Clarion nem mesmo notou que a marca na porta mudara. Ao invés da estrela que marcava a porta ser vermelha, esta era negra.

Assim que ela cruzou o portal, ela se surpreendeu ao perceber que saíra do labirinto.

Simplesmente não dava pra acreditar. Fora tão fácil, de certa forma, mas ela não podia conter sua alegria por estar finalmente à salvo.

"Melhor correr pra casa. James deve estar preocupado."

Ela estava a caminho quando notou que, durante sua ausência, um novo jogo fora plugado no Arcade.

Curiosa, ela olhou para o relógio e percebeu que ainda tinha tempo para uma volta. Ela nem reparou no nome do jogo quando entrou, não tinha importância.

Essa pequena exploração a levou a um vasto campo, onde uma trilha ia dar em um castelo à distância. Mas caminhar não importava, então Clarion fez seu caminho até o único sinal de civilização que havia em um raio de quilômetros.

O castelo era de mármore branco e parecia ser protegido contra uma grande guerra, ou o ataque de algo bem grande, como gigantes ou dragões, tinha muros altos.

Dragões... Isso a lembrava de alguma coisa... Ah, sim, um filme que ela tinha assistido, não muito antes de chegar ali, uma vez que entrara de penetra no cinema, chamava Como Treinar seu Dragão.

Não só isso. Ela já vira e ouvira falar de dragões em muitos outros lugares, e tinha um certo fascínio por essas belas, raras, poderosas e perigosas criaturas desde pequena. Talvez estivesse em seu código, já que ela ouvira falar que sua mãe era de um jogo chamado Caçadores de Dragões.

Sua mãe. Era nela que estivera pensando antes de abrir aquela porta.

Mas... E aquele bilhete? Ele avisava como se algo ruim estivesse à frente mas então ela saíra do jogo e...

A verdade a atingiu como um raio. Ela não tinha saído, o jogo criara aquele lugar. Ela estivera pensando na mãe... Devia estar agora em uma réplica de Caçadores de Dragões.

Clarion tomou a decisão de correr de volta para a porta, mas já era tarde. Não havia nem sinal do túnel pelo qual ela entrara.

"Meu Deus, me ajuda!" Ela murmurou, segurando seu medalhão com força e andando cautelosamente o resto do caminho até o castelo.

Passo após passo, o lugar parecia mais e mais vazio.

"Acho que sei onde vou depois que toda essa confusão acabar." A menina murmurou consigo mesma, mas aquele lugar a estava perturbando.

Finalmente ela abriu a porta do castelo, estava tudo tão silencioso e calmo que começava a deixa-la nervosa.

Foi quando ela chegou à sala do trono que encontrou os primeiros sinais de vida. Havia uma mulher lá, que parecia uma réplica mais velha da própria Clarion.

A menina imediatamente deu meia volta pra sair, mas a mulher já a tinha visto.

"Clar!" Ela exclamou, se levantando.

"Vamos lá Clar, é só um estúpido pesadelo." Ela murmurou para si mesma, ainda de costas. Fechou os olhos e beliscou seu braço com força. Abriu os olhos. Ainda estava no castelo. "E agora?" Ele perguntou um sussurro.

"Onde você estava?" Ela ouviu a voz às suas costas.

"Algum lugar por aí. Por que?"

Ela não ia se deixar enganar. Não ia se deixar vencer. Nada ia pega-la, ela não ia ficar ali, e muito menos algo iria assusta-la. Ao menos foi o que ela disse a si mesma.

"Isso lá são modos de falar, Clar? Eu bem digo que você vive andando em más companhias, mas quando é que você me escuta?"

Clarion revirou os olhos e começou a se afastar. Mesmo que aquilo fosse um pesadelo, ela tinha que encontrar seus amigos.

"Só uma coisa." Ela parou por um momento. "O jogo não tinha sido desligado por causa de um vírus?"

"Claro, e foi restaurado por algum daqueles seus amigos lá de fora. Você já se esqueceu?"

