Wesen Para Matar

Recusa do cérebro à demanda do coração


O resto do dia foi normal. Compramos novos sapatos, alguns casacos, muita maquiagem, demos umas voltas e fomos pra casa, felizes da vida com as compras. Esse tipo de coisa renova toda mulher, sabe? E anima qualquer uma que nunca foi ao shopping mais de três vezes na vida.

Voltando para casa, reformulei o plano na minha cabeça e me decidi sobre o que eu iria fazer. Logo, todos os meus passos já estavam arquitetados em minha mente, e eu sabia por onde começar. Quando chegasse em casa, eu daria as instruções às duas.

Dirigimos rápido até a casa da Emily, e quando chegamos lá já fomos chamadas por Carla, que avisava que o almoço estava pronto fazia 3 horas, e que ela estava mantendo quente para nós três. Sorrimos e entramos. Carla já estava ganhando todo o meu carinho. (Sim, nós chegamos bem tarde em casa, lá pelas três, quatro.)

Ela tinha feito um pouco menos, mas ainda estava cozinhando a todo vapor. Tinha bifes, rosbifes (mas olha ainda!), salada, arroz à grega, macarrão, bem, já deu pra entender. Dá pra alimentar metade de Portland toda essa comida.

Sentamos, nos servimos e comemos, conversando e rindo. Emily realmente parecia ter um relacionamento de mãe e filha com a Carla pela maneira que falava com ela, com todo aquele carinho. Sorri. Aquela era uma mãe que a Emily merecia.

Quando ela terminou, Carla se despediu, dizendo boa noite a nós três, e se retirou. Quando sua porta fechou, estalei os dedos, chamando a atenção das duas, que estavam mais concentradas na comida.

− Sim, general? Bárbara perguntou, com a carinha de anjo.

− Ai, não faz assim que eu derreto. Ri pelo nariz. Já decidi o que vamos fazer.

− Eba! Emily comemorou.

− Analisem e, se não aprovarem, falem: você, Barbie, e a Emily, se ela quiser, vigiam o Nick, e o seguem, se puderem, até a casa dele, e me digam qual o carro dele, qual a casa e qual a aparência. Eu pego o número dele, e alguma de vocês o siga até a delegacia no dia segunte, ou dois dias depois, não sei, pode ser o dia que der. Se ele estiver em um caso, me avisem, e eu mesma o sigo. Vou mandar mensagens pra ele, incitando que o conheço, sugerindo que a gente vá se ver. E pronto.

− Quando vocês se conhecerem, que tal ele jantar aqui em casa? Emily opinou. Assim já conhece todas nós.

− Isso! E eu gostei do seu plano! Bárbara sorriu, e me contagiou. Simples e direto. Ah, essa noite você pega o número dele com o capitão, não?

− Pego... Falei, sentindo o estômago revirar de um pré-nervosismo. Coisa chata... Vou lá de madrugada. Vocês vão me seguir? Perguntei, imaginando o que eu faria se ele se aproximasse tanto de novo. A mente pervertida da Emily entraria em ação na hora...

− Não, na verdade, não. Por mais que eu queira. Emily piscou para mim de um jeito meio safadinho, e eu suspirei. Mas ela nem precisou ver; sua mente pervertida entra em ação antes disso. Mas qual a aparência desse tal capitão? Ele é bonito?

Descrevi o capitão por inteiro, altura, rosto e corpo, tudo o que eu pude notar. Quando terminei, Barbie e Emy tinham olhares maliciosos/sonhadores no rosto.

− Esse cara me parece um bom partido. Barbie falou. Mas eu não ficaria, se ele é como eu imaginei.

− Eu ficaria. Quero um homem. Emily baixou os olhos para o prato, triste, e eu e a Bárbara nos entreolhamos. Como se ela não tivesse. Mas enfim. Conseguiu a imagem?

− Droga, esqueci! Suspirei. Eu já tinha terminado de comer mesmo. Vou passar pra vocês ainda hoje. Terminem de comer, e me encontrem no meu quarto.

Fiquei de pé e saí correndo, em direção ao meu quarto, ligando o notebook o mais rápido que consegui. Sentei-me na cama, encostando na cabeceira, e acessando os arquivos federais/da polícia/de qualquer página que podia ter a ver com o Nick. Alguns minutos depois de busca, encontrei a foto e... Suspirei.

QUE PEDAÇO DE MAL CAMINHO! Gente, eu sei, ele é meu irmão, e tal. Mas ele é lindo! O cabelo é penteado pro lado, meio espetadinho, lindo que só vendo, os olhos são do mesmo tom de cinza que os meus, seu olhar é sério, o queixo tem o mesmo quebradinho que a garotinha do meu sonho, só que mais forte; sua mandíbula tem uma sombra de barba, também leve, o nariz e as maçãs do rosto parecem ter sido perfeitamente esculpidas. Não lembrava tanto o garotinho da minha foto... Aquele lá parecia inspirar ar e exalar inocência e felicidade. O cara da foto era pura masculinidade e sensualidade.

Minha família tem tanta tendência a ser linda assim?

Suspirei para a foto e observei Emy e a Barbie entrarem pela porta e virem devagar para o meu lado, olhando a foto na tela e se surpreendendo logo de início.

− Ele parece com você! Emily exclamou, mas com a voz regulada. E é um gato!

− Tomara que seja solteiro Bárbara disse, parecendo avoada. Ou heterossexual... Se for homossexual, vai ser um desperdício.

− Barbie! Eu e Emily elevamos a voz, exasperadas.

− Você acha que ele poderia ser gay? Eu perguntei, surpresa. Com essa cara de sedutor?

− Bom, boa parte dos gatões por aí são do lado rosa da força... Ela comentou, pensativa.

− Deus nos livre dessa tragédia! Emily fez o sinal da cruz para a foto. Que ele goste da fruta!

A essa altura da conversa, uma das minhas mãos estava no joelho e a outra, enterrada na minha cara, fazendo um facepalm digno de Doutor House.

Por favor. O Nick, gay? Sem preconceito, mas, cara, só a foto diz que não, né? Bando de doida essas duas, mas é isso que as faz tão especiais...

− Tá aí a foto! Eu disse, já morrendo de vergonha alheia e sentindo as maçãs do rosto ferverem. Querem impressa ou tá bom?

