Passei dois dias sem mandar mensagem pro Nick, nem pro capitão. Eu sentia falta do vibrar do celular, mas não queria ser muito perseguidora com o Nick, nem tinha nenhum motivo pra falar com o capitão, então ficava quieta. Mesmo assim, esses dois dias pareciam passar devagar, e quando eu olhava para trás, parecia que tinham passado rápido. É complicado de explicar.

Então um dia eu estava de bobeira na cama, depois de ter ido fazer um piquenique com as meninas e Carla, quase dormindo na cama, eu recebi uma mensagem. Assim, de repente.

“Oi maninha!”

Olha que fofo, ele, mandando mensagem desse jeito...

“Oie =]”

Fofura sendo retribuída com fofura.

O que me deixou feliz mesmo foi o fato de que ele tinha mandado uma mensagem de pura e espontânea vontade, àquela hora da noite, me chamando de “maninha”. Aquilo acalentou o coração de um jeito tão bom!

Ainda havia esperança!

O celular vibrou, pousado na minha barriga. Abri a mensagem e li com um sorriso no rosto.

“Espero que eu não tenha te acordado. Os dias ficam um tédio sem suas mensagens :p”

Se ele soubesse... Respondi rapidinho:

“Eu nem estava conseguindo mimir =[ fico feliz que tenha me mandado mensagem =D”

Sentei na cama, fazendo de meus travesseiros um apoio para as costas, e coloquei uma mecha atrás da orelha. Parecia que meu relacionamento com Nick era mesmo promissor, então eu já estava mais despreocupada.

“Que bom, porque eu também estava um caco XP”

Suspirei. Do que falaríamos? Ele tinha mandado mensagem sem motivo, e eu tinha respondido sem nada na cabeça. E agora?

“Você vai mesmo me ver sábado?”

Isso fez minha barriga embolar de nervosismo. Se ele dissesse não, eu me matava, porque simbolizaria que eu ainda não estava tão longe da estaca zero. (Dois centímetros, pra ser mais específica.) E isso me acabaria.

Pareceu que a mensagem demorou mil vezes mais do que as outras pra chegar; eu sentia que se passavam horas, mas nada da mensagem. Eu ouvia meu coração batendo nos ouvidos, mas nada acontecia.

Quando o celular finalmente vibrou, dei um pulo e peguei-o no ato, abrindo o leitor de mensagens com uma pressa tamanha que errei a teclinha várias vezes.

“Claro que sim”

Fiquei tão feliz que dei um pulo e fiz aquela coisa tipo meme do Fred Mercury*, aquele soco no ar, em comemoração.

“Obrigada, mano!”

Deitei-me na cama, feliz. Tudo estava indo bem. Nick estava mais confiante quanto a mim, ou não teria mandado mensagem. Nós realmente nos veríamos. Estava tudo muito bom.

Tão malditamente bom que algo iria dar errado. Sei que isso parece clichê, mas, hey, sou eu.

“De nada. Boa noite *u* conversa rápida”

“Boa noite rsrs’ vdd. Tchau”

Virei de lado, mais sonolenta. Ficar tão feliz dava sono! Suspirei e fechei os olhos.

Boa noite, maninho.

*

Mesmo com os dias se arrastando e as noites também (sem sonhos, parece que a noite demora mais, ou sou só eu?), o dia do nosso novo encontro chegou. E quando eu reparei, estava no meu quarto, sentada na cama, com Bárbara (que tirava todas as minhas roupas decentes do guardarroupa*) e Emily (que estava arrumando todo tipo de maquiagem possível na minha penteadeira), as duas se apressando para que eu ficasse pronta o mais rápido possível (eram uma e doze no momento, e nosso encontro, duas e quinze. Hunf). Eu estava toda enrolada em toalhas, secando meu cabelo e esperando para ser vítima de duas embelezadoras profissionais e semi-surtadas.

− Jesus, eu tenho medo do dia que vocês forem ajudar uma mulher a se vestir para casar. – Falei, observando Bárbara tirar uma blusa vermelha do cabide em que estava e colocá-la junto de uma calça preta e Emily pegar um pincel pra blush e limpá-lo em um paninho. – Pavor, na verdade.

− Ah, Alicia, não fala assim! – Barbie gemeu de protesto. – Até parece que é alguma tortura.

