Wesen Para Matar

Um jogo que foi longe demais Pt.2


No momento em que subi na moto, meu celular vibrou com mais uma mensagem. Respirei fundo, prevendo que seria do Capitão, porém me surpreendi. Era do Nick.

“Adiante as coisas. Hoje, às oito, eu vou estar te esperando. Não me decepcione.”

Mordi o lábio inferior, relendo a mensagem e vendo um imprevisto em meu plano.

É claro; Nick não era nenhum imbecil. Provavelmente o capitão falara o suficiente de mim (ou, usando as palavras dele, minha espécie) para que Nick entendesse que era uma Mehinstinkte que o seguia, e queria terminar logo com isso.

Mas não tinha reserva, nada assim, e eu nem tinha pisado em casa ainda.

“Mas já? Nem temos uma mesa...”

Enviei e dei partida na moto. Se ele estava mesmo decidido, então eu não tinha lá muito tempo para me arrumar. Pisei no acelerador, apressada, encontrando fácil o rumo para casa. Eu senti a vibração em meu bolso e logo veio a vontade de ver a mensagem, mas eu não podia ler pilotando. Acelerei mais e logo estava em casa.

Tirei o aparelho do bolso e então abri a nova mensagem.

“Não importa! Você sabe quem eu sou, penso eu, e eu tenho uma ideia de quem você é. Então vamos logo com isso, porque seu jogo já foi longe demais.”

Wow, que fúria. Só de ler a mensagem já fiquei arrepiada.

Mas recuperei o orgulho (agora um tantinho ferido) e a pose, e lhe respondi com toda a minha cordialidade de mulher poderosa, aparentando uma segurança que eu não sentia:

“Então que seja. Hoje mesmo. Eu que vou ter que te encontrar?”

Respirei fundo e entrei na casa. Emily e Bárbara estavam fazendo um joguinho de cartas no chão da sala.

− Oi! Como foi? – Bárbara perguntou.

− Vamos nos ver hoje e ele já sabe o que eu sou! – Sorri. – Acho que vai dar certo.

− Tomara! – Emily disse. – Mas já?

− Nick adiantou. O capitão contou sobre a nossa espécie, ele juntou os pontinhos, ficou fulo e quer me ver ainda hoje. – Expliquei.

− AAAH! Você tem que escolher uma roupa decente, rápido! Vamos, vou te ajudar, porque você tem muitas roupas e vai demorar! – Bárbara se levantou do chão com um pulo e me puxou pelo braço em instantes.

− Ei, esperem, pô! – Emily se levantou também e nos seguiu.

− Vocês sabem que eu não vou encontrar meu namorado, que eu nem tenho, né? – Falei.

− Mas é seu irmão! É o encontro do século! Não, do milênio! – Bárbara me fez sentar na cama. – Tem que ser bonita, simples, mas atraente. Vamos ver...

− Ei. – Emily sentou atrás de mim e começou a escovar as ondas negras embaraçadas pelo vento da moto. – Seu cabelo bagunçado me agonia. Está nervosa?

− Um pouco. – Respondi. – Mas dá pra aguentar.

− É assim mesmo. – Bárbara respondeu. – Mas eu sei que você tem tudo planejado. – Ela olhou para mim como se buscasse confirmação.

− Você me conhece bem. – Dei um sorrisinho singelo, e ela voltou a remexer no meu guarda-roupa.

− Quando eu for arrumar seu cabelo, vou fazer um rabo de cavalo, ok? – Emily falou, mas eu não deixei:

− Não. Eu disse pro Nick que amarraria meu cabelo em um coque e deixaria um pouco de cabelo saindo dele, com uma rosa branca espetada. – Respondi, simples. − E está muito cedo para decidir essas coisas!

− Aaah. Ok, então... Vamos lá pra sala. Ainda temos muito tempo, vamos jogar Poker.

Olhei no meu relógio. Eram quase nove horas, ainda estava muito cedo MESMO.

− Vamos. Podemos até dar uma voltinha depois da partida!

− Ok, pessoas, então vamos logo. Eu estou disposta a ganhar dessa vez, Cooper! – Bárbara provocou. – Deixa as coisas do encontro pra mais tarde. Mas quem vai escolher sou eu.

*

O jogo foi louco, com apostas a torto e direito. Peguei o jeito da coisa rápido, mas Emily era uma apostadora alta, e conseguia ganhar de lavada de mim e da Barbie. Depois disso, demos voltas e voltas pela cidade, sem nos cansarmos. Conversamos sobre o Nick, relembramos tudo o que passamos até chegar ali, rindo com as pérolas pelas quais passamos.

− Ah, Emy, e o cara do hotel? Não se falaram mais? – Barbie perguntou, e eu olhei disfarçadamente para ela. Nós duas sabíamos muito bem que não.

− Ah... – Ela ficou vermelhinha. – A gente tem se falado, sim. Ele... Está com saudade.

− Cara, eu deixei vocês se falando por meia hora! – Dei risada. – Foi o suficiente para encontrar o amor da sua vida?

− Foi, sim. – Ela pareceu meio irritada. – Ele é super legal, e carinhoso... Eu... Eu queria vê-lo.

− OWN! – Eu e Barbie dissemos, juntas. – Isso é tão fofo! – Emily sorriu.

− Vocês acham que nós dois... Tipo...

− Claro! Química total! – Pulei de felicidade. – Ai, que pena que ele não mora aqui...

− Isso é tão triste. – Bárbara fingiu enxugar uma lágrima.

Vi Emily dar um sorrisinho leve, e então percebi que talvez os dois não ficassem separados por muito tempo. Aí tinha coisa...

Continuamos andando, rindo, tomando sorvete, nos divertindo. Ficamos até um pouco depois do almoço, quando voltamos para casa e fomos comer mais um dos almoços deliciosos da afrodescendente.

Depois disso, fomos ver alguns filmes de terror em uma sala de cinema que ela tinha ali. Era gigante, com várias poltronas removíveis que podíamos afastar e colocar colchões no lugar. Depois de arrumarmos o colchão, as comidas e bebidas, assistimos O Exorcismo de Emily Rose, eu acho que o nome era esse (medo), e Filha Do Mal. Esse, na verdade, era fraquinho.

