Wesen Para Matar

Um jogo que foi longe demais Pt. 1


Cheguei rápido em casa e no quarto, tirando a roupa para trocar por um conjunto mais simples. Eu já estava sendo perseguida por essa história toda de filha e de Capitão. Eu estava me cansando.

Eu ainda não entendia direito. Eu só tinha visto o cara duas vezes, e pronto, agora meu corpo já achava que eu deveria dormir com ele! Ah, que se exploda. Aquilo não devia ser possível. Não era possível.

Eu não queria que aquilo fosse possível.

Mas e se quisesse?

− Chega! – Gritei comigo mesma. – Você está ficando louca... Alicia Burkhardt, você está ficando louca. – Sentei na cama e peguei meu caderno, que só tinha mais quatro folhas em branco.

Meu caderno era um bom lugar para me confessar sem ter que contar a ninguém; era como uma espécie de cofre de segredos. Apoiei-o nas minhas pernas e comecei a escrever:

Não sei o que sinto e penso, e não quero me sentir assim pra sempre. Mas quando o mundo parece insistir com aquela ideia, a ideia de que eu o amo, eu tenho medo que isso se torne verdade! Eu não quero amá-lo, e quero que deixem de insistir nisso...

Mas por que eu sinto essa eletricidade? E por que fico tão fraca perto dele? E minha filha? Se eu me distanciar dele... Ela vai sumir?

Eu não o amo, e pronto. Chega de pensar nisso. Essa história deve ter um ponto final.

Virei a página e comecei a desenhar um esboço. No começo eu não sabia de quê, mas quanto mais o lápis deslizava, mais eu ia tendo consciência do que queria naquela página.

Um corpinho enrolado, um rostinho de anjo, olhos de duas cores, cabelos negros e longos...

Ruby.

Quando terminei o desenho, estava bem legal. Ela estava sentada, abraçando seus joelhos, e olhando para cima como uma recém-nascida, incerta do que vê. Seu rosto estava sem nenhum arranhão e ela vestia uma roupinha branca. Um vestidinho.

Sorri. Ela estava linda.

Fechei o caderno e me enrolei de lado, cansada. Eu queria dormir. Ficar com raiva dá sono, e a solução pra sono é dormir.

Um suspiro, fechei os olhos.

O sonho, daquela vez, não teve a ver com Ruby, e foi o mais confuso sonho que já tive, e mesmo assim, foi terrivelmente claro. O que só piorou as coisas.

*

“No começo, foi estranho. Havia alguém sobre mim, pressionando-me contra a parede. Os lábios dessa pessoa estavam em meu pescoço, mordendo-me, beijando-me. Eu estava gostando, não podia impedir, mas não queria estar suspirando e gemendo tão alto, pelo menos não ali, onde quer que fosse. Quanto mais seu toque se intensificava, mais arrepios e eletricidade corriam por debaixo da minha pele.

Sua boca subiu mais um pouquinho, pousando na ponta da minha mandíbula, deslizando a língua de leve pela linha desta, refazendo o caminho com beijos. Estava escuro e eu não reconhecia a aparência (porque eu não via quase nada, mas sabia que era um homem). Eu estava me contorcendo, tentando fazê-lo ficar mais junto de mim, querendo que ele parasse de beijar meu pescoço para que eu tomasse sua boca para mim.

Mas ele parecia ter outros planos. Devagar, ele foi subindo a trilha para a minha orelha, dando mordidinhas, arrepiando meu corpo. Arqueei o tronco, roçando mais meu tórax nele, querendo sentir que ele tinha o mesmo desejo que eu sentia no meu íntimo. Foi quase instintivo.

− Ahn...

Lambi os lábios com um timing perfeito; ele me beijou na hora, erguendo-me do chão, a língua deslizando para dentro da minha boca. Ele fez minhas pernas se enrolarem em sua cintura firmemente, nosso contato se tornando algo inteiramente sedutor e íntimo, e seu beijo estava me deixando meio drogada. Puxei um pouco seu cabelo encaracolado, enrosquei minha língua na sua, explorei sua boca... Suas mãos pressionavam minhas coxas, os polegares desenhavam círculos no meu jeans, suas mãos pareciam estar esquentando minha pele através do tecido, como se eu estivesse sentada numa chapa de ferro quente.

− Vamos, meu amor, admita – Sua voz estava rouca, e os arrepios correram por todo o meu corpo, causando reações secretas e deliciosas... Os olhos pareceram brilhar, e por um segundo, não sei como, eu soube que eram cinza. – Você também quer isso.

− Eu quero muito.

Ele parou de me beijar por um segundo, apenas para continuar descendo os beijos para meu colo. Sua mão esquerda deslizou para dentro da minha blusa, fazendo carinho na minha barriga, até que escorregou para o cós da calça, puxando-a com força.

Uma parte de mim queria resistir. Eu sabia que, moralmente falando, não devia fazer aquilo – ora, eu nem via o rosto do homem −, mas só de sentir o corpo dele eu já estava delirando, quente e agitada.

Então deixei. Senti a peça ser aberta, seus toques me arrepiavam, o corpo dele era firme (e sexy, heh) o suficiente para me segurar fora do chão apenas com a mais leve pressão por parte dele. Quase conseguia sentir a eletricidade entre nós, nos seus beijos, na ponta de seus dedos, que percorriam a minha pele como se eu fosse um animal cujo couro era inestimável.

‘Perfeita’ ouvi-o sussurrar e terminar seu show consigo mesmo, dando-me espasmos e uma sensação que nunca experimentei antes. Deslizamos para o chão, e ele não me soltou por um segundo...”

Foi quando eu acordei, gemendo de um prazer com o qual só sonhei. Eu estava suada e me sentia toda... Ai, que vergonha! Suspirei.

QUE DIABOS! Pronto, naquela hora eu tinha visto tudo. Como se já não bastasse meio mundo me perseguindo com uma ideia absurda de amor e filhos, agora eu estava tendo sonhos indecentes com um cara que eu sequer via o rosto?

