Preto e Branco

Assim era a minha existência antes de conhecer ela.

Desde o início, Tudo o que eu vejo é o preto e branco do mundo onde 'governo'. O mundo que leva o meu nome.

Hades.

Plutão, Osíris, Serápis, Chernobog... Bem, vocês devem ter entendido. Ou não. Tanto faz.

Eu sou Hades, o deus do mundo inferior e dos mortos. Filho de Cronos e de Reia, e tendo como irmãos, Héstia, Deméter, Hera, Poseidon e Zeus.

Solto um longo suspiro, deitado em meu trono enquanto fico a esperar o passar do tempo naquela monotonia de sempre.

"Lorde Hades." Eu escuto e viro um pouco o meu rosto na direção da voz, observando de canto de olho onde Hermes me olha. "O que pretende fazer?"

Hermes. Deus da fertilidade, dos rebanhos, da magia, da divinação, das estradas e viagens, além de ser o mensageiro dos deuses, patrono da ginástica, dos ladrões, dos diplomatas, dos comerciantes, da astronomia, da eloquência e de algumas formas de iniciação e o guia das almas dos mortos para o reino de Hades.

"Lorde Hades."

Pisco para ele duas vezes, me perguntando o que ele está querendo me dizer.

"O Senhor não ouviu nada do que eu disse." Ele diz, franzindo a testa e cruzando os braços. "O Senhor não planeja voltar ao Olimpo, não é?"

Eu dou de ombros, não me importando nem um pouco com o Olimpo, nem com meus irmãos, Zeus e Poseidon. Eu sou odiado por todos, então por que eu deveria me importar com eles?

Não me entendam mal. Eu não odeio os meus irmãos ou os outros deuses. Mas isso não significa que sou obrigado a manter um bom relacionamento com eles.

"Lorde Hades!" Escuto, voltando a minha realidade entediante. "Por que não me responde?"

Eu olho novamente para Hermes e abro a minha boca para tentar falar algo. Eu a fecho,perdendo a vontade de falar e dou de ombros novamente, o observando soltar um longo suspiro.

"Com a sua licença." Hermes diz, se curvando para mim.

Eu me despeço dele com a mão direita, o observando se retirar da sala do meu trono. Eu olho em volta e, ainda com a mão direita, pego uma maça que está em uma grande tigela ao lado esquerdo do trono, a comendo aos poucos.

Eu termino de comer a maçã e jogo os restos em algum lugar daquela sala, voltando a ficar entediado novamente.

Parece que não preciso ficar mais por aqui.

Eu me viro, me sentando no trono primeiro antes de me erguer. Sigo pelos corredores de meu palácio, onde subo as escadas da torre mais alta e, ao entrar na câmara que fica ao topo, sigo até a enorme janela e me sento na beirada, ficando a admirar o interior do Tártaro, o grande poço, que originalmente uma prisão exclusiva para os Titãs, antigos deuses, e que posteriormente se tornou o calabouço onde se aprisionam as almas amaldiçoadas.

Aliás, se quiserem entender melhor meu reino, eu posso dar uma breve aula.

'O Reino de Hades, ou mundo inferior, é a terra dos mortos, o local para onde a alma das pessoas se dirigiria após a morte. Nesse local as almas passam por um julgamento, onde seu destino seria decidido. De acordo com a sentença do julgamento, as almas poderiam ser enviadas para três regiões bem distintas: o Tártaro, os Campos Elísios ou o Campo de Asfódelos. No momento da morte, a alma era separada do corpo, tomando a forma da pessoa e era transportada para a entrada de Hades por Hermes. Hades em si é um lugar nos limites exteriores do oceano ou nas profundezas ou extremidades da terra e é considerado a contrapartida escura do brilho do Monte Olimpo, não que eu me importe com isso.

O grande tribunal é presidido por três juízes: Éaco, Radamanto e Minos. O julgamento das almas deveria assistido por mim, mas acabou se tornando entediante e, conforme a sentença, seguiriam para o Campo de Asfódelos, os Campos Elísios ou o Tártaro.

O Campo de Asfódelos é uma monótona planície repleta de árvores sombrias. Para estes campos são enviadas as almas que em sua vida não possuíram nenhuma glória ou mérito significativos, mas também não proporcionaram barbáries nem cometeram atos?criminosos. No Campo de Asfódelos estas almas não recebem castigos e também não recebem gratificações, estariam apenas fadadas a tristeza de discorrer eternamente pela planície escura destes campos. O Campo de Asfódelos também servia como um território neutro, onde as almas esperariam até serem julgadas. O lugar é basicamente o limbo, onde sua alma fica presa pela eternidade, vagando sem memórias e sem qualquer direção.

Os Campos Elísios é um lugar de temperatura amena, com uma brisa suave e alegria constante, para ali eram destinadas as almas boas. As pessoas que residem por lá tem a oportunidade de regressar ao Mundo dos Vivos.

O Tártaro é o lugar para onde as almas das pessoas injustas e impiedosas, são enviadas para serem castigadas.

Na porta do meu palácio há um cão demoníaco que guardava a entrada para o reino. Seu nome era Cérbero que por sua vez é colossal e devora qualquer mortal que tentasse sair. Por causa disso, eu sequer posso brincar com ele.

Os cinco rios do Hades são: o Aqueronte (o rio da dor), Cócito (lamento), Flegetonte (fogo), Lete (esquecimento) e Estige (invulnerabilidade), que faziam a fronteira entre os mundos superiores e inferiores.'

Bem, eu acho que é isso.

Solto um longo suspiro, novamente ficando entediado.