− Não, tranquilo. Emily dispensou com a mão. Desse rostinho eu não esquecerei nada.

− Eu também não. Às ordens, general! Bárbara se pôs de pé e bateu continência, a que eu respondi com um dos meus melhores sorrisos no rosto. Quando as duas estavam se afastando, ouvi Barbie dizer: por que Grimms não são imortais? É mais um desperdício esse cara ter que morrer.

Quando as duas saíram, olhei no relógio. 9:47. Talvez ele ainda não tivesse chegado do trabalho, mas tudo bem. Eu esperaria as duas me ligarem, avisando.

Olhei mais uma vez para a foto na tela. Nicholas Burkhardt.

Meu irmão.

Eu te achei.

*

Às 22:36, recebi uma ligação. O toque me despertou do transe em que eu estava mergulhada enquanto jogava World Of Warcraft: Mists Of Pandaria.

Alicia?

− Bárbara? Acharam algo?

­− Pelo o que podemos ver. Ele está lá dentro, junto com o capitão, um baixinho oriental, que a Emily diz ser meu irmão Nessa hora, ouvi um ai!, o que me fez pensar que Emy tinha levado um peteleco. E um afrodescendente. Nem adianta você ir na casa do capitão soberano agora. Ai, ai... O cabelo dele parece tão macio...

− Bárbara!

− Desculpe, desculpe! Mas se ele for solteiro, pode me chamar de cunhada!

Suspirei. Nick não precisava de nenhum Zaubertrank pra ser sexy ou atraente, pelo jeito.

− Ok, ok. Continuem vigiando. Se o capitão sair, me liguem. Não precisam mais vigiá-lo, eu faço o serviço de agora em diante.

Nãããããão! Eu não quero deixar de ver esse deus grego! Ela fingiu choramingar. Por favor!

Eu ri.

− A decisão é sua. Tchau, amada, e obrigada pela ajuda.

− Obrigada digo eu! Bye, cunhadinha! Ouvi a Emily dizer tchau, e a cunhada sou eu! antes de Bárbara desligar o telefone.

Ai, ai. E se ele não for solteiro, elas vão fazer o quê? Matar a namorada dele? Usar um hocus-pocus pra fazer ele se apaixonar por elas? E elas vão querer dividir?

Ô, mundo cruel. Eu tinha que ter lembrado a Emily de que ela tem um pretendente.

Deitei na cama, sem nada pra fazer, completamente entediada. Que saco! Eu já tinha até passado de nível e nada, absolutamente nada pra fazer. Decidi dar uma volta pela casa, já que eu podia me perder e passar o tempo tentando achar o caminho de volta. Saí do quarto com passos leves, tentando não acordar Carla.

O corredor era gigante, então fui andando pelas portas até que uma me chamou a atenção, simplesmente pelo cheiro da Emily estar ali. Decidi abrir a porta e...

Seu quarto (também gigante) era de princesa. A cama de dossel era gigante, com aqueles panos pendurados pra não entrar mosquito (ou melhor dizendo, mosquiteiro), sendo o pano branco e creme. As paredes eram em um tom rosa e amarelo leve, e em uma delas, uma grande rosa estava pintada. Nas outras paredes (exceto a da cama), as decorações eram alguns quadros pequenos belamente pintados. Em um deles, o busto de uma mulher parecida com Emily, que eu pensei ser sua mãe. Embaixo, bem pequeno, a data era a mesma de quando tínhamos chegado, 27/03/2013. Em outro quadro, estava Carla, vestida como uma grã-fina. Em outros, algumas rosas, paisagens e reproduções de quadros famosos. Tinha a Mona Lisa, aquela ponte de Monet, A Santa Ceia, e outros. Porém, o que mais me chamou a atenção foi o cavalete ao lado da cama. Ele estava coberto, e a minha curiosidade veio à vida na hora.

Encostei a porta, e caminhei até o cavalete, descobrindo-o com o máximo de cuidado, mesmo que eu não sentisse o cheiro de tinta fresca. Quando vi a pintura, fiquei ainda mais maravilhada do que todas que eu vi. Apenas pela imagem em si.

Era ela e o cara do hotel.

Emily estava vestida com um vestido que parecia aqueles que as deusas gregas usam, porém, mais longo. O tecido parecia tão suave e diáfano que era como se a névoa tivesse se transformado em pano. Seus cabelos caíam pela costa em cachos perfeitos, com reflexos precisos, e uma tiara enfeitava sua cabeça. Ela abraçava o cara do hotel carinhosamente, seu rosto virado para a pessoa que olhava a foto, e seus olhos semicerrados demonstravam a mais pura alegria.

O cara (que se chamava Adam, pelo o que estava escrito embaixo) vestia uma espécie de peitoral de couro, preso bem firme no lugar com tiras do mesmo material. Pelo o que eu podia ver da cintura, ele vestia a parte de baixo de uma armadura grega, e seu corpo era algo que faria as leitoras fiéis da Mens Fitness (que só compravam as revistas para ver os tanquinhos sarados) surtar. Ele envolvia a cintura de Emily com as mãos, os braços em volta dela, e seu rosto era protetor. O desenho estava inacabado, pelo o que eu via, porque ainda tinha algumas curvas esboçadas. Mas tudo ali já estava lindo. O título, escrito em letra cursiva embaixo, era de deixar sonhadora: eu e Adam...

Suspirei. Coitada dela; seu amado estava do outro lado do país (literalmente!) e eles tinham que se falar por celular, tudo porque eu a fiz vir comigo, porque eu não pensei em convencê-la a ficar com ele. Aquilo fez minha barriga revirar de culpa.

Eu estava, sim, impedindo que as duas não tivessem a vida que queriam. E a culpa era tudo minha, da chave, de quem eu era, da minha mãe, do Nick, do mundo, do destino.

Naquela hora, me enfureci. Meus dentes trincaram, cerrei os punhos e quis socar alguém, então decidi sair dali antes que me irritasse mais. Mordi o lábio inferior, e o celular tocou.

Quando vi o horário, já eram onze e catorze. Eu tinha passado quase uma hora ali! Como isso, cara?

− Alô? Perguntei, tentando relaxar.

