1998

Doze anos

A vida tinha um senso de humor estranho. Estranho mesmo. Logo depois da morte do meu pai, todos ficaram preocupados com o modo que eu agiria daqui pra frente, de como eu iria me modificar pra lidar com aquela importante perda na minha vida. Eu tinha Felicity, Tommy, Thea e minha mãe comigo. E não havia uma razão pra mudar quem eu era, nem pela partida do meu pai. Eu sabia que ele sempre estaria comigo e não havia um porque disso.

Mas não foi o que aconteceu com Felicity. Nas férias de verão após tudo aquilo acontecer, o pai dela planejou uma viagem pra ela pela Europa. Ela estava relutante em nos deixar, mas nós persistimos pra ela ir se divertir um pouco. Ela sempre estava tão preocupada com os outros que estava na hora dela ter um pouco mais de tempo pra si. Mesmo que eu não gostasse nem um pouco da ideia de Felicity estar em uma distância maior de mim do que a de sua casa para a minha.

E foi aí que as coisas mudaram. Não por eu ter encontrado amigos mais legais do que ela, isso jamais aconteceria, mas foi um choque quando Tommy e eu fomos ao aeroporto buscar ela e a tia Donna e nos deparamos com uma Felicity com as pontas de seus cabelos loiros pintados de rosa, usando couro e roupas escuras. Quem era aquela garota e o que ela tinha feito com a minha melhor amiga?

Ela havia ido à Europa, tomado novos ares, eu juro que eu entendi essa parte. Mas daí a ela voltar com um visual completamente diferente por que havia “se encontrado” lá fora é totalmente outra. Tia Donna tinha aprovado o seu novo visual, mas não havia deixado Felicity fazer o que bem entendia. Piercings e pintar todo seus cabelos estavam fora de questão.

Piercings.

A garota tímida que eu conheci na sua festa de aniversário de seis anos estava querendo colocar Piercings com apenas dez anos. Era inacreditável! Ela dizia que a vibe Emo iria pegar por aqui em breve, e ela estava louca pra ver as outras pessoas curtindo as mesmas coisas que ela estava.

Mas eu estava em choque. Tommy também. Era no mínimo paralisante ver que a garota mais centrada que nós dois conhecíamos havia se tornado... Aquele pessoa.

Obviamente não gostamos daquilo e pedimos pra ela voltar a ser a garota que conhecemos a anos atrás. Não que sua essência tivesse mudado, mas estar com aquela garota, em vez da nossa garota parecia errado. Mas nós insistimos, insistimos muito. Não é exagero colocar o muito na frase, na verdade, foi muito mais que muito. Foram quase dois anos insistindo nisso até que Thea falou que o cabelo dela parecia um ninho de passarinho depenado. Nem que me matem, mas eu nunca vou admitir em voz alta que eu mandei a minha irmãzinha de quase três anos dizer isso pra minha melhor amiga em mais uma tentativa de fazê-la mudar de ideia.

E eu jurava que dessa vez iria dar certo. Mas é claro que se tratando de Felicity, o certo era eu esperar o inesperado. E foi Isso o que aconteceu. Em vez dela só ter as pontas de seus cabelos em rosa, agora ela havia inventado a moda de querer pinta-lo de lilás.

E eu quem achava que o Tommy era o maior dos meus problemas!

Eu juro que estava vendo ela surtar de vez e pintar seu cabelo de cinza, ou até mesmo raspa-los de uma vez. Lembro-me que quando a chamamos pra irmos ver algo no cinema, de como ela andava pelos corredores chamando atenção. E não do jeito bom. Mas não foi pior do que ela ser a culpada pela nossa quase morte quando nós a contrariamos dizendo que não iríamos assistir Armageddon com ela.

Ter aquele pequeno ser na minha frente de cabelos lilás usando uma jaqueta de couro digna de motoqueiros de gangue com um olhar assassino foi a coisa mais assustadora que eu tive na minha vida inteira. Obviamente fizemos sua vontade e fomos ver o filme com ela, o que por um lado foi bom, já que no momento em que começou a tocar I Don’t Wanna Miss A Thing,eu a vi sussurrar a letra e seus olhos encherem de lágrimas quando alguns dos astronautas quase morreram. Não que eu estivesse realmente prestando atenção no filme, mas ver que ele trouxe o melhor da minha amiga que estava tão diferente por fora, me deixava esperançoso que a menina de cabelos totalmente loiros que amava seu ursinho de pelúcia e usava vestidos voltasse.