− Pra mim sim, porque eu vou ter que ficar quietinha, e vocês sabem o quanto eu sou inquieta. – Reclamei, e era verdade. Eu não conseguia ficar parada.

− Bom, você vai ter que dar um jeito. – Emily testou a temperatura do secador de cabelo. – Porque as manequins ficam quietinhas.

Ai, meu Deus.

− Decidi! – Bárbara comemorou. Ela começou a guardar todas as outras roupas no armário. Quando olhei para o que havia sobrado na cama, era uma camiseta solta e meio longa, como um “corte channel” para o lado esquerdo, com a estampa da bandeira dos Estados Unidos meio desbotada; uma calça preta colada de couro (que sacrifício seria vestir aquilo), botas de cano longo pretas estilo militar (mas é claro que as botas militares não tem salto alto) e um cinto (provavelmente, pra revelar minha cintura por baixo da blusa). – Não é chique? Sabe, é a sua cara, e está batendo bastante vento e está até mais friozinho que o normal hoje*, por isso a calça não vai incomodar. Além do mais, é bem descontraído.

Eu tinha que concordar.

− Menina, vá virar estilista. Aí eu ganho roupa e joias de graça. – Fiz um gesto com a mão para Bárbara e Emily enquanto eu falava. – Eu acho.

− Sonha, filha. – Emily riu. – Agora se veste rápido, pra eu poder ajeitar seu cabelo. Se você se vestir depois de eu fazer seu penteado, ele desmancha, e se isso acontecer, eu te mato.

Peguei as roupas e fui para o banheiro, pendurando-as naquele cano pra colocar a toalha. Quando tirei as toalhas e pendurei-as no cabide, lembrei-me de uma coisa.

A cicatriz.

Ela ainda estava lá, branca, grotesca e perfeitamente visível se eu vestisse a blusa que Barbie me dera. Porém, eu sabia que, se ela não tinha colocado nenhuma jaqueta ou blazer no conjunto, se recusaria a colocar agora. E eu não podia deixar Nick ver aquilo.

Mesmo assim, vesti as roupas, depois de enxugar o pouquíssimo de água que restara na minha pele. Sim, eu tirava o chapéu; tinha ficado ótimo. Mas a linhazinha branca, feita à garra, discordava.

Suspirei e saí do banheiro, ouvindo palmas alegres.

− Linda! – Bárbara comemorou. – Eu sou um gênio. Você tem que me deixar te produzir mais.

− Eu sei, mas tem um detalhe. – Tirei o cabelo das costas e virei-me, ouvindo o ofegar das duas. – De jeito nenhum eu deixo ele ver isso.

− Aquela vaca – Ouvi Barbie reclamar. – Por que logo aí? Ela não sabe que isso estragaria qualquer visual sem mangas?

− Acho que foi nisso que ela pensou, Barbie querida – Emily disse, delicadamente. – Mas sem problemas. – Ela disse, simplista, enquanto eu virava de frente.

− SEM PROBLEMAS? – Eu e a morena dos olhos azuis “gritamos”.

− Essa cicatriz acabou com a estética da blusinha! – Bárbara protestou.

− E de jeito nenhum eu vou deixar Nick ver isso! Ainda não estou pronta! – Gemi, nervosa.

− Queridas, as mulheres tem maquiagem pra quê? – Emily riu, levantando o pó compacto e a base líquida. – Eu tenho experiência com isso, acreditem. Mamãe não foi tão megera assim.

Suspirei, aliviada.

− Deus é bom! Obrigada, Emy. – Falei, me sentando na cadeira e deixando que ela tirasse a toalha que envolvia meus cabelos. Em questão de segundos, ela já estava escovando-o com intensidade, puxando minha cabeça para trás com cada passada da escova. Ela passava um pouco de um óleozinho, deixava por um tempo, escovava de novo, esperava por um tempo, passava o secador com ar frio, fazia chapinha... Era a maior piração no meu cabelo, e Bárbara não perdia a oportunidade: tomava o posto de Emily às vezes para deixá-la cuidar do meu rosto. E aí era base, pó compacto, blush, batom, gloss, rímel, lápis de olho, sombra... Emily sabia (sabe) que eu odiava (odeio!) muita maquiagem, por isso ela só exagerava naquilo que ia fazer parecer que eu era perfeita. E o legal era que ela me enchia de maquiagem, (isso não é a parte legal) mas minha cara não ficava pintada, só algo básico, o tipo “sou bonitinha”.

