Harry

Eu estava estacionado em frente à editora enquanto Aster conversava lá dentro.

O cansaço estava dando as caras e dormir por mais um minuto no banco de um veículo seria a minha morte.

Gastei grande parte da noite passada apreciando Aster enquanto ela dormia. Eu não sabia se teria outra oportunidade como aquela, então aproveitei cada minuto que eu pude.

No momento em que meus olhos pesaram a senhora Duchassel bateu na porta do quarto.

Respirei fundo analisando minhas decisões tomadas nas últimas horas. Conviver com Aster estava me fazendo adquirir um pouco da sua indecisão, que apesar de me deixar louco também era engraçado vê-la tomar uma escolha qualquer.

Voltar a falar com o meu pai na noite anterior não era bem minha ideia de diversão, mas foi necessário. O rumo da nossa conversa com certeza terá resultado futuramente e eu sabia que desapontaria várias pessoas, principalmente minha mãe, mas era em prol de um bem maior.

As ruas de Lakeport nessa época era cheia de turistas, mas nada que fosse um incômodo. Meu olhar foi atraído para uma garota bonita cercada de outras garotas mais jovens que tiravam foto com ela.

Eram no máximo 4 garotas, que logo foram embora. A protagonista da cena porém continuava ali animada enquanto puxava um rapaz pela camisa. Eles emocionalmente expressavam o oposto.

Eu não tinha mais nada para fazer então observei os dois caminharem na calçada. O garoto não parava de olhar para os lados como se procurasse alguém ou como se fosse o procurado.

A distância entre nós ficava cada vez maior, igualmente a minha certeza de que eu conhecia aqueles dois de algum lugar.

A menina tirava celular de surpresa vez ou outra tentando conseguir um clique do possível namorado apesar de seus protestos.

Foi então que eu percebi. Pela linguagem corporal, eu percebi.

Não poderia acreditar em meus olhos. Tudo bem que eu não poderia tirar um julgamento precipitado daquela cena, mas peguei o meu celular e dei zoom no casal.

Precisamente na garota, já que era o que eu precisava.

Digitei uma mensagem corrida junto com a foto para Alice enquanto eles sumiam do meu campo de visão.

"Conhece?"

"Por que você está me mandando mensagens uma hora dessas?"

"São quase meio-dia, Alice... Conhece ou não?"

"Não? Sei lá, acho que sim. Não tenho certeza. Qual é o seu interesse?"

"Posso te ligar? Precisamos averiguar algo juntos."

Aster


"Com certeza será um prazer ter você trabalhando conosco." Laura apertou minha mão e eu poderia chorar naquele momento.

Na verdade, eu estava praticamente chorando.

"Eu ainda vou passar seus textos para a minha superior, mas conhecendo-a como eu conheço, estou certa que ela vai amar."

Eu poderia explodir naquele momento.

Laura me explicou que se tudo desse certo meu projeto já estaria meio caminho andado até o começo do próximo ano e eu já seria capaz de publicá-lo no próximo verão.

Eu ainda teria que agradecer a Thomas por isso. Não só pela inspiração, mas porque eu tinha certeza de que ele me indicara.

Tinha certeza que passei pela porta da editora saltitando de felicidade.

Harry estava terminando uma ligação quando eu sentei no banco carona. Ultimamente, ele sempre estava com uma ligação em andamento, mas não tive muito tempo para divagar sobre isso, já que ele abriu um dos seus sorrisos arrebatadores.

"Pela sua linguagem corporal, devo supor que deu tudo certo?"

Eu praticamente pulei em seus braços e ele riu.

"Mas do que certo! Você acredita que se a superior gostar dos meus textos, do meu gênero e das minhas intenções futuras, provavelmente no ano que vem eu já poderei publicar algo."

"Parabéns, princesa. Eu nunca duvidei que você conseguiria."

Harry segurou o meu queixo e beijo minha testa calmamente. Nem preciso dizer que aquilo fez minha felicidade aumentar 100%.

*

Milagrosamente, minha inocente avó acreditou na história da caminhada de hoje cedo pela manhã.

Mesmo assim, eu poderia sentir minhas bochechas esquentando toda vez que eu ficava muito tempo sob o seu olhar.

Contar para ela as boas novas, foi uma experiência interessante.

Estávamos no almoço quando Alice me contou que ninguém mais, ninguém menos que Hayley McConnel estava em Lakeport!

O que diabos ela estava fazendo na minha cidade, eu não sabia, mas eu tinha que encontrá-la o mais rápido possível. Ela era uma inspiração da minha adolescência praticamente inteira.

Esse encontro aconteceria mais rápido do que eu podia imaginar.

*

Naquela mesma tarde, eu resolvi pôr em prática o que tinha em mente desde o momento em que a claridade atingiu meus olhos pela manhã.

