São Petesburgo, 11 de março de 2016...

Ah, Enjolras! Nem tenho palavras para descrever como é São Petesburgo (neste exato momento você deve estar pensando “você nunca tem palavras para descrever lugar nenhum”).

Não tive oportunidade de ver muitas coisas,como sempre,mas o que eu já vi foi o suficiente para me fazer apaixonar. Em um dos passeios que fizemos juntos comecei a cantar uma das musicas de Anastasia,porém ninguém a conhecia, foi chato,mas legal ao mesmo tempo. Eles me chamaram de louca,como se não fossem como eu.

Vou tentar ser breve nessa carta, já que tenho que assistir os ensaios. Essa é uma oportunidade e tanto para mim mas... eu queria tanto poder estar no palco ao invés de ficar no banco de reservas, estou aprendendo muito observando, é claro, mas como você sabe sempre aprendo mais na prática.

Estou morrendo de saudades de você e nem acredito que três meses já se passaram. Falta apenas só mais três meses para que eu volte para casa. Posso me apaixonar por cada lugar que passo mas meu coração sempre irá pertencer à França (esse é o momento que você percebe que realmente me ama), mesmo com todos os seus problemas é um lugar mágico.

Sei que devo lhe irritar com essas cartas,mas sempre achei a troca de cartas um meio mais charmoso de se comunicar,mais humano, por mais que eu seja a única que as escrevas. Não vi seus emails essa semana ainda,pois acredite se quiser perdi meu notebook, estou esperando para poder comprar outro quando formos para Londres.

Nesta carta contem uma lembrancinha, esse é o momento que você pega a caixa destinado a bugigangas e joga dentro sem nem olhar. Me desculpe por isso.

Não vejo a hora de te ver, as vezes fica muito solitário a noite no quarto de hotel que divido com as garotas, elas são legais mas seria meio estranho eu ir me enfiar na cama delas no meio da noite.

Espero que você esteja longe de problemas.

Com amor,

Sua Ponine.

PS : estou enviando algumas fotos da viagem para você, não fique com ciúmes dos rapazes, são todos gays.

PPS :Acho bom você estar com esse seu rabo branco sossegado.”

Enjolras terminou de ler a carta com um sorriso querendo surgir.

Já faziam três meses que ele estava longe de Éponine, dessa vez longe mesmo.

Abriu a caixinha que chegou junto com a carta e tirou um pequeno retrato com a foto da família Romanov. Pensou na reação que Éponine teve ao ver o retrato e o colocou na estante. Ali seria um bom lugar para ele.

Guardou a carta na gaveta do criado mudo,que já estava quase abarrotada de tantas cartas recebidas de Éponine. Em uma semana geralmente ela lhe mandava duas. Sem falta, sempre o atualizando.

A vida estava parada demais, sempre ficava parada demais quando antecedia o mês de provas. Todos os seus amigos se escondiam atrás de livros, não tendo nem tempo para as reuniões no Musain. E agora nem Éponine para o distrair tinha, era realmente difícil ficar de bobeira depois de se acostumar a se sentar no sofá durante um dia da semana a noite para assistir qualquer coisa que estivesse passando junto com Éponine. Parecia impossível fazer isso sozinho.

Enjolras aquela noite não estava com vontade de estudar, tinha alguns textos para ler que seus ex-alunos haviam deixado para que ele desse uma olhada,contudo ele sempre poderia lê-los de madrugada quando estivesse sem sono.

Foi até o quarto de hospedes e abriu a porta,acendendo a luz. Olhou o desenho de Éponine preenchendo uma das paredes. Aos seus olhos aquilo ainda parecia meio psicopata demais,obsessivo demais,porém era tão real que ele nem se importava. Jehan e Grantaire fizeram um bom trabalho desenhando sua Ponine.

Sentiu seu celular vibrando no bolso da calça, e ainda olhando a pintura o puxou. Baixou os olhos para ver um mensagem do Combeferre.

“Está com vontade de dar um volta? Não aguento mais ler!”