E eu a faria voltar.

~♡~

Em uma tarde de outono, eu fui em sua casa a visitar pra saber como estavam nossos planos para nossas férias. Não me entenda mal, mas depois dela sair sozinha de férias e voltar daquele jeito, eu sequer pensava na possibilidade de deixar ela sair por aí sem estar na minha companhia ou na de Tommy. Não que a da tia Donna fosse ruim, mas por ela dizer que só era uma fase e que logo a nossa Felicity estaria de volta. Então era melhor prevenir antes que ela entrasse em outra fase estranha!

Mas eu tenho que admitir que esse novo estilo de Felicity, por mais estranho que fosse, me deixava orgulhoso dela. Não me entenda mau, eu amo a versão antiga da minha melhor amiga e não via a hora dela voltar, mas essa não se importava com o que os outros diziam dela, e isso era o que eu mais tentava fazer a sua antiga versão entender.

Não precisei nem chegar ao final das escadas para escutar de onde vinha aquela música alta do semisonic pra saber que Felicity estava de mau humor. Ela costumava ficar assim quando brigava com alguém ou quando tirava um A-, e como eu sabia que nada disso havia acontecido, algo estava errado.

Entro no quarto silenciosamente e a vejo deitada de bruços na cama abraçada a Ruby, com seus cabelos cobrindo seu rosto. Mas novamente foram seus cabelos que me chamaram atenção.

— Eu realmente não acredito que você pintou seus cabelos de novo – Falo um pouco irritado chamando sua atenção – E o pior de tudo é que foi sem nos falar sobre isso. De novo.

— Eu estou de mau humor, então nada de drama pra cima de mim – Diz enterrando a cabeça nos travesseiros espalhando ainda mais sobre a cama aqueles cabelos coloridos.

— Não é drama, sorriso. Eu só acho que pontar seu cabelo de três cores diferentes e sequer avisar seus melhores amigos da sua decisão, não é legal – Digo um pouco magoado e ela finalmente me olha e percebo que seus olhos estavam vermelhos por ela ter chorado – O que aconteceu? – Pergunto preocupado me aproximando de sua cama e ela volta a enterrar o rosto nos travesseiros.

— O Sr. Dylan disse que eu não posso mais entrar no campeonato estadual de matemática de nevada – Fala com a voz abafada – E a Sra. Evans me dispensou do grupo de química só porquê eu disse que ela havia errado na resposta da prova semanal.

— E ela errou? – Pergunto e ela me olha incrédula.

— É claro que ela errou, Oliver. Eu nunca diria algo do tipo sem saber se era de fato verdade. E eu verifiquei três vezes antes de falar com ela – Diz fazendo bico e eu me sento ao seu lado na beira da cama.

— Então são esses os motivos de você ter colocado o verde e um pouco de rosa aqui? – Digo com cautela pegando uma mecha de verde claro dos seus cabelos em meus dedos.

— Não – Fala se virando para ficar de frente pra mim – Eu já estava enjoada do lilás e resolvi variar um pouco – Diz e eu não consigo não torcer a cara – Nem vem, Oliver. Nada daquele papo de que meu cabelo loiro é mais bonito.

— Eu não disse nada – Digo levantando as mãos em rendição.

— Mas essa sua cara torta fala por si só – Diz bufando – Por quê você e o Tommy tem que ser tão chatos?

— Porquê nós nos preocupamos? – Devolvo ácido e ela semicerra os olhos pra mim – Em menos de dois anos, você já pintou seus cabelos de rosa, lilás, rosa de novo, mas dessa vez com mais duas cores. Daqui a pouco, cada fio vai ter uma cor.

— Deixa de ser exagerado – Diz revirando os olhos.

— Exagero é não poder mais te jogar na piscina por que se não a água toda vai ficar colorida. E a Thea não gosta do seu cabelo assim, você sabe disso.

