Enjolras não parava de pensar na breve conversa que teve com Éponine no meio da semana e agora em plena sexta feira a noite e com uma leitura por terminar para uma de suas aulas e textos para serem corrigidos de seus alunos, ele não conseguia encontrar concentração suficiente para fazê-los. Estava ansioso demais para saber como ficariam as coisas.

"Sábado de manhã" pensou enquanto batia a ponta da caneta na mesa buscando a atenção que tanto queria ser capaz de dar para seus afazeres. "Daqui algumas horas será sábado de manhã e ela vai estar aqui. Depois de tanto tempo"

Sentiu seu gato passando por suas pernas e então saltando sobre a cadeira livre soltando um miado.

–Também sinto falta dela garoto. Também sinto- Enjolras se esticou para coçar atrás das orelhas de Bolinha.

Se levantou para pegar mais café, talvez outra xícara era o que ele estava precisando mas antes de chegar a cozinha,batidas urgentes na porta o fizera parar. Trocou um olhar com Bolinha que havia saltado para o chão e ia em direção a porta.

Enjolras fez o mesmo se perguntando quem poderia ser e com uma leve esperança de que poderia ter a conversa com Éponine antes do esperado. Pelo menos assim ele teria cabeça para terminar o que tinha que ser feito.

–Graças a Deus- Enjolras deu de cara com Augustinne na porta segurando Annabelle- você é minha única opção.

–Quê?-Enjolras questionou sem entender.- Quer entrar Augustinne? Onde esta o Combeferre?

–Exatamente o que eu quero saber,Enjolras. Aparentemente o idiota do Combeferre foi pego fazendo alguma coisa com o Courfeyrac e Grantaire. Agora preciso ir achar aqueles três cabeças de bosta.

–Tudo bem,posso ir com você só espere um segundo...

–Não,não- Augustinne o cortou impaciente- Não posso sair procurando eles com a Annabelle. Marius e Cosette saíram para jantar, Éponine esta no ensaio, Joly ta de plantão e Jehan não sei onde está. Você é minha ultima solução. Aqui.- tirou a bolsa de bebê que carregava e a pendurou no braço de Enjolras em seguida passando Annabelle para os braços estendidos de um Enjolras chocado e apavorado.

–Vo... Você quer que eu fique com ela?- indagou hesitante e olhando para Annabelle como se ela fosse uma bomba prestes a explodir em seu colo.

–Quero. Não é tão difícil, até o Grantaire consegue. Se ele consegue,você consegue. Não se preocupe logo ela vai dormir e volto o mais rápido possível. Na bolsa tem tudo que é preciso.

–Não quer que eu vá procurá-los e você fica aqui com ela?

–Ah,não mesmo. Combeferre vai ouvir poucas e boas quando eu encontrá-lo. Merci Enjolras por ficar com ela.

E sem deixar que Enjolras desse uma resposta se virou e desceu pela escada,impaciente demais para esperar o elevador.

Enjolras ficou ali,segurando Annabelle,os braços esticados o mais longe possível do corpo,olhando a criança com desconfiança.

–Muito bem... Quantos anos você tem e o que eu vou fazer com você?- perguntou para o bebê em seu colo que lhe abriu um sorriso sem dentes como se achasse graça da falta de jeito como ele a segurava.

"O que vou fazer com essa criança?",era a única pergunta que seu cérebro parecia capaz de produzir. Nunca,em toda sua vida tinha segurado uma criança e podia garantir para qualquer um que não tinha vontade de que isso acontecesse tão já. Simplesmente não tinha jeito para pessoinhas tão pequenas e delicadas.

Enquanto isso Annabelle continuava rindo para Enjolras como se quisesse que ele sorrisse para ela de volta como todos faziam. Mas não ele, ele continuava a olhá-la com uma careta estranha como se sentisse dor.

Enjolras se sentou no sofá, já sentindo seus braços doerem. Como uma criaturinha daquele tamanho podia ser tão pesada? Talvez manter os braços tão longe do corpo não fosse o jeito certo de se segurar um bebê,mas ele estava com medo de que se movimentasse Annabelle acabaria por derrubá-la no chão e a machucaria.

Preferiu acreditar que logo Augustine voltaria,contudo após um tempo Annabelle começou a se contorcer nas mãos de Enjolras e a ameaçar chorar.

–Não,por favor, não chore... Garotinha. O que eu posso fazer por você?... Céus seria tão mais fácil se você falasse.- e como se tivesse dito algo muito ofensivo, Annabelle começou a chorar a plenos pulmões.-Eu sei que você ta desconfortável, acredite eu também estou mas se você for capaz de aguentar só mais um pouquinho...

Annabelle parou de chorar por uns instantes e olhou para o rosto do homem de olhos arregalados que a segurava tão desajeitadamente. Enjolras arriscou um sorriso incerto para o bebê em seus braços que recomeçou a chorar.

–Mon Dieu! Por que você tem que ser tão barulhenta?- perguntou impaciente,quase gritando.