Quando acabamos, eram quatro e pouco da tarde, então fomos jogar. Ficamos algum tempo jogando online (Diablo! Hehe), até que paramos, entediadas.

− O que fazemos agora? – Emily perguntou.

Estávamos esparramadas na cama dela, que estava com todos os nossos travesseiros, que carregamos até lá para todas ficarem confortáveis. Eram todas de plumas, muito macios, as fronhas muito resistentes, e logo tive uma ideia.

− Emily, se esses travesseiros rasgarem, tem problema? – Perguntei como quem não quer nada.

− Não, tenho um monte guardado aí pra trocar. Por... – Ela entendeu mais rápido do que eu pensava (sem ofensa). – Guerra?

− Sim. E podem me chamar de tarada, mas... Só de lingerie.

As duas me olharam com uma cara de espanto, os olhos quase pulando das carinhas.

− QUÊ? Tarada!

Eu deixei mesmo.

− É sério! Não tem aqueles estereótipos de garotas se degladiando em guerras de travesseiros só de calcinha e sutiã? Eu sempre quis fazer isso! – Falei, sentando-me na cama como se tivesse admitido a derrota. – Mas se vocês não quiserem...

Quando olhei para cima, Emily já estava sem a blusa, mostrando seu sutiã azul.

− Você me deixou curiosa. – Ela falou, com um tom de acusação. – Vamos logo!

Tirei minha blusa enquanto ela tirava o short jeans, mostrando totalmente seu conjunto azul bebê simples. Joguei meu short do outro lado do quarto, revelando minha lingerie vermelha com renda.

− Ui – Emy disse, com um sorrisinho. – Isso é coisa de lua de mel.

− Eu só achei bonita... – Falei, corando tanto que minhas maçãs do rosto ficaram do mesmo tom do sutiã.

Bárbara era a única ainda vestida, mais vermelha do que eu. Ela estava envergonhada, tadinha.

− Mana? – Chamei.

− Ok, tô indo. – Ela disse, pegando a barra da blusa com força.

− Se não quiser tirar, não tira. – Emily falou.

− Não, tranquilo. – Ela puxou a blusa para fora do corpo, mostrando uma lingerie rosinha claro muito linda, e romântica, como ela. (Eu achei romântica.)

− Own. – Emily “elogiou”.

− Obrigada. – Ela sorriu, tímida.

− Peguem seus travesseiros! – Falei, elevando o tom de voz, pegando um que estava atrás de mim. Minha voz deve ter contagiado as duas, porque elas pegaram suas “armas” rapidinho. – À guerra!

Dei uma “travesseirada” em Emily, que retribuiu, ao mesmo tempo em que Barbie lhe acertava com o travesseiro fofinho na cabeça. Aproveitei o momento e minha posição para dar uma travesseirada em Barbie, que ia tentar me acertar de volta, mas atingiu Emily, ou melhor, o travesseiro de Emily. Tirando vantagem mais uma vez, acertei as duas ao mesmo tempo, mas elas se vingaram e me acertaram com força.

− Iá! – Gritei, e demos risada enquanto nos acertávamos e batíamos com os travesseiros. Em algum momento, as fronhas, judiadas com tantas porradas, rasgaram, e com mais algumas pancadas, as plumas voavam pra todo lado. Nos jogamos na cama ao mesmo tempo em que atirávamos os travesseiros para o alto, liberando mais uma chuva de pluminhas brancas e fofas.

Quem olhasse de fora poderia pensar besteira, vish.

− Nossa! – Emily gemeu, cansada. – Isso foi demais.

− Total. Que bom que eu decidi participar. – Barbie concordou.

− Viu? Eu tenho as melhores ideias. – Suspirei. – Que horas são?

− Cinco e três. – Emily respondeu. Ela estava do lado esquerdo da cama, eu, do direito, e Bárbara no meio. – Estou cansadinha... Vamos tirar uma soneca?

− Vamos. – Bárbara se virou de lado para dormir, mas eu a surpreendi abraçando-a.

− Ai! – Ela gemeu de susto.

− Que foi? Uma amiga não pode abraçar a outra? – Perguntei.

− Pode. – Ela segurou meu braço com o seu, e acabamos ficando de conchinha. Emily pegou a sua manta cor de creme fofinha e nos cobriu, sendo abraçada por Barbie.

− Vocês são as irmãs que eu pedi a Deus. – Emily disse, antes de dormir.

− Idem. – Eu e Bárbara dissemos, e todas pegamos no soninho.

*

Quando acordei, estávamos do mesmo jeito, só Emily que tinha mudado de posição, ficando de frente para Bárbara. Meu rosto estava afundado nos cabelos dela, e Emy estava com a cabeça apoiada no busto de Barbie. Soltei-me do abraço e me espreguicei devagar, sem querer acordá-la. Olhei no relógio e quase que meu esforço foi por água abaixo, porque minha garganta por pouco não deixa escapar um grito.

07h23min!

Pulei da cama com toda a suavidade que pude e saí do quarto sem fazer um ruído, indo nas pontas dos pés para o banheiro enquanto tirava o pouco pano que me cobria. Entrei no banheiro e comecei a encher a banheira, preparando um bom e rápido banho. Eu estava quase atrasada!

Quando terminei o banho, abri o guarda-roupa apressada, e joguei uma lingerie azul-escuro em cima da cama. Peguei uma blusa, como um moletom (mas era uma blusa mesmo), com mangas que começam depois dos ombros, e que vão até os cotovelos, também azul-escuro, com uma faixa de renda preta sobre os seios. Peguei a calça jeans preta que comprei e joguei em cima da cama, junto com a blusa, pegando também um blazer preto e um par de botas pretas com aqueles “espinhos” dourados nas pontas.

Sequei-me e vesti as roupas rapidamente, passando perfume, desodorante e tudo o que dava com toda aquela pressa. Peguei o secador e a escova, alisando meu cabelo e secando com agilidade.

