Era de noite quando o casal chegou ao seu destino. Imediatamente, eles procuraram um hotel para ficar, e já estavam bem acomodados quando o celular da mulher tocou.

− Alô? – Pausa. – Bom, eu queria o mais rápido possível. – Outra pausa. – Escuta, quanto mais rápido começar, melhor. – Mais uma pausa; Miqui já estava de saco cheio de pausas.

− Coloca essa bosta no viva-voz, por favor? – Ele pediu, com ironia.

− Cala a tua boca. – Ela ordenou de volta. – Desculpe! É o Conquistador aqui do meu lado. – Ele enfiou um punhado de arroz na boca, irritado por ser deixado de fora. – Não, não tem que ser agoooooora. Tipo, acho que depois da gente arrumar um lugar pra ficar que não seja hotel, tipo, sei lá, aí ele começa. Né, Miqui? – Ela finalmente colocou no viva-voz, esperando a resposta dele.

− É isso aí! Volta logo pra cama, amor! – O moreno riu com a cara de ódio dela. – Tipo, sei lá foi ótima.

− Calado, babaca! – Uma unha bem feita foi apontada pra ele ameaçadoramente. Uns segundos quietos e mais uma frase: − Como ela pagaria? Por cartão?

− Suas ligações a negócio são irritantes. – Um dedo médio expressou a opinião da líder quanto ao comentário dele. As pausas foram ficando mais curtas:

− Hum. Tá. Os três? Quanto? Ok, é bastante, é até mais do que o suficiente. Acho. E se eu precisar de mais? Vou ter que... Não, de jeito nenhum. Posso ser da Verrat, mas ainda tenho um pouco de orgulho. – Dessa vez ela ficou quieta por mais tempo, e Miqui pensou conseguir escutar trechos como “de vez em quando” e “não roubar”. A sua milady fez cara de conformada. – Ótimo. Perfeito. Se vier um centavinho a menos... – O interlocutor do outro lado da linha pareceu dar um grito afeminado demais, tornando a frase perfeitamente compreensível: “Não, querida! Nunca eu te passaria a perna!” – Que bom. Beijinhos então! – Ligação finalizada.

− Amém! – Ele levantou as mãos pro ar.

− Você quer que a gente passe fome, Conquistador? Não pense que sua parte vai te livrar de sofrer com a gente! – A Archimer acusou. – Acredite, mas meu esquema precisa de muito, muito orçamento para que tudo fique impecável como... Eu! – Ela jogou o cabelo castanho por cima do ombro. – Você vai precisar de um lugarzinho pra ficar, assim, quando as coisas se desenrolarem...Você terá pra onde ir. E sem desconfiança.

− E as contas?

− Por isso que envolve muito orçamento. De qualquer maneira, logo seu álibi chega, meu querido. – Antes que ela subisse no colo dele, o celular do mesmo tocou. Ela o pegou com a mão ágil. – Oi, Scheila.

Hum, o Miqui está ocupado? Só queria avisar que agora que nós conseguimos embarcar. Teve uma chuva tensa e atrasou o voo.

− Hum. Só?

Como só? Vamos nos atrasar, e onde ficamos?

− Em qualquer hotel. Só não no nosso: Stanbrigde. Beijos. – Ela desligou o celular, tirou a mesinha que estava com o prato de comida de cima dele e subiu nas pernas do companheiro. – Vamos passar o tempo?

*Alicia*

Dois rápidos dias se passaram (ai, que coisa gay) quando Nick me ligou.

Maninha?

− Oi! Tava com saudade dessas conversas – Me joguei na cama. – Como você tá?

Hum, bem. E você?

− Bem também. Estava ouvindo música e falando pelo fone.

− Ah, desculpe interromper a música – Ouvi um tonzinho de escárnio na voz dele.

− Não, você pode. – Nós dois ficamos quietos. – Que tal um lanchinho?

− Quer fazer um lanche às duas da tarde?

− Não, bobo. Umas... quatro?

−... Ok. Acho que eu posso ir, se convencer meu parceiro a terminar a papelada sozinho. – Ouvi um riso e um “nem pensar”, o que me deu uma ideia.

− Deixa eu falar com ele? – Pedi, e quase fiz uma carinha fofa, mas Nick não podia ver, então fiquei quieta.

Está brincando?

− Não. Anda looogo! – Pulei na cama.

− Tá, ok. – Um segundo de silêncio. – Pronto, maninha, você tá no viva-voz.

Oi parceiro do Nick! – Minha voz saiu feliz até demais.

Oi irmãzinha do Nick. – Uou, a voz dele... Tomei um sustinho quando ouvi.

­− Olha, não sei quanto de trabalho vocês tem pra terminar, mas você poderia cobrir o Nick? Só por hoje? Ele volta inteiro, juro!

− Mas ele me pertence. Estou com ciúmes. – Eu ri. Já tinha gostado do cara. – Você sabe que me pertence.

− Ok, né. Você também me pertence, só avisando. Mas ela é minha irmã... De coração – Nick disfarçou.

Ah. Então... Olha, garota, se ele voltar inteiro e sem nenhum roxo no pescoço...

− Palavra de honra, porque nunca fui escoteira – Bati continência.

­− Cuida bem dele, viu? Rum... – Um segundo de silêncio novamente, e Nick falou: − Ele é assim mesmo.

− Gostei dele. Te vejo às quatro... Onde?

− Sim. Leve biscoitos, e venha até a Central.

− Caseiros?

− Só se você souber fazer. – E com um timing perfeito, nós dois desligamos.

*

Nem Bárbara nem Emily quiseram me emperiquitar toda; como era só um lanchinho, algo simples e um gloss tava muito bom. Sorte a minha; fui só com uma blusinha branca, um short jeans e uma jaquetinha. Emily se ofereceu para me levar até a delegacia; como Nick queria fazer uma surpresa, eu poderia ir no carro dele. E eu não precisaria levar muito, só um pacote de biscoito (o combinado).

