Ouvi a porta fechar e li o bilhete deixado por Dean, dizia que sairia com Sam e logo retornaria para casa.

Eu não estava feliz com aquele encontro. Sabia que as coisas voltariam a ficar de cabeça para baixo à partir do momento que o outro Winchester entrou pela porta da nossa casa. Nova vida uma ova, eu e Dean sabíamos que aquilo não era duradouro e acho que por isso nunca largamos a caçada por definitivo. Mas era egoísmo evitar este encontro.

Ouvi o som da TV da sala no canal de culinária que Cas tanto gostava. Poderia estar formado em gastronomia de tanto que via aqueles programas, eram os seus favoritos. Aquilo me fazia lembrar o dia que cozinhou para nós quatro no bunker e uma lembrança traiçoeira fez Kellan, Sam e Dean voltarem a minha mente em suas posições pouco ameaçadoras no dia que Kellan veio me procurar no meu então novo lar.

Peguei o celular e por curiosidade busquei Kellan Smith no facebook em busca de seu perfil. As fotos de Kellan variavam entre dias na faculdade, momentos da formatura, nossos amigos e uma nova namorada, que por sinal muito bonita, olhos castanhos claros e felizes. Não pude deixar de sorrir e no fundo, bem no fundo mesmo, sentir uma ponta de inveja, talvez minha vida pudesse ser normal.

Levantei da cama esperando encontrar Castiel no sofá e cerveja na geladeira.

—Oi - ele sorriu assim que me viu.

—Oi Cas - retribuí o sorriso.

—Estive pensando - seus olhos passaram de mim para a TV - Se esses programas são de verdade.

Escutei a última frase da cozinha enquanto pegava duas garrafas de cerveja. Castiel não costumava beber, mas eu sempre esquecia disso.

—Aceita? - ofereci lembrando e ignorando.

—Não, obrigada - ele sinalizou com a mão - Dean saiu com Sam para relembrar os velhos tempos.

—Eu sei - tomei o primeiro gole estendendo os pés sob a mesa de centro depois de sentar no sofá - Deixou um bilhete.

—Quer conversar sobre isso? - Castiel às vezes parecia humano e provavelmente isso se devia a nós.

—Acho que quero ir ver o tio Bobby - ignorei.

—Não acho que seja uma boa ideia - sua frase de argumentação andava batida.

Passamos um bom tempo em frente da TV ouvindo o chefe de cozinha explicar como retirar a espinha do peixe de forma correta e sem machucar o filé. Castiel parecia mais interessado do que nunca em cada palavra e movimento feito pelas mãos habilidosas do chefe enquanto eu abria a segunda cerveja e ponderava muitos assuntos, entre eles se Sam contaria a Dean nosso encontro em meu coma. Achava melhor que ele não tivesse feito isso.

Ao contar dos três longos episódios de Cozinhando com Jay e Minha mãe é uma confeiteira, Castiel se mantinha em posição de atenção à TV enquanto a minha quarta cerveja estava pela metade apoiada no sofá e meus olhos fechavam devagar.

Ouvi o impala 67 de Dean encostar a garagem o que fez com que o sono fosse embora. Alonguei o corpo recolhendo as cervejas imaginando que ele fosse entrar pela porta da frente calculando meu tempo de ida a cozinha, não queria encontrar com Sam agora, mas ao contrário do que pensei ambos entraram pela porta de trás.

—Hm oi - Dean pigarreou me pegando no flagra.

—Oi - coloquei as garrafas em cima da pia fazendo-as tilintar.

—Achei que estivesse dormindo - se aproximou me vendo esvaziar a que estava pela metade.

—Estava - observei Sam um pouco perdido.

—Sam ficará aqui um tempo - a nota do rasgo na garganta saiu perfeita.

—Claro - e a minha saiu clara como água - Vou ao Bobby amanhã.

—Que Bobby? - o olhei, era ironia ou era pergunta real.

—Tio Bobby.

