Ralph e Trinity conseguiram cruzar mais três salas sem que nada de mais acontecesse, mas a cada sala parecia que até o ar ficava mais denso, era como se algo puxasse suas mentes para seus piores pensamentos.

Era difícil dizer pra qual dos dois aquela travessia estava sendo mais difícil. Trinity fora programada para lidar com aquele lugar, mas ela estava um pouco nervosa pelos companheiros. Roxane estava desaparecida e ela não tinha a menor ideia se Derick e Josh tinham sobrevivido

Ralph, por outro lado, jamais fora bom em controlar e esconder suas emoções. Estava preocupado com os amigos, em especial com Clarion. A única coisa que lhe dava um pouco de segurança era saber que Vanellope e James estavam em algum lugar lá fora e longe do perigo.

O que ele obviamente não sabia era que os dois, na companhia de Link, já estavam de volta ao labirinto, lutando para fazer seu caminho através dos monstros que povoavam aquele lugar.

"Sua amiga não pode ter ido muito longe." Trinity disse a Ralph, para se distrair. "Ninguém com juízo perfeito atravessaria a zona negra."

"Clar não tem juízo perfeito. Se ela tivesse, não teria entrado aqui pra começar."

"Crianças de rua costumam se meter em qualquer coisa sem pensar." Ela suspirou. "Foi por isso que vim parar aqui."

"Como sabe tanto?" Ralph perguntou surpreso.

"Já ouvi todo tipo de histórias hoje, boa partem devem ser apenas boatos, mas algumas pessoas pareciam saber bem do que estavam falando. Tinha uma garota no Tapper's que parecia conhecer bem sua amiga."

"Clar tem alguns outros amigos também, a maior parte meninas. Acho que sempre tem aquelas pessoas que não conseguem guardar alguma coisa nem pra salvar a sua vida, e também tem os que estão sempre prontos pra desmentir qualquer boato que os outros espalham por aí."

"Então ela cresceu mesmo no mundo real?"

"Foi. Banida pra lá por causa de um vírus. Então... O que exatamente é esse lugar?"

"Era uma arena de jogos, antes de ser invadida pelos Pesadelos. Não sei como aconteceu, nem quem ou o que os comanda. Com a invasão, apenas nós quatro restamos aqui."

"Nunca foram até o centro do labirinto, não é?"

"Não. O lugar pode parecer pacífico e seguro quando o Arcade está fechado, mas isso é só porque os Pesadelos ficam trancados na zona negra, impossível passar por lá. Enquanto o Arcade está aberto, dependemos dos jogadores. Eles nunca chegam muito longe."

"Não posso dizer que sei como é depender dos jogadores. Mas foram apenas dois dias, não é?"

"E nesse pouco tempo, aqui estamos nós, não é? Na maior e mais perigosa aventura que provavelmente vamos ver."

"Mas, o que tem de errado? Se um de vocês morrerem, vão se regenerar, não é?"

"Não sei. Tem alguma coisa errada com os Pesadelos. Só o centro do labirinto pode trazer respostas, enquanto isso, eu me preocupo. Essas vozes que Roxi, e agora Clar, ouvem, talvez tenham algo com isso."

"Vamos descobrir." Ralph assegurou, gentilmente pondo a mão no ombro dela, por um momento a mulher olhou para ele e sorriu.

"Obrigada. Vamos salvar seus amigos também. Eu prometo."

Ficaram parados por alguns segundos até que Ralph se virou e disse:

"Bem, não vamos conseguir nada disso se ficarmos aqui conversando, certo?"

Trinity olhou para o chão.

"Certo. Vamos andando."

Um silêncio pesado caiu sobre a dupla nos minutos que se seguiram. Nenhum dos dois tinha certeza do que tinha simplesmente acontecido mas, por um momento, parecia que havia algo forte e quente no ar, que afastava a escuridão que preenchera o labirinto desde o começo.

Agora, naquele silêncio, era como se a escuridão começasse a ficar mais pesada, ameaçadora.

"Então... Como foi que você e o resto do seu grupo acabaram juntos? Ouvi um pouco sobre os gêmeos, mas e o restante de vocês?" Trinity perguntou. O silêncio estava começando a incomodá-la.

"Foi tudo por acaso. Mas não sei se temos tempo para histórias agora."

"Temos um longo caminho pela frente ainda, longas histórias nos distraem e evitam que coisas ruins nos peguem."

"Se acha que vai funcionar, tudo bem."

A princípio a ideia parecia perfeita. Tentar lembrar de todos os acontecimentos daquele dia evitavam que Ralph se preocupasse muito, e Trinity estava tão absorta na história que só deixava a mente funcionar para imaginar as cenas e volta e meia checar para onde estavam indo. Isso, antes da entrada do Cy-Bug Turbo na história.