Sim, claro. Era exatamente disso que estava precisando. Dar uma volta com Combeferre,seu amigo que sempre sabia o que dizer,não que ele levasse muito a risca o que ele dizia. Não mais. Não depois da ridícula situação em que ele se colocou junto com Courfeyrac e Grantaire.

Tinha arrepios só de se lembrar daquela terrível noite meses atrás que teve que ficar com Annabelle.

Respondeu o amigo e apagou a luz, saindo do quarto para pegar a jaqueta junto com a carteira. Encontraria Combeferre no caminho para o Musain e depois veriam o que fazer, era sempre uma boa ideia uma caminhada noturna.

–Jojo e aí?- ouviu a voz de Grantaire nas suas costas enquanto trancava a porta.- Estava mesmo vindo conversar com você. Sabe como é? Livrar minha cabeça um pouco. Acho que fui meio precipitado em escolher veterinária.

Enjolras concordou de leve,sem que Grantaire percebesse. Ele via como o amigo se esforçava,e sabia o quanto ele era inteligente por mais que gostasse da fama de idiota e bêbado, e que apesar de gostar estava tentando mudar essa imagem,porém ele havia dado um passo maior que a perna. Apenas escolhera porque ainda se sentia culpado pela morte de seu coelho quando era criança e mesmo que ele fosse um homem ainda achava que ele havia matado o pobre animal porque lhe dava banho demais.

–Estou indo encontrar o Combeferre. Quer vir junto?- convidou o louro guardando a chave no bolso da calça.

–Você ta me chamando para sair?- Grantaire piscou os olhos de forma teatral.-Perdeu, Ponine.

–Ou não, pode ficar aí.- Enjolras murmurou passando por ele indo em direção ao elevador.

–Não, calma. Vou lá chamar o Courf e já volto. A gente se encontra na portaria.- Grantaire entrou no elevador.- A propósito: obrigado por chamar o elevador para mim. Você está muito cavalheiro está noite, Jojo.

Enjolras observou o as portas do elevador fechando e soltou um suspiro irritado.

–Eu e minha maldita boca.- murmurou enquanto descia as escadas.

Alguns minutos depois, Courf e Grantaire encontraram com Enjolras e os três seguiram para o Musain.

–Recebi uma carta da Éponine hoje.- Courfeyrac falou após uma discussão se iria chover ou não.- Ela falou que talvez o grupo de teatro vai ficar prolongar a turnê mais uns dois meses.

–É, ela disse isso na carta que ela mandou para mim também. Sabem? Eu sinto uma falta daquela desgraça.- Grantaire comentou.- Sem ela é como se faltasse algo. Sem ela Courf e eu não temos o que aprontar, já que geralmente ela é a mente por trás de todas as merdas que fazemos.

–Cara, não tenta jogar a culpa pra ela,que nem aqui para se defender ela tá. Quem tem as ideias de merda é você.

–Ela disse o que para vocês?- Enjolras interrompeu os dois. Não se lembrava de Éponine dizendo que ficaria mais tempo viajando.

–Que parece que querem prolongar mais dois meses. Você não recebeu a carta ainda?

Enjolras negou com a cabeça.

–Não, ainda não.- mentiu. Sempre se sentia estranho quando Éponine dava demonstrações de que contava mais coisas para aqueles dois do que para ele.

Se encontraram com Combeferre na porta do Musain. Decidiram entrar para tomar alguma coisa e ficaram um bom tempo conversando sobre trabalhos, estágios e as provas para que estavam se preparando. Combeferre era o que estava mais cheio de coisas, estava começando a trabalhar em sua tese para poder concluir a faculdade.

–Thaís conseguiu se transferir para Sobornne.- anunciou aproveitando que os amis estavam com a boca cheia.

Não que isso fosse os atrapalhar em alguma coisa. Enjolras engasgou com a cerveja, Courfeyrac e Grantaire cuspiram comida para toda parte.

–O que!? Que porra de brincadeira é essa?- Grantaire foi o primeiro a falar.

–Eu sei que vocês tem uma má impressão dela...