—Sammy, temos quarto de visita lá em cima, pode se instalar eu já passo lá - Dean falou mais alto do que precisava e Sam assentiu saindo da cozinha -Que ideia é essa.

—Só quero vê-lo - cruzei os braços, não havia notado, mas os bicos dos meus seios estavam rígidos de frio.

—Não estou entendendo a mudança repentina de querer uma vida normal sem passado com querer ver o Bobby - ele gemeu incomodado.

—Não entendo a preocupação agora - um calafrio percorreu meu corpo.

—Aurora não quero que você vá - Dean foi categórico.

—Não quero que Sam fique - tentei ser também.

Ele ponderou qualquer coisa que pudesse dizer, mas não disse. Virei as costas deixando a cozinha e subindo as escadas sem olhar para trás. A porta do quarto de visitas, qual acreditava Sam ter escolhido estava entreaberta assim como o meu, talvez um convite para Dean entrar.

Marcando 4h30 no relógio, deixei meu corpo relaxar assim que deitei na cama planejando se iria com o meu carro ou de outra forma até a casa de Bobby. Antes de pegar no sono ouvi Dean e Sam falarem sobre o final da noite e senti Dean deitar seco ao meu lado.

O despertador gritou às 06h da manhã nos fazendo pular de susto, havia tempos que não éramos privados de uma boa noite de sono.

—Tenho uma reunião - Dean informou quando passei o braço por cima dele para pegar o celular.

—Às 8h? - perguntei quase que como um gemido.

—Isso - ele mantinha os olhos fechados.

—Durma mais um pouco, vou preparar o café.

—Vai estar aqui quando eu voltar? - ele perguntou enquanto eu colocava os pés para fora da cama.

—Vai saber se o carro estiver na garagem - o chão frio me fez estremecer.

Passei pela porta do quarto do Sam ainda fechada, Castiel estava agora deitado no sofá na posição de lado vendo Titanic na sessão nostalgia de um canal pago da TV.

—Bom dia - sorri vendo seus olhos claros.

—Vai bem? - ele perguntou se ajeitando.

—Vou - disquei o número do Bobby no telefone, ainda estava gravado em minha mente e isso me fazia lembrar um caso resolvido com os meninos.

O telefone chamou algumas vezes e mais algumas e até que caiu na caixa postal, o que me fez duvidar se ele não atendera, se o número havia sido repassado a outra pessoa, se Bobby estava vivo ou outras possibilidades dentro da caixa caçadores sobrenaturais.

A água fervia na chaleira quando o celular tocou em vibrações constantes identificando Bobby Singer no identificador.

Respirei fundo tentando não tremer tanto quanto acharia que pudesse.

—Querida? - sua voz do outro lado da linha aliviou meu coração, ele estava vivo.

—Tio - lágrimas de sentimentos não identificáveis rolaram pelas minhas bochechas - Como está?

—Ótimo eu acho - um muxoxo e o guincho da poltrona velha da sala - Onde está?

—Em casa - respirei.

—Com Gi… - não o deixei terminar e respondi um sonoro não.

—Com Dean, Cas… - deixei no ar - Mas Cas está sempre de passagem.

—Ele sempre está - não nos falávamos a anos, mas Bobby falava comigo como se tivéssemos nos visto a dois dias.

—Pensei em passar em sua casa hoje - comentei - Estamos no Kansas.

—São 6h de viagem - Bobby pareceu hesitar - Mas gostaria de conversar.

—Algo a me contar? - isso era curiosidade.

—Algumas coisas, nos vemos mais tarde?

—Até mais tarde, chego antes das 17h - sorri com boas lembranças.

Desligamos o telefone e em seguida Dean entrou vestindo o uniforme azul habitual. Pegou uma xícara no armário e me olhou confuso quando viu a chaleira ainda no fogo.

—Ah, eu esqueci - falei tentando fazer rápido o café.