— E é só ela? – Pergunta irônica levantando uma sobrancelha.

— É claro que não – Digo bufando – Mas é claro que não é você quem tem que explicar pra ela por que dela não poder fazer o mesmo – Falo e ela começa a gargalhar – Ria, pode rir. Mas se lembre de explicar pra Moira Queen o porque da filha dela querer pintar seus cabelos de vermelho – Digo e Felicity ri mais ainda.

— Acho que ela não aprovou muito essa minha nova escolha de estilo – Fala torcendo os lábios.

— Sorriso, ninguém gostou desse seu novo estilo – Digo sincero e ela me olha espantada.

— Uau! Alguém aqui tomou uma dose de coragem pra vir falar isso na minha cara – Diz revirando os olhos se levantando da cama.

— Eu sempre te disse que não gostava do seu cabelo assim – Falo vendo-a desligar o rádio que começava a tocar Metallica.

— É tão ruim assim pra você eu ter um estilo diferente? – Pergunta parecendo magoada e eu suspiro pesado.

— Não achei seu estilo ruim – Digo e ela me encara desafiadora – Tudo bem, eu achei sim. Mas não é esse o ponto. Você é a garota mais incrível e inteligente que eu conheço, acho que nem seu atual estilo ruim pode fazer isso ser de outro jeito. Mas não muda o fato que esse tanto de tinta e couro não combina nada com você, Sorriso.

— E desde quando você entende algo de moda? – Fala revirando os olhos.

— Eu entendo que você fica ainda mais bonita do que você já é quando está usando aquele seu vestido azul com uma faixa branca que é o seu favorito – Digo e ela me olha boquiaberta, mas logo um sorriso surge em seu rosto. Aquele sorriso.

— Você é um idiota completo – Fala e eu a olho sem reação ao perceber que eu finalmente estava a convencendo.

— Alguém me belisca que eu tô sonhando – Digo ainda incrédulo e ela me lança uma carranca e logo depois uma de suas pantufas.

— Muito pior que um idiota – Diz jogando outra, e assim como a anterior, eu desvio vendo-a cair na cama.

— Desse jeito você vai acabar sujando a Ruby – Falo colocando o ursinho em meu colo.

— Da pra você largar ela e me dizer afinal o que você veio fazer aqui, que eu tenho certeza que não foi só pra me fazer pintar meu cabelo de novo, mas dessa vez de loiro e voltar a usar minhas antigas roupas?

— E se tiver sido? – Falo e ela pega sua pantufa do mestre Yoda e aponta pra mim – Ok, eu me rendo. Sua maluca – Murmuro a ultima parte e ela joga não só uma, mas as duas pantufas em mim, que não consegui desviar de nem uma delas.

— As pantufas acabaram, posso começar a jogar os coturnos se quiser? Menos aquele que custaram 60 pratas, ele é lindo demais ora acertar essa sua cara de pau – Fala e eu lhe olho boquiaberto.

— E eu que vim aqui inocentemente perguntar qual eram os seus planos pras férias de inverno, e você fica ai me jongando suas pantufas, mas não vai me jogar seu sapato pesado de 60 dólares, mas não por que pode me machucar, mas por ele ser bonito. Essa é a minha melhor amiga! – Digo indignado e ela sorri maldosa.

Isso é o que se acontece quando se apresenta Tommy Merlyn pra meninas fofas – Diz dando de ombros voltando a sentar-se ao meu lado – O que você tem em mente pras férias? Porque eu estou sem nem nada.

— Primeiro falar pra tia Donna pintar o seu cabelo de loiro e doar todo aquele couro que você vive usando. Menos aquele seu casaco que tem escrito I’m bad girl, eu gosto dele – Digo com uma piscadela e ela revira os olhos puxando a Ruby do meu colo pro seu – E depois eu estava pensando da gente ir pra um lugar quente, ir pra praia ou coisa do tipo.

— Eu queria ir pra um lugar frio, curtir a neve – Fala em um suspiro colocando a Ruby de volta no lugar dela – E mais, temos que ter o Tommy nessa conversa pra podermos decidir o que iremos fazer.