–Má não, péssima. Tudo mundo sabe que ela tem uma queda pelo Jojo aqui, e todo mundo sabe que ela quer roubar ele da Ponine. E TODO MUNDO SABE QUE A PONINE TA LONGE!-Grantaire se descontrolou,batendo na mesa e chamando a atenção das pessoas que estava ali.

–Grantaire, as pessoas mudam. Isso é passado. Garanto que ela já superou isso e outra,acho que foi legal da parte dela vir estudar aqui mesmo depois do que vocês fizeram com ela na praia.

–Desculpe aí, Comb, você é nosso amigo e tudo, porém sua prima é uma vadia. E você é o único que não vê isso, não é Enjolras?- Courfeyrac indagou.

Os três olharam para o amigo que escutava tudo em silêncio. Ele gostava da Thaís, ela era uma garota legal e de conversa fácil, ele não tinha problema nenhum com ela. Mas ser amigo dela quase lhe custou seu relacionamento com Éponine,todas as vezes que se viram. Mesmo gostando da garota preferia ela longe.

No fim deu de ombros.

–Por mim tanto faz.

–Olha.- Grantaire começou, apertando o rosto de Enjolras com as mãos.- Sua mulher ta longe e você é um pouco tapado para ver perceber que a Thaís quer seu corpo. Jehan e eu não perdemos todo aquele tempo,fazendo uma pintura gigante da Ponine naquela parede, para que assim você reconquistasse ela,mostrando o quão louco é por ela para que você, jovem ingênuo, mandasse tudo para a puta que o pariu. Entendido?

–Eu non vou- Enjolras garantiu se livrando das mãos de Grantaire.

–Augustinne não gostou nada dessa noticia também.

–Claro, ela não é idiota. Sabe o tipo de pessoa que sua prima é.- Courfeyrac murmurou com a garrafa na boca.- Diga para ela que se quiser um lugar para ficar com Annabelle,nosso apartamento ta disponível. Não quero aquela Thalita perto da Anna.

–Podemos falar de outra coisa?- pediu Enjolras exasperado com aquela conversa.- Agustinne já perdoou você daquela noite?

–Não.- Combeferre respondeu fechando a cara.- Já fazem tantos meses,contudo ela insiste em jogar na minha cara.

–Ela não entende, cara. Que o que estávamos fazendo era arte. A culpa não é nossa que as pessoas não entendem a arte.-Courfeyrac o consolou.

–Realmente, nem eu entendo como fui parar com vocês aquela noite. Se me perguntarem nem lembro de metade daquela noite. Só lembro da Augustinne me batendo.

–Afinal- começou Enjolras curioso- o que raios vocês estavam aprontando aquela noite? Na queixa que fizeram foi esta que vocês perturbaram a ordem.

–Sinto muito. Augustinne ameaçou a gente se caso contássemos para alguém. Vai ter que ficar com sua curiosidade.- Grantaire respondeu.- Porém você deveria nos agradecer, já que você e Éponine voltaram a se falar de verdade aquela noite.

Enjolras os ignorou, olhando para fora, enquanto eles começavam uma conversa animada sobre uma possível viagem nas férias, estavam tendo um pequeno problema em escolher o lugar para onde queriam ir. Enjolras não dava sua opinião pois sabia que no fim eles acabariam pegando o metrô e indo a Disney,para no fim do dia reclamarem que o parque que eles tinham na França não era tão legal quanto a de Orlando. E assim eles faziam a promessa de ir no ano seguinte para a Disney em Orlando,porém sempre se repetia tudo de novo.

Pagaram a conta e começaram a caminhar pelo centro de Paris. Durante a semana a cidade era de certa forma parada, se é que é possível uma cidade turística ser parada,mas era possível andar sem trombar em pessoas pedindo informações.

Combeferre deu uma olhada no relógio e declarou que já era hora de voltar para casa,antes que Augustinne viesse procurá-lo. Enjolras pode jurar que o viu estremecer ao pensar na esposa vindo buscá-lo.

