Wyrda

Estilhaço - Segunda parte.


Knabben p.o.v

Ele retirou a camisa e o colete, e usou-os para apoiar a cabeça da garota e lutando contra a dor levantou-se, sentiu o peso sob as pernas e imaginou se conseguiria movê-las novamente. Sua cabeça deu voltas e quando estava prestes a desistir fitou Milena pálida envolta pelo próprio sangue. Certamente havia perdido muito, por quanto tempo ele havia dormido?
Novamente arrancou energia de outra árvore, em seguida aproximou-se do cervo o qual estava jogado aos pés de Marfhir. O dragão o perdoaria. Arrancou o resto de energia que fluía de seu corpo e continuou até parecer completamente descansado, seguiu em direção a Milena. Estava mal, jamais ousara retirar energia de nenhum ser vivo, mas o fez por ela, despiu as costas da jovem, o fino resto de tecido estava sujo, gasto, rasgado e manchado, bastou um simples puxão para que ele terminasse de e romper. Arranhões, hematomas, alguns machucados mais fundos, mas o que mais lhe chamou atenção foi o grande furo, inchado, vermelho, e ainda sangrava, não tinha certeza se conseguiria curar tudo aquilo, mas precisava tentar,mesmo que esgotado ele precisava.
– Waise Heil – Proferiu o elfo e tocou a base do ferimento, uma luz suave emanou de seus dedos, mas quando ela se apagou esgotando parte de sua força, o ferimento apresentou-se da mesma forma de antes. Nada havia mudado. – O que feriu você assim?
– O mesmo procurou por mais energia nas árvores que o cercavam, e em meio a uma destas encontrou no chão a adaga que se encaixava perfeitamente ao ferimento da jovem cavaleira. Dolorosamente o elfo encaminhou-se até a mesma e desespero foi o que descreveu o que o mesmo sentiu naquele momento. A adaga estava envenenada. Procurou estudar o veneno rapidamente só para chegar a uma conclusão ainda pior: A cura parou de ser produzida.
Desde que Galbatorix, o rei foi morto, a paz reinou, os Ra’zac haviam sido todos mortos por Eragon, os cavaleiros voltaram, poucos, mas logo tudo seria restaurado, tudo ia tão bem, então para que a cura de tantos males se eles não existiam mais?!
Ela acabaria morrendo antes mesmo de começar, mas ele não poderia deixar.
– Tudo ficará bem, nem que eu precise correr daqui até Galfni, do outro lado da Alagaesia! – Sussurrou Knabben enquanto encaminhava-se na direção da jovem, precisaria de força para carregá-la até o cavalo, e mais força ainda para cavalgar com ela até a cidade dos elfos, com toda certeza alguma das elfas mais velhas saberiam como cuidar dela.
“Felizmente, não precisará correr até lá, voaremos até Ellesméra, meu caro, coloque-a em minhas costas e dê um jeito de subir.”, Marfhir rosnou enquanto quebrava com seus dentes os ossos do cervo.
“Você não irá aguentar”, respondeu o elfo.
“Não sozinho”, então o elfo compreendeu o que Marfhir queria dizer. O jovem tomou Milena em seus braços, ainda estava dolorido, e lutou para não cair enquanto a levava até o dragão.
“Mentiu sua idade”, Marfhir simplesmente soltou aquele pensamento enquanto Knabben colocava Milena sob a cela improvisada do dragão o qual tinha medo de responder qualquer outra coisa “Qualquer elfo mais velho teria lidado melhor com isso”.
“Eu sabia que isso ficaria visível em algum momento.” Confessou Knabben “Eu tenho apenas sessenta e três anos, mas eu...”
“Você está fazendo o melhor que pode”, sussurrou o dragão. “Se apresse, por favor”
Knabben então subiu sob a cela do dragão ajeitando Milena em seus braços, apoiando sua cabeça em seu peito e suas pernas de apenas um lado do dragão, com um dos braços segurou-a firme e com o outro agarrou um dos espinhos de Marfhir.
Sem perder tempo Marfhir abriu suas asas e levantou vôo. Knabben sentiu o vento frio da noite em seu rosto, perguntou-se se a cavaleira sentia frio, tocou com sua bochecha a testa da jovem a qual estava quente demais.
Febre.

