Aurora estava no banheiro e eu já a tinha chamado umas três vezes para deitar. Mas seu ritual de cuidados com a pele tomava uma boa parte de seu tempo antes de dormir.

—Você não tem paciência – ela reclamou caminhando para a cama. Vestia uma camisola preta que a deixava sexy.
—Não, e você sabe disso – sorri enquanto ela afofava o travesseiro – O que fez hoje? - ela se deitou em cima do meu peito e eu a abracei – Porque tanto trabalho com o travesseiro se vem aqui?
—Porque eu saio quando você começa a roncar – ela riu acariciando meu rosto e eu acompanhei fechando os olhos.
—Eu não fiz nada demais – lutei contra o sono para ouvir o que ela tinha a dizer – Comprei umas sementes e vou usar aqueles vasinhos que compramos para plantar umas flores – ela se aninhou em meu pescoço – Já dormiu? - eu sempre a ouvia perguntar e nem todas as vezes respondia.
—Quase – respirei fundo.

Senti seus lábios tocarem meu pescoço. Aquilo me faria arrancar sua camisola se eu não estivesse tão cansado. Ela sempre demorava a dormir, e na maioria das vezes que eu acordava, seus olhos estavam abertos assistindo a TV ou somente olhando o nada.

No outro dia eu teria que levantar mais cedo. Havia marcado uma reunião de última hora com meus parceiros do departamento de polícia para pedir a minha demissão.

Estava acostumado a acordar sempre no mesmo horário durante a noite para tomar um copo de leite ou mesmo, água. Abri os olhos tateando a cama procurando minha mulher e não a senti. A luz do banheiro estava apagada e a porta fechada. Não gostava da sensação de perdê-la e então coloquei os pés pra fora da cama e saí do quarto a encontrando sentada em um degrau no meio da escada.

—Tudo bem? - perguntei sentando atrás dela fazendo com que ficasse no meio das minhas pernas.
—Estou – Aurora encostou a cabeça em meu peito e eu a abracei.
—Porque está aqui? - olhei seu rosto e seus olhos estavam fechados.
—Estava sem sono e não queria acordar você – ela sussurrou passando o rosto no meu.
—Você nunca acorda – beijei sua bochecha – Me fala o que é – sussurrei.
—Estou preocupada com Castiel – ela nem precisava me dizer isso, falara dele a semana inteira.
—Cas sempre fica bem – repeti a mesma frase de sempre.
—Eu queria que ele aparecesse ou nos desse notícias – sua voz baixa era um indício de que não estava realmente bem.
—Não gosto de vê-la assim – Aurora abriu os olhos e os pousou nos meus – Parece que não está feliz.
—Não fale besteiras – ela se ajeitou jogando os dois braços para trás em volta do meu pescoço – Só estou preocupada.
—Hm – olhei seus seios. Tinha os mamilos rígidos embaixo da seda – Vou te animar um pouquinho – subi as duas mãos agarrando as mamas e ela riu.

Ouvimos batidas na porta e o meu nome ser chamado. Tirei as mãos dos seios de Aurora e ela se pôs de pé me olhando assustada.

—Sobe – sussurrei descendo dois degraus. Aurora resmungou algo – Agora – a olhei – Vai saber se for algo perigoso – ela hesitou mas virou o corredor desaparecendo.

Peguei a arma que deixava em um lugar estratégico da sala e me dei uma bronca mentalmente lembrando que Aurora dissera para por um olho mágico na porta e eu disse que não, naquele momento iria ser útil. Virei a chave sem fazer barulho. Girei a maçaneta vagarosamente puxando a porta do mesmo ritmo. Pela fresta pude ver. Eram Sam com Castiel ao seu lado.

—Sam – abri a porta de uma vez e abracei meu irmão.

Fazia três anos que não o via, desde que tentara matar Aurora. No dia do ocorrido estávamos tentando matar o Danjo. Ele estava em um galpão e nós seis, contando com Rufus Turner e Alanny, um demônio ''amigo''. Nos dividimos em duplas para invadir. Já estávamos no auge da batalha contra demônios e anjos que haviam se aliado ao lado do mal quando vi Sam atingir Aurora sem nenhum motivo com a espada dos anjos na barriga.