Quando terminei, enrolei parte do meu cabelo e prendi com um grampo, deixando um rabo de cavalo pender do coque.

Mas e a rosa?

Quase dei um soco na penteadeira. Como eu me esqueci?

Então veio um flash à minha cabeça, e lembrei que alguns dos vasos da sala de estar gigante da casa tinham rosas brancas. Não achei que dariam falta, e eu poderia, sei lá, devolver depois.

Desci com pressa até a sala, com o capacete pendurado no braço e o celular no bolso. Peguei uma das flores e empurrei sua haste até o fim, agradecendo que ela era curta o suficiente para poder ser presa na minha nuca e ficar oculta.

Enfim, pronta.

Minha barriga estava revirando, talvez bem mais do que da vez em que dancei strip-tease. Lambi os lábios; eu estava quase achando que ia desmaiar de tanto nervosismo. Respirei fundo e fechei os olhos, tentando relaxar. Fiquei nisso por algum tempo até que conseguisse me controlar. Quando deu certo, pus o capacete na cabeça e saí.

Já eram 8:09 quando subi na moto, dando a partida e dirigindo direto para o Avellas Cafe, onde combinamos nosso encontro.

Bárbara que me perdoasse por ter escolhido as roupas sem ela.

*Nick*Alguns minutos antes*

− Vai sair? Foi chamado? – Monroe me perguntou.

Estava um pouquinho óbvio que não. Eu estava vestido com uma blusa de gola V, azul, com uma branca por baixo. (Estava frio!) Por cima, um dos meus melhores blazers, uma boa calça jeans, e sapatos sociais.

Sou vaidoso.

− Vou. Longa história, te conto quando voltar. – Puxei as mangas do blazer para baixo. – A gente se vê. – Porém, minha mão travou na maçaneta. – Monroe... Você sabe se existem Wesens híbridos?

Ele estranhou minha pergunta.

− Bom, tem, claro... Seu capitão é um exemplo disso... – Ele falou, e parecia querer continuar, mas eu o cortei:

− Não de dois. De mais de dois.

Seu rosto mudou de estranhando para surpreso em segundos. Suas sobrancelhas estavam quase no meio da testa.

− De mais de dois? Não que eu saiba... Isso é sequer possível? Quer dizer, se a mãe for híbrida e o pai também...

− A gente se vê. Valeu. – Saí, e ouvi ele bufar, irritado por eu tê-lo deixado no vácuo.

Fui a passos firmes até o carro, as chaves tilintando no meu bolso. Eu estava ansioso, muito. Não sabia se o que o capitão dissera poderia ser totalmente verdade, e tinha medo das verdadeiras intenções da anônima. Porém, eu era um Grimm. Tinha quase certeza de que poderia lidar com o que quer que fosse.

Eram 7:45 quando cheguei ao local, logo eu não me dei ao trabalho de procurar uma rosa branca, e sim uma mesa vazia com mais de um lugar. Quando encontrei, sentei-me de frente para a janela, para poder ver a pessoa que poderia ser a mulher que me mandava mensagens. Peguei o celular e até cogitei lhe mandar uma mensagem, mas decidi esperar. Sua demora só fazia eu ficar mais nervoso, ao ponto de eu me pegar secando as mãos na calça e sentir meu coração batendo forte.

Por Deus, anônima, chegue logo.

*Alicia*

Eu não queria acelerar muito a moto por causa do meu estado de espírito. Nervosa do jeito que eu estava (tendo que guiar a moto com uma das mãos para enxugar a outra), eu sabia que algo acima dos 80 Km/h me faria bater a moto. Por isso, meu trajeto não foi tão rápido quanto eu queria, porém fora mais seguro.

Quando avistei a placa do lugar, meu coração parou por alguns segundos.

Estacionei a moto na frente do bar, tirando o capacete e alisando levemente meu rabo de cavalo. Toquei a rosa branca, ainda ali, e lembrei-me de seu significado.

Alguém que nunca conheceu o amor e, portanto, é incapaz de amar.

Eu não conseguia definir o quanto dessa frase podia ser aplicada a mim.

Lambi os lábios e saí da moto, o capacete pendurado no braço, como eu sempre deixava, até que encontrasse um lugar para colocá-lo. Caminhei com muito mais confiança do que eu tinha, respirei fundo, e entrei no bar.

Vasculhei o lugar rapidamente com um olhar preciso. Não estava tão cheio como eu pensava que estaria, uma quantia boa para o horário. Olhei mais uma vez, e então vi Nick.

Ele me fitava com intensidade, como se quisesse me fritar com os olhos. (Eu quase podia sentir os raios laser queimando minha pele.) Seus olhos cinza, da mesma cor que os meus, estavam semicerrados, mas ainda era possível ver a frieza e um tantinho de raiva em seu olhar. Ele estava bem vestido, e era ainda mais bonito pessoalmente. Ao invés dele, pisquei duas vezes e sorri.

Simpática.

Fui até a mesa e me sentei com naturalidade, como se meu próprio irmão (embora ninguém soubesse aquilo) não estivesse me olhando com uma carinha dumal.

− Ora, finalmente! – Exclamei, feliz. Eu não iria fingir. – Olá, Nick.

Ele simplesmente acenou a cabeça, e notei que sua mandíbula estava trincada. Fiz uma cara de triste.

− Ah, não seja assim tão duro. Viemos nos conhecer pessoalmente, não? – Sorri, tentando quebrar o gelo, e vi seus ombros relaxarem. Ele finalmente falou:

− Tudo bem. – Ele suspirou. – Antes de qualquer coisa, vamos deixar claro que eu estou aqui só pra conseguir as respostas para minhas perguntas. Então vamos a primeira: Quem é você?

− Alicia. – Estendi a mão para ele, sorrindo, mas ele não retribuiu nem desmanchou a expressão impassível.

Tudo estava indo muito mal, mas eu ainda tinha um baralho inteiro nas mangas.

− Alicia Sem Sobrenome? – Ele brincou, mas era mais uma brincadeira do tipo “não gostei disso e fiquei irritado”. Graças a Deus, uma garçonete apareceu para anotar nossos pedidos, e ele relaxou um pouco, mas só pra pedir o café. Quando ela foi embora, ele voltou à defensiva.