­­− Alicia, o capitão, o Nick e companhia já foram pra casa. Ele mora com um Blutbad, pelo o que eu consigo ver e cheirar, mas a farejadora aqui é a Emily, e ela confirma que é um... Abaixa! Ouvi as duas se mexendo, e tudo ficou em silêncio por alguns segundos, até que Bárbara voltou a falar: − Ela confirma que é Blutbad. O carro dele é um caco, muito indigno do dono, mas é bem grande. É um tom meio amarelado, Toyota, com duas grades, sei lá o nome daquilo, em cima. A placa é 493−YIH. Foi tudo o que vi. Ouvi Emily suspirar e comemorar pelo Nick ser solteiro, aparentemente. Emy, ele é meu! Você já tem um! Enfim. Deseja mais algo?

Voltem pra casa. Fizeram demais por mim hoje. Obrigada.

Por nada, querida. Sempre às ordens, tchau, cunhada! E o celular desligou.

Não pude me sentir mais culpada, então cobri novamente o cavalete e voltei para o quarto, indo dar um tapa no look para ir conseguir o número do meu irmãozinho.

Chegando lá, desliguei o notebook e peguei a escova, deslizando-a pelo mar de cachos negros, desfazendo/arrancando alguns nós. Quando já estava melhor, peguei um casaco e joguei um pouco de perfume.

Pronto.

Quando ia descendo, escutei o motor da moto parando na frente da casa, e ao sair, observei as duas descendo da moto e limpando umas sujeirinhas, como folhas e terra, da roupa.

− Ally! Ele é tão gato! Emily disse, suspirando. Será que ele aceita um relacionamento a três?

− Emily Cooper! Em breve, esse cara terá dona! Bárbara falou, jogando o cabelo.

− Sim, e vai ser eu. Não quero que vocês virem minhas cunhadas, please. Falei, − Vou sair, volto já já.

− Como assim você? Mas você tem o capitão! E isso é incesto! Barbie disse, e meu sangue gelou.

O Capitão...

− Quem disse que eu gosto dele? O capitão nem é atraente, pelo menos não tanto... Falei, mas eu sabia que estava mentindo para mim mesma. Ele era, e é, atraente. O rosto, o olhar, o terno colado no corpo aparentemente sarado... É outro que faria as leitoras taradas da Mens Fitness surtarem, querendo um pedaço. E ainda tinha aquele maldito arrepio que eu senti.

Mas agora até minhas amigas acham que eu tenho que ficar com ele? Mas será possível isso?

− Ah, Ally, desculpe dizer, mas vocês combinam. Mas não ligue pra mim, vá pegar o número do meu futuro marido Barbie disse, parecendo nas nuvens. Você sabe que é sacanagem, né?

− Eu sei, eu sei. Volto daqui a meia hora, quem sabe. Coloquei o capacete na cabeça e liguei a moto, partindo logo em seguida, e respirando fundo.

E lá estava eu, indo novamente para a casa do capitão.

*

Admito que fiquei rondando um pouco a esmo antes de encontrar a rua que me levaria para o trajeto que ele realizou antes até o apartamento. Mas, quando encontrei, não demorou muito para que eu logo avistasse o prédio imponente em que ele morava.

O problema é que eu não sabia como ia entrar. Eu tinha que inventar uma desculpa... Dizer que ia simplesmente vê-lo, que esqueci algo com ele.

Não; isso ia fazer parecer que eu tinha dormido com ele, e isso não seria nada bom. Bom, não totalmente, mas poderia dar a impressão. E ele poderia ter deixado com o porteiro para que eu pegasse.

Simplesmente ir vê-lo fazia parecer que eu estava apaixonada por ele, arrumando desculpas para visitá-lo sem motivo, e não, isso também não seria nada bom, mais uma vez.

Pensei, pensei e pensei, até que me veio uma ideia a cabeça: não especificar nada, apenas afirmar que eu tinha um assunto urgente e pessoal para falar com o moreno.

Perfeito. Vago o suficiente.

Tirei o capacete e pendurei no braço, fazendo o mesmo que fiz antes: atuando, dessa vez no papel de uma mulher de negócios (que eu meio que era) muito séria e impressionante, e até atraente. Passei a mão pelos cabelos e entrei.

− Boa noite Cumprimentei o porteiro, que sorriu cordialmente, mas seu olhar era de surpresa. O... Renard está?

− O capitão? Está, sim, quer que eu avise?

− Não, ele já sabe que eu viria. Obrigada. Acenei com a cabeça e parti para o corredor, apertando o botãozinho e vendo, na minha cabeça, a primeira vez em que estive ali.

O elevador abriu, eu entrei, e busquei relembrar o número do apartamento em que ele vive, logo vindo a mente: 22*. Assim que ele abriu, fui a passos firmes até a porta, batendo o mais baixo possível para que ele escutasse, mas somente ele.

Três batidas. Mais ou menos 23 segundos até ele abrir. E me surpreender.

Seu peito estava nu, ou melhor, seminu, já que a camisa estava aberta, mas ainda pendurada em seus ombros. Três botões estavam fechados, mas mesmo assim, a glória do tronco definido quase descoberto do Capitão Renard me deixou abestalhada, com as bochechas esquentando. Os músculos firmes do seu peito e abdômen fizeram com que aquele maldito e insistente arrepio me volte, mas dessa vez, muito mais forte, e fazendo com que minhas pernas tremessem e eu ficasse irritada com as reações corporais que eu estava tendo com seu corpo.

Por que eu reagia daquele jeito? Ele era só um homem. Bonito, mas um homem.

Rebelião hormonal, é isso.

− De novo? Foi tudo o que ele perguntou quando abriu a porta, mas não me importei. Ele me deu espaço para entrar e eu, como toda mulher educada, agradeci com um aceno, entrando novamente na sua casa humilde.

− Sim, de novo. Onde está seu celular e por que não fechou essa maldita dessa camisa?

− Por que meu celular te interessa? Ah, e eu estava quase dormindo. O capitão resmungou, coçando o olho, demonstrando que estava com sono.

− Bom, vou explicar uma vez, então não me peça pra repetir. − Quando me virei, tomei um susto: ele estava bem atrás de mim, seu corpo a dezesseis ou dezessete centímetros do meu, talvez até menos. E como meu cabelo estava na frente do ombro, não o chicoteou com meu giro e não me alertou que ele estava tão perto. De frente pra ele, meu corpo estava quase colado ao seu, então dei três passos pra trás antes que ele encostasse em mim e a eletricidade/arrepio que vinha com seu toque tomasse conta de meu corpo. Opa.