Quase sem perceber logo eu estava em cima dela olhando o estrago chamando por seu nome . Sam estava parado em nossa frente com lágrimas rolando pelas bochechas e pedindo desculpas. Naquele momento Rufus matou os últimos três demônios que cercava o trono do Danjo que repousava sobre ele como se nada estivesse acontecendo. Seus olhos pareciam brilhar olhando em nossa direção e naquele momento de descuido Castiel o atingiu fazendo seu corpo tremer e ele explodir em uma luz azul que quase nos cegou.

Sam saiu apressado do galpão e eu fiquei em dúvida se deixava Aurora ali. Castiel fez um afirmativo com a cabeça quando eu o olhei e saiu atrás de Sam para onde quer que ele fosse. Via a vida de Aurora se esvair quando sua pele começou a se tornar extremamente branca e o sangue começar a sair por sua boca.

Rufus me empurrou para o lado e a pegou no colo andando rápido até o carro onde Bobby estava. Nós não falávamos com ele, e nunca havia contado a Aurora o porque daquilo, quando me perguntava, dizia que a nossa nova vida não deveria estar em torno de caçadores, ela escutava sem acreditar muito e eu sabia disso quando ela abria a boca como se fosse falar algo e olhava para qualquer lugar. Ela me conhecia melhor que eu mesmo.

A via cada vez pior. Bobby dirigia loucamente uma van velha do seu quintal. A cidade parecia longe e o tempo pareceu andar para trás nos atrasando de salvar sua vida. Aurora apertava minha coxa e mantinha os olhos abertos a meu pedido. O sangue escorria agora em menos quantidade por sua boca enquanto eu apertava o ferimento com um pedaço de pano que achara dentro do carro. Rufus manteve as mãos nas costas dela estancando o sangue que saía por lá. Nós estávamos encharcados do líquido vermelho e quente e aquilo me dava arrepios. Pensava se Castiel tinha encontrado Sam e do porque dele ter feito aquilo.

No hospital lotado ela foi colocada em uma maca recebendo os primeiros socorros enquanto ia sendo levada as pressas pelo corredor. Dois enfermeiros me seguraram na porta do centro cirúrgico e eu quase os derrubei sentindo raiva de não poder entrar até Bobby e Rufus me mandarem ficar calmo e me levarem para a sala de espera.

Foram muitas horas sufocantes até a notícia de que ela estava em coma chegar a nós através do médico responsável.

Ficamos alguns meses indo ao hospital todos os dias ver Aurora sem que ela soubesse. Seus olhos se mantinham fechados e eu conversava com as paredes. Torcia para que ainda estivesse ali e que não desse bola a nenhum ceifeiro, que voltasse, que não morresse. Procurei todas as saídas possíveis para trazê-la de volta, mas o diário do pai não falava muito sobre reviver os quase mortos.

Castiel voltara depois de algumas semanas dizendo que perdeu o rastro de Sam e não fazia ideia de onde ele estava. Eu voltei ao bunker para pegar algumas coisas que precisava para ficar no hospital, estava morando no carro quando não estava no quarto e não encontrei o charger na garagem. Esperei encontrar algum bilhete ou receber uma mensagem, mas nada de Sam aparecer.

Por mais que ele tivesse feito aquilo era meu irmão. E o saber que fora capaz de tentar matá-la me fazia pensar no que eu realmente estava disposto a fazer por ele. Me magoava saber que ele deixara a garota que eu amava em um coma sem indícios que voltaria a vida, mas magoava mais ainda ele ter sumido depois de tudo aquilo.