~x~

Nessa solidão que eu tento viver

Me escondendo na escuridão.

Ninguém tenta me entender

Apenas se afastam de mim

'Eu sou igual aos outros!'

Eu gostaria de gritar para o céu.

As vezes eu tenho maus pensamentos

Me assustando, me assombrando.

'Está tudo bem se eu desaparecer, não é?'

Tenho medo de um dia deixar de ser quem sou.

Nessa solidão que eu tento viver

Me escondendo na escuridão de minha alma.

Curtindo o silêncio do meu coração.

Me permitindo continuar sonhando.

Até quando terei que viver

Do jeito que os outros desejam?

Será que se alguém estivesse ao meu lado

Eu poderia ser mais forte, confiante?

Nessa loucura, eu tenho esperança

Que um dia eu encontrarei meu sorriso

Nessa solidão que eu tento viver.

Nessa loucura, eu tenho esperança

Mesmo me escondendo na escuridão.

~x~

Sobre os meus irmãos, não me entendam mal. Eu não odeio os meus irmãos, Zeus e Poseidon, ou os outros deuses. Mas isso não significa que sou obrigado a manter um bom relacionamento com eles. Eu acho que isso merece um pouco mais de explicação.

'Tudo começa quando Urano deseja casar-se com Gaia, a Terra. Com isso nasceram 12 filhos, seis mulheres e seis homens - chamados de titãs.

Urano temia que algum de seus filhos tentasse roubar seu trono, então cada vez que seus filhos nasciam, Urano os colocava novamente no útero de Gaia. Ela persuadiu seus filhos a se revoltarem contra o pai. O líder foi Cronos, que, no momento em que Urano estava copulando, foi libertado e utilizou uma foice para cortar as genitálias do pai. O sangue de Urano ao cair na Terra gerou os mares, as montanhas, as florestas e as erínias, e o seu esperma gerou a deusa Afrodite. Cronos então liberta seus irmãos.

Cronos casa-se com sua irmã titânide Reia. Antes de ser destronado, Urano profetizou que assim como ele, Cronos também seria derrotado por um de seus filhos. Com isso, Cronos exige que seus filhos sejam entregues um a um para que ele os devore e nossa mãe entrega todos menos o último, Zeus.

Que injusto, não?

Já adulto, Zeus se disfarça e dá a seu pai uma poção, que havia recebido de sua primeira esposa a titânide Métis, que o faz vomitar seus irmãos já adultos. Zeus, apoiado por nós, seus irmãos libertos, inicia a Titanomaquia. Nessa luta que durou dez anos, os deuses posicionaram-se no monte Olimpo e os titãs adversários, convocados por Cronos, no monte Ótris. Tivemos, ainda, a ajuda dos titãs hecatônquiros, gigantes e ciclopes que nos forneceram suas armas. A Zeus os raios, a Poseidon o tridente dele; e a mim, coube um capacete que me torna invisível.

Legal, né?

No primeiro ataque, do topo do monte Olimpo, Zeus joga um raio mortal nos titãs e nesse momento todo o planeta treme. De um lado os hecatônquiros arrancando pedras da montanha e jogando nos titãs. E de outro os titãs lutando com os demais deuses. Após anos de guerra, os olimpianos já estavam chegando à vitória, mas os titãs usam sua última arma e das profundezas do tártaro sai uma besta colossal e sombria, Tifão, uma criatura extremamente forte que desafia Zeus, um último desafio para os deuses reinarem sobre o universo. Horas se passaram de luta entre Tifão e Zeus, Zeus domina a luta e com um raio muito forte acerta Tifão, que cai de novo nas profundezas do Tártaro junto com os demais titãs, Enfim, Zeus se torna o rei do universo. Só que não acaba aí, pois logo em seguida, ocorreu outra guerra, a Gigantomaquia.

O que aconteceu foi que Gaia, a deusa mãe, ficou insatisfeita quanto ao destino dos seus filhos preferidos, que foram aprisionados no Tártaro como castigo eterno dado por Zeus assim que foram derrotados. Revoltada, Gaia então decide incitar seus outros filhos, os Gigantes, a travar uma nova batalha, rebelando-se contra os deuses do Olimpo e seu reinado. Obviamente, os deuses venceram, mas só porque tivemos ajuda de Héracles, pois segundo as três damas do destino, um gigante só poderia morrer se fosse atacado por um mortal e um deus ao mesmo tempo.'

Apesar de ser o Deus da Morte, eu não odeio a paz. A minha existência que é entediante. Ela sequer é necessária para manter o controle deste reino! Thanatos, personificação da morte, pode muito bem assumir o meu lugar e ninguém perceberia a diferença, afinal ele também representa a morte. Além disso, Éaco, Minos e Radamanto são capazes de colocar ordem no submundo e Cerberus devora as almas que saem sem permissão.

Viu?

Minha existência não tem significado nenhum e nada é capaz de me fazer mudar de idéia.

Até que... Eu acidentalmente a conheci.

~x~

Tudo começou com Hermes me importunando novamente. Eu, naturalmente entediado, resolvi o ouvir dessa vez e parti do submundo dentro de minha carruagem, guiada por corcéis negros. Naturalmente, minha presença não era requisitada e eu, com raiva, decido passear por ali primeiro, antes de me submeter ao retorno.

Para a minha surpresa, eu acabo indo parar em um belíssimo campo, cheio de flores brilhantes e coloridas, dançando delicadamente com a brisa, que circula ao redor de alguém de longos cabelos prateados e delicadas risadas.

Ela.

A deusa que irá mudar o significado da minha existência.

Ela...