Depois de alguns bons minutos de pós e pincéis e escovas e chapinhas e rococós, eu estava pronta. Quando me olhei no espelho, um sorriso cresceu gradativamente no meu rosto.

E não é que eu estava bonita? Meus cabelos, cujos cachos eram sempre meio farofados depois que o vento e o tempo faziam seu efeito, estavam lisos até um palmo antes das pontas, quando começavam a formar cachos grossos e firmes (o que uma boa dose de creme e spray não faz).

− Vá enciumar seu irmão e arrasar corações, querida. – Emily e Bárbara ficaram ombro a ombro e bateram continência pra mim. – Por nós!

Bati continência em resposta.

− Sim, senhoras! – Levantei da cadeira e alisei a roupa (sabe-se lá porque), admirada com o trabalho que as garotas fizeram. Parecia uma eu melhorada; mais bonita, mais charmosa, menos falhinhas no rosto.

As duas decidiram me acompanhar até a porta; quando eu estava lá, beijei a bochecha de cada uma com carinho.

− Obrigada por me arrumarem. – Sorri, e coloquei o capacete, a bolsinha balançando no braço. – Beijos, amadas! – Fui andando tranquilamente até a moto, e respirei fundo.

Lá ia eu de novo. Depois de tudo o que aconteceu, era impossível que algo desse errado.

Ou era? Com minha sorte, não era bom duvidar que tudo podia acontecer.

*

O vento brincava com meus cabelos de pega-pega, fazia a blusa bater e sacudir contra meu abdômen, soava como um chiado nos meus ouvidos (eu uso a viseira aberta) e esfriava tudo a minha volta como o ar que saía do congelador quando você abria a porta e a mantinha aberta. Eu tinha a intensa vontade de dar meia-volta e pegar um casaco (BÁRBARAAAAA), mas o horário marcado por nós dois já estava se aproximando, e eu não queria voltar, além de estar muito perto do local.

Um parque. Coisa clássica, eu sei, mas, poxa! É relaxante. Enfim, na verdade, iríamos primeiro dar uma caminhada, depois iríamos ao parque, que ficava ali perto*.

Quando cheguei ao Waterfront Walk (aquele lugar nobre, láááááá), encontrei Nick antes mesmo de estacionar. Ele estava encostado em seu carro (vulgo lata andante), verificando o celular (vai ver era neura por minha causa, hehe), me esperando. Parei a moto na frente da latinha dele.

− Opa! Oi! – Ele ficou surpreso com minha aparição de repente. – Achei que fosse mais uma pessoa aleatória.

− Muito obrigada por não reconhecer a mim e a minha moto! − Fingi-me ofendida. – Oi, mano. − Abracei-o, e engatei o capacete na lateral do veículo. – Vamos?

Começamos a andar, e logo o silêncio oportunista se instalou entre nós dois. Não importava o quanto estivéssemos animados para aquilo, nenhum de nós tinha um roteiro do que falar e fazer. Então, estávamos empacados.

− Acho que nós só podemos falar de coisas banais... – Ele fez um gesto abrangendo o ambiente ao nosso redor. – Não estamos sozinhos.

− Definitivamente, não – Concordei. – Falando assim, você me faz pensar em alienígenas.

Nick riu; aquela risada linda dele de novo... Ain, que fofo!

− Pareceu mesmo. – Ele pegou um cacho do meu cabelo e o enrolou nos dedos, só para depois soltar e puxar, deixando a mecha ficar pulando pra cima e pra baixo. – Ó o cachinho! – Dei risada, e ele fez de novo. – “Póin”. – Ele fez mais uma vez. – Seu cabelo é legal.

− Valeu. – Enrolei uma mechinha nos dedos, como ele fez. – No Japão, seu “póin” na verdade seria “pyon”.

Ele me olhou estranho.

−... Pyon? – Nick riu mais uma vez. – Como sabe disso?

Da minha explicação (resumindo aqui: eu vejo animes), acabamos indo para muitos outros assuntos, o que nos fez conhecer um ao outro muito melhor. Foi uma questão de minutos e logo estávamos rindo juntos de tudo o que ele já tinha aprontado e tudo o que eu tinha conseguido aprontar, como se nos conhecêssemos há séculos.