Enjolras não estava com vontade de voltar para seu apartamento,onde só teria Bolinha para lhe fazer companhia,então aceitou subir para assistir um filme com Courfeyrac e Grantaire.

Ao entrar ali,foi atingido com a lembrança do ano novo. Todos ali, reunidos ansiosos, com suas roupas de frio. O apartamento dos dois era de longe o maior,entretanto era o que possuía a melhor vista para torre e a queima de fogos.

Todos haviam concordado que não valia a pena ir até a torre para assistir a queima de fogos, Primeiro porque havia Annabelle e estava muito frio para a pequena e segundo que nenhum deles estavam afim de encarar uma multidão.

“As garotas estavam sentadas no chão da sala, mimando Annabelle enquanto os rapazes estavam na cozinha, não fazendo nada.

Jehan estava sentado no chão, tocando uma melodia qualquer no violão,uma melodia que preenchia o ar e combina com o cheiro de canela que invadia o ar.

A mesa estava arrumada no canto da sala,havia mais comida do que eles seriam capazes de comer,e Cosette sabia disso quando comprou toda aquela comida,porém ela insistia em dizer “melhor sobrar,do que faltar. É o que minha mãe sempre diz”.

Éponine levantou os olhos encontrando o olhar de Enjolra e sorriu, recebendo um sorriso discreto de volta.

Grantaire se juntou as garotas,colocando Anna em suas costas e a fazendo gargalhar.

–Que tal uma musica, ein Jehan?- sugeriu Éponine se levantando e roubando comida da mesa.- Mon Dieu, isso tá uma delicia!- exclamou com a boca cheia.

–Que coisa bonita. Roubando comendo antes do horário.- Courfeyrac falou em um desaprovador, enquanto colocava um dos salgadinhos na boca.

–Isso daqui é ano novo, não natal. Já pode comer.- Marius se aproximou da mesa para se servir.- O que esta acontecendo que você não está com sua câmera, Ponine?

–NÃÃÃO! Você lembrou ela.- Joly se lamentou.

–Verdade, vou pegar. É que ta tudo tão parado que esqueci de pegar... Quero uma música, Jehan mon amour.- pediu novamente enquanto procurava a câmera na bolsa.

https://www.youtube.com/watch?v=JnwkMbiwnyo

"Nós podemos dançar se quisermos, nós podemos deixar seus amigos para trás. Por que se seus amigos não dançam,se eles não dançam... bem, eles não são meus amigos."

Enjolras se virou para pegar mais chá. Estava tão frio que ele não se sentia nem um pouco inclinado à beber cerveja. Na verdade ele estava bem a fim de um chocolate quente e sua cama, contudo passaria a noite ali, pelo menos até a meia noite, então chamaria Éponine para conversar e mostraria sua surpresa para ela, talvez com alguma sorte ela voltasse com ele.

–Minhas fotos preferidas são essas em que você está pensativo,sabia?- Éponine indagou observando a câmera.- No que estava pensando?

–Ahn... em como eu adoraria uma xícara de chocolate quente.- respondeu olhando para a xícara cheia de chá em suas mãos.

–Boa ideia, Jojo. Boa ideia. Vamos providenciar isso.- prometeu,saindo da cozinha.

"Eu digo, nós podemos ir onde quisermos, onde eles nunca irão nos achar. E podemos agir como se não fossemos desse mundo, deixe o real para trás e nós podemos dançar"

Uns minutos depois Augustinne estava na cozinha,procurando os ingredientes para preparar o chocolate quente.

–Eu realmente gosto dessa musica.- comentou distraída.- E Éponine também.

–Éponine gosta de qualquer musica,

–Isso não é verdade... ou talvez seja- concordou.- Depende muito do humor dela. Então,vai mostrar para ela hoje a pintura?

–Co..como você sabe?

–Grantaire e sua boca grande. Ele não aguentou ficar quieto. Relaxa, ele não disse nada para ela, só para todo mundo que ele conhece. Acho que porque ele ficou realmente muito orgulhoso do trabalho que fez. Devo dizer que achei esse seu gesto meio obcecado,sabe? Contudo é uma coisa bonita a se fazer, espero que funcione.