Ai, mas que foi quente, foi, não podia negar! Tanto que eu estava suada...

Fui tirando a roupa e ligando a banheira onde eu estava passando tanto tempo desde que os sonhos e essa loucura toda começou. Sentei dentro da banheira e já fui jogando os sais, sentindo o nível da água ir subindo devagar. Fui tocando minha pele superaquecida e suspirando devagar...

Credo, quem eu estava me tornando?

Eu queria saber quem tinha sido no sonho. Ele havia me encantado, feito tudo aquilo com um amor e luxúria tão perfeitos...

Então me lembrei do lampejo de luz que eu vi nos olhos, e que de alguma maneira me fez entender que eram...

Eram...

Ai, meu pai, isso não.

Eram cinza.

− NÃO! – Gritei de ódio, puxando meus cabelos. – Não, não, não! Não! Não volte para me torturar! – Afundei na água com raiva, querendo me afogar, mas eu tinha medo de morrer afogada.

Até nos meus melhores sonhos ele vem me perseguir! Mentecapto de uma figa, desgraçado, maldito!

Alicia? – Ouvi a voz embaçada de debaixo d’água, e me levantei para ver quem era.

− Emily! – Falei, levando minha mãos até meus seios, cobrindo-os, e puxando as pernas para a frente do meu corpo, tapando minha nudez. – Que susto!

− Ouvi você gritar. Tá tudo bem?

Não, não estava tudo bem. Eu estava guardando meus segredos havia tanto tempo que eu sentia que ia explodir, represando tantos sentimentos de uma vez.

Eu precisava desabafar, mas não sabia se conseguiria. Eu nem entendia direito o que estava acontecendo!

− Não, não está tudo bem. Mas vai ficar.

Ela ficou quieta, como se estivesse refletindo.

− Tem certeza? Eu e a Bárbara estamos sempre aqui, se precisar desabafar.

Eu preciso. Mas não consigo.

− Obrigada.

− Seu caderno novo está em cima da cama, ok? – Ela sorriu.

− Obrigada, Emy! – Sorri, e ela acenou e saiu.

Suspirei, escorregando na banheira. Pronto, eu também tinha que aprender a me revoltar com certo moreno maldito sem gritar, ou me escutariam. Gemi em voz baixa.

− Destino, se eu falar que o amo, você deixa de me perseguir?

Quase que eu consegui ouvir a resposta: “Não. Seria da boca pra fora”.

*

Eu estava olhando para o desenho da minha filha quando a ideia me veio à cabeça. Levantei com o caderno nas mãos e fui andando até o quarto da Emily-pintora-maravilhosa-apaixonada-de-madruga.

− Emy? – Bati na porta e ouvi o som de um pano sendo movimentado e algumas coisas sendo guardadas. Quando os sons cessaram, ela gritou:

− Pode entrar!

Entrei no seu quatro de princesa e fingi estar admirada. Se eu não demonstrasse nada, seria meio estranho, ou daria na cara que eu já estivera ali.

Fiquei com dúvidas se ela não tinha sentido o cheiro, mas com certeza os pot-pourri devem ter me encoberto. Observei as pinturas, que não deixavam de me impressionar.

− Uau!

− Todos dizem isso... Já estou até acostumada! – Ela riu e se sentou na cama. – O que queria falar comigo?

− Eu queria te encomendar uma pintura. – Falei, e lhe mostrei o desenho que fizera de Ruby antes de adormecer. Os olhos de Emily brilharam, e ela parecia encantada:

− Que lindinha! É a menininha do seu sonho?

− Sem arranhões, sem correntes e de vestido branco. – Falei, com um sorriso no rosto e orgulho na voz. – Que tal?

− Ela... É lindíssima! – Emily deu um pulo. – E é definitivamente sua filha! Quando essa criança nascer eu vou ser a primeira a apertar as bochechinhas!

Suspirei, já irritada com aquilo. Será que Emily ainda não aprendera?

− Emy, eu sou igual a você, não posso ter filhos. E você teria que disputar com Barbie. – Naquela hora, as palavras de Judith voltaram a minha mente:

Você está sonhando com sua filha.”

Droga. Balancei a cabeça e me foquei na resposta de Emy, que por sinal, ainda estava embasbacada com o desenho, mas voltou a realidade para responder:

− Tá, tá, que seja. – Ela pôs o cabelo atrás da orelha. – Já mostrou pra Boneca?

Deus, ela estava radiante!

− Não.

− Então eu mostro. Posso?

− Vá em frente. – Acenei, e ela me devolveu o caderno e partiu pelo corredor, chamando Barbie que nem uma louca. Não demorou muito para ela voltar com a outra a tiracolo, confusa.

Emily parecia uma criancinha exibindo sua invenção para duas adultas.

− Não é uma graça? – Ela mostrou meu desenho à Bárbara, que teve uma reação muito parecida com a de Emily, mas a da Bárbara era mais cheia de frufrus:

− Ai meu Deus, que graça! Olha como ela é fofinha! Tão parecida com a... – Ela virou pra mim, a ficha dela finalmente caindo. – Opa.

− Sim. – Respondi previamente.

− Ah, meu Deus! É a sua filha, a menininha do sonho! – Bárbara parecia que ia sair voando pela janela de tanto “aimeupaiquelindinha”. – Ela é tão parecida com você!

− Pois é. Eu ia te pedir uma pintura dela. – Falei para Emily, que estava sorridente. Com certeza ela toparia na hora.

− Claro, senhorita! – Emily foi até o baú de seu quarto e puxou uma tela novinha, branca. – Vai ser um prazer pintar essa menina! Quer igual o desenho?

− Não, pode brincar com os pincéis. A única coisa que quero igual é ela. E com um sorriso no rosto. – Falei, percebendo que minha mente estava viajando para com ficaria o quadro da minha filha, despertando apenas com o “ooooown!” das duas. – Mas sim!