— Ele está na casa da Caitlin. Ele está levando a sério mesmo essa coisa de entrar no time de futebol da escola.

— É, porquê o treinador do time de basquete já falou que ele está proibido de fazer novos testes pelo resto de vida escolar – Fala rindo e eu a acompanho.

— Eu até tentei me solidarizar, dizendo que faria o teste junto com ele – Falo e ela me olha com uma sobrancelha levantada visivelmente prendendo o riso – E ele do que em vez entender, surtou dizendo que era só pra eu ganhar uma vaga antes dele.

— Claro, porque você ao contrário dele, conseguiria entrar no time sem problemas – Fala rindo com vontade.

— Você por um acaso está duvidando das minhas capacidades físicas de entras no time de futebol da escola, Sorriso? – Digo em desafio e ela faz sua melhor cara de inocência.

— Eu não disse isso – Fala e eu me levanto ficando de frente para ela – Mas não vamos negar que você é sedentário e não aguenta nem dois minutos correndo.

— Isso é uma calúnia!

— Não é, não. É só a verdade – Diz tentando se manter séria, mas falhando totalmente.

— Retire o que disse agora – Falo sério dando mais um passo, encurralando-a.

Nunca.

— Última chance – Digo no meu melhor tom ameaçador e ela nega contendo um sorriso – Não vai?

— Nop – Diz puxando bastante o “p” e eu maneio a cabeça em negativo.

— Lembre-se que foi sua escolha, Sorriso – Falo com uma piscadela e a jogo na cama começando a cutucar sua barriga em um ataque de cócegas – Retire o que disse.

— Não – Fala se contorcendo de rir e tentando me afastar, mas não conseguindo.

— Eu não vou parar até você fazer o que eu disse. Retire o que disse – Falo e meus dedos vão até seus pés, atacando ali também escutando seus risos aumentarem – Vamos, fale.

— Oli.. Oliv.. Oliver se-seden.. Sedentário – Fala chorando de rir e minhas mãos agora começam a fazer cócegas em seu pescoço. Seu ponto fraco.

— Eu sou o quê, Sorriso? – Pergunto não parando meu ataque, mas já preocupado por ela estar vermelha – Repita.

— Está bem, está bem. Eu me rendo – Fala e eu paro o meu ataque, mas não me afasto vendo sua respiração descompassada.

— Diga – Falo afastando uma mecha de cabelo colorida de seu rosto corado.

— Você é um atleta olímpico, satisfeito? – Pergunta cansada e eu maneio a cabeça.

— Um pouco – Digo sorrindo vendo-a fechar a cara.

— Idiota – Resmunga irritada.

— Só quando me é conveniente – Falo dando uma piscadela. Mas antes que ela possa responder, ouvimos um arranhar de garganta me fazendo pular e me afastar de Felicity no mesmo instante.

— Tudo bem por aqui? – Tio Noah pergunta sério olhando fixamente pra mim.

— Tudo – Felicity fala ainda com a respiração ofegante, mas já um pouco melhor. Suas bochechas ainda estavam vermelhas por causa do meu ataque me fazendo quase deixar escapar um sorriso. Eu amava quando suas bochechas ficavam assim.

— A Donna fez um lanche pra vocês. Melhor descerem – Diz ainda me olhando parecendo desconfiado.

— Claro, tio Noah – Digo o mais natural possível tentando não me afetar pelo olhar que ele me lançava.

— Dois minutos – Fala e nos encara por mais alguns instantes antes de dar as costas e sair.

— Isso foi estranho – Felicity retirou as palavras da minha boca se levantando da cama. Não consigo conter meu sorriso ao vê-la com os cabelos coloridos desgrenhados. Ela era fofa — Qual é a graça? – Pergunta confusa indo até sua pequena estante do outro lado do quarto.

— Seu cabelo está uma bagunça – Falo rindo levemente e ela fecha a cara.

— Se meu cabelo está assim, é por sua culpa – Diz irritada pegando uma escova e passando-a em seus cabelos – Não é nada legal rir do cabelo dos outros, Oliver. Nem se ele for feio – Resmunga parecendo magoada.

— Eu estou sorrindo porque eu estava pensando é que você continua fofa mesmo estando uma bagunça – Falo cauteloso e ela suspira pesado.

