Wyrda

Fim de toda glória


Cansada de esperar, Milena sentou-se no chão frio e passou a ler atentamente cada linha daquela carta.
“Cavaleira de dragão,
Talvez, apenas talvez, quando comece a ler essa carta o ódio já tenha preenchido seu coração,mas saiba que deixá-la foi uma das coisas que mais me foram difíceis de fazer. Nunca quis fazê-lo, mas as atuais circunstâncias me obrigam a isso. Sinto que apenas irei atrapalhá-la em seu caminho a partir de agora.
Seu treinamento para ser uma cavaleira de dragão mostra-se mais importante que os sentimentos que venho nutrindo por você. Mas não me importarei em esperá-la. Não são apenas palavras jogadas ao vento, é uma verdade. Agora, a decisão é sua, qual será seu próximo passo, cavaleira?
Quero também que saiba que pouco me importo se sou ou não um elfo, passei a amá-la, você sendo ou não uma elfa.
Estou em Ceris, onde tinha assuntos pendentes, demore o quanto quiser, não sairei daqui até que... Bem, até que decida o que quer fazer.
Não duvide de meus sentimentos ou palavras, estou sendo sincero como nunca antes, cavaleira.

Knabben”

Seus olhos marejaram, por meses havia em parte odiado o elfo, mas com a carta, a parte dela, aquela que lutava para que ela o perdoasse falou mais alto, e então, algo a mais surgiu, permitiu-se então pensar no amigo de outra forma, sem medo algum de não ser correspondia, pois ela seria. A alegria preencheu seu coração novamente. Tocou a mente de Marfhir com a sua e contou-lhe sobre tudo, o dragão pareceu feliz, e até mesmo zombou da menina, alegando que era o que ele dizia desde o inicio.

Com energia renovada, a cavaleira seguiu para a casa de Delfin.

A menina adentrou a casa da elfa, seguindo para a sala onde costumavam jantar juntas e após lhe contar o ocorrido um sorriso surgiu no rosto da elfa, iluminando-o.
– Parece então que o elfo deixou-lhe uma carta. Sagy nem mesmo me contou que ele a havia entregado, mas veja bem, estamos aqui há um ano, fiz o possível para que compreendesse tudo e se neste tempo não está preparada para ser uma cavaleira, não sei quando estará. Suas tarefas foram cumpridas com êxito, Cavaleira de Dragão. – Delfin sorriu orgulhosa, e tocou as mãos da menina. – Creio então, que o momento de termos uma conversa chegou. Shyven me contou sobre sua curiosidade em Even. Pois bem, vou apresentá-la, minha cara.

O coração da cavaleira pulou em seu peito, antes apenas suas mãos tremulavam, agora, era seu corpo inteiro. Delfin levantou-se e seguiu em direção a porta de saída.
– Venha, vamos dar um passeio, nossa conversa será longa. – A elfa caminhou para fora e a cavaleira a seguiu com passos apressados, ela conheceria sua mãe! Ou talvez... Não, recusava-se a pensar nisso.
– Uma bela noite, não? – Delfin iniciou, sentando-se em um banco feito de madeira de carvalho, ela bateu sutilmente ao seu lado, pedindo para que a cavaleira se sentasse em seu lado. – Quero apenas que me ouça até o final, calada, por favor, sei que em sua mente há diversas duvidas, e para muitas delas eu tenho resposta, só precisará me ouvir atentamente, novas duvidas surgirão ao longo desta conversa também... Ah, bem, vamos começar.

~~ Flashback~~

O fim da glória.

Even p.o.v

– Tanny, acha mesmo que isso pode dar certo? - Even caminhava com o braço preso ao do amigo, sussurrou em seu ouvido enquanto Urgals os levavam para sabe-se lá onde.
– Confie em mim, Evy! – O feiticeiro corria atrapalhado em seu lado. Eram uma dupla perfeita, Even era forte, e Tanael inteligente, onde ela falhava, ele a cobria, onde ele caia, ela o erguia. Se fossem os dois contra dez mil, a vitoria seria sem duvida deles.
– Quando eu der o sinal! – O elfo sussurrou e então faíscas surgiram de suas mãos, e na língua antiga recitou algumas poucas palavras tão baixas que nem mesmo Even as ouviu. As amarras foram soltas e Even tomou sua espada. Era o sinal.