− Você está tão maternal! – Bárbara me abraçou forte, junto com Emily. – Isso é tão fofo!

− Obrigada. Agora, tenho que ir... Já é de noite, né? – Olhei pela janela. – Credo, o tempo tá passando rápido!

− São quase sete horas, filhinha. – Emily respondeu, como cara de “ahã.”

− Pra onde você vai? – Bárbara perguntou.

− Vou dar uma volta e ver meu irmão. Querem ir?

− JÁ É! – Bárbara saiu correndo pro seu quarto e eu dei risada. Já Emily foi me empurrando para fora do quarto.

− Vão vocês! Eu tenho que pintar! Beijos! – E ela fechou a porta.

*

Admito, enrolei um pouco por não querer ir logo. Eu estava com preguiça, mas são fardos da vida, e eu fiz uma promessa. Fazer o quê?

Fiquei algum tempo penteando meu cabelo, pensando realmente no que ia fazer. Nick estava em um caso, não? E, no caso, eu já sabia que o assassino era um Fuchsteufelwild.

E se eu desse uma diquinha?

− Vamos, Ally? Já estou pronta há tempo! – A cabeça de Bárbara apareceu na porta.

− Desculpa, já tô indo! – Espirrei um pouco de perfume no pescoço e nas roupas, e saí do quarto, acompanhando Barbie.

− A menina do seu sonho é uma gracinha! Sua imaginação é boa. – Ela falou.

Hum?

Sério que a Barbie não estava dizendo que quando eu a tivesse, ela iria abraçar e beijar, mesmo sabendo que eu não podia ter filhos?

MILAGRE!

− Obrigada, eu acho.

Ficamos em silêncio por alguns minutos, e então ela falou novamente:

− Sabe, acho que esse sonho é uma representação de seu desejo.

Por alguns segundos, eu pensei que ela sabia do sonho probido (aimeupai, que vergonha) que eu tivera, e fiquei envergonhada e assustada; como ela saberia? Aí que caiu a ficha que ela falava do sonho da menininha.

− Por que acha isso?

− Não sei. Já pensou em ser mãe?

− Nunca, até esse sonho.

− Hum... Detonou minha hipótese. – Ela sorriu. – Vamos?

*

Demos uma volta por Portland antes de, definitivamente, irmos para a delegacia. Nossas paradas foram em alguns parques, principalmente o Laurenhurst, que nos chamou muito a atenção.

Depois de umas voltinhas, decidimos ir para onde nos interessava. Andamos um pouco até finalmente encontrarmos o local, porém, não podíamos estacionar ali por motivos de segurança e por costumes. Então, fomos estacionar na esquina da outra quadra.

Decidimos permanecer perto da moto, assim seria mais prático para segui-los quando eles saíssem. Eram 22:37, bem tardezinho, mas como eles estavam em um caso, pensávamos que eles iriam sair mais tarde, afinal, eu presumia que eles eram dedicados...

E acertamos.

Depois de alguns minutos, vimos Nick e o negro de nome desconhecido saírem e entrarem em um carro de cor azul-escuro. Eu e Bárbara nos entreolhamos e demos partida na moto, seguindo-os.

Desviávamos algumas ruas para que eles não desconfiassem de nós, e os seguíamos pelo barulho do motor. Depois de alguns segundos de perseguição, acabamos parando na Spinner, a empresa do garoto morto.

− Eu sei qual é o Wesen que é o assassino. – Falei, saindo da moto.

− Sério? Qual?

− Fuchsteufelwild. O capitão que me deu a dica.

− E como pretende usar essa informação? – Ela questionou.

− Vou dizer essa informaçãozinha ao Nick quando ela não for mais necessária. – Falei, com um sorriso traiçoeiro.

Ela me olhou com uma cara de “tá doida?”.

− Tá doida?

Viu? Conheço minhas amigas.

− Querida, normal eu não sou. Vamos subir? – Apontei para o teto, e Bárbara deu um sorriso brilhante em resposta.

Fomos para o vão entre dois prédios, que era um pouco pequeno, mas podia nos ajudar. Dei um pulo contra a parede e segurei-me na parede do prédio, repetindo o ato até estar firme o suficiente para escalar. Bárbara fez o mesmo, até estarmos no telhado do prédio. De lá, esperamos os dois saírem novamente, e quando saíram, fomos pulando para outros telhados várias vezes, seguindo o rastro do carro. Nossa sorte é que também éramos Fuchsteufelwilds, então pular de telhado pra telhado não era nenhum sacrifício, e mesmo escalá-los novamente se caíssemos não era difícil.

− Mas pra onde eles vão? – Bárbara perguntou.

− Eu não sei! Talvez tenham conseguido uma pista? – Expus a possibilidade, enquanto os seguíamos. Logo estávamos em frente a um prédio, perto de onde eles estacionaram.

− Tomara que saia alguma coisa disso. – Barbie falou. – Quero conhecê-lo pessoalmente logo.

Concordei, vendo os dois saírem do carro com pressa. Eles entraram no prédio e foram correndo para algum andar superior, pelo o que eu escutava.

− Saímos daqui? – Bárbara perguntou, depois de alguns minutos. Eu também estava chegando ao meu limite.

− Talvez. Se quiser ir, aqui a chave. − Entreguei-lhe a chave da moto, mas justamente quando senti um cheiro ácido. – Espera! Sentiu?

− Senti!

Fomos mais para a beirada do prédio, e vimos o Fuchtenfelwild cortando um buraco na janela de alguém, provavelmente (que mané provavelmente, é na certeza mesmo) sua próxima vítima de seu joguinho sádico. Ele abriu a janela e entrou, andando devagar até uma porta. Ouvimos ele dizer baixinho:

− Jenna... Pensou que poderia vencer?

A porta rangeu devagar, e uma voz feminina gritou:

− Polícia!

Em seguida, uma voz masculina muito bonita disse:

− Sem mais jogos. Abaixe-se.

