ágil, sagaz, possuía movimentos graciosos, suaves porém ela depositava grande força em cada um deles, logo, lutar com elfos não lhe era mais uma tarefa tão complicada, lutar contra Delfin ainda era um desafio, mas com o tempo ela ganhou resistência o suficiente para que a elfa suasse ao lutar com ela. Passava horas e mais horas treinando com o arco, produzia suas próprias flechas, realizava experimentos com estas, a língua antiga já era facilmente traduzida pela menina, seus limites foram expandidos, tanto os físicos quanto os mentais. Ela divertia-se cantando e tocando com os elfos, havia conhecido tantos elfos, havia ficado amiga daqueles que mais admirava.

Milena e Delfin acabaram por tornar-se grandes amigas, tanto quanto Marfhir e Shyven, o dragão de Delfin o qual ensinou a Marfhir sobre a arte de voar, a magia que fluía dele, a história dos dragões, absolutamente tudo o que ele conseguia se lembrar, e nem Marfhir, nem Milena, esqueciam-se de compartilhar um com o outro. Seu laço havia se fortalecido, estavam felizes vivendo ali, mesmo que 16 meses houvessem se passado desde que chegaram em Ellésmera, parecia que cresceram ali, mas logo que lembravam-se disso, ambos compartilhavam da saudade de Teirm, de Georde, de Rovell, Gwen, Math...
“Acho que nunca notei mas, desde que deixei Therinsford eu fiz novos amigos, muitos novos amigos, e eu, tola como sempre querendo voltar para o lugar onde eu só tinha uma pessoa. Ah, Marfhir... Sinto falta deles, sinto falta de Knabben também, onde será que ele está?”, Questionava Milena, como fazia quase todos os dias.
“Ele deve estar bem, não me conformo, ele não deixou uma carta sequer.”, Marfhir planou enquanto observava Milena correr abaixo de si, ainda mais veloz do que se lembrava. “Você está indo bem, corre tão rápido quanto um elfo”
“Ele deve ter as razões dele, não?”, Aquilo também incomodava a cavaleira, mas ela havia se cansado de pensar naquilo, estava a torturando. Concentrou-se na corrida. “Estou tentando, Delfin-elda disse-me da ultima vez que eu corria muito lentamente”
“Pois eu, acredito que está indo bem, Milena-elda, para uma meio-humana, bem até demais, se Even...Delfin a visse agora, se orgulharia, falarei com ela e amanhã ela virá vê-la correr”, Shyven comentou atrapalhado, mas Milena e Marfhir sentiam o orgulho que o mesmo emanava.
“Even? Conheceu minha mãe?”, Perguntou Milena confusa.
“Sim, conheci, Delfin também a conheceu.”, respondeu o dragão “Deveria perguntar a Delfin sobre ela quando retornarmos.”
“Pode apostar que irei, me assusta que eu não tenha ido procurá-la logo que descobri que estava em Ellesméra”, Disse a cavaleira voltando a correr com o dobro de vontade.
“Nossas tarefas ocuparam muito nosso tempo, esqueceu-se de muita gente distante, por vários períodos de tempo, as vezes até de si mesma!” , ria Marfhir ainda lembrando de quando iniciaram suas tarefas, quase não podiam suportar, mas logo, acostumaram-se a nova realidade e cada dia que passava, realizavam suas tarefas com mais vigor.

Quando a noite chegou e Milena junto a Marfhir e Shyven retornaram para Delfin, a menina banhou-se ansiosa, poderia naquela noite encontrar sua mãe, e do mesmo modo com que recebeu o pai, a receberia, não guardava magoa alguma da mesma.

Enquanto vagava pelos corredores em direção a cozinha, Sagy a barrou, alegando ter algo que extrema importância para entregá-la. Milena seguiu o elfo para fora da casa, em uma de suas mãos um pequeno envelope repousava, quando chegaram em um ponto distante o elfo entregou o envelope a Milena e deixou-a sozinha.
“Avisarei a Delfin sobre o recebimento desta carta e que este será o motivo de seu atraso, voltarei em breve, se quiser chame Alby ou Marfhir”, disse o elfo calmamente antes de sumir por entre as árvores.

Milena procurou pelo remetente, mas não o achou, então resolveu acabar com sua curiosidade e abrir o envelope. Aquela caligrafia, ela a conhecia, não precisou ler sequer uma palavra, Knabben a havia deixado uma carta.