Como se cortasse queijo a jovem elfa cortava cabeças, Tanael correu então para trás da mesma e com palavras e cantigas que ele mesmo havia criado, iniciou o ritual, um círculo luminoso formou-se em seus pés. Tanael havia contado a Even que precisava fazê-lo em solo inimigo, logo os Urgals que viravam-se contra eles teriam seus nomes verdadeiros descobertos, e seriam então obrigados a jurar lealdade ou seriam mortos.
No ápice do ritual, Even então notou que não havia mais Urgals com quem lutar, então simplesmente virou-se para o amigo que ainda recitava encantamentos os quais ela em sua maioria, não compreendeu. Tocou a mente de Shyven o qual tranqüilizou-se após descobrir que estavam bem.
“Shyv, acho que ele não me trouxe aqui apenas pelos Urgals...”, a cavaleira assustada deu dois passos para trás observando o real inimigo.

Luzes de todas as cores invadiram o local e sua visão, ela ainda via a silhueta de Tanael em sua frente, mas logo as cores foram engolidas pelas trevas. Um mar de sangue invadiu a mente de Even a qual com sua espada procurava abatê-los, mas ela apenas passava reto pelas formas escuras e assustadoras, com seu coração tomado pelo medo procurou aprisionar parte dos espíritos com a magia, mas não era perita neste assunto e logo que aprisionava em objetos do acampamento almas penadas, mais surgiam, logo, sua energia esgotou-se junto aos objetos. Procurou a mente de Tanael, mas quando a tocou o pânico invadiu todo o seu ser. Havia mais de uma pessoa lá. O jovem elfo havia perdido o controle, e quando fitou o amigo desesperou-se ainda mais. Tentou de todas as formas retirá-lo do circulo luminoso, mas toda vez que tentava entrar era jogada com grande força para trás. As árvores próximas ao acampamento haviam sido completamente queimadas, uma luz de tom avermelhado atingiu o céu claro e logo, Even ouviu Shyven aproximar-se junto aos trovões que rugiam a sua volta.

Tentou novamente aproximar-se do circulo, desta vez faria com calma. Aproximou-se e com sua destra tentou tocar Tanael, o qual possuía agora a face molhada por lágrimas, ela o puxou suavemente e quando o círculo se desfez Even fora jogada para trás cessando apenas quando bateu em uma árvore que com o impacto tombou, desnorteada Even colocou-se de pé, Shyven pousou a seu lado suavemente irradiando preocupação . Even tranqüilizou-o e então montou em seu dorso. Juntos seguiram em direção a Tanael.

O coração da elfa estilhaçou-se e percebeu que naquele momento, jamais seria a mesma novamente. O amigo estava completamente mudado. Seus olhos eram vermelhos como o sangue, seus longos cabelos loiros agora eram grisalhos e em volta de si um mar de escuridão pairava. Um grande grito pode ser ouvido e Even obrigou Shyven pousar, o dragão com receio o fez. Podia ver que Tanael lutava contra os espíritos que seu corpo possuíram, mas eram muitos. As lutas mentais eram sempre comandadas por Tanael, Even não sabia como ajudar, as muralhas em sua mente eram altas demais para passar por cima, difíceis demais para destruir.
– Mate-me! – Gritou o elfo com as mãos sobre o rosto. – Não vou suportar muito mais!
– Tanny... – Com grande pesar a elfa tomou Kveykva, sua espada e partiu para cima do amigo com um doloroso grito. Mas não chegou a feri-lo.

Atordoada ela fitou a espada que atravessava seu corpo. Tanael a reitrou exibindo um sorriso cruel nos lábios.

Estava acostumada com Tanael defendendo-a, costumada a atacar e atacar, não imaginava que ele o faria. Fora pega de surpresa. Shyven rugiu alto e então tomou sua cavaleira com as garras e partiu para longe dali. Distante do Espectro, distante da paz.

~~

Grande batalha.