− Não sabia que você ia virar.

Dispensei suas desculpas implícitas com um aceno, e comecei a falar:

− Bom, você sabe que o Nick é meu irmão, mas não acho que cairia bem eu chegar e dizer: oi, sou sua irmã. Então eu quero o número dele.

− E quem me garante que você não vai ameaçá-lo?

− Quem te dá o direito de questionar os assuntos da minha família?

− Ele é um dos meus homens.

− E ele é meu irmão. Repliquei, aproximando-me um pouco dele, sentindo levemente seu calor, pondo-me em uma posição ameaçadora. Eu quero o número dele. E eu te avisei para não tentar nos manter separados. Grunhi, fazendo os olhos mudarem de cor, apenas para acentuar minha posição. Que tal me dar o celular?

E então ele fez algo que não pensei que faria, pelo menos não tão rápido. Talvez não tenha sido tão rápido, mas eu não vi o tempo demorar.

Ele pegou meu braço, deslizando a mão até meu pulso, e seu toque fez milhares de faíscas voarem e uma carga de eletricidade escorregar pela minha pele, pelo menos pra mim. De repente me senti vulnerável sob seu olhar selvagem e frio, fraca, instável, e eu sabia que logo eu precisaria de algum apoio, mas tratei de disfarçar o melhor que pude com um olhar feroz. Aqueles segundos pareceram durar uma eternidade, até que...

Ele pôs o celular na minha mão e me soltou, mas as reações do meu corpo continuaram, em um nível menor, mas continuaram.

− Trinta segundos Ele falou, tirando-me de meu transe.

− Para Marte* − Completei, enquanto entrava na sua lista de contatos e buscava o de meu irmão em velocidade recorde. Quando encontrei o nome, meu coração pulou de alegria.

Nick Burkhardt.

Memorizei os dígitos enquanto devolvia o celular para o capitão, com um certo receio de tocá-lo de novo. Puxei meu celular do bolso e digitei-o com certa pressa, ansiosa para guardar o número do meu irmão.

− Mais uma coisa.

− O quê? Ele perguntou, a voz inexpressível, já se afastando de mim. Não vai me deixar dormir?

− Claro que vou, oras. Quero saber se Nick está trabalhando em algum caso.

O Capitão Renard pareceu parar para pensar, mas não demorou muito para responder:

− Sim, está. Um assassinato na empresa que produziu o jogo Black Forest, a Spinner. um garoto foi cortado ao meio.

Congelei. Cortado ao meio.

− O corpo estava cauterizado?

− O corte sim.

− Obrigada. Peguei o capacete, que deixei na mesa próximo à porta quando entrei. A gente se vê. Ah... − Virei-me para ele, mas evitando fitá-lo. Acho que ainda vou falar muito com você.

− É melhor pegar o número do meu celular também.

Virei para ele.

− Pode salvar Joguei meu celular para ele, que pegou o aparelho no ar com uma maestria digna de príncipe. Bati o pé no chão no ritmo dos segundos ,esperando que ele me devolvesse meu celular. Depois de vinte e sete segundos, ele me jogou o telefone de volta.

− Tchau. Fui embora sem olhar para trás. Eu não podia me arriscar e olhar para trás e acabar vendo seu tronco seminu, e deixar que aquele ardor, aquela maldita eletricidade voltasse.

Eu não conseguia entender, e eu odiava não entender! Por que eu sentia tudo aquilo? Por que ele me fazia ter reações que eu não compreendia, e em parte, até gostava, e na maior parte, me irritava? O que eu estava sentindo? Eu estava me sentindo ridícula, quanto mais pensava naquilo. Por que eu me sentia tão estranha com ele? Como ele conseguia derrubar todas as defesas, certezas e confianças que eu erigira por anos contra os homens e contra esses sentimentos melosos com um toque? O que o capitão tinha de tão especial?

Eu tinha perguntas, mas não fazia ideia das respostas. E as respostas em que eu pensava, eu me recusava a ouvir. Seria abrir mão de muita coisa em mim aceitar algo que para mim era impossível. E eu tinha certeza de algo, ou pensava ter:

Eu não amava, e não queria amar o Capitão Renard.

Acenei para o porteiro e subi em minha moto, ligando-a o mais rápido que pude e dando o fora dali. Eu não queria mais ficar perto do capitão por um boooom tempo. Eu queria apagar as memórias de seus toques, de seus olhares, dele por inteiro.

Eu queria que Vossa Alteza sumisse da minha vida. E, se possível, se tornasse apenas um homem a quem eu pudesse desprezar.

Porque eu não queria acabar quebrada...

*

− Oi, Alicia! Conseguiu?

Sorri e ergui meu celular, mostrando o contato recém-salvo do meu irmão na tela.

− Claro.

− Vai mandar uma mensagem para ele? Bárbara perguntou.

− Amanhã. Veremos como anda as coisas. Suspirei. Eu queria tomar um banho... Pensar um pouco. Falei, e era verdade. Eu também queria perguntar para elas, conversar com elas, desabafar sobre o que eu sentia, mas tinha medo de aquilo acabar confirmando meu temor. Eu não podia. Simplesmente não podia. Se eu mudar algo no plano, aviso. Ah, e vocês vão continuar vigiando o Nick?

Bárbara e Emily se entreolharam por dois segundos e voltaram a me encarar.

− Não.

− Hã? Sério, eu fiquei surpresa. Como? Elas babaram por ele a noite inteira e quando eu dou a chance, elas deixam passar, assim, facinho? Sério?

− É. Podemos continuar depois de amanhã, mas não quero ficar obcecada por ele... Emily disse, o que me fez vacilar entre surpresa e entendida.

− E eu simplesmente achei ele bonito. Barbie deu de ombros. Ok, muito bonito. Mas eu não vou me apaixonar pela beleza. Vou me apaixonar pelo caráter, pelo jeito dele.

− Own, que poético Emily abraçou a outra com força. Você é tão fofa!

− Tá me chamando de gorda? Bárbara fingiu empurrar os braços de Emily pra baixo.

− Não, eu quis dizer fofa com sentido de engraçadinha. Emily explicou, fingindo ser um gato e esfregando a bochecha no ombro de Barbie.