Nick era (é!) muito lindo rindo; seu sorriso é do tipo que faz todos a sua volta sorrirem, de tão radiante. As presas dele são estranhamente (e sensualmente também) um pouco mais “caninas” que o normal, o que me lembrava um vampiro (eu até o chamei assim, e ele fingiu que ia morder meu pescoço, pra corresponder à brincadeira). Seu cabelo era um tanto mais sedoso do que cabelos masculinos encaracolados são (admito que isso me fez pensar nele sendo do lado rosa da força), e eu acabei fazendo a brincadeira do “póin” com ele, e ele voltou a fazer o “póin” comigo, e nós ficamos puxando o cabelo um do outro até não querermos mais.

Continuamos a andar, e conversar, e rir até que o sol começou a se pôr.

− Ei, mano – Ele me olhou de canto de olho. – Você tem namorada?

Nick não me olhou, e sua expressão ficou triste e endurecida. Foi óbvio: eu estava tocando em um assunto delicado.

Nick demorou para responder. Na verdade, ele parecia relutar em responder, ou então estava resoluto em não responder. Quando eu estava pensando em outra coisa para perguntar, ele respondeu, com um timing perfeito:

− Tinha.

Tinha. Vulgo “não tem mais”. Bárbara e Emily, soltem os fogos de artifício.

Então as coisas não tinham terminado bem. Quem quer que fosse a ex dele, eu já estava experimentando um ódio terminal dela.

Respirei fundo. Eu deveria ou não continuar com aquilo? Só por seu olhar, era óbvio que eu estava andando no fio da navalha; e eu tinha medo de abrir uma ferida que talvez nem tivesse cicatrizado.

Então eu estava ali, ponderando sobre o namoro dele, porque tinha acabado, como tinha sido, quem era a (cof cof) piranha (cof cof), se ele precisava de um ombro amigo (já tinha três, sem contar os possíveis amigos e cervejas consoladoras), e tal, e Nick se adiantou:

− Você está curiosa. – Gente do céu, se isso for intuição, ele é médium, não é possível.

Engoli em seco e lhe respondi, um tantinho nervosa sabe-se lá porque:

− Um tantinho. Como você sabe? – Nick sorriu. Aquele sorriso... Eu não sabia se era de escárnio, de familiaridade ou de qualquer coisa boa, mas ele não me deixou tempo para ponderar:

− Dedução. Eu estaria curioso. Foi um golpe de sorte eu ter acertado. – Nicholas suspirou. – Mas vamos lá. Eu vou explicar de forma... Reduzida, ok? – Confirmei com a cabeça, e Nick iniciou a explicação: − Eu tive uns... Problemas com uma mulher, uma bruxa, ela. – Entendi a indireta. – Entenda, ela quase matou um amigo meu, um policial, e tentou matar meu parceiro. Eu acabei... Usando um método meio... Invasivo, acho que se pode dizer assim. – Não entendi bem o que ele quis dizer, mas deixei para lá. – Ela se enfureceu, disse que eu iria pagar, que eu não ganharia, que isso, que aquilo. Deu até um dó, porque ela parecia desolada. Mas... – Um brilho de fúria ganhou o cinza tempestade igual ao meu, e senti que a chuva torrencial chegava. – Ela me fez pagar com minha namorada. A bruxa fez com que ela... Se envolvesse em um acidente, e então ela entrou em coma.

− Sua namorada? – Perguntei, amaciando ao máximo minha voz, enquanto sentávamos em uma elevação da calçada que rodeava um gramado. O sol já tinha ido há algum tempo, e a lua minguante estava decorando o céu. Quase não havia pessoas naquela parte do parque.

− Sim. E durante esse coma... Bem, ela me esqueceu. – Nick parou, engoliu em seco, e eu digeria os fatos que tinha ouvido. – Foi como amnésia. Só a mim. Ela se lembrava de todos, tudo. Cachorros, amigos, locais... Mesmo o que tinha acontecido com outras pessoas, se eu estava lá, para ela... Não. – Ele passou a mão nos cabelos; reconheci que aquilo era doloroso para ele.

− Para. Não quero que você me conte se a dor ainda não passou – Pus uma mão em seu joelho, confortando-o. – Eu não preciso saber, pelo menos não agora.

