Rikka

Olhei para Ira que espera no sofá e logo voltei a minha atenção para a panela a minha frente. Respirei fundo segurando o pote com a pipoca crua. Faz dois dias desde que Raquel começou a voltar com Mana.

Com certeza está bravo comigo...

Balancei a cabeça tentando tirar os pensamentos negativos e comecei a fazer a pipoca. Por mais que Ira estivesse aqui quase todo momento, sem Raquel me sinto como se estivesse nua, sem armadura caso ele me ataque. Resumindo melhor, estou indefesa, mas isso pode se tornar um teste pra mim. O quanto posso confiar em Ira e no quanto posso me defender está sendo jogado no tudo ou nada.

— Precisa de ajuda?

Ouvi Ira perguntar.

Em espanto, quase em impulso, meu celular que antes estava no meu bolso ficou em minhas duas mãos. Guardei-o totalmente sem graça e neguei o pedido de ajuda. Mesmo com todo constrangimento, adorei o fato de querer me ajudar.

Será que está querendo me agradar?

Essa ideia me preencheu de certa forma, disso não posso negar.

— Não imaginei que o tão poderoso e maléfico Ira está querendo ajudar os outros.

Brinquei já esperando seu lado explosivo e orgulhoso para cima de mim, mas não foi o que aconteceu, não totalmente. Ira se paralisou por alguns segundos e se irritou.

Ele não tinha percebido a oferta de me ajudar?

Não tive tempo para me questionar muito, pois precisei me segurar para não rir de medo.

Preciso reverter a situação!

— Ei! Eu só tava brincando! Não precisa levar tão a sério. Claro que quero sua ajuda!

Me embaralhei toda, não sei se foi para prevenir desastres maiores ou se foi por timidez. Senti meu coração bater mais forte e meu olhar foi para baixo. Sei, estou mentindo para ele. Não quero ajuda, só quero passar mais tempo com ele. Sou estranha, não? Fiquei ansiosa a pouco tempo por estar bravo e agora, fico constrangida por não saber como chamar sua atenção.

Sou muito idiota...

— Decide logo, porra! Quer minha ajuda ou não?

Evitei o olhar por alguns segundos enquanto processo o que dizer, ou melhor, entender como estou me sentindo. É uma mistura de tristeza, cansaço, felicidade e mais o meu peito doendo dizendo que existe algo mais além disso.

Me aproximei de Ira que se afastou um pouco, até parar encostado na parede. Aproveitei a oportunidade para abraçar-lo.

— Me desculpa, mas podemos ficar assim por um tempo?

Ira concordou, me puxou para perto dele utilizando a minha cintura enquanto aproveitei o momento para fechar meus olhos e desfrutar do momento.

— O que você têm?

Parei um pouco para pensar antes de responder. O que eu tenho? A verdade é que nem mesma sei.

Lembrei de Raquel que ainda não veio para casa e de toda nossa briga. Nunca tinha acontecido antes, é estranho não tê-lo por perto.

Então é isso...

— Sinto falta de Raquel...

Senti a respiração de Ira mudar e até na forma como me segurou, se tornou diferente. Não sei bem explicar essa situação.

— Eu estou aqui, não sou suficiente?

Olhei para Ira quase em sincronia com o mesmo. Seus olhos determinados a obter a resposta me fez entender o que se passou na sua mente quando falei aquilo.

Soltei um sorriso.

— Ira é Ira, Raquel é Raquel. Cada um é importante pra mim da sua forma.

Seu rosto passou do tom natural para vermelho sangue.

Resolvi me afastar para deixá-lo respirar antes de explodir realmente– e também porque deixei a pipoca estourando sem mexer. Ouvi se queixar de que não se importa com isso e entre outras coisas como aquelas personagens Tsunderes que odeia admitir suas vontades ou desejos. O mais prazeroso pra mim disso foi perceber que mesmo com todo esse orgulho, Ira transmite sua timidez gaguejando, o que também se torna fácil de lidar e entendê-lo.

Quando terminei de pôr a pipoca pronta na vasilha, olhei para ele que tinha se calado fazia um minuto.

Que fofo! Ainda está vermelho!

— O que está olhando?

— Eu terminei!

Afirmei, toda animada.

Ira veio e pegou uma para experimentar.

— As que como são melhores.

— Se você diz.

Confesso, senti meu orgulho ferido por perceber que não consegui agradá-lo em algo tão simples, mas pelo menos ele está comendo, o que não é ruim.

Observei sua postura e lembrei de seu comportamento nos últimos dias. A verdade é que se eu tivesse conhecido Ira antes de nos atacar, nunca diria que foi ou é um criminoso. Tentei achar detalhes que pudesse condizer com sua personalidade infantil, mas nada se concluí além do seu passado desastroso.

— Ei, Ira. O que têm de tão divertido em machucar os outros?

Ira me olhou confuso. Talvez por sempre viver com isso, a resposta seja óbvia como qualquer bebê aprender a andar.

— A forma como eles sofrem. Acho prazeroso ver alguém sofrendo. Não sei bem explicar.

Basicamente um sadista...

Confesso a decepção que senti por minha observação, mas não posso negar a mim mesma que a resposta é óbvia. Devo deixar de me enganar por minhas crenças. Ele não as têm e talvez nunca vai as ter.

— Mas e você? Por que gosta de ajudar os outros?

— Gosto de ver os outros sorrindo. Sei lá, imagino se fosse comigo. Também gostaria de ser ajudada em momentos difíceis.

— O que tem de tão divertido nisso?

Pensei um pouco, antes de responder algo incerto ou de qualquer forma. Se quero que me entenda e que o possa entender, devo ser sincera!

— É... Pode ser o sentimento de segurança ou de alguém se importar com você. Você saber que possa ser ajudado quando não conseguir fazer algo, é muito bom.

— Você é estranha.

— Talvez, mas você não gostaria de ser ajudado? Sei lá, alguém que te faça sentir bem e que essa pessoa te ajude quando precisar?

Vi sua expressão mudar e ficar fria, tensa, até mesmo chegando a ser medonho.

— Confiar nos outros é a mesma coisa de se ferrar. Uma hora ou outra, eles vão te apunhalar pelas costas.

Todas as pessoas me diriam para correr ou para deixá-lo de lado, pois não é uma opção agradável, muito menos racional de se seguir, mas muitos não enxergariam, talvez nem eu antes se realmente não sentisse nada por ele teria notado. Seu sofrimento expressivo no olhar me fez entender um pouco o que passou durante todo esse tempo e a desconfiança, só explica cada vez mais o quanto está sendo doloroso para ele a situação antiga e atual.

— Então... Eu posso ser a primeira pessoa a proteger seu sorriso?

Tentei ser o mais carinhosa e acolhedora possível. E nessa tentativa, o vi arregalar seus olhos e entrar em estado de choque. Imagino que nunca aconteceu isso e me vem mais a vontade de abraçá-lo para provar o quanto confiar não é realmente tão doloroso quanto pensa.

Ira desviou o olhar.

– Tanto faz. Não vou te impedir de tentar.