"No momento eu não sei de mais nada." Ela murmurou, fechando a porta e correndo de volta o caminho pelo qual viera. Para sua surpresa o túnel estava de volta ao lugar onde devia.

Enquanto tomava o trem de volta para a Central, Clarion se perguntava onde estava a parte assustadora em todo aquele pesadelo. Ela tentava manter ao máximo seus piores pensamentos escondidos, mas não tinha ideia do quanto a pessoa que criava tudo aquilo podia ser perigosa.

Assim que saiu ela notou uma multidão rodeando o que era o antigo esconderijo de Kitty. Ela viu Link no meio do grupo.

"Ei, Link! O que está acontecendo aqui?"

"Não soube? Tem uma fumaça estranha saindo de lá, mas aparentemente parou desde que seus amigos entraram lá pra descobrir o que era."

Sem pensar duas vezes, Clarion imediatamente correu para dentro. As luzes fortes que antes iluminavam o lugar agora estavam bem fracas, tornando o ambiente sombrio e assustador. Não que a menina tivesse medo. Ao invés de sentir medo, quando ela era pequena ela parecia se sentir melhor na escuridão, mas depois da batalha contra Kitty, ela continuara sem medo, mas não gostava de lugares escuros.

Ela avançou com cautela, mas não encontrou nada de mais. Alcançando o pequeno depósito nos fundos ela encontrou seus amigos, mas nenhum deles parecia muito satisfeito em vê-la ali.

"Eu devia saber que era você por trás disso o tempo todo." Comentou Calhoun.

"Desculpa. Eu o que?!"

"Não se faça de santinha. Você sabe muito bem os problemas que tem causado desde que sua mãe voltou."

"Gente, sabem que aquela garota não existe mais. Eu me reformei. Vocês, como meus amigos, deviam saber bem disso."

"É uma surpresa ouvir você ainda nos chamar de amigos." Comentou Vanellope. "Depois de tanto tempo sem nem olhar pra cara de um de nós."

"O que?! Com minha mãe aqui ou não, eu nunca abandonaria vocês!"

"Mas abandonou. Sem nem mesmo um obrigado, ou ao menos se despedir."

"Devíamos saber que você só estava usando a gente. Toda aquela atitude rebelde... Não me admira que você não tinha amigos antes. Não se importa com ninguém além de si mesma."

"Enganou a gente. Nunca teve algum sentimento nesse coraçãozinho de pedra, não é?"

As palavras soavam dispersas para Clarion, ela perdera a noção de quem dizia o que, só queria que parassem. Era tudo mentira. Tudo um pesadelo.

Mas então ela percebeu duas coisas: A primeira, que aquilo não era totalmente mentira. Talvez do ponto de vista dela, mas aquilo era o reflexo da maneira como ela agira desde que chegara ali. Tinha mentido, fugido e machucado pessoas mais de uma vez. Eles tinham se preocupado e tentado ajuda-la e ela tinha simplesmente se comportado como a rebelde princesa das ruas que ela nunca quisera mas era suposta a ser. Quem sabe o que os outros tinham pensado quando ela fugiu e ficou a semana inteira desaparecida?

A segunda coisa que ela percebeu, era o quanto tinha medo de ser julgada por seu passado, ou pelas ações de Kitty, ou pela pessoa que ela era suposta a ser por causa de seus pais.

"Talvez você estivesse certa. Talvez eles realmente se importassem. Mas qualquer um cansa desse seu comportamento infantil e rebelde."

Aquela voz...

"Kitty?!"

"Surpresa em me ouvir, queridinha? Pensei que uma garota esperta como você teria percebido a verdade."

"Que verdade?"