Eu não tinha certeza de que era uma boa ideia, mas ok.

Durante o caminho, notei que o corpo de Emily estava tenso. Era como se sua pessoa tivesse sido substituída por uma tábua. Eu não tinha a menor ideia do porquê de seu estado rígido, mas deixei quieto.

Quando chegamos, consegui minha resposta.

− Alicia... O que você faria se a pessoa que você mais acreditava estar do seu lado te traísse?

Fiquei quieta, pensando no que responder a ela. De quem ela estaria falando? Por fim, falei:

− Eu não sei... Considerando o momento? Acho que nos primeiros segundos eu ia querer matar a pessoa. Depois eu ia querer saber o porquê.

− Mesmo se fosse um parente? Tipo... Sua mãe ou o Nick?

Ah, tá. Jaline.

− Não sei. Realmente.

− Ok, obrigada.

− O que aconteceu? – Segurei seu braço antes de Emy dar a partida na moto. – Pode contar. Eu não vou falar nada.

− Não vou falar. Desculpa. – Ela puxou meu braço e deu a partida, sem sequer olhar para mim. Afastei-me a passos lentos da moto, observando-a sair voando pela rua, magoada.

Problemas familiares: até nas melhores casas.

Comecei a andar pela calçada, as pessoas indo e vindo fazendo-me sentir como um animal enjaulado. Muitas pessoas faziam eu me sentir assim às vezes.

Depois de alguns minutos, consegui ver a presença de meu irmão do outro lado da rua, procurando por mim. Estendi a mão, e assim que ele me viu, acenou para eu ir para o outro lado da via.

− Oi, irmão.

− Oi, maninha. – Ele me abraçou. – Vamos? – Nick abriu a porta pra mim.

− Ai, que cavalheiro.

− Somos uma espécie em extinção.

*

Nick me levou até um parque bonitinho, onde dava perfeitamente para fazer um lanchinho sentado na grama. Ele levou um copo de café (pra ele, café é vida) e uma coca pra mim (espertinho), uns donuts e meus biscoitos. Isso que é lanche reforçado.

Ficamos embaixo de uma árvore, abrimos a caixa, os biscoitos e começamos a comer.

− Então... – comecei, sentada na grama, assim como ele, tomando um golinho de coca. – Como vão as coisas?

− Bem, só espero que fiquem melhores.

− Ué, por quê? Seu ambicioso – Brinquei.

− Ah, por nada. E com você? – Nick perguntou também.

− Tudo ok, nada a reclamar. Só acho que Emily não tá bem.

− Há motivos?

− Hum, eu acho. – Encarei o donut pela metade, a cobertura escura do chocolate melando meus dedos. – É uma longa história. Se quiser ouvir...

− Sou todo ouvidos.

− Emily tem uma irmã mais velha, e eu só vim descobrir isso agora. Enfim, as duas são herdeiras de uma marca boa de joias.

− Sua amiga é rica, então?

− Podre de rica, e olha onde ela foi parar... – Estendi a mão direita, ilustrando o que quis dizer. – Enfim. Como Emy estava desaparecida, e a mãe dela acabou assassinada, essa irmã mais velha quis que toda a empresa fosse passada pro nome dela. Não sei porquê não foi; burocracia não é comigo.

− Odeio burocracia e tenho que conviver com ela todo dia. Fique feliz. – Nick refutou, condescendente, e bebeu seu café.

− Sua desgraça alivia meu fardo. Muito obrigada. – Ergui o donut em agradecimento. – Enfim, acho que ela não sabia da história e ficou sabendo agora.

− E como você sabe tudo isso?

− A parte da Emy saber agora ou a história dessa briguinha familiar aí? – Mordi o doce na minha mão.

− Os dois. Vai querer esse último biscoito? – Assenti, e Nick rachou-o no meio e me deu uma parte.

− Eu estava conversando com a empregada de Emily e fiquei sabendo da história toda; e hoje ela veio me trazer aqui e perguntou o que eu faria se alguém que eu confiasse me traísse. Quando eu respondi, ela completou: “não, tipo o Nick, ou sua mãe”. – Imitei o tom de voz dela.

− Nossa, me sinto importante. Fui usado como referência. – Nick mordeu sua p0arte do biscoito. – Enfim.

Ficamos quietos... Até eu ter que puxar assunto. Ainda não aguento ficar muito quieta com o Nick comigo; é agonizante.

− Mas nada de novo? Sério? A mesma mesmice de sempre?

− Hum... O que aconteceu você não vai gostar.

− Quem te garante?

− Minha ex me ligou.

Meu sangue não deveria ter fervido, já que eu já conhecia a história, mas ferveu. Tratei de atuar para parecer que eu não sabia de nada e nem estava puta da vida:

− Ai meu santo. Sério?

− Falei que você ia ficar com raiva.

− Não estou com raiva, só surpresa. – Bebi a coca pra me controlar. Eu odiava ter que fingir com o Nick. – Mas o que ela disse?

− Ela quer que eu vá vê-la sábado.

− Amanhã. – Ficamos calados, eu, comendo o penúltimo donut para fingir que estava pensando quando eu já tinha a resposta na ponta da língua. Se Nick soubesse que eu tinha ido lá, aí sim eu ia pisar no cadafalso. – Olha, acho que você não deve ir.

− Por quê? Alicia, pode ser a minha chance de começar a acertar as coisas. – Meu irmão argumentou.

− Mas ela pode estar querendo, sei lá, te acabar mais ainda. Não sei o que se passa pela cabeça dela, mas no caso de vocês, não deve ser coisa boa.

− Não, não quero nem saber. Eu vou lá e pronto, desculpe. Sou grandinho, já sei me virar, obrigado.

− Não falei que não sabe, mas mano, não quero que você fique mais machucado do que já está, vamos combinar. – Isso tinha que fazê-lo dar pra trás. – Por favor, irmão, isso só vai te machucar.

Essa é infalível.