Olhou a bolsa ainda pendurada em seu ombro. Será que ali teria alguma coisa que a fizesse calar a boca? Mas se tivesse não seria muito útil já que ele não conseguiria pegá-la sem soltar Annabelle.

De uma coisa Enjolras sabia muito bem: estava decidido que ele nunca iria querer ter filhos. Não suportaria se todos fossem barulhentos como aquela.

–Por favor,fique quietinha. Logo sua mãe vai estar aqui.-implorou mesmo sabendo que não iria adiantar de nada.

Se levantou do sofá e começou a andar pelo apartamento, ainda mantendo os braços longe os suficiente do corpo,mesmo que estivessem quase caindo de tanto que doiam .

Pensou em cantar mas então se lembrou que não conhecia nenhuma música de criança ou que pudesse cantar. Na verdade não era muito fã de música.

–"Logo ela dorme"- Enjolras murmurou para si mesmo se lembrando das palavras de Augustinne enquanto Annabelle continuava chorando.

[...]

–Enjolras! Enjolras!- Éponine entrou rapidamente no apartamento ao ver a porta aberta e ouvir os choros que vinham ali de dentro.

A cena que encontrou ao entrar na sala a fez parar, e depois sorrir. Enjolras ainda segurava Annabelle com os braços esticados bem longe do corpo,seu rosto estava suado e ele parecia estar com dor. Sorriu ainda mais imaginando desde que horas ele deveria estar naquela posição.

Pegou seu celular da bolsa e bateu uma foto,gostaria de se lembrar daquela cena.

–Enjolras- chamou mais uma vez,atraindo a atenção do garoto que ao perceber Éponine ali,sua expressão se tornou de alívio.-Está tudo bem? Escutei choro de bebê e imaginei que você tivesse se machucado- brincou com ele enquanto largava a bolsa que carregava na poltrona.

Enjolras ignorou a brincadeira,fechando a cara. Não gostou de ser comparado a um bebê.

–Augustinne deixou ela aqui...e eu não faço a minima ideia do que fazer com ela.

–Não segurar ela assim já é um bom começo- Éponine respondeu tirando Anna das mãos de Enjolras.

–Desculpe se não tenho jeito com crianças. Nunca tive vontade de tê-las perto de mim- rebateu irritado,enquanto mexia os braços,sentindo a dor incômoda.

Éponine ajeitou Anna em seus braços e começou a procurar alguma coisa na bolsa que Augustinne havia deixado.

–Posso usar o quarto de hóspedes?-indagou Éponine séria, pegando a bolsa do sofá.

–Claro. Fique a vontade.

–Ela esta precisando trocar a fralda.- explicou Éponine enquanto passava por ele.

Algo que ele dissera, Enjolras percebeu, fizera Éponine perder o bom humor.

–Por que Augustinne deixou Anna aqui?- quis saber Éponine ao perceber que Enjolras a seguira ate o quarto e a observava da porta.

–Combeferre se meteu em alguma confusão com Grantaire e Courfeyrac. Ela foi procurá-los e não tinha ninguém para ficar com a bebê. E você não tinha que estar no ensaio?

–Fui liberada mais cedo.- respondeu terminado de trocar a fralda e dando um beijo em Annabelle.- Você pode me fazer um favor?-pediu e Enjolras assentiu entrando no quarto.-Dá uma esquentada no leite pra mim? Ela já deve estar com sono.-Éponine entregou a mamadeira para Enjolras sem encará-lo e voltou sua atenção para Anna.

Quando voltou Enjolras encontrou Éponine brincando com Anna,que sorria para a morena e tentava pegar seus cabelos.

–Aqui.- Enjolras entregou a mamadeira.

–Merci. Pode ir terminar o que você estava fazendo. Eu fico com ela.

Enjolras assentiu saindo do quarto mas ver Éponine com Anna no colo,enquanto dava a mamadeira e cantando em um sussurro doce,com um sorriso no rosto e uma adoração nos olhos ao olhar a pequena em seus braços o fez parar e ficar.

Se sentou escorado no batente da porta,pensando que poderia ficar observando aquela cena para sempre.

Depois de alguns minutos Anna estava adormecida nos braços de Éponine e rapidamente Enjolras foi ate seu quarto e trouxe travesseiros para melhor ajeita a pequena.

–Merci, Enjolras- Éponine agradeceu quando ele esticou os travesseiros para ela,que logo ajeitou Anna na cama.-Viu só? Não é tão difícil.- sussurrou ao se levantar e deixar a porta entre aberta.

–Você tem jeito com crianças- comentou Enjolras a seguindo para a sala.

–Sim. Sempre quis tê-las perto de mim. Quero ter uma minha.-respondeu dando de ombros,tentando não deixar transparecer a mágoa que ela estava sentindo pelas palavras de Enjolras sobre não querer crianças perto dele.

Enjolras assentiu com a cabeça, colocando as mãos no bolso.

–Você vai ser uma ótima mãe.

–Espero... Então,sobre nossa conversa?- Éponine instigou querendo mudar desesperadamente de assunto.

–Claro,é por isso que você está aqui... Ahn,quer comer alguma coisa, beber?