Ele me abraçou por trás fazendo seu rosto de barba recém feita roçar meu pescoço, me ajudou guiando algumas coisas e esperou pacientemente a água passar pelo filtro.

—Antes de ir lá, consegue esperar que eu volte? - perguntou depois do primeiro gole.

—Não quero chegar tarde - não estava afim de dar abertura para alongar o dia.

—Precisamos falar antes que você vá, mas agora não dá tempo - ele olhou o relógio - Me promete?

—Prometo - fui sincera, o que ele queria falar comigo?

Dean saiu porta a fora assim que terminou o café. Deixou um beijo melado em minha testa e silêncio na cozinha.

Tomei uma xícara de café ouvindo Castiel rir da sala. Como um bom anjo preocupado, era estranho ele estar tão tranquilo naquele dia, sempre estava com pressa e quieto, mas não quis pensar muito sobre aquilo.

Subi as escadas notando a porta do quarto de Sam entreaberta e a do banheiro do corredor da mesma forma, provavelmente acabara de levantar.

—Podemos conversar? - ouvi a voz de Sam antes que entrasse no quarto, ainda vestia a camisola que Dean julgava sexy e dessa vez me senti nua.

—Não - hesitei antes de responder, abri a porta e entrei no quarto.

Eu sabia que Sam e Bobby tramaram naquela noite me matar. Sabia que Bobby não entrara no prédio do Danjo porque não aguentaria me ver morrendo, talvez o que ele não soubesse, aceitando conversar comigo, era que quando Sam me livrou de um ceifeiro enquanto eu estava em coma no hospital me contou todas as coisas que antecederam aquele dia.

Ao chegar no local onde estava a criatura, Sam descobrira que a última profeta, no caso eu, seria de grande importância ainda viva para o Danjo. A descoberta na verdade tinha sido feita por Alanny a demônia amiga do Dean que na verdade mentira para nós desde o começo fingindo estar do nosso lado.

Em tese ele poderia me usar como bode expiatório em barganhas grandes com inferno, céu e tantas outras criaturas, um grande leilão da minha idiota capacidade de ver lapsos do futuro. Não só isso, combinando graça angelical, poder do inferno e feitiçaria me usaria literalmente como um telão para exibir o que aconteceria e planejar os próximos passos.

Segundo Sam, a primeira ideia era me manter viva, mas como tudo deu errado naquela noite à partir do momento que fui atingida e me tornei vulnerável à captura dos inimigos, Sam achou que a melhor forma era dar um fim no que eles tanto queriam.

Por sorte, coincidência ou habilidade Castiel matou o Danjo em um momento de distração.

Todo mundo sabia essa história, mas nem todo mundo sabia que eu sabia, inclusive Dean.

Não julgava Sam ou Bobby por suas decisões, julgava pela traição de não terem me contado. Bobby soube de tudo quando Sam ligou para pedir sua opinião, sabia que se pedisse a Dean ele jamais deixaria que isso acontecesse e hoje poderíamos estar vivendo um novo desastre sobrenatural com demônios e anjos loucos.

Arrumei calmamente as malas organizando também o closet do lado de Dean que ainda vivia o mesmo estilo. Camisetas lisas ou xadrez e jaquetas e mais jaquetas, as calças jeans eram batidas e ele não se importava em comprar novas. Acabei por perder a noção do tempo lá dentro e quando vi Dean estava em casa novamente.

—Qual é baixou o espírito da organização? - Dean falou quando me viu lá dentro.

—Ai - resmunguei, sabíamos que possessão era real - Não - acabamos por rir.

—Tenho um caso… - ele tirou o casaco pendurando em um gancho dentro do cômodo.

—Sobre? - porque eu era tão curiosa? Não podia manter o foco?

—Corpo achado com todos os ossos quebrados, sem invasão, na sala da casa da vítima.

—Essa era a reunião? - perguntei.

—Ah não - Dean me olhou - Eu pedi demissão.

—Desculpa - o olhei - Não entendi.