"Nós podemos ir onde quisermos, a noite é jovem assim como eu. E podemos nos vestir elegantemente da cabeça aos pés e surpreendê-los com o choro da vitória"

Os dois olharam para a sala e viram Éponine, Grantaire e Courfeyrac dançando juntos com Annabelle.

–Não entendo. Como eles são tão juntos, eles tem uma amizade que é transparente. Éponine é minha amiga,mas não desse jeito. Ela realmente confia nesses dois. E os três veneram Annabelle de uma forma,que até eu sinto ciúmes da minha própria filha.

–Hm.- Enjolras respondeu,nem um pouco interessado em manter uma conversa. Ele gostava de observar. Observar cada sorriso,cada brincadeira, cada gesto, cada palavra dita.

"Diga, nós podemos agir se quisermos, se não fizermos ninguém fará. Nós podemos ser bem rudes e diferentes e eu posso agir como um imbecil"

Ele gostava de como o ambiente ficava leve quando eles se reuniam,como se não existisse problemas e sim só eles ali, naquele espaço, determinados a fazer um ao outro se sentirem melhores, sempre estarem ali para ajudar e fazer rir no momento mais triste. Gostava simplesmente dessas coisas pequenas. Mesmo que não soubesse como participar, ouvir as piadas sem graças era uma das coisas mais prazerosas que ele tinha, e quando estava sozinho,quando tudo acabava, ele sempre ria se lembrando.

"E diga que podemos dançar,podemos dançar, tudo está fora de controle. Nós podemos dançar,podemos dançar, estamos dançando de poste em poste"

Ele não gostava de conversar e sim observar para ter tudo em sua mente. Uma coisa que ele aprendera nos últimos tempos,foi que nada é mais importante e precioso que esses momento. E ele sabia que isso iria acabar um dia.

Cada um tinha um jeito de se fazer lembrar. Éponine tirava fotos, Jehan escrevia, Joly fazia um relatório de como todos chegaram e como saíram.

"Nós podemos dançar,podemos dançar, todos olham para suas mãos. Podemos dançar,podemos dançar, todos estão aproveitando a chance"

Augustinne serviu uma xícara de chocolate quente para Enjolras que a agradeceu, logo ela foi com uma bandeja para sala, chamando-o com a cabeça para lhe acompanhar.

"É uma dança segura... bem,sim é seguro dançar. Sim é uma dança segura."

–Falta pouco tempo para a meia-noite.- Marius anunciou.- Já vou abrindo a janela.

Houve um gemido coletivo mas ninguém se manifestou do contrario. Jehan largou o violão e ligou a TV. Logo estavam todos se ajeitando na varanda do apartamento, enfiados em seus casacos,com o nariz ficando congelado. A vista toda branca, a torre no fundo e um monte pontinhos no chão.

"Nós podemos dançar se quisermos, você tem toda a sua vida e a minha. Enquanto abusarmos disso, nós nunca perderemos. Tudo irá dar certo"

–Eles são loucos de estarem ali.- Combeferre instigou olhando.

–Beleza, quem vai beijar o Grantaire aqui à meia noite?- Grantaire perguntou.- Qual é? Eu preciso de um beijo para começar bem o ano.

–Isso é superstição,seu idiota.- Augustinnes respondeu irritada.

–Você diz isso porque tem o Combeferre. Cosette tem o Marius. E até o Enjolras tem a Éponine.

"Eu digo, nós podemos dançar se quisermos, podemos deixar seus amigos para trás. Porque se seus amigos não dançam,e se eles não dançam...bem eles não são meus amigos"

–E? Veja o Courf, Joly e Jehan não tem ninguém,nem por isso estão reclamando.

–Vai começar a contagem regressiva!- Cosette exclamou em gritinho carregado de ansiedade.

–Não sei por quê- começou Grantaire se espremendo entre Enjolras e Éponine.- Essa ansiedade toda. Só muda um número, não é como se fosse começar o próximo ano e eu ficasse milionário. Nada muda. Só um número,vai tudo continuar igual. E aqui estamos nós,congelando até a alma e gastando dinheiro com comida...