O homem saiu correndo pela janela, pulando na escada de incêndio e subindo rapidamente, como uma característica de nossa espécie. O asiático saiu e começou a subir a escada, porém eu tinha uma ideia no que aquilo ia dar. O Wesen era muito mais rápido que ele.

Eu e Bárbara nos entreolhamos, sentindo algo ruim pairando no ar, e voltamos a observar. Depois de meio minuto, mais ou menos, o homem já tinha chegado no fim, e estava em woge. Já o policial ainda estava na escada.

Prendi o fôlego quando o Fuchsteufelwild cortou a escada, deixando-a pendente no ar, com o policial ainda nela. Ela rangeu e tombou para trás, e ouvimos o grito dele. Bárbara estava quase decepando seus lábios de tanto morder, mas, para nos relaxar um pouco mais, ele conseguiu se segurar, e isso nos fez soltar a respiração presa.

− Ai, meu anjo da guarda – Ela disse, em tom baixo.

− Vai dar certo. Tem que dar certo − Tranquilizei-a, aproveitando para me tranquilizar também.

Quando o assassino estava fugindo após deixar o policial asiático se balançando na escada, Nick e o negro apareceram de dentro da casinha que dava no telhado. Nick, com a arma engatilhada, foi o primeiro que apareceu, seguido do seu parceiro. Ouvi a voz do Nick, a mesma que ordenara o Wesen se abaixar, gritar:

− Lipslums!

O tal Lipslums respondeu, sem dar muita bola:

− Como adivinhou meu nome?

− Não foi adivinhação – Nick disse, simplesmente, e foi seguido pelo parceiro:

− Ele tem uns livros.

O homem fez a woge, e pareceu rir, apontando para Nick e seu parceiro detetive como se zombasse deles, mas seu riso minguou assim que Nick pronunciou:

− Isso não vai funcionar, Fuchsteufelwild. – Obviamente, meu irmão não estava acostumado a pronunciar aquele nome, e talvez, muito menos o alemão, já que sua língua deu uma embolada. O Wesen pareceu surpreso, finalmente reconhecendo-o como um Grimm, e Nick continuou: − Espero que não repare na minha pronúncia.

Vi Lipslums olhar para trás, e soube o que ele iria fazer. Fuchsteufelwilder sentem um extremo medo de Grimms, e sua natureza não lhes permitia perder em seus jogos. Puxei o celular do bolso automaticamente.

− Vai mandar uma mensagem? – Barbie perguntou, surpresa.

− Essa é minha chance. – Falei, abrindo o editor de mensagens, endereçando a meu irmão.

Voltei meu olhar para a cena que eu presenciava, de vez em quando parando para digitar, e vi o meu parentezinho induzido gritar, a voz distorcida:

Eu não posso perder! Eu não posso perder! – Ele respondeu, enquanto corria para a beirada do prédio. Ele berrou uma última vez enquanto Nick e o outro detetive se debruçavam no peitoral do telhado para ver a queda do seu assassino, que se esborrachou no chão, deixando uma cena bem feia.

Naquele instante, cliquei no botão “Enviar” do celular, esperando que a mensagem chegasse logo. Quando voltei meus olhos para vasculhar o cenário em geral, vi o policial asiático pedir:

− Hã... Uma ajudinha aqui? – Ele requisitou, olhando o assassino morto. No momento, ouvi o som de um celular recebendo uma mensagem, e meu coração pulou.

− Vamos sair daqui. – Sentenciei, desligando o celular.

*Nick – Breve*

Eu estava prestes a descer para ajudar Wu, quando ouvi meu celular tocar, avisando que eu tinha uma mensagem. Puxei-o do bolso e olhei a telinha.

“Número privado”.

Quem tinha me mandado uma mensagem?

Abri o texto, e o que estava escrito me deixou tão confuso quanto a falta de identificação de seu remetente.

“Isso se chama harakiri.”

Tive a sensação de ser observado, e olhei ao redor, mas não vi nada fora o óbvio. Voltei meu olhar para o celular, cuja tela já esmaecia.

− Nick? Vamos. – Hank me chamou.

Olhei para ele e guardei meu celular no bolso, prometendo a mim mesmo que averiguaria aquilo.

*Alicia*

Descemos do prédio como ninjas, disparando o mais rápido possível para longe da cena. Agora que eu tinha enviado a mensagem, eu sabia que não tinha mais volta. E sabia que os rumos mais prováveis para tudo aquilo poderiam acabar me levando à sala de interrogatório.

Se Nick quisesse (e conseguisse) rastrear meu número, eu sabia que seu lado detetive falaria mais alto e rápido, e não era aquilo que eu queria. Eu queria que seu lado Grimm falasse mais alto, assim seria mais fácil.

Continuei correndo junto com Bárbara, para alcançar logo a moto. Quando chegamos, subimos o mais rápido possível e disparamos para longe dali.

Estava feito.

− Estou muito feliz que, pelo o que vimos, o cara não morreu – Bárbara disse – E por você ter tido sucesso.

− Tomara, Barbie. Eu só vou ter sucesso quando ele falar comigo. Até lá, só podemos torcer por isso. Mas já estou bem feliz. – Respondi.

*

Chegar em casa depois do avanço que fiz foi algo relaxador. Eu, por ora, estava satisfeita. Poderia mandar mais algumas mensagens aqui e ali, até ele se sentir impelido a responder. Eu não queria ir rápido demais, queria que fosse no tempo dele, quando ele se sentisse confortável.

Isso me dava medo.

Minha vontade era de ser aceita por Nick, de saber que ele me considerava e reconhecia como sua irmã mais nova. Por isso, eu queria que fosse natural, que essa aceitação viesse com o tempo, para que ele não fosse forçado e se sentisse confortável, e também para deixar óbvia uma mensagem: eu sempre vou esperar por você. Sempre vou estar aqui.