Sua armadura reluzia, Kveykva, a espada brilhava ferozmente. Even fitou seu dragão o qual parecia preocupado.
“Qual é o problema, Shyv?”, perguntou a elfa.
“Tenho um mau pressentimento, Evy.”, respondeu-lhe o dragão. “Tudo parecia quieto demais, tudo está quieto demais”
“Podem estar com medo”, Even não parecia crer em suas palavras.
“Eu estou com medo.” Confessou o dragão, o qual certamente sabia que ela também estava. Seu coração batia forte no peito, pela primeira vez, lutaria sem Tanael, não havia mais a sincronia com o feiticeiro.

Even também recusou que qualquer outro lutasse ao lado dela. No horizonte formaram-se a silhueta de milhares, e a elfa perdeu de vista o tamanho do exercito inimigo.

...

Quando os sons da batalha iniciaram Even decidiu que não esperaria que os outros cavaleiros de dragão saíssem, foi à primeira, e enquanto Shyven incendiava milhares de soldados, Urgals, e até mesmo Ra’zacs, para sua surpresa, ela atirava flechas e defendia o dragão com magia. A batalha parecia estar a favor dos Elfos e anões, até que a terra tremeu uma, duas, três vezes e no horizonte, a escuridão surgiu, carregando consigo Tanael.
“Shyven, derrotá-lo é nossa obrigação.”, Disse com pesar a elfa.
“Vamos a batalha!”, gritou Shyven enquanto voava com grande velocidade em direção à Tanael.
– Even, vejo que não é tão tola quando eu imaginei. – Sorriu cruel Tanael. Sua voz soava junto a outras muitas, e logo lágrimas preencheram seus olhos claros.
– Tanael, vejo que não é tão fraco quanto imaginei – Sussurrou a cavaleira ferida pelas palavras do velho amigo o qual retirou Reisa, sua espada do cinturão metálico.
– Vamos lutar, Evy, pelos velhos tempos. – A cavaleira então tomou Kveykva em suas mãos e preparou-se para enfrentar Tanael, seu melhor amigo.

...

A batalha em si durou tanto quanto o sol para nascer e se pôr. Even nunca havia lutado com ninguém de tal forma, desafiando-se física e mentalmente. Cada golpe dado era bloqueado, e com o tempo, tanto ela quanto o Espectro estavam esgotando-se, a capacidade física dele fora superada igualmente a capacidade mental da elfa.

Os exércitos brigavam entre si como cães ferozes, o sangue fora espalhado por todos os lados, o campo verde fora tingido por vermelho e o cheiro de morbidez começava a preencher o ar da nova manhã.

Even montou em Shyven assim que Tanael recuperou-se o suficiente para criar um monstro feito da terra. Agora lutariam no ar. Even sentia-se mais triste do que nunca, por um momento quis afundar-se naquele monta de terra, mas vidas estavam sendo apostadas ali, não apenas a dela.
– Não seremos lembrados como covardes, Shyv! Vamos a luta! – Gritou a mesma quando Shyven foi em direção à Tanael e seu monstro. Com espadas em punho, ambos enfrentaram-se com violência, a energia parecia revigorada, o som do metal contra metal fazia a terra tremer de tão forte que eram as ondas de som que propagavam. Shyven tentava destruir o monstro de pedra que igualmente o atacava, mas seus ataques eram facilmente desviados ou bloqueados.

Tanael conhecia o estilo de Even assim como ela o conhecia, mas Shyven e Even tinham algo que Tanael e o monstro de terra não possuíam. Um forte laço entre eles, o que fazia com que Even ferisse muito mais o Espectro quando o monstro de terra tentava desviar-se dos golpes poderosos de Shyven.

O monstro caiu logo que Shyven jogou sua cauda sobre seu rosto, fazendo-o virar apenas um monte de terra e Even aproveitou que o espectro caia em queda livre e saltou na direção do Espectro com Kveykva em punho, mirando no coração do mesmo, Shyven por sua vez a seguiu pronto para agarrá-la com suas poderosas garras. Even apenas viu um vulto brilhante passar por si, o espectro havia arremessado algo em direção à Shyven e quando este notou, era tarde.

No momento em que Even perfurou o coração do Espectro ela sentiu um grande vazio dentro de si e então notou que estava sozinha. Com um grito desesperado correu em direção a Shyven que com uma grande lança enterrada no peito jazia quase morto no chão. A mesma parecia ter sido produzida pelos elfos, quando Even a retirou de Shyven notou que era uma DauthDaert, antigas lanças usadas para matar dragões, mas o que uma delas fazia ali? Como Tanael a havia conseguido?