− Vocês são uma gracinha Abracei as duas. Boa noite, manas.

− Boa noite. Elas cumprimentaram e eu subi, indo preparar um banho frio para acalmar os nervos e os malditos hormônios.

Socorro.

*

Entrei na banheira fria, sentindo a carícia da água me acalentando. Suspirei. Eu precisava daquilo.

Parecia um choquezinho térmico. O frio da água em contraste com o calor do meu corpo, somado ao calor do toque dele...

Não. Eu não ia pensar nele. Não queria, não devia, não iria. Pronto.

Esfreguei minha pele, sentindo alguns arrepios. Não queria pensar nele, mas seria difícil com todas essas reações estúpidas e que me deixavam confusa.

Deslizei os dedos pelo meu braço quase inconscientemente, da mesma maneira que ele fez, arrepiando-me. Suspirei e mordi os lábios; simplesmente não pude controlar...

Mordi os lábios mais ainda e sacudi minha cabeça. Que inferno; desde quando eu estava tão sensível? Eu já não me reconhecia mais. Minha pessoa estava virando uma manteiga derretida.

Esfreguei minha pele com brutalidade, como se eu quisesse limpar a mácula do toque masculino de mim. Esfreguei os braços, o tronco, as pernas, o pescoço. Respirei fundo e mergulhei na banheira, ficando completamente submersa.

Permaneci daquela maneira até que o ar começasse a me faltar, o que deve ter demorado um minuto e meio, eu acho. Voltei à superfície passei as mãos pelo rosto, respirando rápido para recuperar o ar.

Terminei meu banho com certa pressa, secando-me ainda brutalmente. Eu tinha medo de meu próprio toque, se fosse muito suave, acabaria fazendo com que ele voltasse à minha mente; e isso eu não queria. Eu queria dormir! Eu amo dormir.

Vesti a calcinha e uma camisola que deixei pendurada no gancho para quando saísse do banho e entrei no meu quarto, mergulhando nos lençóis. Da minha cama, eu podia ver uma natureza-morta linda, com um fundo de outono, e pensei no quadro da Emily e do seu amado em seu quarto.

Desculpe, Emily...

Acabei dormindo. E o sonho foi tão ruim quanto o primeiro.

*

− Corre! Grasnei. Minha voz estava rouca; soltei a garota, mas ela não queria me soltar.

− Mamãe!

− Me solte, vá embora! Ordenei. Vá!

Ela me fitou por segundos a fio com seus olhos cinza, tão iguais aos dele, e me soltou. Quando achei que ela fosse correr, fez o que eu nunca pensaria que ela faria: fez a woge e se colocou em posição de defesa, entre mim e eles.

Ninguém chega perto da minha mamãe! Ela rosnou, a voz alterando entre rouca e fina.

− Vai deixar essa garotinha te defender? Já vi melhores Ouvi uma voz debochada.

Eu me virei e vi a garota tossir. O vapor de lipídios e gás metano infestou o espaço de ar a sua frente com mais umas tosses forçadas e rápidas, e alguém, muito idiota, disparou uma arma no momento em que ela se abaixou. O ar pegou fogo, e a explosão fez o lugar tremer.

− Mamãe! Ela puxou meu braço. Vamos!

Parece que só então ela notou a bala infiltrada no canto inferior direito das minhas costas. Ela se arrastou rapidamente até lá e, com as garras, removeu a bala com um movimento rápido e preciso da mão, tornando a remoção muito menos dolorosa. Com algum esforço, me levantei e ela começou a puxar minha mão. A garota estava quase batendo na minha cintura.

Corremos o mais rápido possível, mas na verdade, eu corria mancando um pouco, até que a dor passou e eu senti a ferida começar a se fechar. (Sim, isso foi bem rápido) Quando eu já estava melhor, puxei-a para meu peito e comecei a correr. Ela se enrolou contra mim, na mesma posição de quando eu cortei suas algemas, gemendo baixinho. Eu ainda estava meio estupefata; ela se colocara na frente de um monte de Mehinstinktes adultos para me defender? E cuspiu uma bola de fogo contra eles? Por mim?

− Mamãe... Os homens maus Ela sussurrou. Eles estão vindo!

− Eu não vou deixar eles nos pegarem Respondi, encolhendo-me para proteger minha filha dos galhos à nossa frente. Os ramos arranhavam minha pele, causando ardência, como chicotes, mas eu estava disposta a sacrificar minha pele para proteger minha filha. Não você. Você pode fugir.

− Mãe...

− Escute. Virei o corredor, que faria um desvio, mas ainda poderíamos pegar outro caminho para chegar à saída. Eu conhecia bem os corredores, sabia como me esconder. Há, seguindo por esse caminho, uma bifurcação. Siga pela direita, mantenha-se rente à parede. No próximo corredor, vire à esquerda e continue reto até o terceiro depois desse, e vire à esquerda. Haverá uma saída mal coberta por tábuas, que você terá que tirar. Cuidado; quanto mais você avançar, mais o caminho ficará mais baixo e estreito, mas até eu passaria meio abaixada. Vá. − Coloquei-a no chão, enquanto meus olhos wogaram. Eles chegavam mais perto, por mais que tivéssemos alguma vantagem. Os olhos dela marejavam, fazendo com que minha vista embaçasse por causa das lágrimas. Filha, por favor. A mamãe vai ficar bem...

− Mãe... A gente se vê lá fora? Promete?

− Prometo. Vá! Corre! Ela se virou e, em uma velocidade digna de uma criança híbrida, disparou pelo corredor enquanto eu apertava meus olhos e saía de meu esconderijo.

No mesmo momento, um punho voou em direção ao meu rosto, que eu consegui desviar antes que fosse atingido, e retribuí o soco com outro bem dado em seu estômago. Girei o corpo e acertei o punho cerrado na têmpora do homem, em seguida, dei um chute em um lugar delicado, e outro no queixo do cara, que caiu no chão quase nocauteado. Outro pulou por cima dele, mas eu simplesmente empurrei minha mão na direção do rosto dele, dois dos meus dedos entrando em seus olhos. Aquilo já tinha sido o suficiente, mas mais um soco e um chute no mesmo lugar (well, no estômago) nunca seriam demais.