− Obrigado, mas acho que não tem muito jeito. Ela precisa que eu vá. Ela estava mal, eu quero saber o que ela tem.

PUTA MERDA!

Qualquer que tinha sido o teatrinho que Juliette Silverton armou, tinha sido bem feito o suficiente pra colocar o Nick de joelhos. Senti uma pontinha de desespero.

− E se ela estava atuando?

− Não acho que seja isso. – Ele disse, olhando para o horizonte. – Por que você quer tanto que eu não vá?

Eu conseguia sentir toda a cafeína e o açúcar se esvaindo no nervosismo; minhas mãos estavam esquentando e também o meu pescoço.

− Eu não quero que você fique mal! – Falei, e me arrependi de minha pressa; meu tom saíra meio tremido.

Nick me encarou meio de canto, os olhos semicerrados, desconfiando. Controlei-me, mas minhas unhas estavam para abrir outro corte na minha mão.

− Então por que suas pupilas dilataram?

Sinal clássico. Eu estava perdida; que droga era pra mentirosos terem olhos claros. Mordi os lábios; estava na hora de partir pra ofensiva.

− Nick, ela só vai te machucar, te usar, te dobrar e jogar fora. – Senti uma explosão começar a despontar em mim. – Ela vai mentir, vai falar que te ama, e no fim vai terminar com você e te largar e negar que disse tudo isso.

− Por que você acha isso?

− Intuição feminina! Me escuta; você não pode ir lá! – O descontrole foi aumentando; se nenhum de nós dois parasse logo com aquilo, do jeito que eu estava uma pilha de nervos, eu iria entregar o jogo.

− Por quê? Pode me explicar mesmo, de verdade, dar uma razão sólida?

Já tínhamos atraído alguns olhares, mas mantínhamos o tom controlado o máximo que podíamos. Por isso, ao invés de gritar, o que seria melhor, senti a onda de calor que me transformava no meu outro eu e vociferei:

Eu não tive tanto trabalho com ela pra você descobrir e me odiar no fim!

Pronto. Eu via uma cena em câmera lenta na minha cabeça: dados caindo, como em Death Note.

Um dado, dois dados, três dados.

− Como assim? Você... Você conhece Juliette? – Já não adiantava mais esconder. Eu havia praticamente gritado; como as pessoas não viam? Portland deve ser bem agitada mesmo. Pelo menos era um pouco de privacidade. E Nick tinha falado com um tom tão... Surpreso e raivoso.

− Sim.

Quatro dados, oito dados, doze dados.

− Quanto trabalho você teve? – Comecei a sentir meus olhos arderem e as primeiras lágrimas me escorrerem o rosto; por isso, ele amenizou o tom de voz. – O que quer dizer com trabalho?

− Eu a ameacei para que ela não te magoasse mais e te deixasse em paz... E para que ela não entregasse que foi eu quem a ameacei.

Vinte dados, trinta dados, quarenta.

− Quando foi isso? – Ele enxugou meu choro com dedos que mal tocavam meu rosto. Mas a sensação era que ele queria era me socar até que eu ficasse sovada.

− Dois dias atrás...

A cidade de dados caiu por completo. Mil dados, milhões de dados atingindo o chão. O ofego indignado de Nick entregava tudo; ele estava com ódio. Ódio de mim. Ele não ia desistir.

Meus esforços para me manter segura, com Nick me amando, foram destruídos por mim mesma.

− Eu vou ver Juliette, Alicia. Desculpe.

− Por que nossa amiga está chorando?

Emily e Bárbara estavam de pé do nosso lado.

Ótima introdução.

*

As duas me consolaram tão rapidamente quanto começaram a interrogar Nick sobre o porquê do meu choro. Emily e Bárbara começaram a despejar as perguntas sobre ele tão rápido que tenho certeza que Nick entendeu como seus suspeitos se sentem. As duas pareciam trabalhar pra polícia.

− Olá, Nick. – Emily começou. Fiquei com pena dele; completamente perplexo e travado.

− O-oi.

Eu não sabia se ria ou chorava por ele. Eu queria pedir: por favor, não peguem pesado com ele, a culpa é tudo da ex vadia cachorra traidora dele. E aí uma dose de raiva se misturava à tristeza e eu chorava mais ainda. Quando eu começava a chorar, todos os sentimentos se vertiam em lágrimas; elas eram minha válvula de escape.

− Calma, mana – Bárbara deslizou os dedos pelas trilhas de lágrimas gentilmente. – OK, Nicholas, eu sou Bárbara e essa é Emily. Se você não nos convencer quanto às suas respostas, e se a Alicia não confirmar, nós duas não vamos ter piedade do seu rostinho lindo. – Mesmo com os olhos embaçados, vi o quão vermelho Nick ficou com isso. – Comece, Emily. – Barbie começou a enxugar meu rosto com um lencinho saído do além.

− Por que chamou nossa irmã de coração aqui?

− Eu queria lanchar com ela. Faz um tempinho que eu não via a Alicia.

As duas pararam e se entreolharam. Teriam que decidir a verdade por si só; eu não tinha como confirmar muito.

− Ally, ele mostrou outra intenção fora essa?

− N-não. – Funguei, e Bárbara me deu outro lencinho pra assoar o nariz.

− Minha vez. – Bárbara jogou o lenço sujo longe. – E como foi que você chegou ao ponto de fazer nossa irmã chorar?

− Alicia perguntou o que tinha acontecido de novo comigo, eu disse que a minha ex tinha me ligado e queria me ver, ela tentou me convencer a não ir vê-la, quando perguntei o porquê, ela disse que não queria que eu ficasse mal, aí nós discutimos e... Chegou nisso.

− Alicia? É verdade? – Emily faltou girar o pescoço 180° pra me olhar. Nick fez uma cara de espanto muito legal, que me fez rir um pouco.

− Eu comecei a chorar porque confessei pra ele que ameacei a ex dele e porque ele não quer saber de me escutar. – Resisti ao impulso de xingá-la até não conhecer mais palavrões.