–Cala a boca.- pediu Enjolras olhando de cara feia para o amigo.- Não é o ano que tem que fazer alguma coisa e sim você. As pessoas comemoram por causa do sentimento que acompanha de que por ser ano novo elas podem se empenhar em mudar e deixar tudo que deu errado para trás. Então só cala a boca e comemora junto.- terminou de falar. Todos os amis olhavam para Enjolras e ele se sentiu corar. Ele só disse o que achava, era sempre assim que ele se sentia quando dava meia noite. Era sim só mais uma noite e que se não tivesse um calendário que lhe dizia que o ano acabaria naquele dia ele nem iria saber. Isso era uma coisa que não fazia muito sentindo,porém o fazia sentir bem,então ele evitava pensar muito nisso.

–É isso aí.- concordou Éponine com um sorriso.- E se continuar com discursos depressivos e negativos, Grantaire, eu vou te jogar daqui dessa sacada.

–Só disse a verdade.- Grantaire murmurou saindo do meio dos dois e indo ficar perto de Combeferre e Courfeyrac.

...3,2,1! Feliz ano novo!

Gritaramm todos juntos para a noite,para si mesmos e para o ano que estava começando. Naqueles 60 segundos que o relógio fica marcando 00:00, eles foram preenchidos de tal forma,de uma felicidade que eles nunca poderiam explicar. Uma sensação de que eles poderiam fazer tudo e seriam invencíveis. Uma sensação de que nada daria errado. A promessa de que nesse novo ano eles seriam felizes. E uma prece,agradecendo por cada um estar ali aquela noite.

Marius e Cosette foram os primeiros a se beijarem, logo Combeferre puxou Augustinne para si. Éponine e Enjolras continuaram olhando para os fogos,mas timidamente olharam um para outro. O pedido estava explicito em ambos os olhares e Éponine fechou os olhos, esperando que Enjolras encontrasse seus lábios.

–Não falei!- puderam ouvir a voz de Grantaire.- Estão todos se beijando e a gente aqui, chupando o de...- ele foram interrompido por Jehan que o puxara.

–Pronto, ta aqui seu beijo de boa sorte. Agora quer ficar quieto?

Grantaire ficou imóvel,pasmado. Logo Courfeyrac fez o mesmo,o puxando para si.

–Sorte dupla.- comentou quando o soltou.

–Que putaria é essa?- Grantaire questionou ultrajado e ficando vermelho.- Por acaso sou algum tipo de...de...

–Você não queria um beijo?- Agustinne indagou abraçada com Combeferre.- Você teve dois. Mais do que todo mundo aqui.

–Não esse beijos. Só falta o Jojo vir me beijar também.

–Não. Sem chances.- respondeu sério. Éponine soltou uma risadinha.- Preciso te mostrar uma coisa, será que você pode vir até meu apartamento comigo?

Éponine olhou por um uns minutos para o rosto de Enjolras antes de responder:

–Claro.

Depois das trocas de abraços e desejos que fosse um ano bom para todos, Enjolras e Éponine pediram licença.

Enjolras abriu a porta vagarosamente e deu passagem para Éponine. Ele estava nervoso, talvez ela não achasse romântico e sim perturbador aquilo. Agora não parecia uma boa ideia. Afinal por que tinha dado ouvidos à Jehan mesmo?

–Então... o que você quer me falar?- Éponine questionou depois de um tempo em silêncio.

–Eu... eu- começou Enjolras coçando a nuca,sem saber por onde começar.- Acho que você percebeu que venho todos esses meses tentando me redimir pelo o que eu fiz. Eu entendo que mereci esse tempo e que mesmo eu tendo dito para você,certas coisas ainda a fazem duvidar. Eu sei que você ainda se questiona se eu tenho nojo de você e vou te falar mais uma vez que não, eu nunca teria nojo de tocar você. Na verdade eu preciso disso. Tocar você,sabe?- ele parou e soltou a respiração,evitou olhar para ela,temendo que se encontrasse aqueles olhos chocolates não conseguiria dizer mais nada.- Pedi para Jehan e Grantaire fazerem isso aqui.- anunciou pegando na mão de Éponine a puxando. Ela o seguiu sem hesitar e dizer nada.- Por favor não fique assustada e nem pense que eu sou um psicopata obcecado.