—Era isso que queria falar - notei que faltava seu distintivo preso ao cinto - Não estou mais feliz sendo policial.

—Não acha que a decisão é nossa? - perguntei sem muito me importar, as coisas não iam ficar bem mesmo.

—Não - Dean deu de ombros - Você optou por não trabalhar e a opção foi só sua.

—Calma aí - ri - Eu perguntei se você se importava, você disse não.

—Porque estamos discutindo isso? Já foi decidido - Dean virou as costas.

—É por causa de Sam, não é?

Fechei os olhos e estava novamente dentro do closet. Dean abriu a porta.

—Qual é baixou o espírito da organização? - as mesmas palavras que já ouvira, meu corpo gelou. Girei nos calcanhares olhando para ele.

—Você se demitiu? - perguntei nervosa.

—Oi? - ele me olhou confuso.

—Acabei de ter uma visão - respirei fundo - você acabou de dizer a primeira frase dela, disse que tinha um caso, se demitiu e que a escolha era sua - não ia contar da parte de Sam. Dean veio até onde eu estava.

–A quanto tempo você não tem visões? - ele segurou meu rosto com as mãos.

—Muito tempo - o fitei - Não é verdade, é?

—É - ele deixou as mãos escorregarem até minha cintura - Eu tenho um caso, e também pedi demissão.

O encarei por algum tempo, me sentia traída.

—Ia te contar, por isso pedi para ficar - respirou fundo - Aurie eu fiz um pacto para que você não morresse.

Aquilo foi como um soco no estômago. As palavras fizeram ele embrulhar e eu senti vontade de vomitar. Não tive reação.

—Não pode ser capaz disso - gemi entre dentes.

—Eu não podia deixar você morrer - seus olhos se mantinham firmes nos meus - Eu te amo de verdade.

Haviam pouquíssimas vezes que Dean dizia eu te amo. As que me recordava era quando acordei do coma e perguntei o porquê de ele não ter ido embora, vendo TV na sala de casa e um dia que quase morremos em uma caçada, ou seja, aquela era a quarta vez.

—Quanto tempo? - perguntei.

—Tenho mais dois anos - ele estremeceu - Mas eu só preciso achar o demônio que fiz o pacto.

—Simples - sussurrei sem ironia.

—Já fizemos isso, pedi para Cas achar o Sam.

—Não me contou nada disso - respirei fundo.

—Não tive coragem, desculpe - Dean passou a mão em meu rosto.

—Bobby? - ele sabia?

—Pensei em passarmos na casa dele - passar? - E voltarmos ao bunker.

—Claro…

O que era mais importante pra mim naquele momento? Salvar a vida do homem que eu amava? Me sentir traída?

—Preciso que me conte o que tiver para contar agora - com a mão voltei seu rosto em direção ao meu quando já se desviava.

—Eu sabia do Sam… - ele mordeu os lábios de uma forma que me fazia tremer.

—Eu sei - sentia algo entre o chateada e feliz por ter me contado.

Ele me olhou confuso.

—Dean? - Sam chamou da porta do quarto.

—Só um minuto - ele respondeu - Sam disse que se encontraram enquanto estava em coma.

—É - engoli em seco, também escondia coisas - Ele me salvou de um ceifeiro e me contou tudo.

—Mas ali eu não sabia sobre - Dean parecia cada vez mais confuso.

—Dean eu não sou idiota - ri - Acha mesmo que me você ter me afastado do Bobby e de todas essas coisas me faziam pensar o contrário?

—Dean? - Sam mais uma vez chamou fazendo com que Dean virasse as costas e fosse até ele. O segui.

—Oi Sammy - ele pareceu tranquilo.

—Escuta isso - Sam deu o celular na mão de Dean que olhou para ele sem entender.

Do celular pudemos ouvir um suspiro seguido das palavras - Sammy, é o pai, que saudade de vocês, precisamos nos encontrar, estou com esse número e no Bar da Estrada. Amo vocês.