— Se as vezes você não fosse tão legal, eu deixaria a chata da Bertinelli ser sua amiga – Diz se aproximando já com os cabelos arrumados.

— Como se mesmo assim eu fosse querer ficar amigo daquela lá – Digo não contendo minha cara de nojo – Qual é, nós dois sabemos que ela só queria virar minha amiga pra saber de quem eu colava – Falo exasperado e ela ri.

— Queria ter visto a decepção na cara dela, quando ela descobriu que você agora sabe estudar – Diz com um sorriso sacana e nós saímos do seu quarto indo em direção a cozinha.

— Queria ter contado isso pra ela, se o Tommy não tivesse dito que eu colava da pasta secreta da professora. As aulas de inglês nunca mais foram as mesmas depois que ela foi suspensa por mexer nos armários dos professores.

— Eu amo o Thomas Merlyn – Fala gargalhando.

— Só não fale isso perto dele, ou ele vai me encher com isso até eu completar 80! – Alerto ela que ri ainda mais.

— Do jeito que ele é, é bem possível.

— O que é possível? – Tia Donna fala se aproximando.

— Tommy atormentar o Oliver por eu dizer que eu o amo – Fala e ela sorri.

— Tem razão, é bem possível – Diz rindo – Noah disse que os avisou que eu fiz um lanche pra vocês.

— Eu estou faminta.

— Quando você não está com fome?

— Quando ela está ameaçando jogar os sapatos dela em mim – Provoco e ela me olha feio.

— Sua sorte é que eu estou com fome demais pra cair nessa sua gracinha – Diz mostrando língua e vai em direção a cozinha.

— Você não vai com ela, Oliver? – Tia Donna pergunta.

— Não posso, eu tenho que estudar pra um teste de ciências que está vindo e eu preciso no mínimo tirar um B. Eu só vim mesmo falar com ela.

— Conseguiu finalmente convence-la a tirar aquela tinta toda? – Fala divertida e eu não consigo controlar meu enorme sorriso – E esse seu sorriso brilhante quer dizer...

— Ela está cedendo – Digo e ela sorri amplamente pra mim.

— Sabia que por incrível que pareça, você e o Tommy iriam colocar juízo na cabeça dela – Fala confiante – Que bom que a minha filha tem você na vida dela, Oliver.

— Eu quem tenho sorte dela me aturar. Ela é uma garota especial, a mais especial.

— Ela é sim, e você também é.

~♡~

— Thea, você não pode subir aí. Vai acabar se machucando – Digo pegando aquela coisa pequena que estava a tarde toda insistindo em subir na estante de livros do meu quarto. Eu juro que estava tentando estudar, mas com aquela pestinha aprontando, estava difícil conseguir passar das primeira página.

Desde que meu pai morreu, eu me aproximei muito da minha irmã. E graças a Felicity, não tive nem um episódio de surto de insegurança. Ela sabia o que dizer e quando dizer, ou simplesmente ficava do meu lado. Era fácil viver assim, ter meus amigos e minha família sempre juntos, unidos. Sempre tendo alguém quando se precisa, sempre estando com alguém que se ama. Mesmo que essa pessoa não pare quieta por um segundo sequer — Penso irônico vendo Thea pegar um livro de química avançada que Felicity deixou aqui e começar a me imitar. Tão pequena e tão implicante.

— Se não fosse o livro favorito de exercícios da Felicity, eu deixaria você aproveitar. Aposto que daqui à alguns anos você vai querer tacar esses livros na parede – Digo tirando o livro de suas mãos e a pegando no colo vendo seu bico de choro se formar – Nada de bico, Thea. Eu deixo você morder meus livros de ciências quando eu acabar com eles, mas por enquanto, que tal os dicionários que eu fingia usar no 4° ano? – Pergunto como se ela fosse entendo, entregando o pequeno livro colorido pra ela que aceita um pouco relutante – Agora será que você me deixa estudar um pouco? – Falo andando até a cadeira que eu estava antes de Thea querer dar uma de alpinista.