− Bom, Nick... – Dei de ombros como se me desculpasse. – Revelar meu sobrenome já é algo mais arriscado. Olhe em volta. – Fiz um aceno singelo com a mão. – Boa parte dos que estamos vendo tem um outro lado, Nick. Um lado que nós dois conhecemos muito bem. E nós só podemos falar desse nosso outro lado em um lugar mais reservado.

Ele trincou os dentes.

− Você conhece melhor do que faz parecer. Melhor do que eu. – Sorri, um pouco triste. Nick não estava dando sinais de sair de sua ofensiva disfarçada de defensiva.

− De fato... Olhe. – Fiz um sinal discreto com a mão, e Nick se virou para onde sinalizei. – Vê a mulher de vestido preto? – Ele confirmou com a cabeça. – Nós dois sabemos que ela não anda em uma vassoura, mas é uma... Bruxa. – Sussurrei a última parte, e Nick se virou de volta para mim.

− Como sabe?

− Já lhe expliquei... Podemos conversar normalmente quando sairmos daqui. – Sorri. – Vou lhe dar todas as respostas que eu puder, pelo menos enquanto estivermos aqui. Então, faça as perguntas, que eu lhe digo o motivo de eu ter decidido te ver.

Ele respirou fundo, e me fitou.

− Como descobriu sobre mim e como conseguiu meu número?

− Bom, você complicou as coisas. Sabe... Nós temos métodos interessantes. – Dei de ombros. – Posso te explicar tudo quando sairmos.

Ele fez uma carinha de conformado, levantando as sobrancelhas e abaixando-as rapidamente, assumindo uma postura normal quando a mesma mulher veio entregar o café. Percebi que ela olhou um pouco intensamente demais para ele, como se estivesse comendo-o com os olhos, e o cheiro dela era adocicado demais, quase como se ela usasse aquele perfume para seduzir homens. Aquilo quase fez meus olhos mudarem de cor, mas pisquei para evitar a transformação.

Ele me fitou por algum tempo antes de continuar. Porém, não fez uma pergunta, como eu pensava.

− Pra falar a verdade, eu não pensava em mais nada além disso. – Nick deu de ombros. – Agora, pode explicar o motivo de você ter começado a mandar as mensagens.

− Termine seu café, Nick. Eu quero explicar tudo com todos os detalhes, e acho que você não vai querer deixar nenhuma gota restando. – Apontei seu café, o qual ele tomou mais um gole enquanto olhava pela janela. Comecei a brincar com a barra da blusa, mas eu pude ver que de vez em quando ele olhava furtivamente para mim, analisando-me.

Depois de algum tempo de silêncio desconfortável, Nick pagou a conta, e a mesma maldita veio trazê-la. Percebi que ela lançava olhares indiscretos na direção dele, e Nick não ligava. Quando saímos, ele falou mais para si mesmo do que para mim:

− Atirada.

Dei risada. Eu não era a única incomodada com a garçonete oferecida.

− Eu pensei a mesma coisa.

Ele sorriu, e foi o primeiro sorriso que ele deu desde que cheguei na lanchonete. Vê-lo sorrindo foi algo maravilhoso, que esquentou meu coração como uma chama de esperança.

− Bom... – Ele indicou o local que estávamos com o braço. – Estamos fora da lanchonete, mas não acho que aqui seja o melhor lugar para nós conversarmos sobre...

− É. Mas eu sei onde seria bom. – Sorri. – Me encontre no Brooklyn Park.

− A essa hora? – Ele perguntou, parecendo meio surpreso.

− Sim. Vamos ter privacidade o suficiente. – Sorri. – Não me dê um bolo, ok?

Subi na moto e coloquei o capacete, dando partida e indo embora sem olhar para trás. Sorri; eu já tinha feito algum progresso com ele.

Mas eu tinha quase certeza de que tudo iria abaixo no momento em que eu lhe falasse quem realmente sou.

Respirei fundo e olhei no retrovisor. Eu via a latinha velha de Nick de longe e fiquei pensando porque ele tinha logo aquele carro. Nada a ver com ele.

O percurso foi rápido, e quando vi já tínhamos chegado. Estacionei a moto e tirei o capacete, olhando o carro de Nick parar do outro lado da rua.

− Obrigada. – Falei.

− Só vim atrás da minha resposta. – Ele deu de ombros. Mas no seu rosto, já tinha um sorriso simpático. – Vamos?

Entramos no parque, as luzes ligadas, pouquíssimas pessoas andando para lá e para cá. Era possível ouvir os piados de uma coruja solitária ao longe, o céu estrelado e a brisa fria davam uma sensação de paz.

Nick caminhava no mesmo ritmo do meu, calmo e lento. Eu queria que tocasse uma musiquinha.

− Bom, agora sua resposta. – Falei depois de um tempo de silêncio. – Por que eu te mandei mensagens? É complicado, mas posso explicar. Escuta essa historinha: era uma vez, uma garotinha que foi raptada por um grupo de pessoas más. Essas pessoas transformaram-na em um monstro, e ela conseguiu escapar com duas amigas. Quando ela voltou pra casa em que ela morava, a mãe dela tinha deixado um bilhete dizendo que ela deveria ir para a América e encontrar o guardião da chave, que era sua irmã, e essa irmã estava com o filho dela, que era seu irmão. Então ela foi atrás da sua tia, mas ela já estava morta, então ela foi atrás de seu irmão, e quando o encontrou, decidiu manter contato com ele. E aqui estamos.

Estava feito. Eu não podia voltar atrás.

No meio de minha narrativa, Nick travou no lugar, e eu parei alguns passos depois dele, falando dali. Quando terminei a história, minha história, virei-me para vê-lo, uma expressão espantada impressa perfeitamente em seu rosto. Entristeci, e não fiz questão de esconder isso.

Ele me olhava como se eu fosse um alien.

− Você queria saber meu sobrenome. – Falei, meu tom de voz deixando claro meu medo de afastá-lo com as palavras que eu iria proferir. – Meu sobrenome é Burkhardt.