− Não, tudo bem. – Eu duvidava. – Bem... Nós moramos na mesma casa por um tempo, na esperança de que um dia ela se lembrasse. Isso não aconteceu, piorou: ela começou a... Ela se apaixonou por outro. Eu só descobri... Só descobri depois, e então... Eu decidi terminar. Estou na...

− Casa de um amigo que curte lua cheia? – Chutei. – Desculpe.

− Como sabe?

− Minhas fontes. – Pisquei. – Brincadeira. Minhas amigas, que fizeram o favor de ver se você era quem queríamos. Mas enfim, algo sobrando?

Nick olhou para baixo por um longo tempo, e eu permaneci naquela posição, cabeça inclinada, olhando-o, esperando que dissesse mais algo. E justo quando achei que nosso papo estava acabado, mas então...

Uma lágrima.

Ele levou uma mão ao rosto, limpando o caminho que a gotinha deixara, mas logo outra veio, e eu não tentei evitar: puxei-o para mim, apoiando a cabeça dele em meus ombros, e ouvi um gemido.

− Desculpe, maninho. – Ele fungou, e eu soube que ele não queria chorar, mas eu não queria que ele segurasse aquilo, pois aqueles sentimentos o sufocariam. Eu sabia como era aquilo. – Chore, Nick. Pode chorar. Eu tô aqui, por você. – Senti as lágrimas silenciosas descerem seu rosto e molharem meu ombro e a alcinha da blusa, mas eu não ligava. – Tudo vai ficar bem. Confie em mim, tudo vai, sempre, ficar bem. Só deixe que o tempo cuide disso.

Ficamos ali por algum tempo, Nick chorando, quietinho; eu, condescendente, mas jurando que iria vingá-lo. Quem quer que fosse a Hexenbiest e sua ex, eu iria achar as duas, e eu faria das duas espíritos sofridos. Iria perseguir cada partícula delas até o fim, até que tudo que fosse delas ou elas não se tornasse mais que átomos soltos no ar. Eu não queria meu irmão sofrendo daquele jeito.

A melhor cura é cortar o mal pela raiz.

Quando Nick parou, abri a bolsinha sem olhar para ele, peguei um pacote de lencinhos e lhe entreguei. Nunca se sabe quando você irá consolar um lindo homem de coração partido ou quando você ficará respingada (ou respingado...) de sangue por causa de uma luta. Ele limpou o rosto com o lencinho e eu joguei no lixo (a alguns metros de distância, então eu e Nick fingimos que foi uma cesta de três pontos). Nick ficou em silêncio por mais algum tempo, sem chorar, apenas fungando bem pouquinho, se recuperando. Por fim, quando já estava melhor, ele disse:

− Obrigado, maninha.

Eu sorri... Tipo, demais! O Nick me chamar de maninha era... Wow, a melhor coisa que acontecia há uns bons dias. Ele querer me ver me deixava feliz, ele me chamando de maninha quase me fazia sair voando (e sem Redbull!).

− Por nada, maninho. – Passei a mão pelos seus cabelos. – Sempre aqui. Aliás, você não tinha nada pra fazer hoje?

Nick parou para pensar, mas não por muito tempo, porque logo me dirigiu um sorriso lindo, que automaticamente me fez sorrir.

− Não. E se tinha, provavelmente pode esperar, mas eu adiantei as coisas ontem. – Nick enrolou um cacho meu nos dedos. – Estava querendo me aproximar da minha maninha.

Uma brisa soprou naquela hora, justo naquela hora, e trouxe consigo um cheiro não muito agradável: o cheiro de um osso sangrento, carregado por um cachorro molhado e deixado sob o sol do meio-dia.

Ai, não, agora não.

Virei na direção da brisa, deixando meus olhos se transformarem, minha visão se aguçando. E vi só um pedaço do que eu suspeitava ser couro preto.

− Que foi? – Nick olhou para onde eu olhava, mas não viu nada, porque ele não era (é.) como eu.

− Temos perseguidores. – Expliquei.

− A...

− Não fale. Sim. – Mordi o lábio. Eles não descansavam nunca. – O que fazemos? – Eu não podia agir do meu modo; Nick estava comigo.

− O que você faria?

Sorri. Que graça ele era.

− Eu os encurralaria, e deixaria eles darem o primeiro golpe.

− Sábio. – Nick olhou para a frente. – Então acho que teremos que terminar esse encontro mais cedo, maninha.