–Eu nunca pensaria isso, Enjolras.

–Bem...- Enjolras abriu a porta e acendeu a luz. Ele pode ver os olhos de Éponine se arregalando de surpresa.- A ideia inicial era pintar um muro mas isso traria problemas.- confessou nervoso.- Esse desenho é para mostrar o quanto eu amo e preciso de você. É realmente irritante no que você me transformou mas é verdade. Por favor,diga que vai ficar tudo bem entre nós,caso contrario isso tudo vai ter sido bem vergonho.

Éponine não disse nada,apenas se aproximou da parede e começou a acompanhar com as mãos os traços do desenho. Seu desenho. Aquele homem, tão conhecido por ser tão insensível mandara desenhar ela na parede do quarto de seu apartamento na tentativa de agradá-la.

–Éponine?- chamou Enjolras alarmado ao vê-la chorando.- Você não gostou,né? Eu sabia que não era uma boa ideia e... vamos só esquecer isso.- pediu.

–Ah, Enjolras!- exclamou Éponine se virando para ele.- Eu adorei, se você tivesse me mostrado isso antes.

–O que você quer dizer com antes?- perguntou,imaginando se ela estaria com alguém.

–Uma companhia de teatro muito famosa daqui, assistiu a nossa peça e me chamaram para fazer parte da equipe de atores substitutos.

–Mas isso é ótimos! Qual é o problema?

–Acontece que... eles vão sair em turnê de seis meses. Eu vou junto.- explicou.- Eu... eu já aceitei. Não sabia se teria algo me prendendo aqui, e imaginei que mesmo você tentando se reaproximar,se eu não desse abertura você iria desistir. Mas olha só isso.- apontou para o desenho.- Me sinto tão mal.

–Não, não se sinta. Eu que demorei demais para tomar uma atitude.- Enjolras tentou soar o menos decepcionado possível. Será que sempre teria algo os atrapalhando?

–Eu já venho tentando há tempos contatar com essa companhia, Enjolras. Primeiro mandei algumas fotos para ver se conseguia ser chamada para fotografa particular deles,porém aconteceu de um dos representantes ir assistir a peça.- Éponine voltou a se explicar,como se ela estivesse fazendo algo muito errado. Enjolras não respondeu nada. Na verdade não tinha nada a dizer, estava desapontado demais. Era para ser um ano novo bom.- Olha,eu vou ligar. Dizer que não estou mais interessada em ir. Que não posso ir. Nem é tão importante assim que eu vá, eu sou só mais uma substituta. Há outras grandes companhias de teatro que posso tentar...

–Éponine, nunca vou me perdoar se você não for para ficar comigo.- Enjolras a interrompeu.- Isso é absurdo! Você vem batalhando por isso desde que te conheço,seria egoísta da minha parte se te pedisse para ficar. E outra,seis meses não são nada.- deu de ombros como se tudo estivesse bem. Mas ele sabia que se ela insistisse em desistir ele não seria forte o suficiente para a desencorajá-la do contrário.

Éponine ficou pensativa,olhando para o rosto de seu garoto. Aquele de quem ela sentira tanta falta, aquele que ela tinha vontade de abraçar toda vez que o via. Ele estava ali,dizendo que a queria de volta e ela dizendo que iria partir.

Queria Enjolras de volta ao mesmo tempo que queria muito ir...

Sabia que não podia ter os dois.

Contudo ela bem que podia tentar.

–Você estaria disposto à me esperar?- questionou.

–Éponine, eu esperei até agora. Nosso relacionamento consiste em basicamente eu te esperar.- Enjolras tentou falar de um jeito brincalhão,entretanto percebeu que Éponine estava querendo uma resposta séria.- Na verdade,não. Vou sair pegando todas as garotas que achar pela frente.