Shyven enfraquecia cada vez mais e enquanto Even tentava curá-lo, mas seus esforços foram em vão. Em seu último momento, Shyven expeliu para fora seu Eldunari, para que então seu espírito jamais abandonasse Even que pela primeira vez chorou na frente de todos. Ao fundo as vozes pareciam sussurros confusos, a solidão que sentira era indescritível.

A elfa ficou ali, abraçada ao cadáver do dragão durante um longo tempo.

...

Muito tempo havia se passado, Even notou que as perdas foram maiores do que imaginava, Shyven não foi o único a ser morto. Stroke, um dragão glorioso, que possuía mais do que apenas habilidades de batalha, Kvesky, um dos mais novos e fortes, e por fim, Baldyr, dragão de Hayla, o qual fora enterrado junto a sua cavaleira. Restavam apenas mais dois dragões e três cavaleiros vivos. Dalla, dragão fêmea de Anyn, Wyny, dragão de Finyen e ela, Even.

Even temia que não fossem o suficiente, pois logo que conseguiram tirá-la de perto de Shyven, deram-lhe a notícia de que o corpo de Tanael não fora encontrado e dias depois, receberam noticias da aparição do espectro. Parecia impossível, o desespero novamente se espalhou pelo seu corpo.

Tantos elfos foram mortos, anões, dragões e tudo fora em vão.

~~

– Even, os ovos de Dalla foram roubados! - Gritou Arista, uma elfa de aproximadamente trinta anos, a mais nova entre eles.
– Como? – Even levantou-se rapidamente vendo Dalla, o dragão de Anyn, completamente atordoado, procurando desesperadamente seus ovos.

~~

Presente.

– Os cinco ovos de Dalla foram roubados e logo Anyn foi morto por um grupo de Ra’zac enquanto participava das buscas pelos ovos. No fim, Even deu-se como voluntaria para as buscas e nestas conheceu Rovell, seu pai, em pouco tempo ela notou que gostava mais do humano do que gostaria, e ele a correspondia, anos mais tarde tiveram George, um belo garoto, o qual ajudou nas buscas e quando acharam um dos ovos de Dalla, os responsáveis por eles foram os cavaleiros, um destes ficaram com Even e Rovell, que esconderam-se em Belatona, e lá nasceu você, quando Tanael descobriu onde estavam, mandaram muitos Ra’zac para recuperar o ovo e a elfa, alegou que poderiam matar os dois filhos e o homem. Even então mandou você e George para Therinsford, onde George fora encarregado de cuidar do ovo, e Rovell escondeu-se em Teirm, já Even, retornou para Ellesméra, não poderia arriscar-se saindo daqui, precisava viver para treinar o novo cavaleiro de dragão, já que Finyen fora morto pelo próprio Espectro enquanto levava um dos ovos encontrados para uma das cidades dos anões. Três ovos ainda estão em posse do Espectro, um deles em posse dos Urgals e o outro, foi chocado, por você. – A elfa então levantou-se tocando o rosto de Milena com as mãos frias e trêmulas. A cavaleira já havia descoberto, mas mesmo assim Even quis ressaltar. – Eu sou sua mãe, Milena.
Com os olhos cheios de lágrimas a cavaleira de dragão a abraçou e Even foi tomada pela surpresa. Imaginou que Milena não compreenderia seus motivos, ela mesma repudiava-se por não querer manter seus filhos pertos e seguros.
– Perdoe-me, por favor, perdoe-me por jamais aventurar-me e ir atrás de vocês, por jamais dar notícias, por não tê-los trazido para cá. – Even apertava sua filha tanto quanto as lágrimas escorriam de seus olhos cor de mel.
– Seus motivos foram nobres, em seu lugar eu faria o mesmo, alguns sacrifícios são necessários, mas estamos aqui, mamãe – Então o coração endurecido de Even amoleceu com tais palavras e a dor que sentira anos atrás passou a não ser mais do que uma triste lembrança.

Ajoelhada ali, com a menina em seus braços, sentiu sua esperança renovada. Novos tempos viriam, e a dor seria extinta.