Wyrda

Caixa de vidro


Milena está correndo.

Ela não consegue chegar lá.

E novamente Knabben se mostra acorrentado e sem vida em sua frente, seu coração para por alguns segundos, sentia a vida esvaindo-se junto ao elfo, seu corpo tornando-se apenas uma casca.

~~
– Você poderia ao menos prestar atenção no que falo – Delfim, ou melhor, Even, sua mãe caminhava pouco a frente, recolhendo livros nas estantes da longa biblioteca, ela chamava aquilo de distração, não que não gostasse de ler, mas seus pensamentos sempre acabavam voltando para o elfo, ela estava tão preocupada.
– Desculpe – E após uma pausa de poucos segundos, perguntou o que já havia ensaiado fazer – Notícias de Knabben?
– Soube que ele está a caminho de Ellésmera, eu achei que ele estava em Teirm, mas creio que li errado, ele está uma semana atrasado, Knabben não costuma atrasar. – As palavras da mãe a assustaram, sabia que algo não estava certo, algo a perturbava de forma estranha, era uma pequena pontada, um inseto chato ao pé do ouvido.
– Posso encontrá-la, mais tarde? Há algo que eu preciso fazer. – Milena nem mesmo esperou resposta, lembrava-se de um feitiço que agora lhe seria útil, jurou que não o faria, mas precisava ver Knabben a qualquer custo, ouvir algumas das histórias de Eragon, o primeiro cavaleiro de uma outra geração de cavaleiros de dragão lhe foram muito mais do que úteis. A principio caminhou, mas ao perceber que estava longe do campo de visão de Eve correu, correu como se sua vida dependesse daquilo, precisava achar água.

Draumr Kópa – sussurrou a menina antes de sentir boa parte de sua energia esvair-se, não soube controlar-se, seu desespero era grande, a pequena tigela cheia de água iluminou-se por um breve segundo e a imagem de Knabben acorrentado formou-se, o elfo estava coberto de ferimentos, aliviou-se ao ver que o peito, descoberto, subia e descia calmamente, os cabelos negros estavam sujos, cobertos de sangue seco e terra, marcas de queimadura percorriam grande parte das pernas, a grandes cortes apareciam por entre as ataduras mal feitas. O local lhe parecia um sonho, sabia que nunca estivera ali, mas...
“Um sonho...”, pesou a jovem e então largou a tigela, não havia tempo, de certa forma, sabia que aquele lugar era Aruba, uma ilha pouco além dos oceanos, lembrava-se das histórias da mãe e de uma pequena Fairth que carregava consigo, a imagem lhe era muito semelhante.

“Marfhir, por favor, venha até mim, seja rápido e não deixe que vejam-no”, enquanto esperava Marfhir terminar de saborear um pequeno veado, a cavaleira buscou por uma armadura antiga da mãe, vestiu-a, buscou por Wyrda, a espada encaixava-se perfeitamente na armadura, o elmo parecia feito para moldar-se com seu rosto assim como cada pequena curva da armadura prateada, o metal era leve porém mostrava-se bem resistente, sabia das batalhas da mãe, eram longas, árduas, mortais, e ainda assim a armadura mostrava-se intacta, e foi admirando-a que caminhou até Marfhir que parecia confuso, sem perder tempo, Milena colocou-se a montar sob ele a armadura, o metal lhe parecia pesado para tanto tempo de viagem, mas ele suportaria, o que não admitiria era deixar Knabben morrer, em pouco tempo o dragão trajava sua armadura e já parecia ciente da história e destino.
“Precisamos ser rápidos, viajarei toda a noite se for preciso.” Comentou o dragão antes de Milena subi em seu dorso, o dragão rugiu alto e abriu suas grandes asas em um tom magnífico de verde, haviam crescido muito, em suas articulações, espinhos devidamente curvados mostravam-se prontos para ferir, tanto quanto as garras das patas tanto dianteiras quanto traseiras que impulsionaram-lhes para cima, o dragão iniciou o voo, muito mais veloz do que de costume, como havia crescido.
“Como acha que ele está?” perguntou a cavaleira, mesmo sabendo a resposta, esperava uma resposta que a deixasse mais calma, mas ao foi isso que recebeu, na verdade não recebe nada, pois Marfhir não arriscaria palpite algum.
“Aquele elfo conseguiu mesmo tomar conta de grande parte de seu coração, não?” Marfhir questionou distraído, parecia pouco cansado, a tarde já havia caído, poucas estrelas aventuravam-se no céu ainda claro, era como se provocassem o sol, desafiando seu brilho, mas o sol, em sua em toda glória, humilha-as mesmo que depois só lhe reste desaparecer.
“Muito mais do que eu gostaria de deixar.” Seu coração apertado a incomodava, tinha mais medo de perder o elfo do que de morrer na batalha que logo viria.