"Acho que nunca vi nada tão grande." Ralph comentou. "E o fato dele ser feito de doce não adiantava muito pra melhorar a situação."

"Não ficou com medo?" Trinity perguntou, impressionada.

"No começo não. Um pouco chocado, talvez, mas não estava me importando muito, eu tinha um objetivo e ele não ia me atrapalhar. Ou eu pensei. Mas ele também estava determinado a me impedir, e mais ainda, a me matar. Ele parecia se divertir com o faro de que, pela primeira vez ele era maior e mais forte do que eu, e se divertir com o fato de que ambos, eu e Vanellope estávamos em perigo e não tínhamos qualquer chance de sobreviver aquilo, mas o que mais me assustava, era como qualquer vestígio do Turbo que eu um dia conhecera tinha desaparecido, e que se eu não encontrasse uma saída, não seriamos só nós dois que estaríamos perdidos, mas o Arcade inteiro."

"E o que você fez?"

"Estávamos voando logo acima da montanha naquele momento, fiz a única coisa que pude, consegui me soltar, pronto para terminar o que tinha começado..."

"Não acho que teria como escapar de uma dessa."

"Também achei, mas Vanellope estaria segura, e o Arcade também. Nem mesmo pensei no que aconteceria ao meu jogo, nem me lembrei disso, estava disposto a morrer pela segurança dos meus amigos."

"E como você sobreviveu?"

Ralph não teve tempo de responder. Eles ouviram um barulho estranho vindo do outro lado da porta, parecia o som de alguém arranhando um quadro negro ou algo parecido, era assustador.

"Sempre que me lembro daquela cena, é como se ainda sentisse aquelas garras pontudas em mim." Ralph comentou, sentindo um arrepio frio subindo por sua espinha.

O som se repetiu quando eles se aproximaram da porta.

"Me diz que não sou só eu que ouço isso!" Trinity pediu, nervosa.

"Estou ouvindo. O que pode ser?"

Mas ele não precisou de resposta, a realidade o atingindo em cheio. A história realmente tinha distraído, mas distraído um pouco de mais.

"Se tivéssemos um pouco de juízo procuraríamos o caminho para a saída agora mesmo." Trinity disse.

"Depois de tudo, não acho que tenhamos. Se tivéssemos já teríamos voltado há muito mais tempo." Ralph respondeu, sem saber se ria do comentário ou se se preocupava com o que podia acontecer. Poderiam tentar uma rota diferente mas, pela primeira vez, era a única que tinham.

Se ainda estivesse todo o grupo reunido, ele teria optado por voltar, mas não estavam, ele tinha que encontrar os outros, que certamente tinham continuado; Clarion, que estava perdida e prometera a Trinity que ia ajudá-la a encontrar Roxane. Era meio tarde para voltar atrás agora, então ele empurrou a porta com cuidado, a sala era maior do que as outras pelas quais tinham passado e parecia vazia.

"O que acha que era aqui?" Ele perguntou.

"Provavelmente uma arena de batalha. Foi para isso que o labirinto foi criado antes dos Pesadelos invadirem. Está preparado para a batalha?"

"Não, mas precisamos continuar."

O barulho tinha parado, a sala parecia realmente vazia, mas a atmosfera lá era aparentemente mais pesada que antes.

Eles andaram até o centro da sala, foi quando uma sensação ruim fez Ralph empurrar Trinity para o lado e rolar para o outro, no momento em que nada mais que o próprio King Turbug caiu do teto e por pouco não os atingiu.

"Ora, Ralph, que prazer em vê-lo!" Ele comentou sarcasticamente. "E olha, você trouxe uma nova amiga." Ele fez um movimento em direção à Trinity, mas ela estava esperta e o evitou.

"Deixe-a em paz!" Ralph ordenou, com certa autoridade.

"Devo admitir, você tem coragem." O monstro riu, tentando atacar Ralph, sem nenhum sucesso. "Mas não o suficiente."

"Ralph! É apenas um Pesadelo, mas ainda é mortal!" Gritou Trinity. "Mantenha a calma e esvazie a mente."

"Agora não dá!" Ralph respondeu, pra ele se acalmar e esvaziar a mente teria que parar um pouco, meio impossível no momento. "Saia daqui! Eu cuido dele!"

"Não vou deixar você sozinho!"

"Oh, que fofo!" Turbo comentou sarcástico. "Pena que vão os dois morrer." Ele riu.

Num movimento rápido agarrou Trinity, mas foi logo atirado contra a parede por um soco de Ralph, a mulher caiu no chão e imediatamente correu para perto da porta, mas não fez qualquer movimento que indicava que ela fosse sair.

Ralph batalhava com todas as suas forças, não só por vencer a batalha, mas também para evitar que a companheira fosse envolvida nela. Como da outra vez, Turbo parecia estar apenas se divertindo com tudo, o que só deixava Ralph com mais raiva. Pesadelo ou não, aquela coisa não ia vencer, não ia machucar ninguém.