As duas olharam feio pra Nick, que ficou meio ofegante e se afastou um pouco. Quando tornaram a olhar pra mim, deu pra entender um pouco mais (fora o fato de que as duas tem um olhar assassino perfeito); olhos coloridos. Woge; embora elas tenham desfeito assim que me olharam.

Como eu amo essas meninas.

− Podemos matá-lo só um pouquinho? Juro que ele volta intacto – Emily juntou as mãos como se fizesse uma prece e me pediu com carinha fofa. Eu ri.

− A culpa não é dele. É da ex dele. Se ela não tivesse traído o Nick...

− Desculpe dizer, Alicia, e você pode puxar meu cabelo se quiser, mas você também tem sua culpa no cartório. Afinal, você ameaçou a ex dele, e tal...

− Mas isso foi antes de eu descobrir que ela não traiu o Nick por querer. Longa história. Mesmo assim, concordo com você. – Eu já conseguia falar sem tremer; minha voz já estava controlada. – Sou culpada.

− Mas ele não devia ter te feito chorar! – Emily quase gritou.

− Com isso eu concordo – Bárbara acrescentou. – Acho que devemos fazê-lo chorar também. – Ela fez cara de pensativa.

− Não, a culpa não foi dele. Eu comecei a chorar sozinha – Em parte, isso era verdade. Mas um pouco da rispidez de Nick também tinha colaborado pro meu estado. Pude ver a gratidão no rosto dele.

− Por que não consolou Alicia? – Emily perguntou. – Quer dizer, vocês são irmãos, não são?

− Somos. Eu quero e acho, pra ser sincero... – Nick falou.

Como assim você acha? – Bárbara por pouco não jogou Nick no chão. – COMO ASSIM? Vocês são a cara um do outro e você acha? Quer dizer que você tem dúvida? Depois de tudo o que ela fez por você, de ter te defendido, de ter matado por você, você acha?

− Depois de dezoito anos crescendo sozinho, acha também que é fácil engolir um irmão de primeira? – Nick se defendeu, erguendo-se e encarando Bárbara nos olhos. Por mais que fosse o Nick, ela não deve ter curtido aquilo. – Eu amo a Alicia. E sim, eu quero que ela seja minha irmã, e tenho quase cem por cento de certeza de que ela é minha irmã, e a história dela faz sentido, e ela é minha irmã. Mas não acha que depois de anos como filho único eu tenha meio que me acostumado muito com isso?

− Como você ousa... – Quase pude ouvir a woge nas íris dela. Eu não tinha ideia de como Nick estava aguentando ficar ali, parado, olhando-a daquele jeito tão Grimm.

– Parem, vocês dois! – Gritei e afastei-os, fazendo ambos caírem sentados na grama. – Bárbara, Nick está certo, eu também me sentiria assim. E Nick, a Bárbara só está me protegendo, porque nós fugimos juntas, somos tudo uma pra outra. Nós fazemos isso o tempo todo.

− Bom saber. – Nick se levantou. – Para o governo de vocês duas, eu não gosto de ser enfrentado, e se for, acho que vou ter como me defender.

− Nós também não gostamos que nenhuma de nós seja provocada ou magoada. E se quiser continuar vivo, seria bom ir embora.

− Parem vocês! – Gritei de novo. – Que saco! Nem minhas amigas e meu irmão se aguentam! Vou ter que viver no meio de um fogo cruzado agora? Obrigada por me protegerem, vocês duas; Nick, obrigada por hoje e me desculpa, ok? Estou sinceramente arrependida do que fiz. − Levantei-me também, batendo a terra do short e amarrando a jaquetinha na cintura. Continuei, com a voz de uma ditadora:

– Muito obrigada, pros três, isso. Mas não estou a fim de ouvir vocês falando mal um do outro na minha orelha pro resto da vida! – Os três começaram a falar, mas eu interrompi: − Não quero saber! Meu irmão importa pra mim, Emily e Bárbara, e minhas amigas-irmãs importam pra mim também, Nick. Eu achava que vocês iam gostar um do outro. Mas desse jeito, eu não ia nem ter apresentado! Ou vocês aprendem a conviver ou eu vou dar um tempo! E pode ser dos três! − Apontei cada um deles.

− Alicia... – Bárbara tentou falar, e senti-me mal por um segundo antes de continuar:

– Muito, muito valeu, mesmo, por me defenderem e lancharem comigo. Amo vocês três do fundo do meu coração, e vocês sabem disso. Mas essa é minha palavra final! – Comecei a ir embora, e ouvi Nick chamar:

− Mana, você veio comigo...

− Não interessa! Eu volto a pé!

*Bárbara*

Eu, Emily e Nick só pudemos observar Alicia afundar os saltos na terra enquanto ia embora.

Eu queria gritar com ela, poxa. Nós tínhamos a defendido! Tínhamos ficado do lado dela enquanto ele não tinha ficado! Nós fomos as defensoras dela! Depois ela quer saber o porquê de estarmos magoadas.

Mas era fácil de entender, também, porque ela tinha gritado com a gente. Eu mesma não ia aguentar viver com pessoas que se odiavam, que ficavam, como ela disse, falando mal uma da outra pelas costas. Dava pra compreender.

Mas não dava pra não ficar nem um tiquinho sem raiva.

− Como ela faz isso com a gente? – Olhei pra Emily e gesticulei com a mão aberta na direção em que Alicia fora. – Dá pra entender, mas...

− Pior que dá. – Ela olhou pro homem, que continuava olhando pra lá. Ele era uns três dedos mais alto que a gente. Eu estava com tanta raiva dele que não podia acreditar que tinha achado ele bacana. Nick, naquele momento, estava pior que um Verrater. – Ei. – Ela o cutucou.

− Que foi? – Ele olhou pra nós duas, com os braços cruzados. – Vão continuar o sermão? Podem começar, estou arrasado mesmo. – Ele se jogou de volta na grama, cruzou os braços sobre os joelhos e apoiou a cabeça neles.