O sol desapareceu dado lugar a lua e as estrelas que brilhavam pouco, a iluminação escassa não impediu Marfhir de seguir seu rumo, ainda mais veloz, pois agora não precisava preocupar-se com o publico, Milena doou-lhe pouco de suas forças, ele ao podia esgotar-se, a noite mostrou-se longa, e a dor o peito da jovem apenas crescia, a distancia parecia não ter fim, o mundo apenas desabava sob seus pés a cada quilometro percorrido. Ela precisava chegar a tempo.

~~

Os olhos escuros, aquele sorriso que a provocava, as vestes surradas, o elfo, como sentira sua falta... Ele estava ali, parado em sua frente, lhe estendendo a destra, como sentira sua falta...
Seus lábios moveram-se lentamente e tudo o que a cavaleira pode dizer foi seu nome, então, o cenário muda.
As chamas irromperam em pequenas muitas explosões de ar quente invadiram todo seu ser, quente demais...
– Cavaleira, deve liderar! O rumo da batalha depende de você! – Gritou um velho elfo, alto e com uma armadura tão brilhante que quase a cegou. – Even? Even, está me ouvindo?
“Even?, eu não sou Even!” – Mas nada saia de sua boca, automaticamente virou-se e seguiu em direção ao dragão... Marfhir? Não, ele não era tão... Grande.
“Pronta?”, ele parecia inquieto, o que havia de errado com ele?
Sem nada responder a jovem montou no dragão que levantou vôo, e logo o ar quente invadiu suas narinas. ?Parecia o fim do mundo, pessoas queimavam por todos os lados, o odor mórbido invadia seus pulmões e Milena sentiu um forte enjôo, mas seguiu em frente. A terra estava manchada de sangue, elfos, anões, humanos, urgals, Ra’zac, chocavam-se uns contra os outros e ao longe, outro cavaleiro surgia. “Outro?”, montado em um dragão negro o homem com um elmo da mesma cor avançou sob ela com espada em punho.
– Eu não gostaria de lutar contigo, junte-se a mim! – Gritou ele... Aquela voz, ela o conhecia! Ao longe uma corneta soou e ela soube o que fazer.
Marfhir jogou seu corpo contra o dragão negro o qual revidou em seguida. Milena não deixaria seu dragãoINVESTIRsozinho, e então retirou Wyrda de sua bainha, mas... Não era Wyrda, que espada era aquela?
– Sua última chance, Even, junte-se a mim! – Gritou o homem.
– Não sou Even! E não vou me juntar a você! – A garota ergueu a espada e a enterrou no peito do homem, o qual cobriu a visão da cavaleira com uma neblina escura que ao se desfazer mostrou Knabben acorrentado enquanto um homem ainda mais alto que o elfo o torturava, parecia querer saber algo, algo que o elfo recusava-se a contar, tentou aproximar-se mas algo a impedia de chegar até ele, ela então gritou, mas sua voz parecia não sair de forma alguma, ela via aquele que tanto amava e nada podia fazer... O que? Por que?