Nos levantamos e começamos a refazer o caminho para ir embora, mas fomos interceptados por dois homens de preto. Um deles era negro, a cabeça raspada, uma cicatriz no canto do olho, dentes brancos e afiados. O outro era um Doutor Chase da vida: loiro, cabelos espetados e desfiados, alto, australiano, olhos azuis.

− Alicia, querida, que saudades. – O loiro disse, mas eu nunca o tinha visto na vida.

Nick ainda mencionou dizer algo, mas o interrompi.

Deixe falarem.

Pus as mãos na cintura, sem responder, e vi que Nick desistiu de falar, mas ainda ficou alerta. Instintos policiais...

− Tudo bem, você ainda não nos viu. Nós já te vimos. – O negro falou. – E viemos te ver uma última vez. E obrigado! Você já trouxe o Grimm para nós.

− Eu não trouxe ninguém. Vocês que vieram de penetra. – Puxei a faca do coldre e Nick cerrou os punhos.

− Querem lutar? Que assim seja! – O negro atacou o Nick e o loiro partiu para cima de mim.

− Cuidado! – Avisei Nick, mas ele parecia muito bem treinado. Desviei de um soco no meu rosto ao mesmo tempo em que Nick dava um passo para o lado e puxava o braço do nego pra trás. O loiro avançou para mim, e ao invés de recuar, soquei o estômago dele o mais forte possível, vendo-o cambalear. Empurrei a cabeça dele pra baixo, levantando uma perna e nocauteando-o com uma boa joelhada (tive até a impressão do crânio dele ceder), mas um barulho de passos amassando a grama me chamou a atenção.

Quando me virei para olhá-lo, algo se chocou contra mim e me derrubou no chão, com tanta força que o impacto tirou o ar de meus pulmões. A minha sorte foi que eu apertei a faca com força o suficiente para eu não derrubá-la.

− Alicia! – Nick gritou, e um vulto se preparou para atacá-lo. Puxei todo o fôlego que pude e gritei:

− Atrás de você! – Ele atacou a loira que avançou para ele, e eu girei o corpo, sentindo meu cabelo ser puxado e a pessoa acima de mim se levantar, sentando em meu quadril. Eu tentei apunhalar a pessoa (uma mulher castanha), mas ela bateu meu braço com força no chão até que eu soltei a faca. Ela puxou meu pulso pra trás, e juntou-o ao outro. Pegou a faca e apontou para meu pescoço na hora em que Nick deixou a mulher morta (não vi como ele a matou) no chão e puxou a arma de seu lugar, pronto para atirar.

− Mova-se e eu corto o pescoço dela. – A castanha ameaçou. Reconheci a voz dela, ou melhor, da vadia. – Troque a chave por ela.

− Você deveria pensar melhor antes de tentar me ameaçar a fazer uma troca. – Nick vociferou.

− Não atira! A bala não vai causar dor! – Avisei, e a mulher puxou meu cabelo ainda mais forte, arrancando alguns fiozinhos. Ok, causar, causava, mas era mais uma pancadinha do que uma dor significativa. Era possível que um de nós levasse um tiro e continuasse lutando. Alguns de nós nem tinham a pele perfurada pela bala. – Pare de brincar com meu irmão, Erina.

Ele inclinou a cabeça um pouquinho, como se analisasse a situação. Erina esticou um pouco meus braços para poder alcançar meu cabelo e puxá-lo.

− Vai escolher o quê? – Ela puxou mais forte; a dor quase me fez gritar, mas mordi os lábios. Ela parecia querer arrancar meu cabelo (e estava mesmo). – Vamos ver se você é um irmão amoroso.

− Ô filha. – Chamei, e ela me olhou, seu erro fatal. – Só minha cabelereira pode puxar meu cabelo. NICK!

Nick atirou, e a bala entrou um pouco embaixo da orelha dela. Erina gritou de susto e pulou de cima de mim, soltando minha faca. Levantei rápido e dei um chute na cara dela, deixando-a caída. Nick pisou em uma das mãos dela, e eu dei um pisão na sua barriga. Erina se encolheu em resposta.

− Eu escolho as duas. – Nick disse. – O que fazemos com ela? Estou aberto a opiniões.