...

Silêncio.

O mais profundo, cortante e frio silêncio.

Nick foi relaxando, parecendo pensar sobre o que eu lhe disse, mas seus olhos ainda estavam chocados. Ele piscava, pensava, e estava alheio ao mundo a sua volta, processando o que eu lhe dissera. Depois de uma eternidade, na qual um sentimento de aflição tomou conta de mim, ele disse:

− Você está dizendo... – Ele olhou para mim, e de repente, vi compreensão no fundo dos seus olhos. Parecia que finalmente ele notou nossa semelhança física, e viu que nós éramos realmente irmãos.

− Oi, irmãozinho. – Sorri, ainda triste e com medo.

Nick piscou várias vezes, como se tentasse clarear a visão. Ele me lançou um olhar desconfiado.

− Eu... Não sei o que dizer. – Ele riu pelo nariz, sem emoção. – Mas eu... Não acredito nisso.

Naquele momento, o mundo girou e caiu debaixo dos meus pés. Eu vi tudo a minha frente acabar, todo o esforço desperdiçado, tudo o que eu fiz, e o fitei.

Não. Não depois de tudo o que passei, de tudo o que enfrentei. Ele não iria me chutar.

Aquele não era o encerramento.

− O que preciso fazer pra você acreditar? – Perguntei.

− Minha mãe – E ele disse isso com um tom de possessividade, como se afirmasse que ela era apenas a sua mãe. – Não teve outro filho depois de mim. Ela morreu em um acidente.

Percebi o que ele queria fazer, ou pensei. Ele queria me fazer confessar uma farsa, queria ver se eu sabia a verdade. E estava nos olhos dele; assim que ele disse que nossa mãe morrera, suas pupilas dilataram um pouco, e o cantinho da sua boca tremeu um pouco.

− Você sabe que não. Não sei como, mas você ficou sabendo que nossa mãe está muito viva. Nick, não tente negar. É a verdade.

− Mas ela não me disse de outro filho.

Outra vez, quase que meus olhos mudaram de cor, mas consegui me controlar a tempo. Ele não ganharia isso.

− Quem disse que ela não podia estar grávida quando escapou do acidente? – Falei, engrossando um pouco o tom de voz, e rangi os dentes. – Você nunca falou com ela depois disso, falou?

Nicholas se afastou um pouco, como se estivesse se esquivando de um tapa. Seu olhar brilhava de fúria; suas narinas franzidas, como se ele fosse um animal.

− Você não tem ideia.

− Acabei de ter. E, Nick, acha que ela teria te falado de um irmão assim, de repente? Deve ter custado para ela conquistar sua confiança, não deve? Acha que mamãe arriscaria derrubar tudo para te falar de mim, que ela nem sabia se estava viva?

Ele travou mais uma vez. Seu rosto não tinha somente uma emoção evidente, era um turbilhão delas. Ele estava em dúvida, sem saber se acreditava em mim ou não, estava certo de que minha história era plausível, e no fundo, no fundo daquela tempestade que eram suas íris, pude ver confiança.

Só um pouquinho, mas pra mim aquilo já era uma vitória.

− Eu nunca quis te fazer mal. – Dei um passo a frente, e Nick abaixou o rosto. – Eu sempre quis te conhecer. Não tem ideia do quanto ela falava bem de você; eu te via realmente como meu irmão. Eu vim porque somos a única família que temos agora. E ainda tem a chave.

Ele franziu os lábios, e me olhou. Não consegui entender seu rosto.

− Ela falava de mim? – Sorri, e Nick ergueu o rosto.

− Dizia que você gostava de biscoitos e de Thundercats*. – Nick riu e umedeceu os lábios.

− Ela fazia os melhores biscoitos.

− E ela também dizia que você tinha medo do escuro e dormia com um abajur do lado da cama.

− Ironicamente, era de morcego. – Seu sorriso ficava cada vez maior, assim como o meu. – Ele me assustava se eu não o ligasse antes de desligar a luz.

− E que você fazia teatro.

− Desisti depois de um tempo. – Ele me olhou nos olhos, e vi que ele realmente estava reconhecendo tudo aquilo. Eu queria pular em seus braços e abraçá-lo com toda a minha força, mas além de saber que isso o esmagaria, também entendia que não estava na hora. – Você sabe muita coisa de mim.

− Mamãe era meio nostálgica. Ela tinha umas fotos de vocês, sempre me mostrava e contava uma história nova cada vez que eu as via. – Inclinei a cabeça para o lado. – Queria ter vivido com vocês.

− Teria sido bom. – Nick afirmou. – A história era sobre você... Não era?

Fiz que sim com a cabeça.

− Os caras maus eram a Verrat e as Famílias. Eles tem uma espécie de projeto, no qual transformam pessoas normais em híbridos de Wesen. Parte deles morre no processo... Só metade, parece, que sobrevivem. Quando souberam que havia uma Grimm e sua filha na cidade, não pensaram duas vezes. – Mordi os lábios e pisquei; meus olhos estavam ardendo ao relembrar aquilo. – Quase mataram a mamãe e me levaram embora, desmaiada. Quando eu acordei, me fizeram beber algo que, eu suponho, tornou as moléculas do meu DNA maleáveis, permitindo que eu sofresse modificação. Eles achavam que, por eu ser Grimm, eu seria infinitamente mais forte e poderosa. – Minha voz ficou embargada e uma lágrima escorreu do meu rosto, e eu abaixei a cabeça, mas Nick a ergueu delicadamente.

− Não chora. – Ele limpou a lágrima com um polegar; parecia carinhoso e preocupado. Fraternal. – Então você é mesmo uma híbrida.

− Eles nos chamam de Mehinstinkte. – Falei, trêmula, enquanto apertava os olhos para empurrar as lágrimas de volta. – Foi horrível; eu achava que tinha ido pro inferno.

− Quem são suas duas amigas?

− Emily Cooper e Bárbara Christine. Elas chegaram no mesmo “lote”, ou grupo, mas só se conheceram quando eu fui apoiar a Emily em uma briga. – Sorri. – As duas odeiam a Verrat tanto quanto eu.