Mas e se todo esse espaço acabasse lhe dando a liberdade de fugir de mim? E se ele não me aceitasse, mesmo com todo o meu esforço e espera? O que seria de mim? E todo o esforço que fiz? Seria tudo por nada? Eu não suportaria ir embora e ser vista como um estorvo. E não suportaria que ele tentasse me matar e matar minhas amigas, se ele fosse um original restrito.

Eu ainda não estava preparada para aquilo.

− Você parece preocupada. – Barbie disse. – Tem a ver com o Nick, não?

− Tem. Eu não quero forçá-lo a me aceitar, sabe? – Passei a mão na cascata de ondas negras um tanto embaraçadas antes de continuar. – Quero que ele consiga me ver como sua irmãzinha.

− Não há nada de errado nisso... É até fofo. – Barbie disse.

− Aí que está. E se ele não me aceitar? Não sei se aguento ser rejeitada pelo meu próprio irmão. – Eu repliquei e apoiei a cabeça no seu ombro. – Vai doer.

− Claro que vai, mas isso não vai acontecer, não se ele tiver amor à própria vida. – Ela falou com uma pitada de humor na voz, o que me fez rir.

− Credo, Barbie, que malvada. – Cutuquei-lhe. – Onde está a educação que eu não te dei? Não se ataca um Grimm se ele não te atacar.

− Anjas! – Emily nos espremeu em seu abraço ai-eu-amo-tanto-vocês-que-eu-vou-matá-las-sufocadas. – Como foi?

− Corrido. Pulamos de muitos prédios para outros muitos prédios. Assistimos a um cara se suicidar. Coisas normais – Respondi, dando de ombros.

− Hum, o assassino se suicidou? Estou certa?

− Está. Fuchstenfelwilder tem uma certa tendência a se suicidar se acham que vão perder... – Bárbara disse, enquanto entrávamos na casa.

− Ah, era um Fuchstenfelwild? Devem ter apanhado pra descobrir. Imagino o joguinho que o cara fez... – Emy tamborilou o dedo no queixo. – Alicia, não sabe o quanto estou me dedicando com seu quadro! Acho que nunca fiquei tão entusiasmada pra pintar uma cena! – Ela deu uns pulinhos. – Vai ficar tão lindo!

− Não tenho dúvidas. – Falei, um tom de riso na voz por vê-la tão feliz. – Acho que já vou dormir, meninas. Boa noite.

− Você está indo dormir muito cedo. E nossas doideiras das altas horas da madrugada?

− Um dia vamos fazer de novo! Mas hoje estou um caco. – Bocejei. – Tchau, gente.

− Tchau, anjo.

*Nick*

“Seppuku (切腹) é o termo formal para o ritual suicida chamado popularmente de harakiri (腹切り). Harakiri significa literalmente "cortar a barriga" ou "cortar o estômago", e é uma forma de suicídio por esventramento. Era cometido por samurais e guerreiros, em uma tentativa de restaurar sua honra. Considerava-se mais digno dar fim à própria vida cometendo seppuku do que permanecer vivo sendo desonroso com seu povo e consigo mesmo.”

Engoli em seco. Então isso era harakiri, e de um certo modo, Trinket Lipslums o fizera para ganhar seu próprio jogo. Ele devia pensar parecido com esses samurais.

Fechei o navegador do meu celular. Quem quer que fosse o tal número privado, devia saber muito desse tipo de coisa. Que gosto estranho. Já eram uma e trinta e dois da manhã e eu não conseguia dormir. Meu estômago revirava e revirava com o tal “unknown”, e eu não sabia porquê.

Eu já estava ficando irritado com aquela reação idiota, mas, olhando de certo ponto, até que ela tem razão.

Quem tinha me mandado a mensagem tinha conseguido meu número e sabia onde eu estava e o que estava acontecendo. E tinha uma visão boa, além de se esconder bem. Eu tinha me sentido vigiado, e ainda me sentia assim. Como se alguém estivesse me perseguindo.

E estava com raiva de tanta insegurança.

Joguei o celular sob o travesseiro e me deitei, cansado. Se o tal anônimo ou anônima continuasse insistindo em mandar mensagens, eu responderia. Iria atrás. Rastrearia. Recursos não me faltavam pra isso.

Mas... E se não fosse exatamente o meio mais viável? E se ele, ou ela, quisesse que eu respondesse?

Balancei a cabeça, querendo afastar esses pensamentos da mente. De manhã eu lidaria com tudo aquilo.

Rolei de um lado para o outro algumas vezes até cansar e apagar.

*Renard*

Eu ainda estava sem dormir. Eu não conseguia pegar no sono, porque uma mulher com cabelos longos com a cor de obsidiana não deixava minha cabeça em paz.

Pela primeira vez na minha vida, provavelmente, eu me sentia tão inquieto. Ela era uma garotinha petulante e muito insistente, qual era o problema? Alicia estava simplesmente me perturbando, porque ela era chata e irritante.

Pra falar a verdade, eu não tinha ideia do porquê estava tão inquieto. Eu simplesmente estava sem sono e não a tirava da cabeça.

Isso não. Tudo, menos estar atraído por aquela ex Verrater do inferno.

Claro que não, eu preferia as loiras. Pensar naquilo me fez relaxar.

Lambi os lábios, que ficavam cada vez mais secos. Eu precisava de um pouco de vinho, champanhe, qualquer coisa com álcool que ajudasse a tirá-la da minha cabeça. Levantei e fui até a cozinha, pegando um copo e colocando umas pedras de gelo dentro.

Puxei uma garrafa de uísque do armário e enchi o copo. Eu estava nervoso, inquieto, era como se algo no fundo da minha alma me instigasse a buscar uma paz que eu não podia ter.

Hunf. Logo eu, sempre tão lógico, tão calmo, tão racional, estava tão abalado por uma garota. Ela tinha dezenove anos, por Deus! Perto dos meus quarenta ela era uma criancinha.

Uma Lolita*...

Argh, não. Lolita não. Eu não a queria, nem fisicamente, nem com emoção alguma envolvida. Esse tipo de coisa não existe entre nós.