Com cuidado, coloco-a em meu colo e começo a tentar entender o que estava escrito nos livros. Eu realmente não entendia o por quê de eu ter que aprender sobre os cromossomos, muito menos sobre o motivo de suas existências.

— Queria voltar a ter a sua idade, quando a minha maior preocupação era quanto tempo iriam demorar pra me dar um biscoito e não ter que estudar sobre os cromossomos.

— Isso por quê você sequer chegou na parte em que se estuda a meiose, você iria querer se jogar da janela – Ouço a voz de Felicity vindo da porta – Mas eu não tenho como opinar, já que eu amei o assunto.

— É claro que amou, afinal voc... – Paro de falar assim que meus olhos alcançam seu rosto não acreditando no que estou vendo – Que eu não esteja vendo uma miragem – Digo boquiaberto e ela ri se aproximando.

— O Tommy teve a mesma reação quando foi lá em casa me buscar pra vir te atazanar a paciência – Diz e para ao meu lado tirando Thea do meu colo – E feche a boca, ou então vai entrar mosca.

— Não me julgue, eu estou em choque! – Falo exasperado por seu novo corte de cabelo. E por sua nova cor de cabelo— Eu te disse que você fica melhor loira. E sem todo aquele couro – Digo com uma piscadela, mas não consigo evitar de uma careta sair em seguida – Mas eu tenho que dizer, prefiro seus cabelos maiores do que encima do ombro.

— Seu problema é que você nunca está satisfeito – Fala revirando os olhos – E como andam os estudos?

— Não andam – Falo e ela me lança uma carranca de desaprovação – Não me culpe se eu tenho uma irmã que se acha alpinista e quer comer seu livro favorito de exercícios.

— Só não vou rir porquê eu amo aquele livro – Diz divertida – Eu e Tommy viemos te chamar pra sair um pouco, mas como você ainda está estudando, nós vamos ficar lá em baixo comendo o bolo de cenoura com cobertura de chocolate que a Raisa fez.

Tabelo bunitu da Liz — Thea fala pegando um pouco deles em seus dedo roliços.

— Viu, até a Thea concorda – Falo me sentindo vitorioso e Felicity me olha feio.

— Engraçadinho – Diz bufando – Vou levar a pequena alpinista devoradora de livros comigo. E eu espero que o Sr. Luthor te faça pagar por essas suas gracinhas no teste.

— Melhor amiga do que essa, só sendo Tommy Merlyn – Falo com falsa indignação e ela revira os olhos e sai do quarto com Thea em seu colo.

Olhei para os livros de ciências à minha frente querendo queima-los, mas se eu quisesse sair de férias com os meus amigos e evitar que Felicity entrasse em uma nova fase, eu iria tirar um A se fosse preciso!

~♡~

Depois de quase três horas confinado no meu quarto estudando, finalmente pude me dar o luxo de sair um pouco para espairecer. Eu iria tirar uma nota boa e poder sair de férias sem ao menos me preocupar com qualquer outro problema que eu deixasse em casa. E eu o faria.

Desço as escadas já escutando as rizadas de Thea com as reclamações de Tommy. Não era nada impossível de Felicity ter mandado Thea falar algo pra Tommy que ele não gostou nada. E eu estava mais do que ansioso pra saber o que era pra usa-lo também.

Não me entenda mau, mas uma arma contra todo o deboche de Thomas Merlyn não era algo pra não se usar.

Entro na cozinha e vejo os três sentados à mesa rindo de algo. Ou melhor dizendo, Thea e Felicity estavam gargalhando e Tommy estava carrancudo e Caitlin contendo um sorriso.

— O quê eu perdi? – Pergunto me encostando no batente da porta chamando a atenção deles.

— A Thea chamou o Tommy de feio – Felicity fala rindo.

— E quando ele tentou fazer ela mudar de ideia, ela disse que ele tem um cabeção – Caitlin fala quase rindo, mas para assim que Tommy a olha.

— O que você está ensinando pra sua irmã, Oliver?

— O que você está ensinando pra minha irmãzinha, Tommy? – Devolvo me aproximando deles e ele me olha incrédulo.

— Eu só ensino coisas boas pra ela!