Ele em seguida retirou sua blusa e cobriu-a. Marfhir parecia firme, decidiu que daria a ele suas forças apenas quando ele estivesse a ponto de se esgotar, assim, estaria acostumado a economizar sua energia, mesmo que fosse difícil.
Fitou a cavaleira por alguns segundos, ela continuava pálida e a cada segundo sua febre parecia aumentar. A noite fora longa e o horizonte parecia cada vez mais distante. Knabben xingou-se por não poder tê-la protegido, por ter saído apenas porque não queria vê-la com Carlos mesmo já sabendo que ele estava noivo.

Knabben então fitou o céu e as estrelas pareciam cair a sua volta, ao longe o sol tomava uma cor alaranjada e nesse momento sentiu a mente fraca de Milena tocar a sua. Estava tão embaralha, tão confusa que ele precisou tentar acalmá-la por algum tempo. Logo que conseguiu ele pediu para que ela explicasse como fora atingida, e lhe disse que tudo acabaria bem, mesmo não tendo tanta certeza de suas palavras.
“Tenho medo disso tudo”, disse ela simplesmente, “eu não posso simplesmente me deixar levar?”
“Há aqui muita gente que te prefere viva e não apenas porque é uma cavaleira”, Knabben disse sincero enquanto abraçava-a firmemente.
“Meu pai viveu muito tempo sem mim, sei que George sofreria mas ele logo se recuperaria e...”
“Não falo apenas deles, eu jamais conseguiria dormir novamente se você desistir agora”, Em qualquer outra ocasião o jovem elfo sentir-se-ia envergonhado, na verdade, ele jamais diria isso para alguém, mas soltou aquele pensamento com tanta naturalidade que assustou-se.
“Eu sou uma humana, e o pior, eu sou muito nova para ser uma cavaleira! Para... Lidar com tudo isso, há algum tempo eu era apenas uma menina que gostava de ler o passado e ver as estrelas durante a noite, agora eu...”, ela parecia realmente angustiada. “Eu sinto muito, eu queria poder ser mais. Mal consigo lidar com meus sentimentos. Estraguei tudo, não?”
“Você salvou Therinsford, salvou Carlos, um ataque daqueles Ra’zac e toda a vila seria dizimada, mas você os levou para longe”, Knabben procurava confortá-la “Você é uma heroína”

Então Milena apertou suavemente seus dedos nas coxas do jovem que sentiu arrepios subirem por seu corpo novamente. Em seguida ela abriu os olhos e fitou o céu e respirou fundo. Seus olhos estavam iluminados, mas pareciam perder o foco vez ou outra. Ela estava morrendo.
– Knabben... – Ela sussurrou tão fraca que Knabben precisou esforçar-se para ouvir
– Quieta, chegaremos em breve e isso vai passar. – Prometeu o Elfo tocando-lhe o rosto e depositando um beijo suave em sua testa. – Fique aqui comigo.
– E para... onde ma-mais eu... eu iria? – Sussurrou ela novamente mas agora utilizando um tom de ironia suave enquanto um dos cantos de seus lábios róseos erguia-se.
– Mesmo nessas situações – riu o elfo – você consegue ser irônica.
Knabben novamente fitou a menina, em seguida procurou a mente dela que se encontrava distante e fraca, pousou então sua mão no coração da jovem e ele batia lentamente.
“Mais rápido Marfhir, vou doar-lhe minha força”, o elfo então deu ao dragão toda a energia que tinha, deixando apenas o suficiente em si para permanecer vivo. Seus olhos pesaram, mas ele não adormeceria, ele lutou para permanecer forte com Milena ali ao seu lado. O dragão então passou a voar mais rápido, soltando baforadas de ar vez ou outra.