Liguei para Tom e disse que precisava conversar com ele.

Ele parecia meio nervoso e impaciente ao telefone, mas pediu que eu fosse até a sua casa a fim de que aproveitássemos para passar algum tempo juntos.

Mesmo meu coração doendo ao fazê-lo, contei a Harry onde estava indo e observei o seus olhos se tornarem tristes como toda vez que o assunto era Thomas.

Ele me disse que precisava sair também, mas não me disse para onde. Confesso que aquilo me incomodou um pouco, mas eu estava nervosa demais com que estava prestes a fazer para deixar com que aquele incômodo me afetasse.

Quando subi o último degrauzinho da entrada da casa de Thomas, a porta se abriu quase automaticamente como naqueles filmes de terror. Graças a Deus era apenas Tom que aparentemente tinha ficado grudado na porta desde o momento em que decidi visitá-lo.

Surpreendentemente, sua expressão era como se ele já soubesse o que estava por vir.

Ele se inclinou para me beijar, como eu costumava fazer quando nos encontrávamos. Não agi de maneira estranha, mas também não foi um dos beijos mais entusiasmados que nós já havíamos trocado.

Segui em direção ao sofá com Thomas logo atrás de mim. Nos sentamos praticamente no mesmo segundo, como robôs.

"Thomas, o que eu vim falar com você é muito sério."

Ele respirou fundo.

"Olha, Aster, eu sei que essa situação é complicada. Confesso que eu nunca nos imaginei numa situação assim e..."

"Tom, você tem que concordar comigo que essa é a situação perfeita para fazer isso."

"Meu amor, você tem que entender que isso que aconteceu não vai se repetir, eu não vou deixar me levar de novo."

Foi aí que eu franzi a testa.

"Thomas, nós estamos falando da mesma coisa?"

Algo iluminou em sua mente e ele suspirou aliviado. Porém, eu ainda estava confusa.

Olhei para o lado alguns instantes tentando retomar o meu raciocínio e quando voltei a olhar para frente, Tom já estava a centímetros de mim.

Suas mãos foram para a minha cintura e seus lábios estavam nos meus de forma praticamente urgente.

Eu tentei afastá-lo, mas não tive muito sucesso. Precisava focar no que eu realmente fora fazer ali, mas Thomas estava atrapalhando meus pensamentos.

Quando ele me deitou no sofá e ficou sobre mim, eu soube que tinha algo muito errado ali.

Fazia um bom tempo que Tom não tomava nenhuma iniciativa comigo e ali estava ele com suas mãos tomando muito mais do que iniciativa.

Quando seus dedos pararam sob minha camiseta, eu senti algo. Entretanto, não era nem um pouco do que eu esperava sentir.

Não posso dizer que meu corpo não reagiu como se estivesse atraído por ele, porque seria mentira. Ele era o meu namorado há anos. Contudo, foi muito menos intenso do que eu esperava. Assim como seus beijos, seus olhares, suas palavras.

Suspirei fundo quando seus lábios foram para o meu pescoço, mas foi uma ação automática. Estava tentando entender qual era a referência que eu tinha para achar que nada do que Thomas estava fazendo era o suficiente para mim.

Então eu vi.

A cena toda da noite anterior veio como um filme em alta velocidade

Senti como meu coração estava pulando para praticamente fora do peito quando vi Harry em pé no meu quarto.

E como meu corpo entrou em combustão quando ele me analisou de cima a baixo.

Como eu as palavras que eu queria dizer saiam tão facilmente que eu não precisava nem procurar por coragem para fazê-lo.

Lembrei também em como eu estava desesperada para que sua pele estivesse grudada na minha.

Como a onda de alívio me atingiu quando seus lábios passaram pelos meus.

Thomas sempre havia sido minha referência até Harry aparecer e explodir praticamente todos os meus limites e minhas escalas.

Então, finalmente, eu lembrei do que tinha ido realmente fazer ali.

"Thomas, para! Por favor!" não sei por quantas vezes eu tive que repetir aquilo antes que toda minha raiva fosse para as minha mãos e eu conseguisse finalmente tirá-lo de cima de mim.

"Mas que po...?"

"Você ficou surdo de repente?" minha voz saiu muito mais alta do que eu pretendia e eu mesma me encolhi.

Thomas apenas ficou me encarando atônito.

"Eu preciso te falar algo importante, você vai me ouvir e ficar quieto para me deixar falar."

Ele sabia o que estava por vir, pelo seus olhos, eu tinha certeza que ele sabia.

"Acho que não tem uma maneira melhor de fazer isso..."

Então a campainha tocou. Ele praticamente pulou do sofá para atender a porta e ficou lá por quase cinco minutos.

Resolvi ver o que estava acontecendo e quem eu vi na minha frente era a última pessoa que eu esperava.

*