Rikka

Ira me pressionou mais contra seu corpo, tremendo como se estivéssemos em uma geada. Escutei novamente seu pedido de perdão e diferente da primeira, me afastei um pouco para olhar seu rosto.

— O que está acontecendo?

Tentei ser o mais calma possível na pergunta.

Algo nisso tudo me chamou muita atenção, algo nesse olhar desesperado e assustado como se tivesse acabado de passar por uma situação terrível como naqueles filmes de terror. Não quero isso. Prometi protegê-lo e é isso que pretendo fazer. Vou cuidar do seu sorriso, pelo menos, enquanto puder, afinal não consigo ser dona da sua vida.

Alisei minha mão em seu rosto e abri um sorriso falho.

Ira, diferente da última vez, foi mais caloroso e calmo. Pude perceber que ele se acalmou com meu pouco gesto e assim, consegui retribuir o abraço com mais afeto. Acariciei seus cabelos esperando a minha resposta, talvez algo que demonstrasse que ele confia em mim, mas não consegui. Ficamos alguns longos segundos que, pra mim, pareciam minutos até que Ira me soltou sua primeira palavra em meus ouvidos.

— O que tem o Leva?

— Ele está desconfiando.

Sorri falsamente.

— Não sei como ele não desconfiou antes. Você vêm aqui quase todos os dias.

Percebi o silêncio que ficou. Não devo ter agido bem, mas respirei fundo e continuei.

— Vai ficar tudo bem.

Sei, eu não sou a melhor conselheira do mundo e nem a mais acolhedora na hora de consolar alguém. Na verdade, quando alguém está abatido perto de mim, a primeira coisa que penso é em apoiar a mão em seu ombro ou ficar perto dela e dizer que vai ficar tudo bem mesmo que exista mais possibilidade de dar tudo errado. É nessa hora que a Mana chega e consegue de fato animar a pessoa, ocupando totalmente meu lugar. Nunca precisei me preocupar com isso por tê-la em minha companhia e sempre ser a pessoa mais animada que já conheci na vida, mas nessa hora eu não posso tê-la. Admito que estou sentindo falta das grandes palavras motivacionais da Mana.

Ira me afastou um pouco de dele e me ameaçou com os olhares, ainda me mantendo em seus braços.

— Vou ficar melhor quando você parar de me expulsar da sua casa.

— Não estou te expulsando!

— Imagina se estivesse.

O abracei ou me deitei em seu peito pra ser mais especifica, feliz por ele não ter notado a meu desastrosa talento em animar alguém. Me arrepiei um pouco ao sentir sua boca perto da minha orelha quando abaixou a cabeça, como se estivesse apoiando seu queixo no próprio peito. Se fosse ele no meu lugar, tenho certeza que se afastaria de imediato e brigaria a qualquer custo dizendo que o viesse na cabeça, ainda mais por ter a possibilidade dele sentir meu coração bater mais forte, mas é tão gostoso poder ouvir ou sentir os batimentos dele. Não sei se meu rosto corou por nervosismo ou por encantamento.

— Eles fizeram isso pra te descobrir.

— Mas não conseguiram, eu espero.

Ira negou e apoiou seus braços nas minhas costas. Sorri, orgulhosa dele e me levantei um pouco para olhá-lo em seus olhos. Fizemos até mesmo em sincronia.

— Estamos juntos nessa, não carregue todo o peso sozinho.

Ele sorriu, o sorriso mais lindo e sapeca que já conheci.

Voltei a me apoiar no seu peito, dessa vez me apoiando no chão para não jogar todo meu peso para ele. Ira, por outro lado, já apoiou a sua mão na minha cabeça, me fazendo sentir o leve toque nos meus cabelos.

Algo está acontecendo aqui...!

— O que você está fazendo?

O olhei, por cima de toda sua roupa que escondia meu rosto, ou o dele, no caso. Ele deu um sorriso malicioso e um tanto sapeca enquanto ainda continuou a mexer nos meus cabelos. Foi quando senti as tranças caírem.

— Ei! Quem disse que podia soltar?

Ira pegou uma das minhas tranças e começou a desfazê-las, me ignorando totalmente. Comecei a me ajeitar, buscando posições que deixassem minhas mãos livres para impedi-lo, mas parei no momento em que escutei sua voz novamente.

— Sempre quis ver seu cabelo de outros jeitos.

— Que jeito?

Perguntei, um pouco apreensiva.

Espero que ele não esteja querendo pôr aquelas coisas infantis no meu cabelo...

— Sei lá, presos ou com aqueles laços, ou aquelas flores. Deve ficar bom em você.

— Se você quiser, eu faço alguma hora.

Não é só isso.

Pensei após observar sua expressão mudar, e não para felicidade. Ira parecia olhar para mim, mas não me enxergar, como se estivesse distante em seus pensamentos, pensamentos que nem devem ser tão bons assim.

— Não tem medo?

Medo? Medo do quê?

Não falei isso para ele, só que pensei quase instintivamente.

— Do que tenho que ter medo?

— Sei lá, de tudo? Tudo pode acontecer agora e-

— Não, por que eu sei que vai acabar tudo bem.

O interrompi, respondendo firmemente. Já sei onde essa conversa vai chegar e com certeza ele vai se culpar um pouco mais pelo que aconteceu e continuar buscando motivos para ser o ruim da história. Como se nós tivéssemos culpa de alguém armar contra!

Achei que ele iria devagar ainda mais, mas logo fomos interrompidos por Raquel, avisando-me que recebeu uma ligação de Sharl e explicando sobre a ligação. Aparentemente Aguri quer nos ver para discutir o que aconteceu há algumas horas atrás. Tinha até me esquecido que Ace apareceu logo após Ira ir embora, nos questionando um pouco sobre o ocorrido estranho e repentino.

Como se todos os ataques deles não fossem "do nada".

Respirei fundo e arrumei meu cabelo que ficou bagunçado por um certo alguém e esse certo alguém se despediu e foi embora.

Me preparei mentalmente para mentir nos últimos casos. Ainda não estou pronta para falar do meu relacionamento com todas, principalmente com Aguri. Sei que ela não é tão ruim, mas sua rigidez e cautela pode me trazer prejuízos que não estou disposta a lidar de momento.

Passei na casa de Mana antes de irmos até o café marcado.

— Ele está bem?

Então ela também percebeu.

— Sim, parece que foi tudo planejado.

— Será que agora eles estão descobrindo?

— Acredito que sim.

— Vocês têm que tomar mais cuidado!

Mana mudou o tom de voz como se estivesse me repreendendo. Não consegui deixar de sorrir por estar se comportando dessa forma comigo.

— Sabe, não quero pedir pra ele aparecer menos em casa.

Rapidamente foi a vez de Sharl e de Raquel para me darem a voz da razão mostrando o quanto é perigoso o que estamos fazendo. Nos vermos todos os dias é arriscado, disso não posso discordar, mas afirmar que não gosto de vê-lo sempre seria mentira. Talvez porque me acostumei e seria estranho não ter a casa com ele brigando algumas vezes com Raquel por estar perto demais? Não posso reclamar muito, pois os dois andam mais "amigáveis" se eu for pensar bem.

— Obrigada por estar sempre comigo, Raquel.

Os olhos de Raquel começou a brilhar e o sorriso mais grande apareceu. Não pude evitar de me divertir com a sua reação e de agradecer mentalmente por ter um amigo como ele. Raquel nos questionou, aflito. No final, acabamos mudando de assunto enquanto aproveitei para me preparar ainda mais para a nossa "reunião".