− Espero que isso seja verdade – Falei, fechando a mão em punho. Nick olhou bem pouquinho pra mim.

− É verdade.

− Vocês não ouviram o que ela falou? – Emily pisou forte, apontando pro outro lado como eu fiz. – Se não conseguirmos nos desculpar, ela pode ir embora!

− Alicia não disse que ia embora. – Nick falou.

− Alicia disse que ia “dar um tempo” de nós três, e isso, na língua dela, é ir embora. – Emily revirou os olhos. – De qualquer maneira, temos que esquecer que ele a fez chorar e que nós brigamos com ele, e nos entendermos.

− Eu não a fiz chorar.

− Mas também não a consolou.

− Eu enxuguei as lágrimas dela. Uma vez, mas enxuguei. – Nick mexeu no cabelo, bagunçando-o. – Aliás, como vocês chegaram aqui mesmo?

− De moto. – Emily revirou os olhos mais uma vez.

− Emily, para com isso que você tá ficando patricinha. – Reclamei, e ela me olhou feio. – É pro sem bem, mulher. Enfim. – Peguei uma mecha do meu cabelo e fiquei alisando e penteando com as unhas. − Viemos espiar – Confessei, sob mais um olhar feio de Emily. – E também queríamos nos juntar à festa. Faz um tempo que a gente fica ouvindo e vendo ela ir e vir de perto de você, e pra ter matado três Verraters, sendo, muito provavelmente, um deles híbrido, você é bem forte. Decidimos ver de perto.

− E eu decepcionei? – Nick perguntou, com um sorriso, e voltei a achá-lo legal. Um pouco, mas já estava voltando.

− Só no fato de que achávamos que você nunca a iria fazer chorar. Mas você é bem durão. – Falei, com um sorriso.

− Pare com isso, Bárbara. Não seduza o homem. – Emily andou até Nick e colocou as mãos na frente dos olhos dele. – Não presta atenção nela não, tá? Ela só tá carente que tá todo mundo arrumando namorado e ela solteirona.

Nick riu.

− Coitada dela, Emily.

− Precisa esfregar na cara? – Perguntei, colocando uma mão no peito. – Só porque eu tô de vela! – Fingi enxugar uma lágrima. – Vou ficar pra titia mesmo.

− Eu não acho. Você é bonita, Bárbara. Deve ter um garoto que se interesse em você. – Nick falou, solidário. Olhei pra ele, grata.

Gostei dele!

− Oh, obrigada. Você não é do mal, afinal! – Respondi, fingindo estar emocionada. – Você seria esse garoto?

− Meu Deus! Bárbara! – Emily tapou os ouvidos do Nick, dessa vez. – Quer largar disso? Ele está compromissado!

− É verdade, desculpe. Já amo uma mulher na minha vida. Não posso ter duas. – Ele concordou, balançando a cabeça.

Isso me tocou até a alma. Que fofo, que apaixonado, que...

− Oooownn! – Eu e Emily ofegamos. – Que fiel!

− Eu quero um homem assim, agora – Emily fingiu enxugar uma lagriminha.

− Quieta o facho que você já tem um – Retruquei, rindo. – Satisfação, Nicholas. − Ajoelhei-me na frente dele e lhe estendi a mão, sendo retribuída. – Bárbara Christine.

− Porque o prazer vem depois – Emily caiu na gargalhada e eu lhe dei um tapa forte na canela, que ficou tão vermelha quanto meu rosto.

− Sua besteirenta! Vai virar freira, menina!* Safada! – Continuei a bater nela, enquanto Nick também ria, e Emily rolava de tanto rir, também.

− Ai, desculpa, não aguentei! – Ela enxugou as lágrimas de verdade que escorriam pelo seu rosto. – Nick, sou Emily Cooper. É muito bom te conhecer.

− Igualmente. – Nick apertou a mão dela de volta. – Embora nos primeiros momentos não tenha sido tão legal.

− Não comente isso. – Emily apontou o dedo na cara dele. – Vamos esquecer que isso aconteceu, ok? Alicia já deve estar em casa, e não quero que ela saia quebrando tudo. Quer ir jantar lá qualquer dia desses?

− Hum... Pode ser. – Ele deu de ombros. – Onde fica?

− Mando Alicia te passar o endereço. – Ela também deu de ombros.

− Dá pra vocês pararem com o shrug*? – Falei, irritada por ter sido deixada de canto.

− Ain, Boneca! Não fica assim! – Ela me abraçou pelos ombros, apertando-me. − Agora falta saber de quem ela tá com ciúme.

*Alicia*

Olhei pra trás pela décima vez. Nenhum deles estava me seguindo.

Eu havia ficado muito, muito irritada. Nick, Emily e Bárbara eram as coisas mais importantes do mundo pra mim; se eles não se dessem bem, acabava minha vida. Eu não queria passar por uma situação deturpada de pai que não quer aceitar o namorado da filha. Nesse caso, eram mães, mas a essência é a mesma.

Se eles ficassem com picuinha, com “ai eu não suporto ele/ela” de um lado pro outro, eu ia explodir. Eu ia ter que sair da casa da Emily, porque eu não estava nada a fim de ficar na terra de ninguém, enquanto os soldados nas trincheiras se preparavam para se matar.

Muuuuito agradável.

Continuei andando, irrequieta, desviando das pessoas no meu caminho, batendo o short por baixo da jaqueta para livrá-lo de qualquer sujeirinha guerreira que pudesse ser tirada à mão, até que decidi parar. Eu já devia estar do outro lado da cidade; sentei-me em um banco que, com sorte, estava ali perto. Olhei para o outro lado da rua e levei um leve susto.

Lá, na outra calçada, tinha um moreno alto, com cabelo repicado, de corpo aparentemente musculoso, ombros largos, com uma barba leve, rosto bonito, usando uma jaqueta jeans verde com as mangas dobradas até os cotovelos, uma blusa branca e uma calça jeans clara.