A noite deu lugar ao dia e respirar tornava-se uma tarefa cansativa para o elfo. Milena havia adormecido novamente, e então, a floresta Du Weldenvarden apresentou-se para o elfo que agora imaginou que conseguiriam chegar em Ellesméra antes do pôr do sol.
“Siga em frente, Marfhir, estamos perto agora!”, disse fraco o elfo.
“Não durma, elfo, sinto a energia esgotando-se em seu corpo, gostaria de lhe oferecer mais da minha mas...”, o dragão então calou-se e voltou a voar com mais vigor
“Não vá tão rápido, vai se matar dessa forma!”, o elfo preocupava-se a cada vez que o dragão perdia altitude ou caia suavemente por alguns segundos.
“Antes que eu morra do que Milena”, Marfhir então fechou-se e Knabben não conseguiu mais comunicar-se. Ainda atormentado com o dragão voando cada vez mais rápido tentou dar-lhe mais força, porém sentiu que ficaria inconsciente.
O dia mostrou-se longo, e o sol cada vez mais quente. Quando ele se pôs um forte vento veio acompanhado de chuva. Os trovões assustavam o dragão tanto quanto preocupavam o elfo.
Um clarão surgiu a frente e então Knabben sentiu uma mente poderosa e conhecida. Even.
“DESÇA, MARFHIR, RÁPIDO!”, Knabben agitou-se quando o dragão pousava atrapalhado por entre as árvores. Even permitiu-se ser encontrada, permitiu que ele sentisse sua mente, ele então tocou-a e ela o permitiu entrar.
“Ela está ferida! Por favor, encontre-nos, estou ferido demais para levá-la e o dragão cansado demais para voar”, Knabben implorou sentindo o dragão tombar no chão. Precisou segurar-se firme e ainda mais firme Milena, para que não voassem para longe deste.

A silhueta da elfa formou-se em sua frente junto de outras duas figuras, ele não se entregou a vontade de fechar os olhos, pontos brilhantes dançavam em sua visão, o céu pareceu derreter e estrelas caiam sob sua cabeça, ele atirou-se com Milena em seus braços para o chão, em seguida arrumou Milena em seus braços e encaminhou-se até Even que corria até estes de forma graciosa enquanto o vestido feito com um fino tecido voava livremente atrás de si.
– Essa garota... – Even parecia conhecer a jovem,tomou-a em seus braços – Este veneno... Pelo último dragão, como conseguiram cruzar seu caminho com algum Ra’zac?
– Foram oito deles, nos pegaram despreparados, eu...- Knabben começou a justificar-se com a voz falha e notou o quão patético era.
– Não, não, meu querido, fez tudo o que pode, com sorte consigo curá-la rapidamente, tenho um ou dois frascos de um medicamento que vai salvá-la, mas não sei por quanto tempo ela ficará adormecida... Venha comigo, e... Alby, Sagy, cuidem para que ninguém saiba que eles estão aqui. Cuidem do dragão.

Ali perto, para o alívio de Knabben luzes espalhavam-se e sob uma das árvores erguia-se o lar de Even, feito de um material transparente que ela jurava ser feito de areia e conchas, sustentado por grandes toras de madeira de carvalho.
Even entrou rapidamente carregando Milena para um aposento no final do longo corredor de entrada, Knabben seguiu-a apressado, mas Even o parou, pedindo para que comesse algo e em seguida descansasse em algum dos aposentos ao final do corredor.
Logo o a voz bela e serena de Even preencheu o local. Knabben notou nas paredes várias Faithr, lugares distantes de Alagaesia, lugares que conhecia e outros que jamais imaginou que existissem, até que chegou a um que lhe lembrava George, o irmão mais velho de Milena. Não poderia ser. O jovem sorria e ao seu lado uma pequena jovem, a qual se parecia com Milena, mas uma versão pequena desta, antes de tirar qualquer conclusão sentiu sua perna cedendo, então preocupou-se em achar a cozinha.

A casa de Even era realmente grande, haviam quartos e mais quartos, uma biblioteca grande, pequenos jardins, uma sala cheia de frascos de vidro com líquido coloridos dentro. Após algum tempo encontrou a cozinha e procurou comer algumas frutas e pães. Estava preocupado e cansado, mas comer revigorou-o. O jovem encaminhou-se para um dos quartos e banhou-se e vestindo apenas suas calças adormeceu pela primeira vez em muito tempo, em uma cama quente e macia, ainda ouvindo a voz de Even ao fundo