Virei lentamente o copo, deixando que o líquido escorresse para dentro da minha boca devagar. Bebi o uísque sem pressa. Eu queria que o álcool a apagasse da minha mente e, se possível, me apagasse, permitindo que eu tivesse uma boa noite de sono.

Deixei o copo na pia. Não estava com cabeça para poder lavar louça agora, eu estava cansado e queria dormir, mas a voz dela me provocando estava me deixando insano.

Depois de escovar os dentes de novo, deitei-me na cama espaçosa. Mesmo assim, eu estava muito perturbado para dormir, e foi quando me veio uma ideia à cabeça, que talvez não dispersasse meus pensamentos, sempre voltados para ela, mas que ajudasse Nick a se preparar.

Afinal, uma irmã mais nova não era uma notícia fácil de se lidar.

*Nick*

Ao acordar, minha cabeça pesava como chumbo, tanto que me questionei de que material meu cérebro era composto no momento. Esfreguei os olhos e sentei na cama, mas minhas pálpebras pesavam como se um saco de farinha estivesse amarrado a meus cílios.

Decidi ficar só um pouco mais de tempo deitado, para deixar que meu corpo se despertasse sozinho. Eu queria poder fazer isso todos os dias, simplesmente deitar e esperar que os problemas se fossem, mas seria ainda melhor se a pessoa que eu amava estivesse ao meu lado.

Fechei meus olhos com força e esperei que o ardor das lágrimas passasse. Pensar nela ainda doía. Bom, a dor era mais fraca do que no começo, mas era porque eu a estava aceitando. Por mais que eu quisesse, ela não me deixava. No início, a dor estava sempre ali, pesando em cima do meu coração. Matando-me, devagar, ou tentando. E, todos os dias, eu passei a usar uma máscara para esconder meus sentimentos. Para fingir que eu estava bem, que eu estava normal, quando eu estava me despedaçando. Com o tempo, a ferida foi cicatrizando, mas ainda havia dias que ela se abria, e nesses dias eu tinha que reaprender a usar aquela máscara.

Levantei da cama e fiquei de pé, espreguiçando-me, testando a mim mesmo, querendo ver se eu precisaria daquela máscara. Pelo jeito, eu estava bem, só precisava controlar minhas emoções.

Vesti uma roupa usual (a jaqueta preta, uma blusa verde de gola redonda, jeans e os sapatos de sempre) e desci para tomar café. Como sempre, Monroe estava lá.

− Bom dia! – Ele me cumprimentou. – Café preto?

− Claro. – Respondi. – Dormiu bem?

Monroe me olhou estranho.

− Cara, não é do seu tipo me perguntar isso, mas sim, dormi. Obrigado. – Depois de alguns segundos em silêncio observando a caneca encher devagar, ele perguntou: − E você?

− Dormi.

A caneca finalmente encheu, e Monroe a passou para mim com cuidado. Tomei um gole devagar, apreciando o calor do líquido.

− Vai ver mortos hoje?

− Pra ser sincero, espero que não – Respondi, calmamente. – Estou meio sem paciência para nenhum caso hoje. – Depois de ontem, eu não me sinto mais tão seguro.

*Alicia*

Acordei bem cedinho, talvez para compensar os dias em que acordei tão tarde. Eu estava com uma ideia brilhante (só que não) na cabeça e estava muitíssimo disposta a colocá-la em prática.

Eu nem queria comer nada, mas também não queria que meu estômago reclamasse no meio da execução do meu plano para fazer as coisas se adiantarem sem forçá-lo, necessariamente (pelo menos assim eu esperava). Então fui correndo (sem fazer barulho, aquela corridinha esquisita, sabe) até a cozinha e peguei uma maçã. Eu não queria acordar nem Emy nem Bárbara, mas eu sabia o quanto Barbie dormia bonitinho, e seria muito mais legal acordar Emily.

Corri até o quarto dela e abri a porta devagarzinho, vendo tudo bem arrumado e bonito. Fui na pontinha dos pés até a cama e deslizei o mosquiteiro pela barra de metal cilíndrica que o segurava, olhando Emy.

Seus cachos estavam arrumados em cima de sua cabeça, dando uma volta e pairando centímetros antes da testa. Ela estava coberta até o ombro.

− Emy. – Chamei baixinho. – Acorda, pintora renomada.

− H... Hã? – Ela perguntou, e lhe dei um tempinho para que ela se reconectasse ao mundo antes de me notar. Ela sempre ficava fora do ar quando acordava...

− Alicia? – Ela perguntou, piscando e coçando seus olhinhos semicerrados como uma criancinha, o que quase fez eu dizer “own”. – Que diabos você tá fazendo aqui?

− Onde fica a casa que o Nick mora? – Perguntei.

− Sabe o Berkeley Park? – Ela perguntou. – Não de Denver, tá?

− Dã. O que tem?

− Na frente dele, se cortá-lo pelo meio a partir da SE Bybee Boulevard, vai achar uma casinha com um carrinho Fusca amarelo na frente. Ela é de um tom de azul-acinzentado, de tábuas, bem clarinha e simples. Na porta da frente, se você conseguir ver, tem um mosaico de um lobo em pé. Boa manhã, vai dormir. – E, muito rápido pro meu gosto, ela apagou, e eu fui embora.

Saí da casa sem muita pressa, dei partida na moto e me dirigi à rua que ela me dissera, mais uma vez indo dar uma de stalker do meu irmãozinho já querido. Quando cheguei lá, estacionei a moto por ali mesmo e adentrei o “bosque”.

O cheiro de terra molhada, árvores e musgo me fez sorrir. Inspirei o ar mais profundamente, relaxando e me sentindo sonolenta com a brisa gostosa que bateu. Mas logo tive de despertar daquela sensação boa de estar na natureza e continuar a andar, focando em atravessar o bosque logo. Eu queria continuar meu trabalho, queria vê-lo logo.

Eu queria conhecê-lo logo.