− E fugiram. – O moreno completou, os lábios curvados em um sorriso matreiro.

− Sim; roubamos um dos barcos que reabastecia a cozinha. Fomos nele de volta para a casinha que eu vivia; no meu quarto, mamãe deixara 700 dólares, uma faca e um bilhete, dizendo que eu deveria encontrar você e a nossa tia. Então eu vim.

− Esperta. – Ele virou para mim. – Olha... Eu... Acho que posso acreditar em você, não sei. Só acho. Mas é coisa demais para absorver. – Ele colocou uma mecha que escapara do meu coque atrás da orelha. – Mas eu quero te ver mais vezes.

− Tudo bem. Quando se sentir mais confortável... Podemos sair. Minhas amigas também querem conhecê-lo. É só me mandar uma mensagem.

Nick sorriu.

− Tudo bem... Irmãzinha. – Ele sorriu e aproximou-se para me abraçar, mas acabou mudando de ideia e parou no lugar. – A gente se vê. – Ele começou a se afastar, mas se virou logo depois. – Ah... Posso ver sua mão?

Eu sabia o que ele queria dizer. Estendi a minha mão direita para ele, que pegou o meu pulso devagar e deslizou o dedo pela palma, decorada com aquele símbolo maquiavélico. Ele tocou o centro da cruz.

− O que é isso?

− Um cancelamento. – Expliquei. – Significa que eu não trabalho mais para a Verrat. Quando eles percebem que certa pessoa está dando trabalho, cortam uma cruz na mão dela e a matam. Já vi um dos corpos, e acabei descobrindo sobre isso depois. Eu cancelei meu próprio contrato, por isso ainda acham que eu sou da Verrat.

Nick me olhou nos olhos.

− Posso ver sua woge? − Assustei-me com seu pedido. Não achava que ele me perguntaria isso tão cedo.

− Já?

− Fiquei curioso. – Ele sorriu. – Talvez eu não vá ver outro híbrido tão cedo.

Sorri para ele.

− Espere eu entrar no clima. − Afastei-me um pouco e fechei os olhos. Comecei a me lembrar de todas as coisas ruins que já ouvi e vi na vida... Cada provocação, cada momento ruim, cada humilhação, cada desastre, cada castigo...

A raiva ferveu em meu sangue, esquentando cada pedacinho meu, aquecendo, embebendo em ódio. Em alguns segundos, meu rosto se retorceu no meu outro eu, no monstro que eu era. Quando abri os olhos, vi o rosto de Nick – do outro Nick.

De início, não consegui entender e conectar o cheiro ácido à pessoa que eu via na minha frente, porque eu nunca vira um Grimm durante a woge. Depois que eu fui entender que era daquela maneira que os Wesens viam os Grimms.

Seu rosto parecia ter perdido toda a pele e ainda ter sido tingido de branco. Era como uma máscara; no lugar dos olhos, apenas órbitas vazias. O resto de suas feições estava normal, fora o tom branco encardido, mas mesmo assim...

O choque de perceber que aquilo era a aparência de um Grimm me fez voltar ao normal, e Nick me olhou estranho

− Que foi?

− A aparência de um Grimm... Eu nunca tinha visto antes. – Lambi os lábios, e vi que Nick ficara ansioso, como se finalmente encontrasse a resposta de uma pergunta óbvia.

− Qual é? – Ele estava ávido. – É assim que os Wesens nos reconhecem?

− Eu acho. É como... Uma caveira, mas com as suas feições. – Torci as mãos. – Tem um cheiro ácido.

Ele sorriu.

− Bem, eu tomei banho. – Dei risada. – Até... Alicia.

− Até, irmão. – Acenei com a cabeça, e deixei que Nick fosse embora primeiro, indo até seu carro e entrando nele meio vagarosamente, como se estivesse distraído.

Então tinha sido isso.

Meu primeiro encontro com meu irmão fora algo que eu podia chamar de bem sucedido.

*Nick*

Irmã.

Minha irmã.

Eu ainda não podia assimilar as duas coisas.

Quer dizer, ela era bem parecida comigo, além de sua história ser bem plausível e ela saber bastante coisas sobre mim, coisas que só alguém que vivera comigo poderia lhe dizer com exatidão. De fato, ela podia ser minha irmã, mas era rápido demais, e eu não tinha uma confiança total nela. Mesmo assim...

Alicia parecia ser uma boa pessoa, e ela passava a impressão de querer mesmo que eu confiasse nela e a aceitasse como ela dizia ser. Eu queria confiar nela, mas como se confia em alguém que cai de paraquedas na sua vida, dizendo que é sangue do seu sangue?

Além do mais, ela estava certa. Nós éramos a única família que nos restava.

Eu queria confiar nela, mas tinha receio das suas verdadeiras intenções, se não fossem as que ela me contava. Mas...

Algo na Alicia me fazia relaxar, como se ela pudesse ser um bálsamo para mim. Isso podia ser... Meu instinto, me dizendo que eu podia confiar nela?

Passei a mão nos cabelos. Ela definitivamente me deixou abalado; eu precisava respirar um pouco.

Estacionei o carro e abri a janela; a brisa estava fria e boa de se respirar. Com ela, parecia que meus problemas iam ficando mais leves. De repente, tudo parecia mais simples.

Sorri. Ela era mesmo “engraçadinha”, e parecia ser boa gente. Eu havia criado grande simpatia por Alicia, apesar de minha desconfiança.

“Quando se sentir mais confortável... Podemos sair. É só me mandar uma mensagem.”

Eu queria mesmo vê-la de novo, mas antes, eu precisava chegar em casa.

Liguei o carro novamente e dirigi de volta à casa do Monroe; eram quase nove horas da noite, mas como eu era detetive, ele nem devia estar incomodado com o atraso.

− Oi! Já? Achei que fosse voltar mais tarde. – Monroe disse, realmente surpreso. – Vai jantar?

− Não, estou sem fome. – Fiz meu percurso até a cozinha para pegar uma cerveja. – Alguma novidade?

− Não, mas você não está com cara de quem tem um caso novo. – Ele falou. – Foi dar uma volta?