Eu fiquei paralisada. Ele olhava fixamente pra mim, o que poderia ser coincidência, mas eu tinha lhe reconhecido. Ele também devia.

Aquele rosto.

Eu nunca esqueceria aquele rosto, não só por sua beleza, mas também pelo o que seu dono fez.

Vi ele piscar, e uma pessoa passou na sua frente. Quando meu campo de visão para ele ficou livre, pude ver a cor de seus olhos, e tive a confirmação. Ele lembrou de mim.

Olhos coloridos, assim como os meus. Multicoloridos. O esquerdo era laranja, o direito, verde.

Transformei minhas íris também, para que ele reconhecesse e tivesse certeza de mim. Todo o mundo tinha parado a nossa volta. Era só eu e ele. Verde e vermelho, laranja e amarelo. Meu coração parecia estar batendo bem ritmicamente, um pouco mais rápido, por causa de tudo aquilo. Dele.

Ele piscou e seus olhos voltaram ao normal, fazendo-me seguir seu exemplo. Não sei por quanto tempo ficamos nos encarando, mas em algum instante, levantei-me, abalada e chocada e confusa, e comecei a ir para casa.

Michael Van Healm, o cara que salvou minha vida, o Mehinstinkte que havia me ajudado, estava ali em Portland.

E tinha se lembrado de mim.

*Mihaela*

Jaline sabia que tinha pouco tempo. Algo lá no fundo lhe alertava aquilo: você tem que se apressar, ou Emily nunca saberá a verdade.

Line tinha sido esperta; quanto mais coisa levasse, pior. Logo, ela compactou todas as roupas necessárias em uma bagagem de mão, que podia ser levado junto com o viajante; assim ela economizou bastante tempo sem ter que ir pegar sua mala. Mas ela ainda tinha coisas para fazer; trocar dinheiro, alugar um carro...

Assim que suas pendências estavam resolvidas, e ela, com um carro novinho, Jaline pode respirar um pouco. Sentia-se uma pilha de nervos, e também uma pontada de arrependimento por ter insistido em viajar para os Estados Unidos sozinha. Mas tinha que aguentar, era tarde demais para pedir que Jaret fosse até lá. Ele fazia falta...

Sem se permitir o luxo de gastar tempo, ela deu partida no carro e começou a disparar pelas ruas fazendo o máximo que podia para não ultrapassar o limite, refazendo o trajeto para a casa de sua irmã da maneira que se lembrava. Perdeu-se algumas vezes, mas depois de uns momentos virando esquinas aleatoriamente, reencontrou a rua que se seguia até seu endereço.

A cada quilômetro mais perto dela, era uma batida a mais que seu coração acelerava. Ela ficava cada vez mais nervosa, percebia sua mão suando, o carro esquentando.

Quando viu a casa, estava à beira de um ataque de histeria, de tão tensa e elétrica que estava. Mas, com um pouco de determinação, conseguiu estacionar o carro na frente da casa e saiu, com as pernas tremendo.

O portão estava aparentemente fechado, então ela parou e tocou a campainha, aproveitando para encostar-se na estrutura e recuperar o equilíbrio. Por que você está assim, Line? É só... Não há nada de errado, relaxe.

Ela ouviu a porta ser aberta e olhou na direção do som: era Carla, com sua aparência magistral e andar de, como dizia Emily, “rainha do vodu africana”. Line ficou de pé, firme, ou o mais firme que podia.

− Oi, Carla. – Ela disse, com seu tom mais simpático. – A Emily está?

− Oh, Jaline! – Ela realmente pareceu surpresa. – Que surpresa... Emily saiu há alguns minutos.

− Posso entrar? É urgente... Não tem nada a ver com a Desirée. É muito importante...

− Claro que pode, querida. E pelo jeito precisa de um copo de água com açúcar também... Me dê sua bolsa.

− Ah, obrigada, não precisa.

*

Line acabou sendo instalada em um dos muitos quartos de hóspedes da casa, para que ela relaxasse antes de falar com a irmã. O copo repousava no criado mudo, o seu volume na metade.

“Pode descansar, querida, se quiser tomar um banho, qualquer coisa... Sinta-se livre. Se precisar de mim, só grite.”

Carla havia sido tão atenciosa que Jaline queria beijar-lhe o rosto em agradecimento. E também não queria lhe interromper no que quer que ela estivesse fazendo, logo, ela só estava deitada na cama, tentando relaxar.

Pelo amor de Deus, estou parecendo uma idiota. Line caminhou até o banheiro e jogou um pouco de água no rosto e pescoço, com cuidado para não molhar suas roupas. Olhou-se no espelho, o reflexo parecia acabado. Um pouco de olheiras, um olhar cansado, sem brilho.

− Line? Emily acabou de me ligar, está voltando para casa.

*Emily*

− Carla?

Bárbara estava sentada sobre o banco da moto, balançando as pernas suavemente. Como Alicia tinha partido em fúria, eu tinha que saber se a minha casa ainda estava em pé.

Alô?

− Ah, oi, Carla. A Alicia chegou aí em casa?

− Não... Achei que ela estava com vocês.

− Hum, não, rolou uma briguinha aqui e ela ficou puta e foi embora. E achei que ela tinha ido pra casa... Como ela é meio psicopata, achei que tudo aí já tinha caído.

− Ah não, relaxe. Você já está voltando?

− Sim. – Começou a ventar, e tive que tirar uma mecha de cabelo da boca para continuar: − Se ela aparecer, me ligue, ok? Estamos indo praí.

Ok, querida.

Desliguei o telefone e gesticulei pra Bárbara sair da sela da moto. Ela não saiu.

− Faz favor? – Apontei o chão e ela revirou os olhos, pulando da moto.

− Alicia tá em casa? – Ela perguntou.

− Não... E não tenho ideia de pra onde ela foi. – Subi no veículo, segurando-me para que Barbie pudesse subir também. Senti um leve baque quando ela sentou. – E você?