Logo vi a casinha que Emily me descrevera. Era simples e parecia aconchegante. Deslizei para trás de uma árvore, me sentando e abraçando meus joelhos.

Como eu sabia que muito provavelmente teria de entrar em woge para conseguir escutar algo, já fui preparando minha transformação. Concentrei-me em ouvir qualquer barulho que pudesse distinguir alguma movimentação na casa, e logo meu rosto se transformou.

− Hum, então hoje vai ser um dia ocioso e entediante no trabalho?

− É, fazer o quê. Eu prefiro assim, pra relaxar um pouco. – Era a voz do Nick. Eu tinha certeza. Puxei o celular do bolso e comecei a digitar, novamente, meu número estando privado.

“Um dia relaxante, hã? Bom para ler um livro e deitar na cama, quem sabe tirar um cochilo?”

Olhei para a mensagem por segundos a fio, e, antes de tudo isso, acrescentei “Olá!”, para ficar mais simpática, e enviei.

Esperava que desse certo.

Ouvi os dois conversarem um pouquinho mais e também ouvi um celular vibrar, Nick se despediu, então ouvi seus passos subindo, e olhei novamente para o celular e para o horário. 7:14. Tudo ok.

Aparentemente, ele era pontual.

Quando o ouvi descer e o vi sair, permiti-me observar mais meu irmão. Ele era, realmente, bem bonito. E vestia uma roupa que lhe caía bem. Vi-o tirar o celular do bolso e ler a mensagem que eu mandei, pelo menos assim eu esperava. Ele andou um pouco até um carro cuja descrição batia com a que Barbie me deu do carro do Nick, entrou e começou a digitar. Apertou uma última teclinha e guardou o iPhone no bolso.

Alguns segundinhos depois, meu celular vibrou, e percebi que Nick levantou a cabeça e olhou para a floresta – na minha direção!

Como ele tinha escutado?

Pressionei mais minhas costas contra a árvore, e esperei alguns segundos até que ele, provavelmente, parasse de olhar para mim. Então tirei o meu celular do bolso e li:

“Infelizmente eu tenho trabalho.”

Tratei de responder-lhe o mais discretamente possível:

“Ah, que peninha. Por que não dá uma volta depois, então?”

Enviei a mensagem e esperei, tirando o celular do vibracall. Depois de segundos que me pareceram horas, a mensagem veio:

“Porque tem alguém que eu não conheço me vigiando.”

Eu sorri. A nossa conversa parecia estar tomando os rumos que eu queria. Estava na hora de tomar as rédeas.

*Nick*

“E que tal conhecê-la? Ou melhor, conhecer-me?”

Suspirei. A anônima (pelo menos já sei que é mulher) não era nem um pouco sutil. Ou aparentava não ser. Pelo menos era melhor assim, não ficávamos muito com insinuações e alfinetadas.

Tamborilei os dedos no volante, travando uma pequena guerrinha dentro de mim.

Minha parte mais curiosa (dentro de todos nós sempre há um curioso) queria realmente conhecer essa pessoa, essa mulher que estava falando comigo. Ela me parecia interessante, me parecia uma boa pessoa.

Mas meu lado mais racional detectava o perigo óbvio de ver uma pessoa que eu nem conhecia, alguém que eu não sabia o que queria comigo, que talvez não parecesse tão inocente quanto fazia parecer.

Mas hey, eu sou um policial e um Grimm. Talvez não fosse algo muito arriscado.

Comecei a digitar minha resposta.

“Quando?”

É, eu estava realmente disposto a arriscar.

Estava ficando louco, só podia ser.

Depois de esperar alguns segundos por uma resposta, esta finalmente chegou, simples e direta:

“Encontre-me no Avellas Cafe, na 80 Mortimer Street, hoje ou amanhã, você decide. Sabe onde é?”

Eu estava me sentindo meio nauseado com toda essa situação, então demorei para lhe responder:

“Sei, e vai ser amanhã. E como vou saber que é você?”

Encostei a cabeça no banco do carro. Eu estava, definitivamente, me arriscando. Mas talvez isso fosse bom para mim... Eu só não sabia como.

Decidi esquecer e dar a partida no carro. Eu tinha um trabalho, e não tinha o dia todo para falar com uma anônima direta e nada sutil.

Fui dirigindo calmamente até a delegacia, sem pressa, com a cabeça no lugar, mas ainda com a barriga dando reviravoltas e piruetas, e meus pensamentos voando. Focar no trânsito não foi fácil...

Quando cheguei lá, saí do carro e peguei o telefone. Tinha algo errado comigo. Eu estava meio estranho, mas talvez fosse aquela conversa por telefone. Suspirei, e a mensagem chegou depois de alguns segundos em que saí do carro.

“Eu não sei... Vou pensar em algo. Quem sabe uma rosa no cabelo. É tradicional, afinal.”

Dois segundos depois da primeira, outra mensagem chegou:

“Uma rosa branca. Meu cabelo vai estar amarrado com um coque, mas vai sair um resto de cabelo dele, e vai estar espetado uma rosa no coque. Ok?”

Ok. Então vamos lá.

Guardei o celular com um sorriso sacana no rosto e entrei no distrito.

*Alicia*

Ai meu Deus, que maldito. Ele nem me respondeu!

Pelo menos está decidido... Rosa no cabelo.

Observei Nick entrar na delegacia, vendo os cabelos negros encaracolados, a pele clara, o jeito de andar.

Até que ele parecia comigo mesmo.

Decidi voltar em uma caminhada até a minha moto, longe pra caramba, mas a distância não me mataria.

Então eu tinha um encontro marcado para o dia seguinte com meu irmão. Em resumo, por dentro minha pessoa estava pirando.

Bom, eu tinha que pelo menos escolher uma roupa decente, não?

Enrolei um cachinho do meu cabelo. Sim, eu estava nervosa, não como se eu fosse encontrar meu namorado, mas sim o irmão que eu sempre quis encontrar. Eu não sabia como ele era, não sabia como ele reagiria, não sabia o que ele ia achar de mim, nem se iria tentar... Me prender, sei lá.