–Enjolras!

–Éponine.- a chamou se aproximando e pegando seu rosto em suas mãos.- Claro que estou disposto.

Éponine abriu um sorriso. Aquele sorriso que chegou aos seus olhos. Aquele que Enjolras adorava.

–Tudo bem. Espere aqui, já volto.- Éponine se soltou de Enjolras e saiu correndo sem dizer mais nada.

Depois de uns dez minutos, a morena voltou com um pequeno pacotinho nas mãos.

–Eu sei,que muito tempo atrás eu o fiz prometer que não seriamos o tipo de casal que tentaria materializar o amor. Porém eu acho que teremos que quebrar essa promessa, se você quiser é claro.

–O que é isso?- indagou curioso.

–Comprei isso faz meses em uma feira de artesanato. Simplesmente chamou minha atenção.- Éponine despejou o conteúdo do pacotinho em sua mão,revelando dois anéis.

–Você quer que usemos alianças?- questionou incrédulo olhando para os anéis que mais pareciam pequenos galhos dourados.

Éponine ficou sem graça.

–Só se você quiser. Esses anéis são discretos e se alguém perguntar você pode dizer que o usa porque é um amante da natureza. Vai parecer super descolado... Olha, esquece. Foi estupidez isso,me desculpe.- pediu,o rosto corado,guardando os anéis de volta ao saquinho.

Enjolras a olhava,se atrapalhando para colocar os pequenos galhos dourados de volta no saquinho.

“Por que não?”, se questionou.

–Acho uma boa ideia. Faz tempo que estava pensando em uma forma de te convencer a usar um desses.- disse por fim, tirando os anéis das mãos de Éponine.- Posso?- perguntou e ela apenas balançou a cabeça,esticando sua mão e sem perceber prendendo a respiração.

Enjolras entregou seu anel para Éponine que fez o mesmo,levando a mão do louro até seus lábios.

–Agora você é meu.- murmurou brincando para Enjolras.

–Posso dizer o mesmo de você... Então quando você vai embora?

Éponine mordeu o lábio inferior.

–Em dois dias.- respondeu por fim.

–Dois dias?- perguntou pasmo, não imaginava que seria tão rápido assim.- Sabe, posso imaginar coisas para fazermos nesses dois dias.- falou malicioso e mal acreditando que havia realmente dito aquilo. O rosto de Éponine se acendeu em um sorriso.

"Bem... é uma dança segura"

–Ah,com toda certeza. Eu posso imaginar também.- respondeu se jogando nos braços de Enjolras.

–Olá. Terra chamando,Jojo.- Grantaire estava acenando para Enjolras que piscou focando no amigo.- Estava pensando no que? Você ficou com um sorrisinho sinistro no rosto.

–Nada, só estava me lembrando a última vez em que todos estiveram aqui.- respondeu se jogando no sofá.

–Faz muito tempo. Aquela noite que aproveitaram para abusar de minha pessoa.- Grantaire falou com ar ofendido.- Agora está todo mundo tão ocupado que se eu encontrar na rua nem reconheço.

–Que exagero.- Courfeyrac comentou se sentando no sofá.

–Não, de verdade. Sinto como se estivéssemos nos distanciando aos poucos.- Grantaire enfatizou.

–É só porque estamos em um período puxado da faculdade,assim que passar as provas voltamos a se ver com frequência.

Grantaire continuou negando com a cabeça.

–Escutem o que eu estou falando: nós estamos nos separando. A primeira a ir embora foi a Ponine...

–Ela vai voltar.- Enjolras o interrompeu.

–E a Thaís está voltando. Acho que isso diz o suficiente. Se não tomarmos cuidado com ela, já era. Ela esta com raiva, vai fazer o impossível para separar a gente.

–Não seja paranoico.- Courfeyrac bateu no braço do amigo.

–Só escutem o que estou lhes falando e daqui um ano vocês podem me pagar para saber sobre o futuro de vocês.