− Alicia pode estar até em Dakota do Sul, do jeito que ela saiu do parque. – Bárbara passou os braços por baixo dos meus pra se segurar. – Só o que dá pra fazer é esperar ela voltar pra casa, aí a gente lida com o bicho de sete cabeças que ela vira.

Eu ri baixinho e dei partida na moto, avançando pelas ruas. O legal da moto é isso; o vento, a sensação de liberdade; “eu sou dona da rua”. Bem libertador.

Chegamos rápido em casa, ou eu estava prestando tanta atenção na rua que não percebi nossa aproximação. De qualquer maneira, não era pra ter um carro bonitinho prata na frente de casa.

− De quem é aquilo?

− Não sei... Não deve ser gente ruim, ou Carla não teria deixado entrar. – O portão estava aberto, então entrei com a moto em casa, estacionando-a na lateral do pátio.

− Vamos. – Barbie pulou da moto, dando-me espaço pra passar com a perna por cima da sela. Saltos estalando em direção à porta, abri-a devagar.

− Oi de casa? – Chamei, e Carla apareceu, seu andar fazendo a sala balançar.

− Emily, querida, você tem uma visita.

− Percebi pelo carrinho na frente de casa – Apontei o portão com a unha. – Quem é?

− Sua meia-irmã.

*

Jaline estava na sala que minha mãe costumava usar para reuniões, tanto que acabou adotando esse nome. Não “sala de reuniões”; só Reunião.

Eu não queria entrar. Se entrasse, eu ia rasgar a cara dela com a unha, até não sobrar nada além de destroços. Mas Carla me acalmou o suficiente para que eu pudesse vê-la sem querer socar aquele nariz empinado até entrar de volta no crânio dela.

Abri a porta devagar, e a loira sentada na cadeira me olhou. Digo ‘a loira’ porque Jaline não teria manchas embaixo dos olhos, e seu cabelo estaria impecavelmente arrumado, não levemente bagunçado, como estava.

− Muita coragem sua vir aqui. – Falei, parada, junto à porta.

− Emily, sei o que pareceu. – Ela também se levantou. O que eu e Jaline tínhamos de igual? Olhos? Porque éramos quase o oposto uma da outra. – Mas eu...

− Tentou roubar o que é meu! – Gritei, sem dó. A sala tinha isolamento acústico mesmo. – Você tentou roubar o que é meu!

− Ninguém sabia se você estava viva! E foi um lapso! – Jaline se justificou, mentindo. Era mentira, eu achava.

− Lapso que durou o quê, quatro anos? Dúzias de viagens a negócios? Suborno pros meus advogados?

− Emily, não havia ninguém que dirigisse a Desirée decentemente! As vendas caíram, Emilia não estava dando conta! Ela pediu minha ajuda algumas vezes! Não fosse por mim...

− E você se aproveitou? − Encostei-me no batente da porta. – Tentou negociar? Quanto valeria a parte ocidental do império de joias da senhora Cooper? – Falei, fingindo uma voz pensativa, olhando pra cima. – Duzentos milhões? Quatrocentos? Uns quinhentos... Isso paga, não paga?

− Eu...

− Não! A Desirée ocidental é minha! Está no testamento, era o que a mamãe queria! Você não respeita nem o desejo dela!

− Eu não vim aqui pra isso! – Ela gritou, e eu tive que recuar. Nunca na minha vida que eu pensaria em ver a Line se descabelando, sempre tão fina. – Que fazer a merda do favor de me escutar?

Recuei. Loiras podiam ser malvadas, muito malvadas.

− Ué? – Perguntei, realmente confusa. – Se você...

− Eu vim pra salvar a sua vida! – Jaline gritou, e eu fiquei realmente espantada. – Me escuta?

OK, parou.

Avancei pé ante pé até a cadeira que ficava de frente para Jaline, com a guarda alta. Não dava pra entender. O que diabos poderia me ameaçar?

Line não sabe da transformação. Uma vozinha sussurrou, e entendi: ela ainda achava que eu era Spinnetod. Sem problema; mas eu ainda estava curiosa.

− Me salvar? – Perguntei, a voz baixa, medida, e me sentei. Line fez o mesmo, cruzando as mãos na sua frente. – Como? Quer dizer, sem ofensas, mas...

− Eu sei o que você virou.

Ok, teoria descartada.

− Como você sabe? – Grudei as costas no encosto da cadeira.

− Eu chego lá. – A loira levantou uma mão, pedindo silêncio. – Há quatro dias, se não me engano, recebi uma ligação. Era uma garota da Verrat, que queria que eu desse algumas informações pra chefe dela. Ou melhor, ela estava me ordenando, porque sabia que eu sabia de pelo menos uma coisinha que fosse lhes ajudar.

− E por que você diz que era uma ordem? – Questionei, olhando-a de canto de olho.

− Ela disse que se eu não falasse, iriam atrás de quem me fizesse falar. Tive que disfarçar, fingir que queria colaborar porque, afinal, eu tinha cobertura. Minha tentativa de tentar te tomar a empresa da mamãe me ajudou nessa.

− A garota não desconfiou da pergunta?

− Falei que perguntei pra saber se ela realmente estava falando sério ou não era um trote. Acho que ela caiu, não sei dizer... Deve ter me achado insolente; usei um tom característico assim que notei do que se tratava.

− Ah.

− Enfim; eles me perguntaram sobre você, e eu tive que fingir que te queria morta, porque foi essa a impressão que passei no telefone. Tive que falar onde você morava e onde você costumava ir.

− Verbos no presente, por favor. – Acenei com a mão, a raiva despontando... De novo. – Você disse que me queria morta?