Soltei a mecha do meu cabelo. Talvez eu estivesse me preocupando a toa. Talvez eu devesse simplesmente conversar com ele naturalmente, responder o que ele me perguntasse, dar tempo ao tempo. Se tudo desse certo, ele aceitaria.

Tomara que desse certo.

No caminho de volta, fiquei planejando respostas, pensando em todo tipo de situação, em cada reação que ele poderia ter, o que eu faria. Eu não iria fazer com ele o joguinho da garota irônica e ácida, aquilo foi pro capitão. O Nick saberia quem eu sou de verdade; eu não queria máscaras entre nós, e eu, pelo menos, faria minha parte.

Eu esperava que ele não usasse nenhuma máscara quanto a nós dois.

*Renard*

− Nick, Hank, venham no meu escritório, por favor.

Voltei para minha cadeira enquanto os dois entravam, obedientes. Dava-me uma certa sensação de poder quando esse tipo de coisa acontecia, quando as pessoas me obedeciam tão facilmente. Talvez fosse de sangue.

− O que foi? Emergência? – Nick perguntou. Ele sempre parecia meio... Não, não era desconfortável. Talvez...

É. Nick sempre parecia meio raivoso quando eu o chamava.

− Tem um Wesen na cidade. – Nick até abriu a boca para dizer que isso não era novidade ou algo assim, mas eu levantei a mão: − Deixe-me terminar. Esse tipo é especial. Eles não são só um, são vários.

− Vários Wesens? – Hank perguntou. Ele estava bem mais relaxado que seu parceiro.

− Não. São vários Wesens... Em uma pessoa. É um híbrido, ou melhor, uma híbrida. Eu não sei se tem mais. Ela é poderosa; tem força e sentidos mais apurados que qualquer ser que vocês encontrem; pode estar nos vigiando e nós não teríamos nem ideia.

− Teve contato com ela? – Nick perguntou, e seu tom de voz deixava bem claro que ele duvidava dessa história. Mas algo nos seus olhos o traia, algo mais parecido com... Nervosismo.

− Tive. Porém, tudo que eu posso falar se limita ao que eu estou dizendo agora. Ela deixou claro que eu não podia falar para ninguém sobre ela, e eu já devo estar ultrapassando esse limite. − Encostei-me na cadeira. – Só queria avisá-los.

− Ok, obrigado. – Nick virou as costas com facilidade e foi embora, como se não tivéssemos falado sobre nada importante. Hank acenou com a cabeça e foi embora, atrás de seu parceiro.

Eu tentei, Nick. Tentei.

Puxei o celular do bolso. Eu queria avisá-la, por algum motivo, eu sentia que precisava avisá-la de que Nick sabia que ela estava na cidade – bom, ela, exatamente, não – e que ele tinha algum pressentimento sobre isso.

Balancei a cabeça, como um cachorro se secando. Que diabos eu estava pensando? Desde quando eu queria avisá-la assim, voluntariamente?

Suspirei De alguma maneira, seria de bom tom informar Alicia de que seu irmão já estava ligando os pontos. Abri o editor de mensagens.

“Falei a Nick sobre sua espécie. Ele já está entendendo. Falou com ele?”

Cliquei em “enviar”, sentindo-me nervoso de repente. Eu não tinha ideia do porquê, mas sentia que provocar aquela Mehinstinkte não seria muito bom.

E, por algum motivo, eu achava que tinha acabado de provocá-la.

*Alicia*

Quando eu estava dobrando a esquina que me levaria para mais perto da minha moto (até que eu fiz um avanço rápido), recebi uma mensagem de Vossa Alteza.

“Falei a Nick sobre sua espécie. Ele já está entendendo. Falou com ele?”

Ele...

Fez...

O quê?

Imediatamente comecei a digitar uma resposta.

“Mas sim, homem? Eu não te disse pra não fazer isso? Se eu digo pra não fazer, você não faz. Meu jogo, minhas regras.”

Suspirei. Se ele tivesse falado quem eu sou, ele estava ferrado e eu estava ferrada. Só tinha essa sensação, sabe.

Depois de alguns segundinhos, avistei minha moto e meu celular vibrou.

“Não. Só disse que sua espécie está na cidade. E disse que era uma mulher.”

Respirei, aliviada. Por um momento, vi todo meu plano desabar, mas pelo menos ele não fez isso.

Talvez até tivesse me ajudado, e tinha me avisado, assim, sem cobrança. Respirei mais uma vez, agradecida.

“Obrigada, capitão.”

Enviei a mensagem e voltei para minha caminhada em direção a moto.

*Nick*

Eu não conseguia tirar da cabeça o que o capitão dissera. Aquilo dava voltas e voltas, e tudo parecia ir se encaixando devagar, como se eu finalmente olhasse para o resultado de um caso e todas as peças se encaixassem de repente.

É um híbrido, ou melhor, uma híbrida.

Uma híbrida...

E que tal conhecê-la? Ou melhor, conhecer-me?

É mulher...

Pode estar nos vigiando e nós não teríamos nem ideia.

Consegue me ver sem eu vê-la... Me vigiar...

Um dia relaxante, hã? Bom para ler um livro e deitar na cama, quem sabe tirar um cochilo?

Ela estava me observando há tempos, talvez antes de Lipslums se suicidar. Ela conseguiu meu número, fez contato comigo; só alguém habilidoso conseguiria algo assim.

Era isso. A anônima que me vigiava era uma híbrida.

Peguei o celular; aquilo teria de ter um fim rápido. Se dependesse de mim, agora.

“Adiante as coisas. Hoje, às oito, eu vou estar te esperando. Não me decepcione.”

Enviei a mensagem, uma sensação de raiva e ansiedade tomando conta de mim. Aquela híbrida estava roubando minha privacidade e me conhecia mais do que deveria; estava na hora de esclarecer as coisas.