Aurora se recuperou completamente depois de seis meses após o coma. Fisioterapia para poder voltar a andar, comer e falar corretamente. Nós voltamos ao bunker, mas ela insistia em ir embora então acabamos por comprar uma casa e prometermos um ao outro que mudaríamos de vida. Graças a um amigo eu havia conseguido um emprego de investigador na delegacia local e nós vivíamos uma vida quase que normal resolvendo alguns casos simples no qual ela me acompanhava como parceira.

—Dean – ele retribuiu o abraço – Desculpe por aquilo – me olhou quando o soltei.
—Espera – olhei para Castiel – Ela vai matar você – ergui o dedo apontando para ele.
—Sei – ele levantou os ombros fazendo uma careta.
—Entrem – abri a porta e caminhei para dentro. Cas e Sam me acompanharam.
—Eu já volto – falei indo em direção as escadas. Subi os degraus me preparando falar que Sam estava lá embaixo.
—Oi – Aurora estava atrás da porta segurando uma arma – O que era? - perguntou enquanto eu tirava a arma de sua mão.
—É o Castiel – tentei amaciar e ela sorriu aliviada – E o Sam – minhas palavras a fizeram fechar o sorriso.
—Sam? Seu irmão? - perguntou colocando a mão sobre a barriga. Ali ficara uma cicatriz enorme da cirurgia.
—É amor, o meu irmão – engoli seco sentindo seu olhar de reprovação.
—Porque ele está aqui? - ela empurrou a porta fazendo-a bater quando fechou.
—Não sei Aurora – mordi os lábios – Acho que ele tem algo a dizer.
—Eu vou dormir – ela usou o tom de quando estava insatisfeita. Era uma espécie de desdém.
—Nós precisamos ouvir o que ele tem a dizer – ela caminhava em direção a cama.
—Você vai realmente perdoar o Sam? - ela perguntou o que eu não queria responder – Tudo bem que na época você não devia gostar tanto de mim quanto gosta agora – ela me olhou incerta, seu argumento era péssimo – Mas, nós somos casados agora, e eu não sei se você está com a memória fresca, mas ele tentou me matar – ela puxou o cobertor da cama com raiva – Eu tenho uma cicatriz na barriga e nas costas disso e você a vê todos os dias – fechou os olhos e respirou fundo – E você ainda acha que deve ouvir o que ele tem a dizer? Acha que eu vou ouvir? - sua voz aumentava conforme pronunciava a frase – Eu ajudei da melhor forma que pude o seu irmão – a frase saiu em meio a uma falta de ar que antecedia o choro – E ele retribuiu enfiando uma faca em mim - agora as lágrimas escorriam pelas bochechas e aquilo acabava comigo – Faça o que você quiser.

Aurora secou as lágrimas com as costas da mão e se deitou na cama apagando a luz no interruptor que tínhamos perto da cabeceira me deixando no escuro. Eu ponderei tudo o que ela falou, mas não queria deixar de ouvir o que Sam tinha a falar. Caminhei até a cama e me abaixei beijando seu rosto. Ela resmungou um ‘’sai daqui’’ .

—Dean – me chamou antes que eu saísse do quarto – Vou descer sim – ela acendeu a luz e descobriu as pernas – Preciso matar um anjo.
—Assim? - perguntei apontando para sua camisola. Ela ignorou passando por mim.


Aurora saiu andando em minha frente e eu a segui. Nós descemos a escada que dava diretamente na sala e Castiel arregalou os olhos quando a viu.

—Você é maluco? - ela ignorou Sam passando por ele que estava sentando no sofá e indo em direção a Castiel em pé ao lado da porta – Que história é essa de sumir assim? - seu tom bravo fez Castiel recuar um passo.
—Eu estava ocupado – ele respondeu culpado.

Aurora e Castiel tinham formado uma amizade muito intensa. Ele a tirara do coma lentamente pelo fato de estar fraco ainda mesmo com sua graça recuperada e também porque uma cura súbita faria os médicos desconfiarem. Ele sempre estava com ela quando eu não podia estar, e isso fez com que os dois virassem amigos. Acabava que no fim Castiel era seu confidente quando as coisas não estavam bem entre nós dois, era ele quem ouvia nossos pontos de vista de determinadas situações e respondia com frases isoladas e sem sentido.