Apesar do espaço ser um tanto pequeno para ele, Turbo parecia dispor de uma agilidade e velocidade sobrenatural, até mesmo para ele naquela forma. Só um pesadelo, sim, mas um pesadelo poderoso e mortal, como Trinity dissera.

Vendo que a batalha não estava indo bem para Ralph, Trinity de repente abriu a porta e correu para fora.

"Parece que ela não era tão sua amiga assim, não é?" Comentou Turbo, provocativo. "Quando as coisas começaram a ficar feias ela deus as costas pra você."

Ralph não deu ouvidos e tentou correr para a porta. Devia ter feito isso desde o começo, lá ele não conseguiria passar. Mas então foi atirado para trás por um forte golpe da cauda de Turbo. Sentiu sua cabeça bater contra a parede, tentou se recompor e se por em pé, mas sua visão estava turva, a cabeça atordoada e qualquer movimento era terrivelmente doloroso. Foi quando sentiu uma dor aguda na altura do abdômen, quando uma das garras de Turbo o atingiu em cheio, depois nada.

Foi naquele exato momento que Trinity voltou, trazia nas mãos uma espada flamejante e tinha um surpreendente olhar assassino.

"Para trás!" Ela ordenou, brandindo a espada na direção de Turbo, que estranhamente agora tremulava entre a forma em que estava e sua verdadeira forma de sombra, que a mulher conhecia muito bem.

O inseto a atacou, mas com um só golpe ela decepou-lhe uma das garras, ele soltou um grito agudo, obrigando-a a tampar os ouvidos, nesse minuto de distração ele conseguiu derrubá-la, mas quando tentou um novo ataque , mas Trinity rolou para o lado e cortou-lhe uma das pernas. Perdendo um pouco do apoio, o inseto caiu no chão. Ela marchou para ele, decidida e sem hesitar cortou-lhe a cabeça.

"Sua barata mal crescida." Ela murmurou, antes de largar a espada no chão e, ignorando o monstro que agora voltava a sua forma normal, correu para Ralph.

Ainda estava vivo, ela percebeu com alívio, imediatamente puxou do bolso um frasco arredondado, cheio de um líquido avermelhado e derramou cuidadosamente sobre o ferimento, que foi lentamente se fechando. Mas, ao contrário do que ela esperava, nem sinal de Ralph voltar à si, o que a deixou preocupada.

"O que está errado?" Perguntou a si mesma. "Ele devia estar completamente curado agora."

Ela checou-lhe o pulso, podia sentir a batida muito fraca e descompassada do coração, assim como a respiração, também muito fraca. Começou a ficar desesperada, a poção fora feita para funcionar, ela não sabia o que mais poderia fazer em uma situação como aquela.

"Calma Trinity." Pediu a si mesma. "Não vai conseguir nada se não se acalmar, sem contar que eles vão chegar aqui mais rápido." Mas parecia que quanto mais ela tentava pensar, menos conseguia alguma coisa e mais desesperada ficava. "Sinto muito." Ela murmurou. "Fui uma idiota. Se eu tivesse ajudado mais cedo nada disso teria acontecido." Ela já não podia mais segurar as lágrimas, desesperada. "Na verdade, desde o começo foi tudo culpa minha. Eu não tranquei o labirinto, deixei vocês virem pra cá, mesmo sabendo o quanto era perigoso, eu não consegui salvar Derick e Josh, eu..." Ela suspirou. "Não posso continuar sozinha."

"Nem precisa." Ela ouviu a resposta fraca de Ralph.

"Está vivo!" Ela exclamou, surpresa mas aliviada.

"Eu fiz uma promessa, não foi? Não vai se livrar de mim tão fácil." Ele brincou. Tentou se levantar, mas precisou do apoio de Trinity apenas para conseguir se sentar. "Ficou mesmo tão preocupada comigo?"

Ela se pôs em pé, numa atitude muito ao estilo de Clarion.

"Claro. Não gostaria de pensar que a morte de alguém foi culpa minha. Sem contar que fiz uma promessa a você. Jamais descumpri uma promessa e não gostaria de começar agora."

Tudo o que Ralph pode fazer foi rir. Sentindo-se um pouco melhor ele se levantou.

"Então acha que não se importa de continuarmos, não é?"

"Tem certeza de que está bem pra isso?"

"Acho que, depois de tudo o que aconteceu, impossível eu estar melhor."

"Então vamos indo." Ela correu apanhar sua espada. "Mais Pesadelos vão estar aqui em questão de minutos, eles sentem o cheiro da morte a quilômetros."

"Obrigado por me salvar." Ralph murmurou.

"Teria feito o mesmo por mim. Agora melhor continuarmos."