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A luz forte do sol a cegava, por um instante esqueceu-se do que fazia ali, mas o insistente barulho de água corrente a atormentava a fez lembrar-se, afinal o que havia acontecido?
“Marfhir?”, chamou a cavaleira observando o lugar tão conhecido. Seu antigo quarto, mas o que fazia na casa de seu pai quando já devia estar em Aruba?
“Precisaremos de ajuda, George conhece Aruba, foi de lá que ele roubou o ovo, não foi?”, Marfhir respondeu a garota quase que de imediato, Milena notou que ainda estava usando a armadura roubada da mãe, sabia que ela ficaria furiosa, mas era uma boa causa, não?
“Estou dormindo há quanto tempo?”, perguntou ela, esperando não ter passado muito de seu tempo.
“Há apenas algumas horas, as o suficiente para precisarmos nos apressar, seus pais estão na sala e não sabem de sua presença ai, terá de sair pela janela se não quiser passar mais algumas horas explicando-se, George está comigo.”, Milena estremeceu, algo obrigou-a a aproximar-se da banheira do quarto. Estava cheia. Sussurrou Draumr Kópa mais uma vez e então precisou guardar para si um grito forte, caiu sob o chão ao ver o que faziam com o elfo, sentia-se completamente desorientada, queria levantar-se, pular no cenário e simplesmente matar o feiticeiro que o torturava, conseguia ouvir os gritos do elfo e aquilo a machucava.
“Não há tempo!”, pensou para si mesma “Seja rápida, seu tempo está acabando, lute!”
Seus membros recusavam-se a trabalhar, mas ela os forçou, logo, corria pela praia onde estapeara o elfo após ele roubar-lhe um beijo, daria Wyrda para poder beija-lo ali novamente.

Pela primeira vez, a brisa fresca e salgada não lhe passava paz.

– Não há tempo, vamos! – Gritou Milena quando avistou George sentado sob uma grande árvore com Marfhir ao seu lado, o dragão entendia seu desespero e em pouco tempo já estava de pé. Milena foi a primeira a montar, seguida por George que acabou demorando tempo demais, a pontada no coração de Milena aumentou, ela apenas crescia, a imensidão azul a enjoava agora, lembrava-se como amava fazer passeios noturnos ali. O nó em sua garganta cresceu quando avistou Arueba, a construção antiga e acabada apresentava-se como tortura, Aquela curta distancia lhe parecia muito maior do que a viagem inteira. A partir dali, já podia ouvi os gritos de Knabben, aquilo a torturava.
– Vamos saltar Milena, a partir desse ponto nadamos até a praia, de lá matamos dois vigias, roubamos suas vestimentas e então, seguimos para dentro do local com livre acesso. Eu sei onde ele está, aquela câmara e de difícil acesso, mas não nos será um problema –E foi assim, que a cavaleira simplesmente salto do dragão para a água, fazendo George, incrédulo a seguir.

Os vigias, pareciam entediados, certamente, aquele não era um lugar muito freqüentado, o que foi um dos fatores positivos para George e Milena que ao chegar, deparam-se apenas com um guarda gordinho e outro um tanto magricela, facilmente apagaram-os e roubaram suas vestes, o plano parecia funcionar como deveria, eles estavam dentro. O coração de Milena batia tão forte que provavelmente metade das pessoas presentes no grande salão de entrada podiam ouvi-lo, George segurou sua mão firme e então passou a guiá-la pelos corredores, ora para a direita, ora para a esquerda, aquilo a estava matando, ele precisava estar vivo, ele não podia simplesmente morrer assim, deixá-la depois de tudo.

As portas lhe pareciam todas iguais, mas George guiou-a para um quarto a direita, a porta abriu-se num leve ranger e sob o chão estava Knabben, com os olhos semi-abertos, como se estivesse sonhando com o nada, simplesmente fitando o vazio, seu corpo machucado a mostra graças as vestes queimadas e rasgadas, cobertas por grossas camadas de terra e sangue. Os olhos da cavaleira encheram-se de lágrimas quando ela ajoelhou-se e tocou-o, ele estava frio, retirou sua capa grossa e cobriu-o, os braços envolveram-lhe e ela conseguia apenas abraçá-lo e chorar, a dor cegava-a, consumia-a, as cores tornavam-se acinzentadas e tudo dissolvia-se em fumaça negra.

– Como pôde? – A garota conseguiu sussurrar em meio aos soluços – Como pôde não suportar mais um pouco? Por que me deixou? Por que eu não percebi antes? – A garota tocou os lábios dele com os seus e fitou aqueles olhos escuros, os quais tanto amava. – Não tive a oportunidade, e acho que é tarde demais para dizer-lhe, mas, Knabben, eu amo você, não me deixe agora.

Mas ele continuava imóvel, fitando o absoluto nada, o silencio fora preenchido com dor.