—Ocupado? Você não podia mandar uma mensagem, dois minutos de ligação? - ela cruzou os braços. Sam me olhou confuso e eu ri dando de ombros.
—Desculpe? - ele levantou os ombros.
—Ela nem dormia – comentei parado ao pé a escada.
—Cale a boca – ela se virou pra mim com um sorriso malicioso. Tinha um Q de diversão em constranger Castiel.
—Não faço mais – ele parecia uma criança que acabara de aprontar.
—Bobo – Aurora riu e o abraçou. Castiel retribuiu rindo sem muita certeza.

Ela o soltou se virando para minha direção. Passou os olhos por Sam e me olhou dando um sorriso curto de quem dizia ‘’Pronto’’. Aurora caminhou em minha direção e subiu as escadas um pouco mais séria.

—Ela está bem? - Sam perguntou assim que paramos de ouvir seus passos.
—Está – respondi sentando no sofá a sua frente – Onde estava?

Ele respirou fundo.

—Tive que dar um tempo – respondeu sem me olhar.
—Três anos sem nenhuma explicação – estalei os dedos – Ou melhor, eu sei, ela não sabe – indiquei a escada com a cabeça me referindo a Aurora – Você é maluco? Porque não me contou? - senti a raiva queimar meu rosto.
—Você não ia deixar e até então, achávamos que era a única saída – ele respondeu me olhando – Eu… - ele respirou fundo – Me desculpe – ele fitou a mesinha da centro – Ela nem me olhou.
—Quer mesmo que ela olhe pra você? - ri – Ela quer você fora daqui, e eu estou arriscando pelo menos um mês sem sexo pra falar com você além do meu casamento – não queria falar daquele jeito com Sam, mas estava irritado.
—Vocês estão juntos? - Sam me olhou mordendo o canto da boca.
—Não Sam – ironizei respirando fundo – Só estamos morando em um lugar totalmente diferente tentando ao máximo viver uma vida normal como amigos – revirei os olhos.
—Só perguntei – ele esfregou as mãos.

Encarei Sam por um tempo. Castiel ainda estava em pé ao lado da porta e meu campo de visão não o alcançava.

—Tudo bem – gemi - Estou chateado, mas você é o meu irmão.
—Obrigada – Sam falou mais para ele mesmo – Acha que ela ainda vai falar comigo?
—Não – fui sincero – Você não podia ter sumido assim – me sentia aliviado – Não sabe o quanto nós procuramos você.
—Eu estava com vergonha – ele me olhou – Mas eu acompanhei vocês enquanto estavam no hospital, conversei com a Aurora uma vez.
—Conversou? - eu não sabia daquilo.
—Da mesma forma com você quando sofremos aquele acidente, havia um ceifeiro lá e eu não deixei que a matasse – engoli em seco quando ele terminou de falar, Aurora jamais tocara no assunto.
—Ah ela me disse – menti – Obrigada.
—Tudo bem, era o mínimo que eu podia fazer – ele bocejou – Está vivendo uma vida normal então – ele sorriu.
—Idiota – ri enquanto ele olhava um porta-retratos ao seu lado na mesinha do telefone. Era eu e meus amigos do departamento.
—Tem que trabalhar amanhã? - Sam perguntou levantando uma sobrancelha.
—Tenho uma reunião cedo – pensei – Porque?
—Podíamos sair e beber como nos velhos tempos – ele sorriu. Aquele era o meu irmão.
—Vou avisar a sinhazinha – levantei do sofá e subi as escadas de dois em dois degraus.

Ouvi Castiel e Sam falarem algo, mas não entendi porque acabei fazendo barulho com os pé na escada. Anotei mentalmente que deveríamos conversar sobre ela ter falado com Sam. Abri a porta do quarto devagar e ela já estava deitada. Parecia dormir e eu tive dó de acordá-la então deixei um bilhete em cima do seu celular e a beijei.