− Não, fui ver uma pessoa. – Sorri e me sentei na poltrona. – Que se diz minha irmã.

Ele me olhou com ar de brincadeira.

− Hey, você não tem trabalhado muito?

− É sério. O nome dela é Alicia, e ela é a híbrida que eu te falei. Segundo ela... Nossa mãe já estava grávida quando escapou do acidente, e ela foi transformada em híbrida pela Verrat. Ela é... Simpática.

− E por tê-la visto uma vez, você já acredita nela? – Ele perguntou, me olhando como se desconfiasse de mim. Monroe me conhecia bem o suficiente para saber que eu não era assim.

− Não totalmente, mas além da história dela ser plausível... Meu instinto não é contra ela. – Dei de ombros. – Ela é legal, mas vou me manter atento quanto a Alicia. Talvez seja tudo uma farsa. – Mas eu não quero que seja.

− Então tudo bem... Você que sabe. Quando tiver certeza de que ela é sua irmã, me avise. Nunca vi um híbrido de mais de dois. – Monroe sorriu. – Vou dormir. Até amanhã!

− Até. – Respondi, e ele subiu. O “tump-tump-tump” dos passos dele me incomodava um pouco; eu ainda não estava completamente acostumado à minha nova audição. Às vezes, ela me incomodava até demais (principalmente de noite).

Bebi um gole da cerveja, pensando um pouco. Alicia não precisou responder a todas as minhas perguntas: só as necessárias para que eu descobrisse o resto por mim mesmo.

Alicia conseguira meu número com o capitão, isso era óbvio. Fora assim que ele tivera conhecimento sobre ela. Agora, eu não tinha ideia de como ela chegou nos Estados Unidos, e quem realmente eram suas amigas, muito menos sobre esse projeto das Famílias Reais. Não haviam coisas claras o suficiente, apenas o necessário para responder às minhas perguntas anteriores.

Suspirei. Eu ainda tinha tempo, se realmente fosse querer vê-la de novo. Poderíamos nos falar por mensagem.

De repente, eu estava ansioso por falar com minha anônima, minha irmã.

Mesmo que estivéssemos indo rápido demais.

*Bárbara*

Quando acordei, percebi que a cama estava mais vazia que antes. Emily anda estava dormindo e me abraçando.

Ou seja, Alicia tinha ido embora.

E nem tinha deixado eu escolher as roupas dela.

− Acordou? – Emily sussurrou, sem me soltar. Ela estava uma gracinha, com as bochechas meio vermelhas.

− Antes de você. – Sorri. – Dá pra me soltar? Essa posição tá meio estranha... – Fiquei vermelha. Estávamos todas entrelaçadas.

− Desculpe. Essa ideia da Alicia... Cadê a Ally, por falar nela? – Emily olhou para os lados, e então para o relógio. – Já são nove horas? Ela deve é estar voltando!

− Tomara que tenha dado tudo certo. – Apoiei os cotovelos nos joelhos e dobrei as mãos embaixo do rosto. – Não acho possível que o Nick, lindo do jeito que é, vá rejeitá-la. Ele parece ser boa gente.

− E não parece um assassino. Já pensou, que ironia se fosse? – Emily deu um risinho. – Não sei se ia facilitar ou complicar a vida dele.

Sorri levemente.

− É como andar no fio da navalha. – Ouvi, ao longe, o som de uma moto. – Acho que ela está chegando.

Pulamos da cama e começamos a nos vestir, enquanto ouvíamos o som da moto se aproximar da casa a cada metro. As roupas jogadas, as penas espalhadas e nós duas com aquelas caras amassadas não passava uma sensação muito legal. Eu, por exemplo, estava ficando vermelha só de ver minha amiga daquele jeito, normal, seminua do meu lado.

Quando terminamos de nos vestir, descemos as escadas correndo para ver Alicia, que tinha estacionado a moto. Ela tinha um sorriso no rosto e parecia que tudo tinha dado certo, porque o sorriso não se desmanchou nem depois que ela soltou o cabelo e pôs a rosa na orelha.

− Como foi? – Emily perguntou, quase dando pulinhos.

O sorriso de Alicia quase cegou nossos olhos, de tão brilhante, e fiquei pensando quem teria uma abertura de boca maior: Alicia ou uma cobra.

− Ótimo! – Ela deu um pulinho, os saltos estalando quando se chocaram com o chão. – Eu estava nervosa, mas até que deu certo. Ele não acredita totalmente em mim, mas já é um grande avanço, considerando que ele nem sabia quem eu era.

− E ele não é... Do mal? – Perguntei, mordendo o lábio inferior.

− Não me pareceu. Até pediu pra ver minha woge. – Ela fez uma carinha de dúvida. – O que eu achei meio adiantado, mas tudo bem. Eu o convidei pra gente dar uma outra volta outro dia, e com vocês. – Ela abriu os braços. – Que tal?

− Que tal que você foi embora sem eu escolher sua roupa. – Fiz um muxoxo. – Mas até que você escolheu bem.

− É bom saber que você confia no meu senso de moda! – Ela fez carinha de brava. – Mas desculpa, eu estava meio atrasada. – Ela começou a andar em direção a casa. – E vocês são tão fofas dormindo. – Ela se virou e apertou nossas bochechas com aqueles dedos de pinça, o que me irritou um pouquinho. − Cuti-cuti.

− Não faz isso! – Emily afastou a mão dela. – Dói. E obrigada por arrumar um jeito de nos apresentar ao seu irmão lindo pessoalmente.

− Vou me lembrar disso quando você me dever um favor. – Sorri. – Tomara que ele aceite todas nós de boa... – Fingi chutar uma pedrinha. – Não vai ser legal se ele quiser nos matar depois.

O celular da Alicia vibrou e nós olhamos pra ela enquanto a dita cuja tirava o aparelho do bolso e abria a mensagem. Fosse de quem fosse, fez Ally sorrir tão abertamente como se recebesse uma mensagem do namorado.

*Alicia*

“Que tal sábado? Provavelmente estarei livre!”