− O tradicional. – Peguei a faca e atirei-a, certeira entre os pulmões. Aproveitei e fiz o mesmo com os outros três, pegando a bolsinha e enfiando lencinhos nas feridas para que o sangue não manchasse o chão. – Desculpe, mas não tem outro jeito.

Nick me olhou fixamente por um booom tempo. Seu olhar estava tão intenso que eu tremi, com medo. Eu tinha cometido um assassinato na frente dele. Será que poderia ser considerado legítima defesa? Quando eu já ia vasculhá-lo para roubar as algemas, ele disse:

− Tem vezes que é necessário escolher um modo de vida. – Ele guardou a arma e olhou em volta. – Alguém nos viu?

Olhei ao redor, usando a “visão de águia” para vasculhar o local. Aparentemente não tinha ninguém. Eu não escutara ninguém.

− Acho que não. − Aproximei-me do corpo. Erina não tinha tanta resistência a balas como parte dos Mehinstinktes, então a bala estava meio que pendurada no ponto abaixo da orelha onde esta penetrara. Com a mão transformada, usei as garras para tirar a bala e enrolei-a em um paninho, também enfiando um lencinho. – Vamos só garantir.

− E ela puxou seu cabelo. Vou procurar os fios e jogar os outros corpos no meio dos arbustos, por enquanto. Consegue se livrar do corpo dela? – Nick perguntou, ligando a luz do iPhone.

− Sim, senhor! – Bati continência. – Já nos vemos. – Corri até a margem do rio o mais rápido que pude, vasculhando para ver se tinha alguma testemunha. Algumas poucas pessoas; não podíamos jogar o corpo ali. Fui um pouco mais longe, mas ainda era arriscado. Dei também umas voltas pelas redondezas, não encontrando ninguém que aparentasse ter presenciado a luta. Muita sorte.

Voltei, e vi Nick catando fiozinhos de cabelo aqui e ali.

− Já? Tem gente? – Ele perguntou.

− Tem. Deixe-me recolher o cabelo; vá buscar o carro.

*

Acabou que nosso encontro fraternal se transformou em uma cena de falsificação de cenário de crime; eu limpei as gotinhas de sangue e joguei todas as provas (enroladas em lenços de papel) dentro da bolsa. Depois disso, (vigiando, claro) arrastei os corpos até o carro que Nick dirigiu até ali perto. E então foi jogá-los no porta-malas (nunca tive tanta dificuldade e pressa pra compactar corpos em um espacinho pequeno) e dar umas boas voltas por Portland até achar um bom ponto para se livrar dos diabos.

Depois de uns minutos rápidos dando voltas, Nick lembrou-se de um lugar onde ele tinha se livrado da pistola com a qual ele atirou em um Mauvais Dents (com a participação especial de mamãe) e de um Nuckelavee, ambos enviados pelas Famílias.

− Ô lugarzinho liiindo.

− É bom pra criminosos. – Nick estava segurando Erina pelos pés, e eu, pelas mãos. Balançamos a mulher algumas vezes, buscando impulso, e então lançamos o corpo dela no rio. – Viu?

− Vi. Desculpe por isso. – Peguei o corpo do negro, afastando-me um pouco de Nick, e girei algumas vezes, jogando o corpo dele na água.

− Não é culpa sua, maninha. Não precisa se desculpar pela Verrat. – Nick pegou o loiro e arrastou-o pelo pé até uns metros distante dos outros. Ele empurrou, com um tanto de cuidado, o corpo do cara até a água. – Que poluição.

− Dá dó da água. – Falei, indo para longe da água e jogando a última no rio. Peguei um lencinho e enxuguei os respingos de água no couro. – Eu devo enterrar as provas aqui?

− Não; leve-as para outro lugar, de preferência longe do parque, dessa margem, e da sua casa. Se encontrarem, são menos chances de ligarem as provas, só fariam isso com testes, e ganhamos mais tempo, e isso se a polícia encontrar.

− Cara, você é bom.

− Falo por experiência. Tenho tudo pra ser criminoso, mas sou detetive. − O celular do Nick bipou, e ele o verificou rapidamente, mas foi tempo o suficiente para ele ficar com uma cara estranha. Ele abriu a mensagem, o email, sei lá, e leu-o rapidamente. Ao fim da leitura, Nick fez uma cara de “mas que diabos?” ainda pior que a outra.

− Nick? Que foi? De quem é?

− Eu acho... Que recebi um email da nossa mãe.