“Acorde”, ouviu uma voz suave sussurrar. Mas a ignorou. “Knabben, acorde.” Aquela voz se parecia um tanto com a de Milena,e então ele forçou-se a abrir os olhos, decepcionando-se ao ver Even sentada ao seu lado.
– Precisa se alimentar, está dormindo há três dias inteiros. – Disse a mesma mostrando o jovem um pãozinho coberto de mel junto com algumas frutas e suco de tom avermelhado. Uma onda de dor atingiu Knabben no momento em que suas mãos deram-lhe impulso para que se sentasse.
– Curei também as feridas que Milena não conseguiu, seus ossos quem curou foi Sagy, mesmo tão novo ele é capaz de fazer coisas assim. Avisei a rainha Arya sobre a chegada de Milena. Ela deseja vê-lo assim que se sentir melhor. – Avisou Even levantando-se. – Ainda está com dor, não?
– Como está Milena? – Knabben pouco se importava com Arya, Sagy ou ele mesmo, sonhara com ela durante três dias imaginando se ela estaria ou não bem.
– Surpreende-me o fato de que uma meia-humana tenha conseguido sobreviver tanto tempo com aquele veneno no organismo, quando chegaram ele já havia atingido todo o seu corpo pela corrente sanguínea, ela estava parcialmente morta quando chegaram aqui, eu cantei para que o veneno saísse, foi complicado, pois eu não tinha tempo para formular uma canção, ela perdeu muito sangue e a carne em volta do ferimento estava completamente morta. Ela é uma menina forte. Após eu retirar o veneno usei do meu sangue para repor o dela, e por sorte o organismo dela o aceitou, sem seguida fui obrigada a tentar fechar o ferimento, mas a carne morta não permitia, mas no fim, eu consegui fechar o ferimento com muito esforço, ela está bem agora, optei por não deixar cicatriz, mas talvez, só talvez, ela apareça. De longe, esse foi o trabalho mais complicado que já realizei desde quando eu era uma cavaleira de dragão.
– Posso vê-la?- Aliviado, Knabben conseguiu comer e após mordiscar o primeiro pãozinho, notou com quanta fome estava.
– Separei roupas para você, banhe-se e vista-se, em seguida poderá vê-la, meu jovem. – Even então encaminhou-se para fora do quarto calmamente.

Quando terminou de comer, tomou um banho demorado, havia algum tempo que não o fazia. Em seguida vestiu-se, a roupa lhe serviu muito bem. Notou então pelas paredes quase invisíveis que era noite, os grilos cantavam e ao longe podia ouvir elfos cantando. Haviam muitos anos que não notava o quão belo o mundo era.

Após algum tempo saiu pelos corredores até achar o aposento onde Milena estava. Era um lugar amplo, mas não conseguiu prestar atenção em nenhum detalhe do quarto, apenas a cavaleira, deitada com as mãos sobre a barriga. Suas bochechas ganharam um tom róseo e os cabelos escureceram, tornando-se azuis como o céu, perguntou-se como aquilo havia ocorrido, mas não deu muita importância, notou que estavam trançados e bem penteados, as orelhas eram ligeiramente pontudas, nunca havia notado aquilo, então viu que os vestidos de Even lhe caiam muito bem, aquele era claro e cobria apenas parte de suas pernas e braços. Estava linda, e não notou que havia aproximado-se dela. Tentou tocar sua mente, mas não teve coragem de invadir seus sonhos mais uma vez, apenas tocou-lhe os lábios com os seus sentindo que o mundo todo a sua volta se derreteria, todo o seu corpo tremeu.
– Talvez agora, seja o momento de eu deixá-la. Precisa concentrar-se em seus novos deveres, cavaleira. Eu espero vê-la em breve. – Knabben sorriu e então levantou-se.
– Verá a menina novamente, sei que jamais irá deixá-la, conheço seus sentimentos, Knabben – Even quem estava próxima a porta agora tratou de adentrar o quarto – admiro que esteja a deixando para não desviá-la de seu destino, mas talvez, ela não vá gostar de saber que partiu.
– Eu voltarei, tenha certeza disso.
– Ao menos escreva uma despedida, ela vai sofrer em saber que seu único amigo a abandonou. Até porque, eu sou uma estranha para ela.
– Tenho certeza que cuidará bem dela. – Knabben a fitou de modo desafiador, ele sabia quem ela era.
– E eu vou, apenas não demore para retornar, Knabben Hrottining. – Even abraçou-o e Knabben retribuiu antes retirar-se. Não iria muito longe, porém sua presença não se fazia mais necessária naquele momento, compreendeu que aquele sentimento apenas atrapalharia ambos naquele momento. Escreveu a ela, e pediu para que Sagy a entregasse apenas quando o treinamento dela fosse concluído. Logo estava longe do lar de Even, pretendia chegar a Ceris em três dias. Então, se apressar era necessário.

Aquela noite, as estrelas haviam sumido do céu.