–Non. Só se sente aqui e vamos acabar logo com isso.-pediu dando espaço no sofá.

Enjolras engoliu em seco e se sentou.

–Primeiro de tudo você sabe que foi você quem me mandou embora, Enjolras. Não fui eu que decidi te abandonar.

–Eu sei. E como já disse eu sinto muito por isso,Éponine.

–Só me explica por que você fez isso? Eu... Eu não estava sendo o suficiente para você?- questionou,a voz dando uma leve falhada. Enjolras levantou os olhos surpresos pela aquela pergunta e encontrou dois pares de olhos chocolates o encarando cheio de expectativas e marejados.

–O que?! Não,não. Céus, Éponine! Não é nada disso. Você sempre foi até mais que suficiente para mim... Mon Dieu.- ele estava exasperado,se perguntando quanto tempo Éponine ficou com aquele pensamento de que não era suficiente. Ela sempre se achava insuficiente para as pessoas e Enjolras se odiou por causar aquele sentimento nela.

Queria abraçá-la. Sim,queria abraçá-la, beijá-la e mostrar o quanto ela era suficiente para ele.

Contudo,permaneceu no lugar,apenas a observando.

–Eu achei que não estava sendo o suficiente para você.- confessou depois de um tempo em silêncio.- Você não tinha voltado para a faculdade para cuidar de mim,vivia preocupada comigo,se eu estava com dor,estava confortável, quando eu tinha que retornar ao médico... Eu simplesmente achei que não era essa a vida que você merecia,que eu estava te atrasando.

–Ah Enjolras- murmurou Éponine- Como você pode ser uma pessoa tão inteligente e tão burra ao mesmo tempo?- indagou balançando a cabeça.

–Eu não faço a minima ideia.

Os dois caíram em um profundo silêncio. Éponine encarava o nada e Enjolras a encarava, como se nunca mais fosse vê-la.

–Então?- Enjolras foi o primeiro a quebrar o silêncio, incomodado pela primeira vez por ele.- Como ficamos?

Éponine desviou o olhar do nada para encará-lo. Como amava aquele garoto de olhos azuis. E como sentia falta do seu toque,seu cheiro ao acordar de manhã, de cada pequena mania dele.

"E então, Enjolras, como ficamos?" repetiu a pergunta mentalmente.

"Eu quero ficar aqui,com você " respondeu melancolicamente para si mesma.

–Não ficamos- foi o que disse quando conseguiu falar.

Enjolras entendia,mas não pode deixar de se perguntar,se perguntar por quê não teria outra chance. Por que eles não teriam outra chance se claramente toda vez que se viam sentiam vontade e falta um do outro. Ele não podia ser o único... Podia?

–Por que?

–Porque... Eu te amo e não vou suportar outra rejeição dessas. Isso me quebrou por dentro. Ver o quanto você sentia nojo ao me tocar ou ficava irritado comigo por nada. Enjolras, eu não sou uma sentimentaloide mas também não vou aguentar outra prova dessas. Estamos melhor assim.

Enjolras negou com a cabeça, estava começando a se sentir apavorado. Não aguentando mais,segurou Éponine pelos braços e a puxou para si. Era boa a sensação dela ali, de poder enterrar os dedos naquele cabelo,de encostar o queixo em sua cabeça.

–Não, não. Eu nunca senti nojo de você, Éponine. Fiz o que fiz porque estava desesperado para te tocar mas queria que você tomasse a atitude de se afastar de mim.

Éponine se desvencilhou do abraço,mesmo que aquilo doesse, se afastar de seu garoto mais uma vez.

–E você conseguiu, Enjolras. Vamos só aceitar que talvez não fomos feitos para ficar juntos. Eu te amo e quero ser sua amiga, mas preciso que você queira ser meu amigo.

"Mas eu não quero ser seu amigo, Éponine. Será que você não percebe o quanto eu estou arrependido e quero o que nós tínhamos de volta? Eu seu que sou um babaca, só peço mais uma chance..."

–Claro. Eu quero ser seu amigo.- Enjolras respondeu desanimado.

Éponine sorriu para ele e se inclinou dando um beijo em sua bochecha.-Só não faça isso se quer que eu seja só seu amigo,por favor.- pediu quando ela se afastou. Éponine ficou vermelha mas assentiu.

–Acho que vai ser melhor sem beijos na bochecha... Bom,eu vou ficar lá no quarto com a Anna até a Augustinne chegar. Isso é se você quiser ou eu posso ir embora...

–Não,por favor fique. Eu não faço a minima ideia do que fazer se ela acordar.

–Tudo bem então.- Éponine se virou mas parou,pegando alguma coisa na bolsa - Seu ingresso para a minha peça de amanhã.

–Merci, Ponine. Vou estar lá.- garantiu Enjolras,se sentando à mesa determinado a dar finalidade ao seus afazeres.

Sim, ele estaria lá em seu momento feliz, estaria em seu momento de infelicidade, estaria em cada momento possível. Estaria até ela estar disposta a apostar neles mais uma vez.