Mordi os lábios, tentando engolir meu sorriso, mas não adiantou de nada.

Nick tinha me mandado uma mensagem sem que eu mandasse antes, marcando outro encontro! De livre e espontânea vontade! Eu queria dar pulos e gritos e ir abraçar o homem o mais forte que podia (mas isso iria matá-lo), então me limitei a sorrir. E sorrir MUITO.

− Calma, vai rasgar seu rostinho com esse sorrisão. – Emily disse, olhando sobre meu ombro. – Já? Que apressadinho!

− Eu já amo esse cara. – Comecei a digitar uma resposta afirmativa.

“Claro! Quer que elas nos acompanhem?”

Enviei, e entramos na casa. Puxei a rosa de trás da orelha, e fui colocar de volta no vaso, olhando para Emily como quem perguntava se podia. Ela fez que sim com a cabeça, e mergulhei o caule na água. Olhei para a flor. Quem diria que ela me ajudaria essa noite?

Acariciei as pétalas suaves e soltei um pouco as mechas do meu cabelo, que estavam meio embaraçadas. – Vocês vão conseguir dormir hoje?

− Mana, eu vou acabar a caixinha de calmantes que tem aí, se isso for necessário, mas acordada eu não vou ficar. – Emily disse, e me virei para olhar para ela, deixando claro que eu duvidava daquela história. – Que foi?

Resisti ao impulso de revirar os olhos. Eu estava achando que seus planos para aquela noite incluíam falar no celular direto com seu boy magia.

− Ok. E você, Barbie? – Perguntei.

− Por que está perguntado isso? – Ela pôs uma mecha do cabelo atrás da orelha. – Vai escapar de noite?

Ai, eu não acreditava que ela ainda lembrava daquela escapada pra confrontar o capitão.

− Não, não é isso. É que eu realmente duvido de que vocês duas, que dormiram mais que eu, vão conseguir pegar no sono essa noite. – Falei, enrolando a ponta de um cachinho no dedo, meio encostada à mesa. Foi a vez das duas ficarem me encarando, e eu usei a mesma tática da Emily: − Que foi?

− Fale a verdade. Por que você quer saber se eu vou dormir? – Ela avançou um passo, e eu reconheci a onça dentro dela. Ou eu fazia ela acreditar em mim, ou eu teria meu rosto destroçado muito brevemente. Como eu já estava encostada na mesinha, minha escapatória seria pro lado, mas eu não deslizei na mesa para me afastar. Eu nunca escapava.

− Pelo motivo que eu disse. − Encarei-a, olho no olho. – Por que não acredita?

As faíscas, ou raios, que seja, eram quase audíveis, e o cheiro de ozônio estava quase presente ali. Nós duas estávamos virando bicho, e Emily estava só ali, assistindo. Eu não a culpava; se ela tentasse intervir, provavelmente a mesa viraria em cima dela (nos dois sentidos). Emy nos conhecia muito bem, e só entraria na briga se fosse extremamente necessário.

− Porque já tive experiências ruins com isso antes.

Se há algum tempo eu achava que Bárbara era mortal, naquele momento eu tinha uma certeza total que somente aquele olhar faria até uma cobra bater em retirada. Puxei o ar fortemente para meus pulmões; eu nunca acreditara que as cobras realmente paralisassem suas vítimas de medo, mas eu estava entendendo aquilo. O azul dos olhos dela era quase congelante. Mas aquilo era um combustível para a minha raiva; se ela não parasse logo, a taça derramaria e as chamas explodiriam. Aí, seria tarde demais, e eu não gostava de perder o controle.

− Bárbara, eu fiz só uma pergunta. Se você acha que vou escapar, está achando errado. Eu sei muito bem o que vai acontecer se eu escapar, e não quero isso entre a gente. Aquela noite, eu escapei porque tinha um plano; um plano que iria facilitar nossa vida aqui. Eu tinha medido todas as variáveis, e conhecia os riscos. Se eu fiz, é porque eu sabia que nada iria ser um dano tão grande.

− Nesse momento, se as coisas tivessem ido mal, provavelmente nós todas estaríamos longe de Portland. Tudo por sua impulsividade. – Ela apertou os braços.

Emily olhou para mim, e ela, pelo menos, viu que eu estava a milímetros do limite. Se ela interveria, seria naquele momento.

− Garotas, não é bom remoer essas coisas depois que já acabou. Vamos logo subir. – Emily disse, enrolando uma mechinha do cabelo e se interpondo entre nós, bloqueando os raios assassinos. – Relaxem.

Abençoada seja! Sua voz me fez relaxar mesmo, e logo senti tudo vazar para fora de mim. Eu tinha que ir para o meu quarto logo, antes que Barbie, a Maldosa, me alfinetasse de novo.

− Boa noite. – Sorri com toda a doçura e subi as escadas, sentindo o peso de um olhar azul quase violeta desconfiado em minhas costas.

*

Quando entrei, tirei toda a roupa, e troquei-a por um baby-doll pálido, bonitinho e suave. Ele fazia cócegas leves na minha pele quando eu me mexia.

Suspirei. Aquele toque era tão gostoso e relaxante que eu estava me arrepiando toda... Talvez meus sonhos fossem bons aquela noite. Eu esperava.

Os sonhos. Eu não tinha certeza de que iriam ser bons mesmo, até porque eu já tinha aprendido que meus sonhos eram beeem sem-noção ou proféticos, principalmente depois do último. Eu estava com medo de sonhar, mas ansiosa para ver qual seria o próximo.

Bocejei. Como eu tivera um dia cansativo, estava louca para dormir. Penteei os cabelos uma última vez, só pra não embaraçarem muito quando eu acordasse. Quando acabei, enrolei-me no lençol fofinho e fechei os olhos, mas uma vibração me chamou a atenção.

“Não. Primeiro com você, talvez depois, suas amigas possam ir. Boa noite :)”

Sorri. Ele estava tímido? Esse cara era uma graça.

“Ok. Boa noite :)”.

Fechei os olhos e dormi. E eu não sabia se devia agradecer ou ficar triste pela noite sem sonhos, vazia, e sem nenhum sentimento.