Eu saí correndo, pronta para chegar ao lado de fora onde eu veria minha menina, mas o som do helicóptero bom, o som das hélices − e o grito que ouvi não dela, de outra pessoa, uma voz muito familiar − gelou meu sangue.

− ALICIA!

Era o Capitão.

Acordei suando frio, chorando e com uma mão no meu peito.

− Alicia? Tudo bem?

Ah, meu Deus, era a Bárbara. E, ao seu lado, Emily. As duas estavam sentadas do meu lado cada uma, enxugando minhas lágrimas delicadamente.

− Que pesadelo foi esse? Emily perguntou, enxugando minha bochecha devagar.

− Foi... Foi... Minha voz estava engatando, e eu não conseguia pronunciar nada. Foi... Tipo... Uma continuação. Eu... Estava... Fugindo d-do... Asilo, e ela est-tava comigo...

− Ai meu Deus, ela... Emily não conseguiu terminar.

− Ela fugiu. Estendi a mão para o copo de água que eu mantinha na cabeceira, mas Bárbara, que estava mais perto, pegou o copo e me deu. Bebi os goles com um certo esforço. Ela chegou no rochedo, eu acho. E alguém, gritou meu nome, por isso eu acho que ela chegou nas rochas; foi de onde o grito veio. Não sei de quem era a voz. Menti, e me senti péssima por isso, mas eu não queria dizer que era do capitão. Poderia sair coisa errada daí. Eu não cheguei a sair.

Emily secou mais algumas lágrimas que queriam escorrer pelo meu rosto, dando-me um leve beijo na têmpora.

− Está tudo bem... Acabou. Vai voltar a dormir? Bárbara perguntou.

− Talvez. Chorar dá sono. Falei. Não sei porque estou tendo esses sonhos.

− Talvez mostre uma filha que você pode ter no futuro, sei lá, não entendo nada de sonhos. Emy deu de ombros.

− Eu não posso ter filhas. Devolvi, seca.

− É uma pena. Elas seriam uma gracinha. Bárbara falou. Vá dormir, mana. Amanhã a gente se fala. Ela me deu um beijinho na cabeça. Tchau.

− Tchau.

As duas saíram do quarto, deixando-me sozinha. Eu senti as lágrimas escorrerem pelo meu rosto; os sonhos nunca terminavam, nunca paravam de me atormentar. E eu nem sabia o nome da minha filha! Eu poderia até pensar em um nome, mas...

E ainda tinha ele. Nem em sonhos ele me deixava; sempre dava um jeito de se infiltrar nos mais mínimos detalhes. Nos olhos dela, no provável helicóptero me esperando do lado de fora. Sempre, sempre, ele estava lá.

Renard, deixe-me em paz!

*

Acordei dez e meia da manhã! Como pode isso? Eu nunca dormi tanto assim!

Cocei os olhos e me forcei a levantar da cama. Eu queria tomar um banho (dessa vez, quente) antes de descer para tomar café. Peguei a toalha e parti para o banheiro, me arrastando de tão zumbi que eu estava.

Liguei a torneira e o aquecedor, despindo-me enquanto a banheira enchia. Eu queria esvaziar a mente, queria poder não pensar em nada. E me esforcei para evitar qualquer tipo de pensamento que minha cabeça quisesse criar.

Eu não podia, não queria pensar nele, na minha filha sem nome, no Nick, nas meninas, em nada. Se possível, só tomar banho, obrigada.

Mas é claro que não resisti. Tenho uma mente hiperativa e não consigo controlá-la direito. E, olhando meu próprio corpo debaixo da água e da espuma, lembrei de minha menina.

Por mais que ela fosse um serzinho puramente inventado, vindo da minha cabeça criativa, eu tinha um carinho profundo por aquela menina. Talvez influência do sonho, não sei, mas que eu tinha, tinha. Fiquei pensando qual seria o nome dela...

Teria que ser um nome que eu gostasse. Afinal, minha filha tinha quer ter um nome bonito, que nem ela. Fiquei pensando em quais nomes poderiam ser, e joguei mais uma porção de sais na água.

Mas logo minha mente se cansou e viajou para a cena de meu sonho, quando eu finalmente via sua aparência. Seu cabelo tão idêntico ao meu, seu rosto, quase igual ao meu, o corte no queixo, que eu finalmente me toquei que pertencia ao Nick... Seus olhos de duas cores, em woge, como os meus...

Um dourado, cor do âmbar...

E um vermelho, cor do sangue, como o rubi.

Rubi. A palavra ficou rondando minha cabeça, dando voltinhas de bicicleta, fazendo manobras. De repente, entendi porque fiquei tão ligada naquilo.

Ruby. Era bonito, lembrava uma pedra preciosa e combinava com a cor do seu olho direito (hehe). E eu gostei.

Mas eu queria um nome comprido pra ela. Seis ou oito nomes, quem sabe.

− Eu quero matar o médico de escrever! Ri comigo mesma. Qualquer um que fosse escrever o nome da minha filha ia passar um bom tempo escrevendo...

Terminei de tomar meu banho enquanto pensava em quais seriam os outros nomes da minha filha, dessa vez, me banhando mais delicadamente, e saí. Fui até as gavetas do guarda-roupa que Emily me deixara usar e abri a das roupas íntimas, escolhendo um conjunto rosa bebê. Vesti-o devagar, sem pressa, e optei por usar uma blusa branca, uma calça jeans preta e uma jaqueta preta.

Desci as escadas, notando que Barbie e Emy não estavam comendo nada. Na verdade, só tinha um pratinho com um sanduíche de carne e um copo com um suco de laranja.

− É pra mim? Perguntei.

− Claro, mana, nós já comemos faz eras. Emily explicou. Nós vamos dar mais uma voltinha, comprar algumas coisinhas, ir ao cabelereiro.

− Eu preciso mesmo de um caderno novo... Falei, dando uma mordida no sanduíche e enrolando um cachinho no dedo.

− Eu preciso de algumas tintas novas e mais pincéis e telas Ela justificou.

− Eu quero mais livros Barbie sorriu, inocentemente. Já reli os que eu tenho bem umas cinco vezes, na média.

− Isso que é gostar de ler Falei, com um sorriso, após tomar o suco de laranja. Terminei meu café da manhã com certa pressa. Vamos?

*

O ar frio já tinha sido substituído pela brisa há muito tempo, por isso acabei amarrando a jaqueta na cintura.