— Claro, porque ensinar ela a chamar o Oliver de Ollie birrento é uma coisa boa – Felicity diz irônica e Caitlin ri alto.

— Hey! Não ria, não é legal – Tommy fala magoado e elas riem mais ainda.

— Claro, porque quando é com você é não é legal – Caitlin fala revirando os olhos.

— Ok, vamos ao que realmente importa que é falar pra onde vamos pra nossas férias, que por um acaso serão daqui quatro semanas? – Tommy fala querendo mudar de assunto e Caitlin maneia a cabeça sorrindo.

— Eu estava querendo ir pra praia, quem sabe viajar no iate do meu pai, mas a Sorriso disse que queria esquiar. Vocês tem alguma outra ideia? – Pergunto pra eles, fingindo não ver a cara de animação de Tommy por eu sugerir andar no iate, o que ele amava fazer.

— Eu gosto da ideia dos dois, são férias de inverno, esquiar é uma coisa que é quase obrigatória, e não vou negar que fugir um pouco desse frio é bem tentador. Mais eu não sou muito fã de ter que viajar em um iate – Caitlin fala a última parte com uma careta.

— Já eu, sou totalmente a favor de ficarmos no iate do seu pai – Tommy fala sorrindo amplamente.

— É claro que é – Falo revirando os olhos.

— Deixa de ser chato, Ollie – Fala e me mostra a língua na sua melhor atitude madura – Mas não vou negar que eu quero passar um tempo na neve.

— E você acha que eu vou desperdiçar mais uma oportunidade de te empurrar montanha a baixo? – Pergunto e as meninas riem.

— Você me ama, Oliver.

— Vai sonhando.

— Ok, vocês dois – Felicity fala colocando uma Thea muito preocupada com o bordado de sua blusa em cima da mesa – Já que nós já decidimos o que faremos, vamos dividir as férias em duas. Mas pra onde iremos primeiro? Eu voto em esquiar, ainda vai haver neve e quando voltarmos da praia, já vai estar esquentando.

— E nós não iremos adoecer por causa do frio – Caitlin completa.

— Se a futura Dra. Snow diz – Tommy fala debochado e leva um tapa no braço dela em resposta.

— Você é tão chato. Enfim, eu topo o plano da Felicity.

— É claro que topa. Se não o fizesse, eu faria por você – Tommy diz animado – Mas ao contrário de você Cait, eu aceito de coração aberto viajar no Queen’s Gambit. Não vejo problema algum.

— A claro que não vê. Mas eu preciso te lembrar que o herói favorito do Oliver ficou cinco anos perdido em uma ilha porquê foi viajar em um iate? – Felicity pergunta com uma sobrancelha levantada – Eu não vou viajar em um iate, desculpe.

— Mas a minha ideia de ir pro Caribe você aceita, não é Sorriso?

Mas a minha ideia você aceita, não é Sorriso? – Tommy me imita com a voz irritante – Você é tão bobão as vezes.

- E você é tão irritante, sempre – Rebato.

— Da pra vocês dois pararem! – Caitlin fala irritada.

— Foi ele quem começou!

Foi ele quem começou!

— Sorriso!

Sorriso!

— E a Thea quem é a criança pequena aqui? – Felicity questiona – Da pra vocês dois pararem e nós voltarmos ao assunto das nossas férias.

— Ok – Tommy fala bufando – Caribe, então. Que tal o Vail pra esquiarmos? Minha família tem uma casa lá, e ninguém vai pra lá nessa época – Sugere.

— Sua casa não é nem perto da estação de esqui, Tommy – Felicity fala e Thea faz cara feia pra Tommy como se apoiasse o ponto dela.

— E você acha mesmo que nós podemos viajar sem no mínimo um segurança e um motorista?

— Bom ponto – Digo a contra gosto concordando com ele.

— Mas o que isso tem haver com o que a Felicity disse? – Cait pergunta e Felicity suspira pesado.

— Isso quer dizer que não importa se a casa é longe ou perto, vai ter alguém pra ficar no nosso pé nos levando pra todos os cantos – Felicity diz dando de ombros.

— Ok, casa do Tommy pro esqui – Caitlin fala e Tommy sorri amplamente – Caribe, mas aonde?