"Nunca se livrou de mim por completo. Nos unimos porque você tinha muito de mim em você, em seu destino. Mas então vieram seus amigos. Juntos vocês começaram a mudar o destino, a mudar você. Em certo ponto nossa ligação se esgotou e nós nos separamos. Tínhamos nos tornado tão diferentes que nossos espíritos se rejeitavam. Mas você nunca mudou por completo, se recusava a abandonar por completo sua antiga vida. Quando seu irmão e sua amiga pestinha me aprisionaram, parte de meu espírito voltou para você, não tão forte quanto antes, você não podia mais sentir, mas as vezes me ouvia em seus sonhos, ficava com medo, então acordava e se recusava a dormir, porque sabia que eu estaria lá, esperando."

Então era mesmo Kitty que a perturbara durante todas aquelas noites.

"Mas agora chegou a hora do destino ser cumprido. O ritual deve ser completado e não terá mais que se preocupar comigo."

"Não! Me deixe em paz!" Clarion gritou, estava ficando assustada.

"Não tem escolha, querida."

Apavorada, a menina começou a sentir que seu corpo não estava mais em seu controle, ela apenas assistia a tudo. desesperada, fazendo o possível para parar Kitty, enquanto a gata, agora no controle do corpo da menina, puxava a espada e avançava sobre o grupo.

"Por favor, pare com isso!" A pequena pediu desesperada. "É só um pesadelo." Começou a murmurar para si mesma. "Só um pesadelo."

Ela não queria ver o fim daquilo. De uma maneira ou de outra não seria nada bom. Alguém ia acabar morto naquela briga e ela não queria saber quem. Só queria uma maneira de fugir dali, queria voltar pra casa, queria ter escutado os amigos e não ter entrado naquele lugar. Só queria que aquilo parasse.

Então tudo começou a piscar a sua volta, entre o pesadelo e a realidade, e o que ela via, além da sala como todas as outras no labirinto, eram as figuras negras disformes que avançavam para ela. Tentou se mover, mas nem no sonho, nem na realidade, ela tinha controle sobre algo além de sua mente. Flashes de luzes, sombras, olhos brilhantes, garras afiadas, lâminas, sangue e dentes pontiagudos piscava em sua mente a uma velocidade surpreendente e a dor... Ela não podia definir do que, mas queimava como fogo, ela tinha vontade de gritar mas não podia. Em um flash, viu uma das sombras sobre ela, fechou os olhos, sabia que era ali que tudo terminava...

"Você pode lutar contra isso." Ela ouviu uma voz em sua mente.

"Não desista."

"Ainda estamos com você."

As vozes de seus amigos. Deviam estar em algum lugar naquele jogo. Deviam estar procurando por ela, provavelmente preocupados, provavelmente em perigo... Precisavam dela. Ela não podia desistir, por eles, ela precisava lutar. Era apenas um pesadelo. Sim, podia machucá-la, podia mata-la mas, ainda assim, era só um pesadelo.

Então ela finalmente abriu os olhos, estava de volta ao labirinto, as figuras ainda estavam lá, lentamente tomando forma, seus amigos, ou uma versão zumbi do que deveriam ser seus amigos. Figuras que minutos atrás, e se ela não as tivesse visto se transformarem, a teriam apavorado, mas agora ela sabia o que eram, sabia que se alimentavam de seu medo, sabia que não eram reais.

Ela tinha acabado muito ferida até conseguir despertar, mas conseguiu reunir todas as suas forças, pra invocar uma espada e atacar. Golpes rápidos e certeiros, dignos de uma verdadeira caçadora de dragões e as figuras caíram, lentamente recuperando sua verdadeira forma.

A menina deixou-se cair também deitada no chão, tentando recuperar o ar e as forças. Precisava fazer aquilo, por seus amigos... sua família. Precisava se levantar e encontrá-los. Quem sabe por que perigos estariam passando, se ela mesma quase fora morta naquele momento.

Seu código foi lentamente se regenerando, enquanto ela lutava para esvaziar a mente, e ainda se manter acordada. Sabia que se dormisse seria o fim.

Então ela ouviu o som do rosnar daquelas criaturas, não vinha de muito longe. Ainda fraca, atordoada e sonolenta, ela se forçou a levantar e correr para longe deles, cada vez mais para o fundo do labirinto.