Demos algumas voltas até chegarmos ao cabelereiro. A mulher, Judith, infelizmente era humana, e sabia sobre os Wesen, mas isso não foi muito problema, embora seja bom você encontrar outro Wesen de vez em quando (De vez em quando, não a cada duas esquinas que viro, ok, pessoal do asilo?). Ela era super simpática e parecia conhecer Emily desde pequenininha.

Judith tinha os cabelos loiros naturais, mas era quase impossível de acreditar nisso. Seus olhos eram castanhos e o rosto tinha algumas marcas que o tempo lhe deixara, mas isso parecia só fazê-la mais bela. Ela era alta e esguia, e vestia um vestido longo, que parecia de cigana, só que mais discreto.

Em suma, ela conseguia ser linda de uma maneira que nenhuma mulher conseguiria.

− Querida! Que bom que veio! Ela apertou Emily em um abraço cheio de energia. Suas amigas? Ela olhou para nós.

− Sim, Alicia e Bárbara. Ela mostrou quem era quem com alguns gestos.

− Oi! Acenei.

− Prazer em conhecer Barbie deu um de seus melhores sorrisos.

− Olá, queridas. Entrem, entrem... Hoje o tempo não parece estar de bom humor. Judith pôs as mãos em nossos ombros e nos guiou para dentro. Então, só hidratação? Ela perguntou.

− Eu vou querer cortar até o meio das costas. Emily disse.

− Eu só vou hidratar... Bárbara disse. E dar uma aparada na franja.

− Eu também só vou hidratar. Gosto do tamanho do meu cabelo Falei, puxando-o para a frente do peito. As ondas negras terminavam um palmo antes da cintura.

− Tudo bem! Judith indicou para que sentássemos, e Emily foi primeiro. Peguei uma revista, mas não consegui lê-la. Eu, por algum motivo, estava prestando mais atenção em Judith.

− Emily, você passou muito tempo longe, só soube que foi sequestrada. O que houve, querida?

Emily começou a explicar o que ocorreu para ela ter sumido, e foi contando sobre nós duas também. Com nossa ajuda, ela também começou a contar como fomos parar em Portland, porque fomos parar lá (omitindo alguns detalhes, claro) e todo o resto. Quando terminou, Judith já estava finalizando seu cabelo.

− Queridas... Eu nem sei direito o que dizer... Ela disse, com uma voz de sinto muito, enquanto pegava o espelho para mostrar a Emily seu novo penteado.

− Não precisa dizer nada, Judith. Não precisa... Emily disse, mas sua voz foi sumindo à medida que ela analisava o seu novo corte. Judith! Isso ficou incrível!

− Que bom que agradou, querida.

Eu, sinceramente, fiquei tocada. Ao invés de querer que Emily gostasse, ela queria que agradasse. Ela se esforçava para agradar, não para fazer gostar, e sinceramente, aquilo me fez sentir um carinho imenso por ela.

Bárbara foi a próxima, e o tapa no seu look foi simples, mas fez diferença. Sua franja ficou mais bonitinha e ajeitada (se é que isso era possível) e seu cabelo ficou parecendo muito mais natural e vivo.

E então fui eu!

Como o meu era só hidratação, foi o mais rápido de todos. Quando acabamos, acredite, já eram quatro da tarde. Judith finalizou tudo e ficamos ali conversando, e de vez em quando entrava algum cliente. Quando o segundo foi embora, decidimos ir também. Mas de repente, uma ideia me cutucou a cabeça.

− Tchau, Judith! Emily acenou.

− Foi bom te conhecer! Bárbara disse. Vamos, Ally!

− Eu já vou! Falei. Podem ir na frente!

As duas se olharam e deram de ombros, enquanto saíam. Rapidamente, me virei para Judith.

− Judith, queria te perguntar uma coisa. Minhas mãos começaram a torcer o pano da camisa. Você acredita em... Em... Engasguei e engoli em seco. Eu não sabia o porquê, mas eu sabia que a resposta dela acabaria significando mais do que eu entenderia. Minha intuição me dizia isso. Sonhos proféticos?

Ela me olhou com os olhos de quem reconhecia algo que estava escondido.

− Você é parte Grimm, pelo o que Emily disse.

− Sou.

Judith pôs as mãos no meu ombro e me levou para a porta que ficava no canto do salão, abrindo-a e me deixando passar.

Era uma salinha pequena, com um corredorzinho para o resto da casa. Havia um sofá e duas poltronas, as duas de frente para uma mesinha redonda no meio, com uma renda a cobrindo. As paredes eram de tom azul cobalto, e a cortina não cobria direito a luz de fora. O lugar, por algum motivo, me passou algumas más impressões.

− Sente-se e me dê um minuto. Ela disse, sumindo pelo corredor enquanto eu me sentava. Não demorou muito, mas eu estava viajando e não posso dizer com clareza, mas quando vi ela trazia uma xícara nas mãos. Que tipo de sonhos está tendo? Eu não poderia falar com você lá fora, as meninas poderiam ver e entrar facilmente. Aqui há mais privacidade. Ela explicou, dando-me a xícara.

− Eu... Estou sonhando com uma menininha. Bebi um golinho. Não sei quem é. Menti.

− Não, você sabe. Eu sei os sonhos que você está tendo. Eu acredito neles porque eles são verdade.

Fitei Judith, que suspirou.

− Eu deveria ser Grimm, porque boa parte de minha família foi, até minha irmã, mas eu não. Ninguém sabe o porquê. Mas aprendi tudo o que pude, lutei como pude. Até que deu certo. Ela sorriu, e eu fiquei... Bem, estática, por isso decidi beber mais um pouquinho do chá. Não se sabe porquê, mas as mulheres Grimm aparentemente tem esse... Dom, essa habilidade extra. Por isso os sonhos. Eles são, sim, proféticos. Você está sonhando com sua filha, Alicia.

Eu estava bebendo o chazinho quando ela disse isso, e quase engasguei.

Não. Era impossível. Judith, uma Grimm? Quer dizer, ela deveria ser Grimm? Já era muito pra minha cabeça. Agora, essa história de sonhos proféticos tava pra fazer eu pirar.

Tem alguém nessa droga de mundo que não tenha relação com o mundo Wesen/Grimm/Realeza? Mas affe!