— Que tal Cayman? Mamãe falou que lá tem mergulho com arraias – Felicity fala sorrindo sonhadora.

— Arraias, Liz? – Tommy fala entortando a cara não muito contente com a ideia.

— Você e o Oliver vão se jogarem de penhascos na neve, eu quero mergulhar com arraias – Diz dando de ombros.

— E eu mergulhar naquelas águas maravilhosas, e sem falar naquela praia linda – Cait fala com o mesmo tom sonhador que Felicity usou a pouco.

— Também tem trilhas.

— Chegou o Ollie aventureiro – Tommy fala rindo – Eu ainda sou contra a ideia das arraias e a das trilhas, mas Cayman está ótimo – Diz e Caitlin o olha sorrindo curiosa – O que?

— Seus pais não tem uma casa de praia lá também? – Provoca e ele sorri presunçoso.

— Não, mas os pais da Liz tem – Fala com uma piscadela e Cait a olha boquiaberta.

— Definitivamente, andar com os três milionários da escola irão me dar férias inesquecíveis!

— Caitlin, seus pais são cirurgiões do melhor e mais caro hospital de Starling, e seu pai é o cirurgião chefe! – Felicity fala exasperada.

— Mas diferente dos pais de vocês, eles não tem casa no Caribe – Fala como se fosse o óbvio.

— Isso porquê você não viu a casa dos pais do Ollie no Canadá. É quase maior que essa aqui! – Tommy fala e eu contenho meu sorriso por lembrar da última vez em que eu estive lá.

— Saudades de lá – Felicity fala nostalgia e me olha segurando o riso assim como eu.

No último verão, a família de Felicity foi conosco para a nossa casa de férias. Tommy não pode ir pois tinha que viajar com o pai, então coube a nós dois fazermos bagunça sozinhos. E nós fizemos.

Acho que eu nunca vi nossas mães tão bravas como no dia em que eu levei Felicity e Thea pra tomarem um banho de lama. Eu havia ouvido que era legal, mas a coceira que ficamos por causa da nossa pequena aventura nos rendeu uma bela de uma bronca. Nossas mães tiveram que comprarem muitos antialérgicos, Felicity ficou com sua pele normalmente pálida, vermelha igual a um pimentão, Eu se pudesse, teria arrancado minha pele de tanta coceira e Thea teve que ir pro hospital. Ficamos de castigo por uma semana inteira sem ao menos poder colocar a cara pra fora de casa ou repetir a sobremesa.

Mas eu havia aprendido alguns truques com Thomas Merlyn, eu acordava Felicity no meio da madrugada e íamos atacar a gelada pra comermos o resto de bolo que ainda tinha, mas que não podíamos comer. Quando nossos pais iam passear, nós fugíamos pra um parquinho que ficava a algumas quadras pra irmos brincar.

Nunca vou me esquecer de quando Felicity deu a ideia de escrevermos na arvore do parquinho as iniciais dos nossos nomes. O.Q. + F.S. + T.M. e a frase melhores amigos para todo o sempre

Foi um dos melhores verões que eu tive. E se iríamos voltar lá, eu pretendia fazer tudo de novo. Tudo menos a parte do banho de lama!

— Ok, da pra vocês dois compartilharem o porquê de estarem se encarando assim – Cait fala me tirando das minhas memórias vendo Felicity fazer o mesmo.

— Quando chegamos lá, eu conto. Ou melhor dizendo, mostro pra vocês – Fala e eu não consigo controlar a gargalhada alta sair.

— Tem certeza que quer isso, Sorriso? Nossas férias irão acabar no mesmo instante se isso acontecer de novo – Digo aos risos e ela me acompanha.

— Com certeza irão – Diz gargalhando enquanto Tommy e Cait nos olham sem entender nada.

— Vocês são dois malucos! – Cait fala.

— E é por isso que nós quatro somos amigos, cada um de nós é um pouco mais louco que o outro – Tommy fala dando de ombros.

— Olha só, Thomas Merlyn bom com palavras – Felicity fala orgulhosa.

— O que eu posso fazer? É um dom, e é por isso que vocês me amam.

— Idiota.

— Com toda certeza, Liz.