− Pelo disfarce. Eu não te quero morta... – A unha dela começou a fazer desenhinhos no vidro temperado da mesa. – Ela me disse que, mesmo com eles fazendo tudo certo e tal, vai demorar um pouco menos de um ano, foi o que eu entendi. “Em menos de um ano”. Eu menti no que pude. Achei que você nem estava em Portland, ou que você não poderia mais morar aqui... Acredite em mim, eu estava praticamente com uma navalha no pescoço do meu pessoal. E no meu.

Ponderei um pouco sobre o que ela falou. Jaline não tinha motivos para mentir sobre aquilo, tinha? Se me quisesse morta, não teria se dado o trabalho de vir aos Estados Unidos para me avisar. Ou ela queria me deixar alerta e com a guarda baixa para ela pegar tudo?

− E por que você está me dizendo tudo isso?

− Porque você é minha irmãzinha. Eu gosto de você, poxa. Lembra quando a gente ia no shopping junta? – Ela sorriu, e eu não pude evitar sorrir também. Claro que lembrava.

− Humrum. Você só não comprava o shopping porque caía em si quando já não podia mais carregar sacolas. – Sorri. Umas duas vezes, ou menos, eu e Line voltávamos pra casa de braços abertos, por causa de tantas sacolas. Ouvimos tanto da nossa mãe que decidimos que não poderíamos passar dos antebraços.

− E quando a gente ia comer fora?

− Ah, eu adorava! – Ri, lembrando de quando costumávamos escapar para ir comer em restaurantes chiques. Com isso nossa mãe não surtava tanto, mas era muito legal.

− Viu? Eu precisava vir te falar. Eles já devem estar chegando... Você precisa tomar cuidado.

− É... – Olhei para o tampo da mesa, arrependida de ter gritado com Jaline. – Qual era a aparência da mulher?

− Não vi muito... Ela estava com o cabelo preso e usava aqueles óculos grandes, que tapam as maçãs do rosto... Mas tinha uns lábios bem feitos e coradinhos; o queixo dela tinha um corte bem pequeno, não era aquela coisa afilada, mas também não era quadrado... O rosto dela parecia ter um formato oval ou triangular. O cabelo era castanho, não daquele quase preto, mas que só lembra preto e tá na cara que é castanho.

− Do tipo que parece ruivo no sol?

− É... A janela deixava as pontas do cabelo dela ruivo, é verdade. Acho que é um tom mais escuro que o típico castanho chocolate. As maçãs do rosto dela, só deu pra ver a beira, eram meio levantadas... Acho eu. Desculpe, sou horrível com descrições...

− Tudo bem. Eu não iria imaginar direito mesmo... – Ela riu, abaixando a cabeça e colocando o rosto nas mãos. Fiquei repassando quem no asilo poderia ter aquele rosto, mas não lembrava de muitos rostos. – Ai, não lembro de ninguém...

Olhei para Line. Ela olhava para cima, avoada. Fiquei preocupada com ela; e se a Verrat descobrisse que ela tinha me contado? Eles poderiam matá-la, e eu não deixaria isso.

− Venha morar aqui em casa, Line.

− O quê?

− Temos cômodos o suficiente pra você e quem quer que você queira trazer. A Verrat é atenta; se eles tiverem notado que você veio me falar, eles te matam.

− Um deles tentou matar meu segurança e minha secretária.

− Onde eles estão?

− No hospital... – Suspirei. Eles já sabiam; até que conseguissem matar Jaline, não iriam parar.

− Então eles já sabem. – Vi os olhos de Line brilharem, e arquitetei um plano rápido: − Você tem que aumentar a segurança. Ou, se possível, mude a Desirée de lugar. Contrate mais seguranças, mande todos trancarem cada maldita porta e janela de suas casas. Se quiser, mande as pessoas mais importantes de lá virem para cá, e deixe lá a menor quantidade possível de pessoas. Podemos mandar aumentarem a sede aqui, e administramos o negócio a distância. Você não pode voltar pra França, porque eles estão querendo te matar, e vão matar quem quer que precisem para te fazer voltar. Quanto a sua secretária e o seu segurança no hospital, guardas nas portas. Eles são os mais vulneráveis. Quem você acha que eles sabem que pode te fazer voltar pra lá mais rápido?

− Não sei... – Uma lágrima escorreu pelo seu rosto. – Estou preocupada com eles... Jaret, Jiovanna, Karen, Ethan, Mia, Lovatte...

Pulei da minha cadeira e abracei Line o mais forte que pude. Ela estava correndo muito risco; a Verrat não era de ser piedosa, muito menos de desistir.

− Faça o que eu te falei. Mude-se pra cá. Traga seu pessoal. Temos quartos pra noventa e oito pessoas aqui... Posso pagar casas, hotéis, o que for necessário. Sei que você pode também. Vamos fazê-los pagar. Eu prometo.

Ela acenou com a cabeça e enxugou seu rosto com a blusa.

− Quer lenços?

− Não, tudo bem... – Ela começou a se controlar. – Tem mais... Pedi pra Jaret que te arrumasse seguranças...

− O problema agora não sou eu, mana, é você. − Agachei-me. – Ligue pra quem for. Vamos fazer isso agora. Eles querem jogar, então não vamos perder tempo.

*Mihaela*

− Onde mesmo que nós não podemos ficar? – Blade perguntou, virando a décima nona esquina.

− Um tal de Strain-sei-lá-o-quê da vida... – Scheila jogou uma balinha na boca. – Vamos logo, estou louca pra tomar banho, cacete.

Naomi enviou uma mensagem para o número de Michael: “chegamos”, e encostou a cabeça no banco do carro. Ela olhou para as bolsas de dinheiro ao seu lado.

− Ela precisa de tudo isso? – Mi não evitou espiar a quantia ali dentro. Dava para sustentar-lhe por anos sem que ela precisasse trabalhar.

− Dessa vez, a garota está investindo. – Blade respondeu. – Parece que vai ser um belo teatrinho pra gente realizar tudo. A “milady” tá achando que não tem erro...

Um bipe no celular de Naomi interrompeu a frase de Blade. “Já começamos.”

− Já começou...

− Então agora as coisas vão ferver.