Mas enfim, esses sonhos não eram proféticos, não importava o que ela dizia.

Além de eu não poder ter filhos, o que já fazia os sonhos impossíveis por si só, eu não queria que fossem. Eu não queria ter que voltar pro asilo, nem queria ter que resgatar uma menina surreal de sua prisão.

− Eu não posso ter filhos. Disse, simplista.

− Bom, você pode ser uma exceção. Ela disse. Mas você deveria estar destinada a ser Grimm, ou não teria os sonhos.

− Supondo que isso seja verdade. Falei, pondo o píres e a xícara na mesinha. Eu só teria sonhos sobre ela?

Judith pensou um pouquinho.

− Sim, e sempre a mostrariam em alguma situação perigosa, mas essa situação nunca acontece. Talvez elas sejam para mostrar que o filho será Grimm, mas, novamente, eu sou uma exceção. Ninguém sabe. Talvez seja coisa do psicológico.

Dei de ombros.

− Obrigada, Judith. Sorri. Muito mesmo.

− Mais duas coisas, Alicia. Ela pediu. Quando eles começaram? Você conheceu algum homem ultimamente?

Travei, e logo ele veio à minha cabeça.

Eu não queria falar, não queria, não queria. Eu tinha uma boa ideia do que ia acontecer, e não queria essa confirmação.

Sim, eu tinha conhecido. E estava bem óbvio na minha mente.

− Sim. − Não pude evitar.

− Então ele será o pai da sua criança, pelo menos seu inconsciente assim quer. Para um filho forte, seu organismo o indica como o melhor pai. Judith disse, solene, e um peso horrível caiu sobre meus ombros, embora meus joelhos não tenham oscilado. Tudo bem?

Meus lábios tremeram.

− Sim, está. Obrigada, Judith. − Abracei-a. Tchau.

Saí com passos fracos e depressivos. Não, não, não.

Tudo estava se voltando para ele. Tudo estava se resumindo a ele.

Meu coração estava virando pedras, que se chocavam umas com as outras e se esfarelavam, virando poeira. Toda a minha animação havia se esvaído.

Capitão Renard...

As sensações voltam à minha memória, arrebatando-me, aquecendo-me, e me irritando. Ele estava fazendo com que eu focasse triste, estranha e indecisa, e acima de tudo, sensível. Seu toque me fazia desmoronar, e eu não queria aquilo.

E quanto mais eu pensava nele, mais minha raiva aumentava.

Eu não queria me apaixonar. Eu não queria ficar com ele. Eu não queria me sentir daquele jeito. E ele estava fazendo com que tudo parecesse o contrário.

Eu estava ficando furiosa com ele. Por mais que o capitão fosse lindo e atraente, eu não queria me apaixonar. Não por ele. E ele era um nobre; ele fazia parte do bando que destruíra a minha vida.

Eu não queria nada com ele.

− Você tá bem? Emily perguntou.

− Não. Não estou. Digo. E é verdade; meu estômago está revirando. De raiva. Manas, desculpe, mas acho que não vou poder continuar. Desculpe.

− O que aconteceu? Bárbara perguntou. O que foi, Ally?

Olhei nos olhos dela. O azul-violeta era, e é, algo tão lindo que quase fez eu falar tudo o que eu estava sentindo em relação ao Capitão.

Raiva.

Ódio.

Desespero.

Estranheza.

Mas não. Eu sabia o que elas iriam pensar, e eu não queria que até as minhas amigas dissessem que eu estava destinada a ficar com ele. Seria mais do que eu poderia suportar. Então tudo o que eu pude dizer foi:

− Você não entenderia. Desculpe. Dei um abraço nela e na Emily, que ficaram me olhando estupefatas. Melhor isso do que raiva.

Pus o capacete na cabeça e dei partida na moto, saindo dali o mais rápido possível. Eu estava ficando com a visão nublada de ódio, e um pensamento veio rápido à minha cabeça:

Vá até ele e o mate. Ou lhe ensine uma lição.

Balancei a cabeça. Por mais raiva que eu tivesse, eu não poderia fazer aquilo. Eu poderia precisar daquele maldito depois, e se eu tocasse nele, a descarga de energia só serviria para alimentar minha raiva e incerteza. Lambi os lábios.

Eu ainda teria que lutar muito para evitar que ele me influenciasse daquele jeito.

* Final extra Emily *

− Tem algo estranho na Alicia.

Bárbara puxou mais um livro da prateleira.

− Não, sério? Ela deu uma risadinha. Eu também acho. E ela está fechada, não quer falar o que houve com ela... Sério, estou ficando triste e preocupada com ela. Assim ela vai se afastando... Bárbara suspirou, abrindo o livro e lendo o prefácio. Gostei desse. Ela o colocou debaixo do braço.

− Boneca, não é só isso. Tem algo a ver com o capitão.

Ela me fitou.

− Emily, tem certeza?

Sim, eu tinha certeza. Desde que pisamos em Portland e Alicia tinha ido visitar o chefe do Nick (aquele lindo, mas infelizmente ele não pode ser meu), ela estava falando menos do que fazia e do que faria conosco. Ela estava se fechando, como a Boneca dissera.

− Tenho. Minha intuição diz isso. Falei. Tem algo a ver com ele. E acho que o sonho também.

A Barbie me olhou mais uma vez, com o livro aberto na mão.

− O que te diz isso? Ainda sua intuição?

− Somada à dedução. Lembra do sonho da menininha?

− Claro, nunca vou esquecer. Ela puxou uma de suas melenas negras e a enrolou distraidamente nos dedos, soltando-a e colocando o livro de volta na prateleira.

− Ela disse que a garota tinha a aparência idêntica a dela, e as pupilas se dilataram. Ela estava mentindo; tinha algo na garota que não tinha a ver com ela. E lembra quando ela falou dos olhos? Ela disse olhos cinza, e só. Não falou como os meus, do jeito que ela fazia com o resto das características da menina, exceto o queixo.

Ela pareceu refletir sobre o que eu dissera, e mordeu o lábio inferior.

− Verdade! E se o capitão tiver olhos cinza?

− Então ela sonhou com uma filha dela e dele! Bárbara! Você entendeu, não?

− A Alicia está se apaixonando... Ela suspirou, sonhadora.

Na verdade, eu achava que ela já estava.